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N.º 17

SESSÃO DE 9 DE FEVEREIRO DE 1881

Presidencia do exmo. sr. Buque d’Avila e de Bolama

Secretarios — os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. — A correspondencia é enviada ao seu destino. — O digno par o sr. Vaz Preto manda para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro da fazenda. — Os srs. visconde de Gandarinha e Pequito de Seixas, são introduzidos na sala, prestam juramento e tomam assento na camara. — Votação e approvação do parecer. n.º 159, sobre a carta regia que elevou á dignidade de par o sr. Francisco Maria da Cunha. — O sr. presidente da camara declara que se acha na mesa a carta regia que elevou á dignidade de par o sr. Vasconcellos Gusmão, e que a enviava para a commissão de verificação de poderes. — O sr. Francisco Maria da Cunha é introduzido na sala, presta juramento e toma assento na camara. — Continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da coroa. — Considerações do sr. presidente do conselho (Anselmo Braamcamp). — O sr. Antonio Francisco Machado é introduzido na sala, presta juramento e toma assento na camara. — Continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da coroa. — Reflexões dos dignos pares os srs. Rodrigues Sampaio, Fontes Pereira de Mello, visconde de Chancelleiros, visconde de Seabra, marquez de Sabugosa, bispo de Bragança e ministro da fazenda.

Ás duas horas e um quarto da tarde, sendo presentes 40 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte:

Um officio do ministerio da guerra, remettendo copia dos documentos pedidos em requerimento pelo digno par D. Luiz da Camara Leme.

Para a secretaria.

Outro do ministerio da fazenda, accusando a recepção do officio de 4 de fevereiro corrente, com referencia ao requerimento do digno par sr. Vaz Preto, declarando que durante a presente administração, um só empregado d’este ministerio foi encarregado de commissão em paiz estrangeiro.

Para a secretaria.

Outro do ministerio da justiça, remettendo 100 exemplares das contas da gerencia de 1879—1880 e do exercicio de 1878-1879.

Mandaram-se distribuir.

Outro da camara municipal de Lisboa, remettendo no exemplares do discurso lido na associação dos advogados de Lisboa, na sessão solemne de 3 de novembro ultimo, pelo sr. Sousa Queiroga, advogado nos auditorios d’esta capital.

Mandaram-se distribuir.

(Estavam presentes os srs. presidente do conselho e ministros da fazenda, marinha e obras publicas, e entraram durante a sessão os srs. ministros do reino e da guerra.)

O sr. Vaz Preto: — Mando para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro da fazenda, e, ao mesmo tempo, estes documentos, que peço sejam publicados na folha official, a fim de que esta camara tenha conhecimento d’elles.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Nota de interpellação Pretendo interpellar o sr. ministro da fazenda ácerca do

despacho de Joaquim Tavares da Rocha para fiscal do real de agua no concelho de Castello Branco. — Vaz Preto.

Consultada a camara, resolveu que a nota de interpellação se mandasse expedir e que os documentos fossem publicados no Diario.

O sr. Presidente: — Consta-me que estão na ante-sala os srs. visconde de Gandarinha e Pequito de Seixas. Nomeio os dignos pares os srs. bispo de Vizeu e Sebastião Calheiros para os introduzirem na sala, a fim de prestarem juramento e tomarem assento.

Leram-se na mesa as seguintes:

Cartas regias

Visconde de Gandarinha, Sebastião Pinto Leite. Eu El-Rei vos envio muito saudar. Tomando em consideração os vossos distinctos merecimentos e qualidades, e attendendo a que vos achaes comprehendido na categoria 19.ª do artigo 4.° da carta de lei de 3 de maio de 1878: hei por bem, tendo ouvido o conselho d’estado, nomear-vos par do reino.

O que me pareceu participar-vos para vossa intelligencia e devidos effeitos.

Escripta no paço da Ajuda, em 8 de janeiro de 1881. = EL-REI. = José Luciano de Castro.

Para o visconde de Gandarinha, Sebastião Pinto Leite»

Antonio Pequito Seixas de Andrade, do meu conselho, ministro d’estado honorario, antigo deputado da nação. Amigo. Eu El-Rei vos envio muito saudar. Tomando em consideração os vossos distinctos merecimentos e qualidades, e attendendo a que pela vossa categoria de deputado da nação em oito sessões legislativas ordinarias vos achaes comprehendido na disposição do artigo 4.° da carta de lei de 3 de maio de 1878: hei por bem, tendo ouvido o conselho d’estado, nomear-vos par do reino.

O que me pareceu participar-vos para vossa intelligencia e devidos effeitos.

Escripta no paço da Ajuda, em 7 de janeiro de 1881. = EL-REI. = José Luciano de Castro.

Para Antonio Pequito Seixas de Andrade, do meu conselho, ministro d’estado honorario, antigo deputado da nação.

Introduzidos na sala, prestaram juramento e tomaram assento.

O sr. Presidente: — Acaba de me ser entregue a carta regia que eleva á dignidade de par do reino o sr. Joaquim de Vasconcellos Gusmão, a qual vae ser remettida á commissão de verificação de poderes.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: — Vamos entrar na ordem do dia, que é a discussão do parecer n.º 159, sobre a carta regia que eleva ao pariato o sr. Francisco Maria da Cunha.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

PARECER N.° 159

Senhores. — A vossa commissão de verificação de poderes foi presente a carta regia de 7 de janeiro de 1881, pela qual foi elevado á dignidade de par do reino Francisco Ma-

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na da Cunha, coronel de artilheria, antigo deputado da nação. Este diploma está em devida forma segundo os artigos 74.° e 110.° da carta constitucional e 4.° da lei de 3 de maio de 1878. E o documento junto prova que e agraciado está comprehendido na categoria mencionada na dita carta regia, por ter sido deputado da nação com exercicio nas oito sessões legislativas ordinarias seguintes: de 7 de janeiro a 8 de junho de 1864; de 2 de janeiro a l5 de maio de 1865; de 31 de março a 24 de dezembro de 1870; de 2 de janeiro a 3 de junho de 1871; de 22 de julho a 22 de setembro d’este mesmo anno; de 2 de janeiro a 4 de maio de 1872; de 2 de janeiro a 4 de abril de 1873, e de 2 de janeiro a 2 de abril de 1874. Prova tambem, por justa e forcada consequencia do disposto nos artigos 64.° e 67.° da carta constitucional, 5.°, 6.° e 7.° do acto addicional, e 2.°, 3.°, 4.° e 10.° da lei de 30 de setembro de 1852, que o dito nomeado par do reino tem mais de trinta annos de idade e nascera cidadão portuguez sem ter interrompido, por ser de presumpção legal, a sua nacionalidade, bem como u pleno goso de seus direitos civis e politicos.

Portanto é a vossa commissão de parecer que estão verificados todos os requisitos da nomeação, e que o agracia do seja admittido a prestar juramento, e tomar assento n’esta camara dos dignos pares do reino.

Sala da commissão, 5 de fevereiro de 1881, = Vidente Ferreira Novaes = Conde de Castro = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Martens = Barros e /Sá = José de Sande Magalhães Mexia Salema.

Carta regia

Francisco Maria da Cunha, do meu conselho, coronel de artilheria, antigo deputado da nação. Amigo. Eu El-Rei vos envio muito saudar. Tomando em consideração os vossos distinctos merecimentos e qualidades, e attendendo a que, pela vossa categoria de deputado da nação em oito sessões legislativas ordinarias, vos achaes comprehendo na disposição do artigo 4.° da carta de lei de 5 de maio de 1878: hei por bem, lendo ouvido o conselho (Tentado, nomear-vos par do reino.

O que me pareceu participar-vos, para vossa intelligencia e devidos effeitos.

Escripta no paço da Ajuda, em 7 de janeiro de 1381. = EL-REI. = José Luciano de Castro.

Para Francisco Maria da Cunha, do meu conselho, coronel de artilheria, antigo deputado da nação.

