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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO DE 28 DE JANEIRO DE 1866

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. CONDE DE LAVRADIO

Secretarios, os dignos pares

Marquez de Vallada

Jayme Larcher

Ás duas horas e vinte minutos da tarde, sendo presentes 22 dignos pares, foi declarada aberta a sessão.

Leu-se a acta da precedente que se julgou approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

O sr. Marquez de Sabugosa: — Requereu que se lançasse na acta a declaração de que se assistisse á discussão do parecer n.º 13, approvaria a conclusão d'elle, não se conformando porém com os considerandos da commissão.

O sr. Presidente: — V. ex.ª não fez requerimento, seria necessario, que o fizesse.

O sr. Marquez de Sabugosa: — O regimento permitte esta declaração de voto (apoiados).

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O sr. Presidente: — Devo observar a v. ex.ª que quando o parecer n.º 13 entrou em discussão foi muito depois de dada a hora em que a camara devia começar a funccionar. O sr. Marquez de Sabugosa: — Peço a v. ex.ª que me desculpe, mas eu não fiz censura alguma á mesa, nem a queria fazer.

O sr. Presidente: — Pertence aos dignos pares estarem presentes á abertura da sessão. Tem a palavra o sr. Menezes Pita.

O sr. Menezes Pita: — É para mandar para a meça a carta regia pela qual Sua Magestade houve por bem nomear par do reino o sr. Roque Joaquim Fernandes Thomás.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

«Dr. Roque Joaquim Fernandes Thomás, conselheiro d'estado extraordinario, lente jubilado na faculdade de philosophia da universidade de Coimbra, vogal do conselho geral de instrucção publica e deputado da nação portugueza, amigo. Eu El-Rei vos envio muito saudar. Tomando em consideração os vossos merecimentos e qualidades: hei por bem, tendo ouvido o conselho d'estado, nomear-vos par do reino.

«O que me pareceu participar-vos para vossa intelligencia e devidos effeitos.

«Escripta no paço da Ajuda, em 25 de janeiro de 1866. = EL-REI. = Joaquim Antonio de Aguiar.»

O sr. Presidente: — Nomeio para examinar a carta regia que acaba de ler-se, os srs. Silva Cabral, Moraes Carvalho e general Baldy. Tem a palavra o sr. duque de Loulé.

O sr. Duque de Loulé: — Sr. presidente, fui encarregado pela camara municipal de Alter do Chão, de apresentar a esta camara uma representação em que pede que, a directriz que parece ser adoptada pela empreza dos caminhos de ferro de sueste, seja alterada de modo que esta linha passe mais proxima da povoação de Alter do Chão.

Mandando esta petição para a mesa, e apresentando-a a esta camara, peço que se dispense o regimento, para que não vá á commissão de petições, e seja remettida immediatamente ao governo, para a tomar na consideração que merecer, por isso que ella trata de um objecto expressamente das attribuições do governo.

Pedia portanto á camara que não se oppozesse á remessa immediata, porque é este o modo por que a camara municipal póde ser attendida com mais brevidade, e pedia igualmente que, depois de lida na mesa, a camara se não oppozesse á sua publicação no Diario de Lisboa.

O sr. Presidente: — Depois de lida a correspondencia, porei á votação o requerimento do digno par, duque de Loulé.

Então deu-se conta da seguinte correspondencia:

Um officio do 3.º districto criminal, enviando á camara dos dignos pares, para os effeitos convenientes, o processo instaurado por contravenção da lei policial contra os dignos pares do reino, os ex.mos barão de Villa Nova de Foscôa, e Luiz de Castro Guimarães.

O sr. Presidente: — Segundo o que determina o nosso regimento, este officio deve ser remettido á commissão de legislação, para ella dar o seu parecer. Parece me que, segundo o nosso regimento, toda a representação ou petição, que seja enviada a esta camara, deverá ir á commissão de petições em primeiro logar, para que esta dê o seu parecer, que é o que me parece mais regular.

O sr. Duque de Loulé: — Eu não ignoro o preceito do regimento, e até o citei quando fallei; foi justamente por conhecer a necessidade da sua alteração, que eu dirigi o meu requerimento á camara, visto que a representação versa exclusivamente sobre o objecto da exclusiva attribuição do governo, e que não é da competencia d'esta casa. A camara municipal pede que se altere a directriz da linha ferrea, e é este um negocio, como já disse, das attribuições do governo, e que, por isso, me parece que ao governo é que elle deve ser remettido, para que o attenda da maneira que entender; portanto, em vista da clareza da petição, eu entendo que a sua direcção não póde ser outra, senão que seja remettida ao governo, e é por isso que eu pedia que se dispensasse o regimento n'esta parte, e que a representação fosse remettida ao governo, sem se demorar na commissão de petições, para, como já disse, este lhe dar a devida solução.