Documento

Illmo. O exmo. sr. — Diz Francisco Maria da Cunha que, para constar, precisa que v. exa. lhe mande passar por certidão quaes as legislaturas para que foi eleito deputado ás côrtes e se exerceu o mandato em todas as sessões legislativas. - E. E. M.cê

Lisboa, 12 de janeiro de 1881. = Francisco Mana da Cunha.

Passe do que constar. — Sala das sessões da camara dos deputados, 12 de janeiro de 1881. = O presidente, Fernandes Vaz.

Certifico que das actas e outros documentos existentes no archivo d’esta secretaria consta que o requerente Francisco Maria de Cunha foi eleito deputado ás côrtes para as legislaturas seguintes: para a legislatura que teve, principio em 20 de maio de 1861 e findou em 18 de junho de 1864, havendo o mesmo requerente prestado juramento na ultima sessão d’esta legislatura em 7 de janeiro de 1864; para a legislatura que teve principio em 2 de janeiro de 1865 e cuja unica sessão durou desde o referido dica 2 de janeiro até 7 de abril, e de 24 do mesmo mez até 15 de maio do dito anão; para a legislatura que teve principio em 31 de março do 1870 e cuja unica sessão durou desde o referido dia 31 de março até 23 de maio do dito armo; para a legislatura que teve principio em 15 de outubro de 1870 e findou por dissolução em 3 de junho de 1871, havendo durado a primeira sessão desde 10 de outubro a 24 de dezembro de 1870, e verificando-se, quanto á segunda, que se abriu em 2 de janeiro de 1871, foi n’esta data adiada para 3 de fevereiro, decorreu até 8 do mesmo mez, foi n’este dia novamente adiada para 11 de marco e durou até 3 de junho, data da dissolução da camara; finalmente para a legislatura que teve principio em 22 de julho de 1871 e findou em 2 de abril de 1874, havendo durado a primeira sessno desde 22 de julho a 22 de setembro de 1871, a segunda de 2 de janeiro a 4 de maio de 1872, a terceira de 2 de janeiro a 8 de abril de 1873 e a quarta de 2 de janeiro a 2 de abril de 1874. Certifico mais que nas legislaturas mencionadas n’esta certidão o requerente exerceu o mandato em todas as sessões legislativas. E para constar se passou a presente por virtude do despacho lançado no requerimento retro.

Secretaria da camara dos senhores deputados, em 12 de janeiro de 188l. = Jayme Constantino de Freitas Moniz.

Como nenhum digno par pedisse a palavra, procedeu-se ao escrutinio.

O sr. Presidente: — Convido os srs. Miguel do Canto e visconde da Borralha a virem servir de escrutinadores.

Procedeu-se á contagem das espheras.

O sr. Presidente: — Entraram na uma da votação 72 espheras, pendo 69 brancas e 3 pretas, e na uma da contraprova 39 espheras pretas e o brancas. Está, portanto, approvado o parecer por grande maioria.

Consta-me que o sr. Francisco Maria da Cunha se acha na ante-sala. Convido os srs. conde de Fonte Nova e visconde de Seisal a introduzirem-no na sala para prestar juramento e tornar assento.

Introduzido na sala leu-se a seguinte:

Carta regia

Francisco Maria da Cunha, do meu conselho, coronel de artilheria, antigo deputado da nação. Amigo. Eu El-Rei vos envio muito saudar. Tomando em consideração os vossos distrinctos merecimentos e qualidades, e attendendo a que, pela vossa categoria de deputado da nação em oito sessões legislativas ordinarias, vos achaes comprehendido na disposição do artigo 4.° da carta de lei de 3 de maio de 1878: hei por bem, tendo ouvido o conselho d’estado, nomear-vos par do reino.

O que me pareceu participar-vos para vossa intelligencia e devidos effeitos.

Escripta no paço da Ajuda, em 7 de janeiro de 1881.= EL-REl. = José Luciano de Castro.

Para Francisco Maria da Cunha, do meu conselho, coronel de artilheria, antigo deputado da nação.

Prestou juramento e tomou assento.

O sr. Presidente: — Continua a ordem do dia, que é a discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa. Tem a palavra o sr. presidente do conselho.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Anselmo Braamcamp): — Não me proponho a responder ao discurso do digno par, o sr. Barjona de Freitas, e seguir a s. exa. era todas as considerações que apresentou.

Comtudo, ha alguns pontes do seu discurso a que não posso deixar de responder, declarando franca e lealmente a opinião do governo a esse respeito.

S. exa. em algumas phrases severas condemnou a attitude do governo por ter acceitado o projecto de resposta ao discurso da corôa apresentado pela commissao d’esta casa, arguindo-o de ter assim faltado aos preceitos de decoro e dignidade que tinha stricta obrigação de manter.

Não posso deixar de protestar contra estas palavras, e de lembrar novamente á camara as condições em que o governo se conformou com o projecto de resposta que se discute.

Quando pela primeira vez fallei sobre este assumpto, declarei positivamente em nome do governo, que acceitava

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o projecto que se discute como um comprimento á corôa; e que não podia deixar de o considerar assim, ao vel-o assignado por v. exa., digno presidente desta camara, que na alta posição a que está elevado, sabe respeitar as conveniencias a que tem de attender a camara e manter a dignidade propria do logar que v. exa. tão dignamente occupa.

Ao mesmo tempo via igualmente assignado este projecto pelo digno par sr. Mello Gouveia, que sempre acompanhou o governo durante a ultima sessão, e que de certo não quereria vir hoje apresentar .uma resposta ao discurso do throno que fosse menos digna de ser acceita pelo governo.

Por ultimo, ainda que o projecto seja assignado pelo digno par o sr. Rodrigues Sampaio, tenho todavia a intima convicção de que s. exa. apesar de estar em opposição declarada contra o governo, não teve outro intuito que não fosse o de apresentar uma resposta igual ser que sempre têem sido apresentadas n’esta camara, sem louvor, que não pedimos, mas sem expressões de censura, que rejeitaria-mos.

Eu não tenho duvida em recorrer hoje para a palavra auctorisada de v. exa. e de todos os membros da commissão, porque tenho a certeza de que todos elles hão de certo confirmar a apreciação que faço d’este importante documento que estamos discutindo.

Sr. presidente, o governo procura evitar a discussão sobre o projecto de resposta ao discurso da corôa em uma e outra casa do parlamento.

Na presença dos muitos e graves negocios de interesse publico de que temos a tratar, pretendia o governo chamar a attenção dos corpos legislativos para esses assumptos, cuja resolução é reclamada pela opinião publica, prescindindo quanto lhe fosse possivel de uma discussão que tem sido ha já bastantes annos esquecida, que póde ser assumpto de largos e brilhantes debates, mas cuja utilidade para o paiz nem sempre é manifesta.

O governo tem graves questões a tratar; acceitou a resposta ao discurso da corôa, e não quiz tomar sobre si a responsabilidade de levantar uma discussão que julgou e ainda julga desnecessaria e sem proveito para a causa publica.

Mas, como v. exa. terá visto, se o governo a não provocou, não se arreceiava da discussão. Na outra camara o gabinete, contando com uma consideravel maioria, com muitos amigos firmes e dedicados, tratou de evitar que na resposta ao discurso da corôa se incluisse qualquer periodo, qualquer palavra que parecesse de louvor ao governo, e que não podesse ser acceita pela opposição, e procurou que o projecto de resposta fosse concebido em termos taes que podesse ser votado por todos os membros d’aquella casa. N’esta camara tambem o gabinete, seguindo o mesmo proposito, não duvidou acceitar, como já disse, o projecto formulado por v. exa., nas condições em que elle o acceitou.

N’aquella occasião o governo não hesitou em declarar que se qualquer membro d’esta casa entendesse dever dar áquelle documento outra significação, o gabinete estava prompto a acceitar o debate no terreno em que o pretendessem collocar, a defender seus actos e responder a quaesquer observações que lhe fossem feitas. Portanto, não havia da parte do governo nem fraqueza ou falta de dignidade, nem desejo de se manter nas cadeiras do poder, como s. exa. affirma, contra quaesquer manifestações que lhe fossem contrarias, mas unicamente obedecer a um dever de consciencia e ao fundado desejo de progredir sem delongas na discussão dos assumptos importantes que estão affectos á deliberação de uma e outra camara.

O governo não quer por fórma alguma reprovar ou condemnar o procedimento da opposição, mas quer que fique bem manifesto que não lhe cabe responsabilidade alguma desta discussão, que não quiz provocar, e na qual tão sómente tratou de defender-se, respondendo, conforme lhe fosse possivel, ás accusações que lhe fossem feitas.

Sr. presidente, o actual governo, acceitando a elevada missão que lhe fora confiada pela corôa, encontrou-se com graves difficuldades. Tendo sido chamado repentinamente; quando menos o podia esperar, a tomar conta da direcção dos negocios publicos, viu-se a braços com momentosas dificuldades financeiras, e n’estas condições entendeu que o seu primeiro e principal cuidado devia ser a resolução da questão de fazenda; antepondo-a a todas as outras questões.

O governo encontrou um deficit consideravel, alguns dos principaes rendimentos publicos antecipados, uma divida fluctuante avultada, e, alem de tudo isto, encontrou tambem obras publicas de grande consideração e despeza, que estavam apenas encetadas, mas a cujo pagamento tinha de satisfazer.

Não quero entrar em largas apreciações a este respeito, porque os meus collegas já trataram desenvolvidamente este assumpto, o que pretendo é referir unicamente quaes eram as circumstancias em que o governo se encontrou quando se sentou n’estas cadeiras, e mostrar os motivos por que entendeu que devia tratar de preferencia a outras quaesquer providencias, das que tendiam ao melhoramento da fazenda publica.

A gerencia financeira dos meus illustres antecessores foi sempre um dos pontos que eu impugnei, e combati quanto cabia nas minhas forças, e era, portanto, aquelles a que devia attender com mais cuidado o gabinete que entrava para o governo.

Foi esse o nosso principal e mais firme empenho, e posso affoutamente affirmar que cumprimos n’esta parte lealmente e com dedicação e zelo a nossa obrigação.

O anno passado poude o governo alcançar, nas duas camarás, a votação de novos impostos, de novos sacrificios que remediaram em parte o estado deploravel da fazenda publica. Esses impostos, esses sacrificios poude o governo conseguir que fossem acceitos pelo paiz, com o verdadeiro patriotismo de que tem dado repetidas provas; e persuado-me que o governo assim prestou um grande e valioso. serviço á causa publica. N’esta ordem de idéas, n’este firme proposito ha de elle proseguir, e assim respondo ao meu illustre amigo o sr. Carlos Bento, asseverando a s. exa. que o governo não descura nem ha de descurar esta questão momentosa.

Podem accusar a actual situação de ter anteposto a questão financeira ás reformas politicas, inscriptas no nosso programma; mas procedendo deste modo, mostra que soube antepor os interessas do paiz a, todas e quaesquer outras considerações que porventura lhe aconselhassem seguir caminho diverso.

A questão financeira apresentava-se como a mais urgente e a que mais instante cuidado exigia, e por isso foi tambem o nosso primeiro e principal trabalho cuidar nos meios de a melhorar.

Poderiamos ter intentado reformas politicas, e assim grangeariamos sem duvida mais popularidade, mas taes reformas, agitando o paiz, levantando attrictos, tornavam mais difficeis e contingentes as reformas propriamente financeiras, e não hesitamos em sacrificar aquellas que nos podiam augmentar o prestigio a estas que se impunham impreteriveis e inadiaveis.

Portanto, sr. presidente, o governo empenhando os seus esforços em melhorar o estado da fazenda publica, não fez mais do que cumprir um dever, mas dever ingrato, penoso, e em que arriscava a sua popularidade; e, para levar por diante este compromisso que sobre si tomara, tinha direito a esperar que todos os partidos politicos o auxiliassem, porque para todos era de igual interesse.

Porém, se lhe negam este apoio é necessario ao menos que o governo mostre que lhe não falta a força precisa, para que assim o paiz conheça que póde confiar na sua

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permanencia, e para que todos se sujeitem aos sacrificios que a situação do thesouro impõe, e saibam que a administração do estado está devidamente habilitada para levar por diante os seus planos.

Para isso é necessario, repito, que o paiz se convença de que o governo conta com elementos proprios de vida e de força. Eis, sr. presidente, o principal motivo por que julgámos necessaria a nomeação dos novos pares, e se a camara entende que n’esta providencia houve, por parte do governo, qualquer proposito de a desconsiderar, protesto contra similhante interpretação, pois que o governo tem sempre manifestado em todos os seus actos que respeita e considera esta camara, e que não quer por fórma alguma fazer-lhe qualquer aggravo.

Sr. presidente, já tambem se disse n’este debate que, para fugirmos ás discussões, acceitámos o projecto de resposta ao discurso da corôa como elle está dirigido, sacrificando a dignidade propria ao sôfrego empenho de nos mantermos n’estas cadeiras. Eu, pela minha parte, não só não devo, como não posso deixar de repellir tal insinuação.

A resposta ao discurso da corôa foi, de ha muito, reputada, n’esta casa, e assim a acceitei, como um comprimento á corôa, e tanto foi considerada assim tambem pelos illustres membros da commissao e da camara, que o digno par, o sr. visconde de Seabra, entendeu que para combater o governo carecia de apresentar um additamento, em que s. exa. effectivamente lhe dirige uma censura.

Esse additamento foi perfilhado pelo illustre chefe da opposição d’esta casa do parlamento: desde esse momento a moção do sr. visconde de Seabra tornou se a questão principal sobre que versa a discussão, e esse additamento o governo já o declarou, e novamente torno a declaral-o, que o não acceitámos, nem podemos acceitar por modo algum, ainda que lhe modifiquem a redacção.

E sobre este ponto que a questão está posta, e se a camara dos dignos pares entender que delle deve fazer questão politica, estamos promptos a acceitar a lucta. O governo não foge, mas querer considerar um documento assignado por v. exa. sr. presidente, como um documento hostil ao governo, nisso não posso concordar, e se algum digno par entende o contrario, que apresente uma moção, indicando os pontos onde vê essas censuras, porque o governo assim como declarou francamente a sua opinião com respeito á moção do digno par o sr. visconde de Seabra, não terá duvida em acceitar igualmente o debate sobre qualquer ponto do projecto de resposta.

Mas, sr. presidente, torno a dizel-o, tenho a intima convicção de que a illustre commissão encarregada de formular a resposta ao discurso da corôa não teve outro intuito que não fosse o de seguir a pratica geralmente adoptada n’esta casa, e por isso o governo o podia acceitar sem quebrada sua dignidade.

Aguardo de v. exa., ou de algum membro da illustre commissao de resposta ao discurso da corôa, qualquer explicação que entenda dever dar á camara, e se á vista della julgar conveniente, pedirei de novo a palavra para entrar mais longamente na discussão.

O sr. Presidente: — Consta-me que se acha nos corredores do edificio, a fim de tomar assento n’esta casa, o sr. Antonio Francisco Machado, successor do fallecido par do reino, sr. visconde de BenagaziL

Convido os dignos pares os srs. visconde de Chancelleiros e visconde da Praia a introduzirem s. exa. na sala.

Foi introduzido na seda, o novo digno par, prestou juramento e tomou assento.

O sr. Rodrigues Sampaio: — A resposta ao discurso da corôa foi redigida este anno como e tem sido nos annos anteriores; é um comprimento ao chefe do estado, como costuma ser, e nem podia deixar de ser. A significação que ella tem, ou a pua interpretação, pertence a todos, e a commissao não póde responder pela diversa inteligencia que se lhe de, ou que cada um lhe queira dar.