Posto á votação, foi approvado.

Eu tinha pedido tambem a v. ex.ª, que consultasse a camara, se consentia que se publicasse no Diario de Lisboa esta petição.

O sr. Presidente: — É necessario proceder primeiro á leitura na mesa, para depois ir a imprimir.

Leu-se na mesa.

O sr. Presidente: — Os dignos pares que approvam que esta representação seja publicada no Diario de Lisboa, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Moraes Carvalho (sobre a ordem): — Tenho a honra de mandar para a mesa o parecer da commissão especial, que foi encarregada de examinar a carta regia, pela qual foi elevado á dignidade de par do reino o sr. Roque Joaquim Fernandes Thomás.

O sr. Secretario: — Leu, e é do teor seguinte:

«A commissão especial encarregada de examinar a carta regia, pela qual foi elevado á dignidade de par do reino o ex.mo sr. Roque Joaquim Fernandes Thomás, verificou que a referida carta regia tem todos os requisitos legaes, pelo que é de parecer que o nomeado está nos termos de tomar sento na camara, prestando previamente o juramento do estylo.

«Sala da commissão, em 29 de janeiro de 1866. = José Bernardo da Silva Cabral = Alberto Antonio de Moraes Carvalho = José Maria Baldy.»

O sr. Presidente: — Nomeio os dignos pares, os srs. Moraes Carvalho e Baldy, para introduzirem na sala o sr. Roque Joaquim Fernandes Thomás.

Em seguida entrou na sala, prestou juramento e tomou assento.

O sr. Larcher: — Pedi a palavra para dizer a v. ex.ª que o digno par, o sr. marquez de Sousa Holstein, me encarregou de communicar á camara que não lhe é possivel comparecer hoje á sessão, o que é tanto mais para sentir visto s. ex.ª ser relator do parecer n.º 17.

Tenho igualmente a declarar a v. ex.ª que o digno par, o sr. Vellez Caldeira, está incommodado da saude, e por isso não póde comparecer á sessão de hoje, nem talvez a mais algumas.

O sr. Marquez de Vallada: — Pediu aos membros das commissões de fazenda e obras publicas dessem o mais breve possivel o parecer sobre o projecto anteriormente apresentado por elle, orador, para que as obras da nova sala das sessões da camara dos dignos pares sejam commettidas á direcção do ministerio das obras publicas.

O sr. Conde d'Avila: — O projecto do digno par foi mandado pela camara ás commissões de fazenda e obras publicas, e por isso a secretaria o mandou á commissão de fazenda. Esta já se occupou d'elle, e ha de apresentar, de accordo com a commissão de obras publicas, o seu parecer, se bem que ainda não tomou resolução alguma sobre o modo de ser tratada esta questão entre as duas commissões. A primeira cousa que ha a examinar, é se as commissões se hão de reunir ambas para darem um parecer collectivo, ou se ha de ser a commissão de fazenda que o ha de dar depois de ouvir a commissão de obras publicas; entretanto o que eu posso asseverar á camara e ao digno par, é que este negocio não está em esquecimento, e que a commissão de fazenda já hoje se occupou d'ella.

O sr. Duque de Loulé: — Eu fui inteiramente prevenido pelo digno par que acaba de fallar. Tinha pedido a palavra para dizer ao sr. marquez de Vallada que a commissão de obras publicas ainda não recebeu o projecto de s. ex.ª; mas o que o sr. conde d'Avila acabou do dizer esclarece bem o estado em que se acha este negocio, e o sr. marquez de Vallada de certo se dará por satisfeito.

O sr. Marquez de Vallada: — Deu-se por satisfeito com estas explicações.

O sr. Presidente: — Vamos entrar na ordem do dia, mas antes peço a attenção da camara para diversos projectos, vindos da camara dos senhores deputados, que se acham nas commissões. Os projectos são os seguintes (leu).

Ha tambem nas commissões diversos projectos de lei que tiveram iniciativa nesta camara, e são os seguintes (leu).