Uns poderão ver n’ella um sentimento de opposição outros de moderação, e até benevolencia para com o governo; e uns s outros estão no seu direito em lhe dar a significação que quizerem. Mas a verdade é que todas as questões que se podem tratar, foram n’ella adiadas para a occasião que julgue opportuna quem quizer tratar d’ellas.

Se a commissao quizesse accentuar alguma cousa, seria de certo a competencia d’esta camara, que em alguma parte tem sido negada, para tratar de todos os assumptos que a constituição lhe dá o direito de discutir.

Sr. presidente, a resposta ao discurso da corôa ou é muito boa, ou é muito má, porque ninguem tem fallado sobre ella. Se lhe querem fazer alguma emenda, façam-lha. Os srs. ministros são competentes para ver se ella lhes agrada ou não. Não se ha de entregar o juizo da sua significação a qualquer individuo; elles mesmo, os srs. ministros, têem declarado serem os juizes do que lhes é conveniente a do procedimento que têem a seguir.

Podem haver na falla do throno algumas cousas cuja discussão desagrade a alguem, e a outros agrade; mas nós não temos nada com as divergencias que póde haver no juizo que se faça de certos actos. Deixámos a todos a liberdade de pensar como entenderem.

Tenho estado a imaginar o que o governo havia de substituir á resposta que v. exa. submetteu á discussão d’esta camara, se elle a quizesse contrariar. Havia de declarar que não queria se fallasse no exame de certos actos da sua gerencia? De certo que não havia de querer isso; e, só o quizesse, creio que toda a camara votaria contra. Portanto, parece-me que o governo acceitando o projecto de resposta ao discurso da corôa, que está submettido á consideração dos dignos pares, praticou um acto de cordura.

A resposta não é de censura, nem de confiança. E a declaração de que ha certos actos que a camara terá a liberdade de examinar. Não tem a iniciativa da discussão sobre nenhum d’elles; e, para não cair em algum erro, termino esta explicação declarando que o sentimento da commissão foi adiar o exame de todas essas questões para occasião opportuna, querendo unicamente praticar um acto de cortezia para com a corôa, e nada mais.

O sr. Fontes Pereira de Mello (sobre, a ordem}: — Não entro na questão que se suscitou agora, porque ella é maio entre o sr. presidente do conselho por parte do governo e a illustre commissao de resposta ao discurso da corôa, representada pelo seu relator. Permitta-me, porém, a camara sómente que lhe diga, que offerece uma certa novidade o discutir-se numa casa parlamentar se um documento qualquer tem caracter de opposição ou de ministerial. Até agora todos apreciavam os documentes que vincam á tela do debate sem perguntar a intenção cem que eram feitos, mas actualmente pergunta-se.

Eu creio, sr. presidente, que nós aqui não discutimos nem votamos intenções; vamos votar o que está escripto no projecto de que se trata,

Mas o meu objecto, pedindo a palavra, foi ratificar um facto que me diz respeito e a que alludiu o illustre presidente do conselho e meu amigo, S. exa., nas poucas palavras que mós acabámos de lhe ouvir, disse que eu tinha perfilhado, acceitado, e concordado com o additamento apresentado pelo sr. visconde de Seabra»

Numa das ultimas sessões, quando me coube a honra do fallar n’esta casa, declarei que não concordava nem approvava a redacção d’aquelle additamento, mas entendia, como parece que v. exa. tambem entendeu no logar em que está collocado, que elle deveria ser remettido á commissão para, que, dando-lhe uma redacção que julgasse mais era harmonia com o texto da resposta ao discurso da corôa, podesse inserir-se na mesma resposta.

Repito, que não approvo a proposta apresentada pelo sr. visconde do Seabra nos termos em que está redigida, mas approvarei que seja enviada á commissao para que,

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tomando-a na devida consideração, lhe de a redacção que julgue mais consentanea com o projecto.

Eis o motivo por que pedi a palavra.

(O digno par não reviu este discurso.)

O sr. Visconde de Chancelleiros: — (sobre a ordem.) Pedi a palavra sobre a ordem para procurar obter de v. exa. e da camara a annuencia ao pedido que faço de retirar a proposta de additamento ao ultimo paragrapho, creio eu, do projecto de resposta ao discurso da corôa.

Propuz esse additamento como um meio para usar da palavra para uma explicação pessoal, quando ella mo não cabia, nem de direito me podia caber, na ordem da inscripção.

Retirando agora essa proposta e aproveitando o ensejo para fazer tambem uma declaração, já que a sessão de hoje é toda de declarações, tenho a affirmar a v. exa. que para mim a resposta ao discurso da corôa, embora tenha um certo sabor de opposição; não é elle ainda assim tão pronunciado que me agradasse, e eu o acceitasse como a significação dos meus sentimentos politicos para com o governo.

Se eu a houvesse redigido sob minha responsabilidade teria dado á sua redacção um tom mais pronunciado de opposição, que corresponderia no seu espirito á Índole das considerações com que interpretei o seu pensamento, e á acrimonia das palavras com que por vezes na sua discussão me referi ao governo.

Sob a influencia d’estas idéas já v. exa. vê que para mim é de todo o ponto indifferente que a commissão declare, como acaba de declarar pela voz do seu relator, que este projecto se deve ter por inoffensivo ou anodino; como me é igualmente indifferente que o sr. presidente do conselho procure justificar a rasão por que o acceita, fazendo-a derivar do facto de que v. exa. como presidente da camara ou como presidente da commissão de .resposta lhe dá ou deixa de dar o seu apoio.

O que entretanto me parece singularmente estranho é o facto de estar o governo a procurar conhecer as intenções da commissão e a procurar interpretar as palavras de documento que ella redigiu pela constante referencia ás condições em que v. exa. se encontra.

Creio que o governo está estudando todos os movimentos de v. exa. com mais attenção e cuidado, do que não considera e estuda os movimentos da opinião que se move e agita no paiz!

Esta rasão, porém, da minha indifferença resulta da posição isolada em que estou n’esta casa. Não estou nem com gregos nem com troyanos, e se assim conservo mais desafogada a minha liberdade de acção, nem por isso a minha posição é menos embaraçosa e difficil na conjunctura que atravessamos. Direi até que estou na situação mais dolorosa em que jamais me encontrei no periodo já bastante largo da minha vida publica.

Sou obrigado a dizer verdades duras e amargas, a não contrahir o meu espirito sob a influencia de qualquer consideração partidaria, e por isso mesmo tambem a não declinar a responsabilidade de que digo, assumindo-a completa e plena como significação da minha opinião individual.

Sr. presidente, eu não voto a resposta ao discurso da corôa como um comprimento dirigido ao chefe do estado. Creio que é indifferente para elle ter a manifestação da minha consideração e respeito registada n’este documento. Quando quero comprimentar El-Rei vou ao paço. Votar a resposta ao discurso da corôa como um comprimento parece-me a mais banal das ficções do regimen parlamentar. Querer sustental-a, parece-me absurdo, quando vemos que aquellas que o espirito do systema justifica na esphera superior dos principios desapparecem quasi nos actos práticos da nossa vida politica em face da realidade, que tanto

se distanceia em muitos casos do que affirma e proclama a theoria.

Pois se isto é assim com referencia aquellas ficções constitucionaes, graças ás quaes, respeitadas ellas, se mantem a independencia e equilibrio dos diversos poderes publicos, como querem que guardemos e respeitemos as que creou e tem procurada manter a falsa comprehensão das relações em que estão entre si os poderes do estado? Não comprehendo. A resposta ao discurso da corôa considerada como um comprimento dirigido ao chefe do estado é um acto banal. Se é ficção constitucional ponho-a de lado, não lhe dou importancia alguma, e não soffre com isso de certo nenhuma garantia nem publica, nem individual.

Sr. presidente, ouvi dizer ao chefe do gabinete que o governo, tendo em principal consideração a resolução do problema financeiro, punha de lado as reformas politicas, acrescentando s. exa. que era necessario que o ministerio tivesse um braço forte para poder alem de tentar resolver o problema financeiro procurar reformar tambem a nossa administração publica.

Essa força declarou s. exa. que a não teria o governo sem os novos pares, e parece-me até pelas palavras do s. exa. que a principal rasão d’ella lhe adveiu singularmente d’aquella nomeação. Ora eu já perguntei, imprudentemente, e por essa imprudencia bem castigado fui: o que vinham aqui fazer as novos pares? Bem; agora direi se elles vem trazer ao governo a força de que precisa para a iniciativa de tão levantados commettimentos, bem vindos sejam os novos pares. Não nos illudamos, porém, e d’esta declaração tomo a responsabilidade toda inteira e solemne, Se os novos pares são uma rasão de força para o governo, e maior de certo do que o não foram os anteriormente nomeados, essa rasão de força não deriva do seu voto, deriva apenas do facto da sua nomeação. Voto por voto, mais valem os pares nomeados na sessão passada, porque foi maior o seu numero, mas a sua nomeação é que não valeu tanto. Aquelles trouxeram ao governo o apoio do seu voto 5 estes trazem com esse apoio mais uma rasão de forca, e o que vale mais do que ella, a que resulta do facto de que com esta nomeação o governo provou ao paiz que tinhamos o governo pessoal. Ora, sr. presidente,, os governos pessoaes são quasi sempre bastante fortes para poderem cair parlamentarmente, mas são tambem ordinariamente bastante fracos para poderem resistir ao movimento de opinião que lhes oppõe a reacção do espirito publico. Por isso eu combato este governo, mas não me proponho nem espero fazel-o cair.

Não sou nem inconsequente nem illogico, sustentando hoje estas idéas. Combati sempre com energia todos os actos do governo que fossem symptoma ou significassem prova de governo pessoal. Quando foi que se deu a chamada restauração do segundo governo da regeneração, combati-a energicamente, por me persuadir que ella inculcava ao paiz essa tendencia. Em outras occasiões pratiquei o mesmo. Combati sempre todo o governo com pretensões a governo pessoal, com maior rasão devo combatel-o hoje, como a mais perigosa das tentativas a que se póde arriscar qualquer situação politica. Prova ella a decadencia a que chegámos, e maior seria ainda essa decadencia, só contra tal attentado, se contra tamanha offensa aos principios do systema, e uma tal ameaça ás liberdades publicas, se não levantasse, como energico protesto contra ella, a indignação publica.

Repito, pois, que os governos n’estas condições não caem de ordinario perante o voto contrario do parlamento. A opposição parlamentar não os vence facilmente, mas vence-os e derruba-os a manifestação do espirito publico nas demonstrações de opinião sempre adversa a todo o governo pessoal.

D’ahi resulta sempre, dado o governo pessoal, a importancia dos meetings. Soffro com isso a intervenção legitima do parlamento na direcção suprema dos negocios publicos.

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A acção parlamentar é mais frouxa, mas per isso mesmo a influencia do espirito publico é mais directa e decisiva. E cabe aqui referir-me á proposição avançada pelo sr. Barjona de Freitas, de que a consequencia logica da entrada do partido progressista no poder seria a dictadura. Apoiei o digno par n’essa sua asserção, e tomo a responsabilidade d’esse apoiado, o vou dar á camara a rasão d’elle.

Quando os illustres ministros assumiram o poder, eu disse a s. exa. o sr. ministro do reino, e creio haver dito tambem ao sr. presidente do conselho, que a minha opinião era que o governo SR devia declarar era dictadura.

Impunham-lha as circumstancias.

Não me lembra, ou antes não quero dizer o que s. exas. me responderam. A minha opinião, porém, foi esta.

Effectivamente eu preferia a dictadura de então ao governo pessoal de hoje.

Preferia a concentração do poder pela dictadura, á conservação do poder pelas sophismações dos principios constitucionaes.

Alem do que eu não tenho o horror que muita gente nutre contra as dictaduras.

São situações violentas, mas se circumstancias imperiosas as determinam, vá ás circumstancias a responsabilidade d’ellas. Alem de que nós temos tido muitas dictaduras, e por signal até que a ellas devemos muitos dos actos do governo que mais beneficamente têem influido na nossa economia publica e na nossa administração.

Em todo o caso, porém, repito, preferia que o governo assumisse então a dictadura, a que exercesse hoje o governo pessoal. Fôra isso de certo mais proficuo para o paiz e mais glorioso tambem para o partido que acompanha o governo.

Perdeu-se a occasião. Foi mau. Invocando o testemunho e citando a sentença que agora me acode á memoria e que ouvi da boca de um homem já fallecido e cuja palavra tinha para mim toda a auctoridade, direi com elle que Portugal é o paiz das obras começadas e das occasiões perdidas.

Os factos fallam, bem alto a favor d’esta asserção. Para a confirmar não era necessario exemplificar, mas exemplifiquemos.

Começadas foram as obras d’esta casa onde nos reunimos e deliberamos, mas não foram acabadas. Começadas o não concluidas foram as obras do grandioso hospital no Porto, as do monumento da Batalha, as do palacio da Ajuda, as de Santa Engracia, emfim muitas outras até ás do arco da rua Augusta, se é que essa não está acabada tambem, e creio que não está. Pelo menos falta-lho o relogio, que era o principal fim para que foi levantada aquella immensa fabrica.

Se assim é, estará por muito tempo a cidade baixa sem saber a quantas anda. (Riso}

Isto com referencia ás obras começadas e não acabadas. Com relação ás occasiões perdidas, que o diga a consciencia publica e que o accuso hoje a propria consciencia do partido que ha de expiar as culpas que lança á conta da sua responsabilidade o governo que faltou a todos os preceitos do programma, em virtude do qual subiu ao poder.

Feita esta declaração, sr. presidente, eu vou citar á camara uma grande auctoridade em materia de direito constitucional, e por ella confirmo e demonstro a verdade dos principios que aqui sustentámos. Abona tambem esta citação a declaração do digno par o sr. Barjona, no seu discurso da sessão de hontem, de que a nomeação de novos pares equivale para esta camara a dissolução da sua maioria, e que por isso mesmo não é expediente a que se soccorra qualquer governo segundo o capricho da sua conveniencia.

Quando em. França se tratava de rever o artigo de uma carta acceita a 14 de agosto do 1830, mr. Casimir Périer apresentou um projecto pelo qual se dava ao soberano o direito de nomear pares sem numero fixo, pares vitalicios, por que por esse projecto era abolido o direito do hereditariedade.

No relatorio d’esse projecto dizia mr. Casimir Perier, que o direito concedido á corôa de nomear novos pares era uma garantia contra a formação de uma maioria facciosamente hostil a qualquer governo, formada no seio da mesma camara; e acrescentou que tal direito equivalia no direito de dissolver a camara dos deputados.

Fazer porém successivamente novos pares, vale o mesmo que dissolver seguidamente duas camaras populares, como muito bem disse o sr. Barjona de Freitas.

Por occasião d’essa discussão disse mr. Thiers, advogando a causa do pariato hereditario: «Desafio os meus adversarios a que me apresentem um unico facto na historia, em que a realeza se encontre face a face com a democracia.»; já se ve como poderes constituidos, a Vimos, acrescentava mr. Thiers, a aristocracia em presença da democracia, deu-se esse facto no mais celebre dos estados — Roma — ; mas a realeza, sosinha, em presença da democracia, nunca».

Mr. Thiers hoje teria modificado a sua opinião, na fórma. O sentido, porém, d’ella seria de certo o mesmo. E com tão illustre publicista podemos dizer que se a realeza se não sustenta em face da democracia como poderes constituidos, emito mais difficil seria ainda que ella governasse sob o regimen parlamentar em concorrencia com o governo das maiorias, não eleitas, mas nomeadas pelo poder executivo. E estão n’esse caso as maiorias das camaras que não têem nenhuma rasão de afinidade com o paiz que representam.