Peço ás illustres commissões que queiram dar os seus pareceres sobre estes projectos, que são de grande importancia.

O sr. Conde d'Avila: — Era para dar algumas explicações a respeito dos projectos que foram mandados á commissão de fazenda. A commissão de fazenda reuniu-se hoje mesmo, e mandou pedir á secretaria todos os projectos que lhe dizem respeito. Foram-lhe mandados, só tres, o ultimo dos quaes escuso mencionar, porque sobre elle dei ha pouco explicações. O primeiro é relativo á concessão de um edificio á camara municipal de Elvas; o segundo é sobre a abolição dos privilegios aos vendedores do papel sellado. A commissão, em relação ao primeiro d'estes dois projectos, julgou necessario pedir ao governo algumas informações, e talvez na sessão de hoje se leia o respectivo parecer, que se está copiando na secretarias Emquanto ao projecto para a abolição dos privilegios aos vendedores do papel sellado, póde v. ex.ª ter a certeza de que dentro de poucos dias a commissão ha de dar o seu parecer.

O sr. Silva Cabral: — Vejo que está aqui na relação, que acabo de receber do sr. secretario, mencionado um projecto remettido á commissão de legislação, fixando os prasos para o pagamento dos direitos de mercê por titulos de divida publica. Pareceu-me porém que na relação lida por v. ex.ª se mencionavam mais alguns. Desejava saber se eu estou equivocado, e se alem do que acabo de referir existem com effeito mais alguns, commettidos ao exame da commissão de legislação?

O sr. Visconde de Soares Franco: — É para declarar a v. ex.ª que na commissão de marinha estão effectivamente alguns projectos, sendo um d'elles de uma transcendencia tal que não póde a commissão de marinha dar parecer, porque depende de muitas circumstancias: refiro-me ao projecto sobre escravatura apresentado pelo sr. marquez de Sá. S. ex.ª é presidente da commissão de marinha, e logo que ella se reunir podemos dar andamento a este projecto, bem como a todos os outros.

ORDEM DO DIA O sr. Presidente: — Vae ler-se o parecer n.º 16.

O sr. Secretario: — Leu-o e é do teor seguinte:

PARECER N.º 16

Senhores, — Foi presente á commissão de petições a representação da camara municipal de Abrantes, datada de 28 de novembro ultimo, expondo que foi por lei ordenada a factura de estrada que da estação do caminho de ferro em frente de Abrantes vae para Castello Branco, que esta estrada tem a extenção de 100 kilometros quasi concluidos, que o complemento d'esta estrada é o de uma ponte sobre o Tejo que a deve ligar, que os estudos, planta e orçamentos já foram feitos e approvados ha muito tempo pelo conselho das obras publicas, e que todavia a camara tem visto correr os mezes e os annos sem perceber o mais leve signal de que se mande começar esta obra.

Expõe mais a mesma camara as immensas vantagens nacionaes resultantes d'esta ponte, por ser aquella localidade um ponto central, militar e commerciante, por ser a chave das tres provincias do alto Alemtejo. Estremadura e Beira, em todos os tempos assim considerada para defeza da capital, depois de Santarem, servindo em occasião de guerra de deposito de viveres e munições, e durante a paz de generos e mercadorias procedentes ou vindas do Ribatejo.

Em conclusão se pede n'esta representação que esta camara, reconhecendo a força d'estas rasões, recommende ao governo a prompta realisação da obra de que se trata.

A vossa commissão de petições, conformando-se com essas rasões, é de parecer que esta representação seja deferida, remettendo-se ao governo, que por certo a attenderá como entender exigem os interesses do estado.

Sala da commissão, em 9 de janeiro de 1866. = José Bernardo da Silva Cabral = Marquez de Sousa Holstein = Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão.

Não havendo quem pedisse a palavra foi posto á votação, e approvado.

O sr. Presidente: — Vae ler-se o parecer-se n.º 17 da commissão especial nomeada para examinar a proposta do sr. marquez de Niza para a suppressão do logar de bibliothecario das côrtes.

O sr. Secretario: — Leu-o e é do teor seguinte:

PARECER N.º 17

Senhores. — A commissão especial que nomeastes para examinar a proposta do digno par marquez de Niza, ácerca da suppressão do logar de bibliothecario das côrtes, vem apresentar-vos o parecer que, depois de attento exame, julgou dever adoptar.

Pelo decreto com força de lei de 22 de outubro de 1856 foi creada a bibliotheca das côrtes, e regulado em geral o systema da sua administração. É certo porém que a decretada bibliotheca sómente chegou a ter principio de realisação.

Uma commissão nomeada pelo citado decreto escolheu do deposito geral dos livros dos extinctos conventos algumas obras, foram posteriormente adquiridas poucas mais, e esta reunião de livros collocada em uma sala de todo impropria para aquelle uso, pois era passagem forçada de uma camara para a outra, foi intitulada bibliotheca das côrtes.

O logar de bibliothecario foi uma vez provido, não o tornou porém a ser depois do fallecimento d'aquelle empregado, nem parece á commissão que o deve ser, emquanto se não modificarem as condições actuaes da livraria das côrtes. N'estes termos adoptaria a vossa commissão a proposta do digno par marquez de Niza, e teria d'este modo satisfeito á obrigação que lhe havíeis imposto. Julga porém a commissão do seu dever, visto que se trata da bibliotheca, chamar a vossa attenção sobre a necessidade de executar as determinações do já apontado decreto. As rasões que aconselham a organisação da bibliotheca das côrtes são obvias. Bastará lembrar a conveniencia, a necessidade mesmo, que ha em proporcionar aos membros do parlamento os livros, documentos e publicações officiaes que lhes seja mister consultar durante uma discussão nas camaras ou nas commissões. É innegavel que este subsidio seria da maior importancia. Com isto não quer a commissão recommendar-vos a formação de uma bibliotheca extensa e completa nos varios ramos do saber humano. A bibliotheca das côrtes deve ser especial, abranger sómente as publicações que seja util ter á mão durante as discussões dos corpos legislativos. Debaixo d'este ponto de vista porém deve ser a mais completa possivel. Fôra longo e escusado entrar n'esta occasião em mais largas considerações sobre este ponto. Facilmente se deprehendem as intenções da commissão pelo pouco que fica dito.

Parece á commissão que o encargo de inspeccionar directa e immediatamente o serviço da bibliotheca não deve continuar a ser commettido ás illustres mesas das duas camaras, que já se acham bastante sobrecarregadas com as outras funcções que devem desempenhar. As mesas deve pertencer a superintendencia da bibliotheca, como já lhes pertence a superintendencia de outros serviços que têem com este analogia; porém o dever de fiscalisar a bibliotheca, de approvar as compras, de dirigir as permutações de livros, de vigiar pelo exacto cumprimento dos regulamentos, etc., deve, na opinião da commissão, ser confiado a uma commissão permanente de seis membros eleitos no principio das legislaturas, tres por cada uma das camaras.

A bibliotheca deve ser quanto antes removida do local em que se acha, e onde os livros estão soffrendo prompta e irremediavel ruina. Convirá apartar os que podem ser conservados e vender em hasta publica os outros.

Lembra a commissão que seria facil e pouco despendioso estabelecer um systema de permutações dos diarios das côrtes e de todas as nossas publicações officiaes com identicos documentos dos paizes estrangeiros.

Deverá tambem pedir-se ao governo que envie para a bibliotheca das côrtes um exemplar de todas as suas publicações officiaes.

Para dar execução aos artigos 3.º e 4.º do decreto com força de lei de 22 de outubro de 1856, parece á commissão que devia consignar-se no orçamento do estado uma verba permanente de 1:500$000 réis destinada á compra e encadernação de livros.

A commissão da bibliotheca deverá redigir com a possivel brevidade um regulamento interno para o serviço da livraria, o qual será posto em execução logo que seja approvado pelas mesas das camaras.

Convem abrir desde já concurso publico de documentos e provas para o provimento do logar de bibliothecario, fazendo a commissão, de accordo com as mesas, o respectivo programma, ao qual se deverá dar a maior publicidade. O jury d'este concurso póde ser nomeado pelas mesas das camaras e pela commissão. O bibliothecario tratará logo de compilar o catalogo das obras existentes na livraria, e procurará sempre tê-lo em dia. Fará tambem uma lista das obras truncadas, a fim de serem quanto possivel completadas.

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A vossa commissão especial julga que este complexo de medidas é digno da vossa approvação, e que se o adoptardes, a bibliotheca das côrtes se tornará uma realidade. O augmento de despeza é insignificante, devendo ainda notar-se que o apontado decreto de 22 de outubro, auctorisa a creação da verba proposta.