Ouvi dizer ao sr. Fontes, que a nomeação de novos pares tinha sido, á face da lei, um acto legal, mas que elle faltava a rasão da opportunidade. Discrepo de s. exa. n’esta apreciação. A nomeação dos novos pares, nas condições em que o governo a propoz á corôa, foi offensiva de todos os principios da nossa constituição, foi, como já affirmou o digno par o sr. visconde de Seabra, absolutamente contraria ao espirito da carta. Equivale a duas dissoluções seguidas da camara dos senhores deputados; e v. exa. sabe e sabe a camara, como procurou evitar esse mal a proposta apresentada para a reforma da carta pelo governo a que presidia o digno par o sr. Fontes.

Limito a isto as minhas observações. Se tomar de novo a palavra será com intuitos mais largos.

Resumindo: não considero a resposta ao discurso da corôa como um comprimento ao rei. Repito, acho isso banal.

Não apresentei nem mandei para a mesa nenhuma moção significando a minha opposição ao governo. Não espero que elle caia diante do parlamento. Exponho as minhas opiniões, mas não o embaraço na sua marcha. Combato o poder pessoal, protestante contra elle com a affirmação das minhas idéas; não venho, porém, levantar questões politicas. Mais força do que ellas terão, de certo, as manifestação da opinião publica.

Vejo que nenhum dos srs. ministros pede a palavra para contradictar esta minha asserção. Registo o facto com applauso meu, porque vejo que n’este ponto estamos de accordo, eu e o governo.

O sr. Presidente: — O sr. visconde de Chancelleiros fez um additamento, que pretende agora retirar; mas como esse additamento foi peia camara admittido á discussão, é necessario que ella permitia que o digno par o retiro.

Consultada a camara, resolveu affirmativamente.

O sr. visconde de Seabra: — Usou da palavra sobre a ordem.

(O discurso do digno par cera publicado quando s. exa. o devolver.

O sr. Marquez de Sabugosa: — Explica o seu VGÍ.O e responde a algumas phrases do sr. Fontes Pereira do Mello. Entende que a resposta ao discurso da corôa deve

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ser discutida, e que sempre tem pensado d’esta maneira. Alarga-se em considerações ácerca dá significação que deve ter o projecto que se discute. Respondendo ao sr. Fontes, affirma que fôra aos meetings, mas que nem por isso abandonara a sua cadeira no parlamento, de onde atacára lealmente os seus adversarios. Explica os motivos que o determinaram a saír do ministerio: que não fôra por desintelligencia com os seus collegas, mas por causa da sua pouca saude.

Narra o que se passou a respeito da questão da Zambezia emquanto o orador geria a pasta da marinha e ultramar.

Referindo-se ao modo de encarar o projecto de resposta ao discurso da corôa, que se discute, declara que se esse projecto não tem a importancia senão de um comprimento á coroa, acha que todos o podem votar; se porém lhe querem dar significação politica, que se lhe deve primeiro propor alguma emenda.

(O discurso de s. exa. será publicado quando o devolver.)

O sr. Bispo de Bragança: — Sr. presidente, estranhavel talvez pareça que eu venha tomar parte n’esta discussão, que tão acalorada corre ácerca da resposta ao discurso da corôa. Em verdade os meus habitos de indole pacifica, o caracter de que estou revestido, tão grave e respeitavel, quanto eu me reconheço indigno d’elle, bem poderão fazer parecer que eu me distanciasse de uma arena, onde o fogo das encontradas paixões politicas tanto está em collisão e anda agitado. Não venho eu, por certo, entrar n’essa lide; mas tenho de dar meu voto; e porque a materia está tanto em controversia, devo áquellas mesmas condições graves do meu caracter o dever de previamente me definir.

Sr. presidente, ha tres opiniões sobre o modo de considerar as respostas ao discurso da corôa: entende uma, que ellas são meramente um comprimento de respeito dirigido ao augusto chefe do estado, e que assim a discussão não deve ter cabimento; outra, porém, ve n’esse documento dos corpos collegislativos uma base de operações para se dar batalha aos governos, o que tem como consequencia necessaria a discussão; a terceira opinião pensa (e parece-me que bem) prestarem-se aquelles documentos parlamentares tão solemnes, a servirem de meio para que os membros dos parlamentos possam expor os seus individuaes pensamentos sobre a generalidade de quaesquer assumptos, que de outra sorte não achariam talvez logar nas ordinarias discussões de outras especialidades.

Esta opinião parece bem considerar as respostas aos discursos da corôa como uma similhança do mappa-mundi; isto é, como uma grande carta, ria, qual entre os pontos culminantes, marcados a largos traços, podem bem ser determinadas com precisa exactidão as demarcações sobre que assentam as bases dos assumptos, que não determinados ali, encontram sem duvida o seu devido logar, ou pelo menos plausivel cabimento; e que talvez o mereçam determinado, attenta a categoria a que pertençam.

D’estas tres opiniões, a primeira não foi n’esta sessão adoptada pela camara dos dignos pares: a segunda não será por mim seguida; tomarei a terceira.

A minha posição parlamentar acha-se determinada pelo meu proprio e especial caracter: e em relação aos actos governamentaes do gabinete que actualmente está gerindo os negocios do estado, acha-se bem claramente definida pela declaração que na sessão de 14 de junho de 1879 fiz, quando o actual ministerio entrou no poder, promettendo-lhe eu o meu apoio em tudo quanto seja ordem, moralidade e progresso, o qual ou disse que não reconhecia ser verdadeiro senão pela sua harmonia com as santificadoras e civilisadoras maximas do Evangelho.

Tinha deixado de assistir aos conselhos da corôa a situação politica, á qual eu era e sou dedicado; e eu, com o meu voto no parlamento, a tinha acompanhado firme e lealmente, e sem tergiversações, até ao dia em que deixou o poder.

E porque o inteiro poder executivo do estado é sempre o mesmo, a despeito da mudança das situações que o representam, e elle passara a ser representado legitimamente por cavalheiros respeitaveis e de intenções dedicadas, tambem eu lealmente e com firmeza lhes prometti o apoio do meu voto nas condições já referidas, conservando porém intactas as minhas tradições de adhesão á situação demissionaria e aos cavalheiros que a representam.

Por aquella occasião tive a honra de recommendar os assumptos a que a minha attenção sé achava mais applicada.

Vejamos o que, com relação a elles, me suscita a resposta ao discurso da corôa nos paragraphos que lhes podem ser respectivos.

Em seguida ao paragrapho inicial da resposta lê-se o seguinte.

(Leu.)

Effectivamente o estado das boas relações com as potencias estrangeiras é assumpto capital. Todos sabemos que o direito publico internacional comprehende duas partes: uma que se refere ás nações da Europa, e ás que na ordem diplomatica lhes são consideradas como unidas, e este constituo o direito europeu; a outra parte regula pelos principios geraes do direito das gentes as relações com todas as outras nações. Mas é certo que entre algumas d’estas, em relação com outras das europêas, ha relações de importancia mutuamente relativa, que as colloca como n’uma classe mais approximada do que a do direito meramente das gentes.

Ninguem desconhece que a China, pela cultura de muitas artes de especialissima e immitavel perfeição sua propria, pela producção de generos que lhe são exclusivamente peculiares, pela sua organisação politica, pela civilisação interna, invariavel e apurada desde tempos immemoriaes; e para comnosco especialmente, porque temos em seu terreno uma possessão de tradições florescentes, como ponto de escala e centro de commercio, qual foi, e ainda é, Macau, e porque na importante ilha e provincia de Hainan ainda Portugal conserva o padroado religioso da coroa, agora recordação e titulo, posto que tão cerceado, do nosso antigo, primitivo e tão glorioso padroado chinez; ninguem desconhece, digo, que a China, como nação culta, original e riquissima (eu não faço o seu elogio), está em condições especiaes, e que para com Portugal especialissimas ellas são: todos conhecemos as delicadas relações que temos de sustentar, em fina diplomacia, com aquelle vasto imperio, ácerca da nossa posse de Macau.