A commissão é pois de parecer que, não devendo inteiramente adoptar a proposta do digno par marquez de Niza, não convem comtudo prover o logar de bibliothecario emquanto se não preencherem as condições que a commissão tem a honra de vos apresentar.

Sala da commissão, em 9 de janeiro de 1866. = José Bernardo da Silva Cabral = Marquez de Vallada, (vencido) = Marquez de Sabugosa = Marquez de Niza = Marquez de Sousa Holstein, relator.

O sr. Presidente: — Está em discussão este parecer porque se acham presentes tres membros da commissão, pois a falta de um membro não póde impedir o andamento de um negocio.

O sr. Marquez de Vallada: — Deu explicações do motivo porque assignou vencido este parecer. Não se conforma com a opinião de que a direcção da bibliotheca fique commettida a uma commissão mixta de ambas as camaras, presumindo que essa direcção se deve entregar, como até agora, ás mesas de ambas as camaras.

Emquanto ao restante conforma-se com a opinião da commissão, pois vê triumphar a sua opinião individual, de que se não deve supprimir o logar de bibliothecario.

O sr. Silva Cabral: — Sr. presidente, este parecer é o resultado de uma discussão bastante demorada entre os membros da commissão. Toda a camara conhece o que originou este parecer, que não foi, nem mais nem menos, do que a proposta do sr. marquez de Niza, que n'um lance de enthusiasmo pela economia da fazenda publica, entendeu que devia propor a abolição do logar de bibliothecario da bibliotheca das côrtes. Foi a isto que se oppoz desde logo o sr. marquez de Vallada. (O sr. Marquez de Vallada: — Apoiado.) E sobre este ponto é que, em virtude do direito que assiste a cada um dos membros d'esta camara de pedir uma commissão especial, foi, a requerimento do digno par o sr. marquez de Niza, nomeada esta, de que tenho a honra de fazer parte, e que contém os mais membros que acabou de mencionar o sr. marquez de Vallada.

É evidente que sobre este negocio ha uma lei positiva, que é o decreto de 22 de outubro de 1836, que nem por ser decreto deixa de ter o caracter de lei, porque é d'aquelles que pertencem á dictadura de 1836, e que depois foram todos approvados pelas côrtes. Por consequencia as suas providencias não podem deixar de considerar-se com o caracter legislativo; e sendo assim é necessario que a camara saiba o que determina esse decreto que estabeleceu a bibliotheca das côrtes. Cumpre saber que n'esse tempo as côrtes não existiam senão em projecto ou em expectativa, porque tanto a camara dos pares como a dos deputados tinham sido extinctas; tratava-se de uma nova organisação politica; estavam em principio de organisação as côrtes constituintes, que produziram, confeccionando-a a constituição de 1838. Portanto não se admire a camara da terminologia empregada no decreto, porque effectivamente a organisação politica d'aquella epocha não permittia outra.

Por esse decreto que creou a bibliotheca nomeou-se uma commissão para escolher os livros que a deveriam compor. Esta commissão era composta de tres cavalheiros: Nunes de Carvalho, Constancio e Pimentel Maldonado.

Este mesmo decreto, no respectivo artigo, dispõe que dos empregados das extinctas camaras, dos pares e deputados, se escolham aquelles que hão fazer o serviço da bibliotheca, e depois, no artigo 4.º, seguindo o mesmo pensamento, determina, que depois de organisada a bibliotheca, a superintendencia e direcção pertence ás côrtes. O regimento das côrtes constituintes, pelas mesmas phrases e com igual espirito, estabeleceu que a direcção de bibliotheca pertencia á mesa das côrtes.

Mudada a fórma do governo e restabelecido o regimen da carta, recobraram a sua influencia os regimentos da camara dos srs. deputados e da dos dignos pares, e n'elles effectivamente se vê que é commettida ás mesas das duas camaras a inspecção e direcção de tudo que pertence á bibliotheca, inclusivamente a nomeação dos seus empregados. Portanto, em virtude d'aquella lei, como consta dos respectivos regimentos, está claro que nem a mesa da camara dos srs. deputados, nem a dos dignos pares podem separadamente determinar cousa alguma, respectivamente á bibliotheca, e que devem proceder de accordo uma com a outra. Esta é que é a jurisprudencia parlamentar com relação ao ponto que está em discussão. Quero dizer, e isto está muito claro, que uma das mesas não tem auctoridade para determinar cousa alguma sobre a bibliotheca; que é necessario que ambas marchem de accordo, e que assim e só assim, determinem o que julgarem conveniente para a sua direcção.