Tem a Inglaterra, a França, a Russia, a America do norte, e não sei se algumas outras nações da liga europêa, celebrado com a China tratados definidos; e nós, desde já não poucos annos, entabolámos iguaes negociações e concordámos as bases de um tratado com a China, o qual está ainda pendente por equivocos occorridos nas respectivas traducções.

Sobre este importante assumpto tive a honra de chamar as attenções do nobre presidente do conselho, ministro e secretario d’estado dos negocios estrangeiros; e pedi encarecidamente que, emquanto o tratado com a China não estivesse ultimado, se provesse por modo efficaz sobre as liberdades religiosas, e as seguranças pessoaes dos missionarios portuguezes enviados a Hainan, pois que já as vidas de dois haviam estado em imminencia de perigo. Fôra esta minha recommendação feita na mencionada sessão de 14 de junho de 1879.

Pois, sr. presidente, eu tenho aqui em minha mão um documento respeitavel, de summo apreço, e quasi semi-official, que me certifica de que em outubro do mesmo anno o governador de Macau se dirigiu ao ministro de Sua Magestade Britannica em Pekin, pedindo-lhe que desse ordem ao consul inglez em Hong-Kong para que desse protecção official

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a tres missionarios portuguezes que deviam partir para Hainan; e que em 15 de dezembro seguinte respondeu o ministro inglez, participando que expedira as devidas instrucções ao consul para que prestasse toda a protecção e auxilio que lhe fosse pedido pelos referidos missionarios. E acrescenta o sr. presidente do conselho n’aquelle documento o seguinte:

«Ainda que seja por certo importante esta concessão para aquelles nossos missionarios, não podemos contentar-nos com uma protecção estranha; e não deixo portanto de proceder aos estudos e diligencias necessarios para chegarmos a concluir um tratado com o imperio da China, que nos garanta as vantagens que já tem concedido a outras nações. Ao nosso governador foram expedidas instrucções n’este sentido, e espero brevemente dar mais activo empenho a esta negociação de capital importancia para nós.»

Em vista do que assim é mui gravemente asseverado, e que já me havia sido communicado em cartas particulares de Macau, é certo que o assumpto, sobre que eu pedira as attenções do nobre presidente do conselho, as mereceu, e que s. exa. já se desempenhou mui dignamente quanto a a uma parte, e que se está applicando ao desempenho completo na outra; e digo que mui dignamente, porque s. exa. não solicitou para os nossos missionarios intervenção estranha por favor, mas sim aquella a que Portugal tem direito pelo nosso tratado com a Gran-Bretanha, celebrado em 23 de junho de 1661. O meu compromisso, pois, subsiste.

N’um outro paragrapho a resposta ao discurso da corôa entre varios assumptos inclue o da viação municipal. Não vejo menção feita ácerca de vias ferreas; e julgo eu bem que ella tinha aqui seu natural cabimento: pela minha parte e no interesse dos povos da minha diocese supprirei essa lacuna, aproveitando o ensejo para renovar as recommendações por mim feitas na já citada sessão sobre a urgente necessidade que a provincia de Traz os Montes tem de ser beneficiada com um caminho de ferro, que partindo da capital do districto de Bragança venha entroncar no caminho de ferro do Douro.

É certo que a provincia de Traz os Montes, se acha tida como em esquecimento n’este tão importante capitulo da administração dos melhoramentos publicos; não deverá ser assim.

Não se póde duvidar, sr. presidente, que á provincia de Traz os Montes anda immemorialmente ligado um timbre de nobreza e de importancia lidima sua que faz seja tido como um titulo de brazão o nome de transmontano: é que a sua fidelidade á patria, a sua valentia nas pelejas, a sobriedade austera ainda nos seus costumes, o aperto intimo dos vinculos de familia, e a observancia respeitosa dos ensinos da igreja são titulos para bem poder ostentar aquelle seu nobre orgulho: é elle bem conhecido, e não lhe é disputado!

Mas é certo igualmente que esta provincia representa como pobre na sua matriz, e é desfavorecida das amenidades de clima que tanto attrahem as invejas dos estrangeiros; o seu solo é fertil, mas não se presta igualmente em todos os sitios á mesma qualidade de producções; resulta que a difficuldade do transito não só impossibilita o commercio em grande, mas aggrava as quotidianas privações domesticas.

A provincia de Traz os Montes é, e com nobreza sua, essencialmente um terreno e um povo todo agricola: transmontano e lavrador são synonymos; mas nem por isso a industria das artes lhe é estranha. O districto de Bragança ainda nos nossos dias era um centro importantissimo onde a fabricação das sedas em larga escala era havida no mercado como de superior qualidade; coincidia para isso a condição propria do solo para a sericultura.

Os povos d’esta provincia não podem supportar já a privação de um caminho de ferro que os colloque em condições, pelo menos approximadas, como as de todas as outras localidades do paiz. Eu quero bem pensar que os estudos sobre este assumpto, que já estavam iniciados, continuarão a merecer as attenções do governo.

Tenho que passar n’este meu rapido exame a tratar dos assumptos ecclesiasticos, isto é, da parte da administração publica concernente a cousas ecclesiasticas; e não encontrando na resposta ao discurso da corôa paragrapho que lhe faça referencia, intercalarei o que sobre esse assumpto tenho de mencionar.

Na citada sessão de 14 de junho dirigi eu recommendações ao governo; uma d’ellas, porém, avantajava-se em importancia administrativa, era a do provimento das dioceses vagas e nova circumscripção diocesana.

O cuidado do sr. ministro dos negocios ecclesiasticos e de justiça, tomou em mão este assumpto, que iniciado já havia sido por um dos seus nobres antecessores: tomou-o em não, disse eu, e melhor teria dito, tornou-o a peito, e nos meios que empregou para o tratar deixou estabelecido um exemplo do mais grave e judicioso modo de desempenhar-se: o meu compromisso tambem aqui subsiste.

Encontro, finalmente, um paragrapho da resposta ao discurso da corôa no qual implicitamente se póde designar um dos assumptos que eu mais empenhadamente havia recommendado ás attenções do governo: diz respeito ao ministerio da marinha, refere-se ás missões do ultramar.

O assumpto das missões ultramarinas portuguezas prende altamente o meu pensamento e como que absorve todas as minhas attenções. E como, sr. presidente, poderia não ser assim? E assumpto religioso, é assumpto da nossa patria!

Na religião importa o seu fundamento; é a fé e a sua propagação; a revelação do nome de Deus, o imperio da cruz, os fructos da redempção levados aos povos, que os desconhecera, e que têem o direito de que lhes levemos nós essa communicação.

Nas relações da patria as missões do ultramar alliam-se ás glorias mais remontadas do nome portuguez: mais; constituem o seu mais honorifico brazão; conservam-lhe ainda o imperio mais dilatado, que passa muito alem dos limites onde a bandeira das quinas tremúla.

Uma convicção intima religiosa, um coração portuguez todo não podem ser indifferentes a um assumpto de importancia tão santa e tão patriotica.

Eu bem sei que em tempos muito anteriores ao das nossas missões, a fé havia sido levada ás regiões da Africa e do alto oriente.

Prescindindo mesmo da primitiva dispersão dos aposto-los,, que attingiu os confins da terra, houve homens de fervor dedicado que desde o seculo VII transpozeram os picos do Hymalaia, e foram da Europa levar a cruz ás regiões dos Karaitas, da Montchoria e do Catay, e não deixo de entre elles encontrar nomes portuguezes: estas mesmas pisadas seguiram depois os nossos Góes e Andrada.

É comtudo certo que nos heroicos tempos em que os portuguezes pelo progresso de seus estudos e luzes, bem, como pela valentia de sua animosidade, transpozeram desconhecidos mares, dobraram o tormentoso cabo e o do Camorim, visitaram suas castas e enseadas, penetraram as de Bengalla, Malaca e Sunda, custearam o Catay até ao mar do Japão, e foram os mestres de todas as outras nações, ensinando lhes descobertas tão momentosas, não se encontravam já n’aquellas regiões vestigios de missão evangelica senão em algumas tradições amortecidas ou adulteradas: a christandade de S. Thomé em Meliapôr estava infeccionada com as heresias de Nestorio e de Eutyches; e a florescente igreja de Kombalik, hoje Peking havia succumbido desde os fins do seculo XIV pela perseguição da dynastia Ming, e pela introducção do mahometismo levada por Tamerlan. — Assim póde bem affirmar-se que foi Portugal que levou de novo a fé ao alto oriente.

Tanto heroes os nossos missionarios com a cruz, como os nossos guerreiros com a espada, correram iguaes parelhas uns e outros resultados; e antes já do Santo Xavier, a

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missão do evangelho era fielmente implantada onde quer que aportavam as quilhas das naus de Portugal: a virtude e o zêlo d’aquelles dedicados obreiros faziam acreditar a sua palavra santa, e imponham não menos respeito do que as lanças e os canhões dos Almeidas e Albuquerques. Citarei só um facto, o de sr. João do Loreto na côrte do rei de Cambaia, que solicitando faculdade para ir a Goa colher meios de resgate de quarenta companheiros seus que estavam captivos, não teve outro penhor que deixar senão a humildo corda do habito franciscano; e sendo elle mal succedido no seu empenho voltou ao captiveiro, e reassumiu a sua corda: o sultão soube galardoar este acto de fidelidade; deu quites todos os portuguezes captivos.

O empenho pelos nossas missões do ultramar, sr. presidente, é um dos mais importantes: a illustre commissão da resposta ao discurso da corôa certamente não ò quereria olvidar, e por isso tenho a honra de enviar para a mesa uma proposta de additamento. Mas essa importancia de assumpto tem já merecido muito dedicada e proficiente attenção do sr. ministro da marinha. Effectivamente o sr. visconde de S. Januario, durante o seu ainda recente ingresso n’este ramo da administração, dotou já as missões com um novo collegio de educação de missionarios, porque o que existe em Sernache do Bom Jardim não é bastante para prover as missões, nem para receber o crescido numero de pretendentes aos logares de alumnos: nomeou uma commissão para estudar e propor o melhoramento e acrescentamento das missões: fez enviar com o revmo. bispo de Angola missionarios saídos do collegio de Sernache, e d’estes fez organisar uma missão permanente no reino do Congo, o proveu-a de garantias e de meios ao seu fim conducentes: está com acertadas medidas e constante actividade tratando todos os negocios das missões do real padroado.

Este desempenho de tanta dedicação pela parte do exmo. ministro devo classifical-o de sincero e de inexcedivel; o desempenho do meu compromisso deve corresponder-lhe.

Conhece bem o illustre ministro, quanto o decoro portuguez e os interesses do estado dependem no ultramar do bom e desenvolvido estabelecimento e serviço das missões.

Leio mais na resposta ao discurso da corôa, que pelo que toca aos melhoramentos coloniaes a camara registará com jubilo a promessa de que em virtude d’elles não será aggravado com sacrificios novos o thesouro da metropole.

Não sei eu, sr. presidente, talvez profundar todo o alcance d’esta recommendação; não entrarei por isso no seu exame, e mesmo a hora está quasi a dar: que um grande sacrificio para o paiz é o de estar vendo desaproveitadas as nossas vastas colonias, que são de si ricas e nos podem enriquecer, e que por descuradas jazem pobres e nos empobrecem, isso conheço eu, e sabem todos.

Portugal é um paiz de limitadissima extensão territorial; é muito grande, porém, no seu nome e nos seus feitos, e cumpre-lhe mais que tudo conservou esse decoro de seu nome e de suas memorias. Trazer como abandonadas as suas colonias, que mãos estranhas teriam sabido aproveitar com vantagem; deixar perder com desdouro a mais apreciavel e honrosa joia da corôa, o seu real padroado, não dá jubilo, faz tristeza!

Commemora a resposta que estou lendo a celebração do tricentenario de Camões: concluirei eu com a elocução do grande epico e grande patriota:

Vós, portuguezes poucos, quanto fortes... Que vós por muito poucos que sejaes Muito façais na santa christandade: Que tanto, é Christo, exaltas a humildade!

Tenho dito.

Concluo, mandando para a mesa os meus additamentos.

Leram-se na mesa os seguintes additamentos: Proponho que na resposta ao discurso da corôa, no paragrapho que se refere ás provincias ultramarinas, em seguida ás palavras = regiões longinquas = se acrescente: «para a propagação da fé catholica em toda a area do padroado da corôa». Seguindo depois o paragrapho integralmente até ao fim.

E mais proponho que a mesma resposta conclua pela fórma seguinte: — «A camara, confiando na protecção divina, faz votos ardentes pela prosperidade publica, e pela de Vossa Magestade, de Sua Magestade a Rainha, e de toda a real familia.»

Sala das sessões dos dignos pares do reino, em 9 de fevereiro de 1881. — Bispo de Bragança e Miranda.

O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): — A camara resolveu que fossem publicados na folha official os documentos que tinham sido pedidos pelo digno par, sr. Vaz Preto, e que se referem á nomeação de um empregado subalterno do meu ministerio. Juntamente com esses documentos peço que sejam publicados os que mando agora para a mesa, e todos os mais que possam ser enviados e digam respeito á mesma nomeação.

O sr. Presidente: — Sobre o pedido que acaba de fazer o sr. ministro da fazenda não póde haver duvida alguma por parto da camara.

O sr. Ministro do Reino (Luciano de Castro): — Mando para a mesa uma proposta para que o digno par sr. Henrique de Macedo possa accumular as funcções legislativas com as que exerce no meu ministerio.

Leu-se na mesa e foi approvada.

O sr. Presidenta: — A ordem do dia para sexta feira, 11, é, na primeira, parte, a discussão do parecer n.° 160 sobre a carta regia que eleva á dignidade de par do reino o sr. Fernandes Vaz, e na segunda parte a continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 9 de fevereiro de 1881

Exmos. srs.: Duque d’Avila e de Bolama; João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; Duque de Loulé; Marquezes, de Ficalho, de Monfalim, de Penafiel, de Sabugosa, de Vianna, de Vallada; Arcebispo de Evora; Condes, de Avilez, de Bomfim, de Cabral, de Castro, de Fonte Nova, de Gouveia, de Linhares, de Paraty, de Podentes, da Ribeira Grande, de Rio Maior, de Samodães, da Torre, de Valbom;- Bispos, de Bragança de Lamego, de Vizeu, eleito do Algarve; Viscondes, de Almeidinha, de Alves de Sá, de Bivar, de Borges de Castro, da Borralha, de Chancelleiros, de Gandarinha, de S. Januario, das Laranjeiras, de Portocarrero, da Praia, da Praia Grande, de Seabra, do Seisal, de Soares Franco, de Villa Maior; Barão de Ancede; Mendes Pinheiro, Ornellas, Pereira de Miranda, Mello e Carvalho, Quaresma, Sousa Pinto, Machado, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Secco, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Magalhães Aguiar, Rodrigues Sampaio, Pequito de Seixas, Serpa Pimentel, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Eugenio de Almeida, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Cunha," Margiochi, Henrique de Macedo, Andrade Corvo, Ferreira Lapa, Mendonça Côrtes, Pestana Martel, Braamcamp, Baptista de Andrade, Pinto Bastos, Castro, Reis e Vasconcellos, Mancos de Faria Raposo do Amaral, Mello Gouveia, Ponte e Horta, Costa Lobo, Costa Cardoso, Mexia Salema, Mattoso, Luiz de Campos, Daun e Lorena, Seixas, Pires de Lima, Vaz Preto Pereira Dias, Franzini,. Canto e Castro, Miguel Osorio Placido de Abreu, Calheiros, Thomás de Carvalho, Ferreira Novaes, Ferrer, Seiça e Almeida.

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