Não obstante a letra da lei e a clara disposição dos regimentos, veiu a proposta do digno par o sr. marquez de Niza que tendia a extinguir o logar de bibliothecario. A camara singularmente não podia nem póde faze-lo, pela rasão que acabo de expender; mas podel-o-ía, se fosse de accordo com a outra casa do parlamento, visto que é ás côrtes, que a lei commette este assumpto em toda a sua amplidão.

Já se vê, portanto, que a proposta do digno par o sr. marquez de Niza ficava excluida, não só em vista da lei, mas das disposições claras dos dois regimentos.

Determinada assim a importancia moral e juridica da proposição ou proposta do sr. marquez de Niza, que era a extincção completa e immediata do logar de bibliothecario; ficava claro que, determinando-se na lei que houvesse uma bibliotheca, era indispensavel a existencia e conservação de um bibliothecario, alem d'isso, não haveria nada menos conforme com os elementos de illustração que as camaras devem possuir, do que ir proscrever a bibliotheca, que era a consequencia necessaria de extinguir o bibliothecario (apoiados), e portanto, a commissão foi unanime em excluir a proposta do sr. marquez de Niza.

O nobre marquez, reconhecendo todas estas rasões, teve, como a camara vê pela assignatura do parecer, a bondade de se conformar com a opinião geral da commissão.

Era, por consequencia, necessario partir para a segunda hypothese, que era a do sr. marquez de Vallada.

S. ex.ª queria de alguma maneira que se provesse immediatamente o logar de bibliothecario, e a commissão tambem não pôde annuir a este desejo pelas rasões que a camara facilmente conhecerá. Nós não temos por ora bibliotheca, nem casa para estabelece-la; e por isso a commissão, conciliando a indispensavel conservação e aperfeiçoamento da bibliotheca com o pensamento da economia, seguiu o caminho da rasão e da prudencia, dizendo e opinando que, quando houver bibliotheea ou local em que ella se estabeleça, é preciso que haja o bibliothecario, e que emquanto não a houver não se deve sobrecarregar a fazenda publica com o ordenado que pertence ao bibliothecario.

É esta a rasão por que a commissão não quiz admittir tambem o pensamento do digno par o sr. marquez de Vallada.

Havia ainda uma outra consideração, e n'esta, como s. ex.ª disse, e disse muito bem, é que divergiu da commissão, porque emquanto ao mais esteve conforme com a idéa da commissão.

S. ex.ª por um sentimento de melindre, que sempre acompanha todas as suas acções, entendeu que não devia annuir á parte do parecer que, em logar de dispor que sejam as mesas das camaras que intervenham directamente n'este negocio, providenceia que uma commissão nomeada no principio de cada legislatura, composta de tres membros de cada uma das camaras, tenha o encargo de tudo aquillo que é verdadeiramente arranjo, economia e inspecção permanente e diaria da bibliotheca.

Comprehendeu-se que estando a direcção da bibliotheca a cargo das mesas das duas camaras se poderia julgar offendido o melindre d'ellas, indo cercear-se-lhes as suas attribuições.

A commissão entendeu, e entendeu ainda de differente modo; mas querendo marchar com prudencia encarregou-me de conferenciar, sobre este objecto, com o nosso dignissimo presidente que, com aquella longanimidade de que é dotado, me respondeu que não só entendia que em nada se offendia o melindre da mesa, mas que ao contrario entendia ser uma providencia altamente proveitosa no intuito que a commissão levava em vista.

Effectivamente a commissão, como se vê do parecer, não teve a menor idéa de tirar a superintendencia suprema á mesa; entendeu que aquelles trabalhos estavam muito abaixo das suas altas funcções para n'elles se ingerir de um modo directo; e por isso, sem lhe tirar essa superintendencia, julgou que era mais proprio haver uma commissão intermediaria que tivesse a seu cargo a compra e troca de livros e outros objectos de igual natureza, dos quaes não podia tratar a mesa, nem era proprio da sua dignidade estar por si mesma a occupar-se d'esse trabalho e de outros ainda mais fastidiosos que acompanham e necessitam a organisação, conservação e augmento de uma bibliotheca (apoiados).

Depois de ver qual era o voto ponderoso de v. ex.ª, fui com toda a franqueza e com toda a verdade apresenta-lo á commissão, que fazendo justiça ao alto saber de v. ex.ª, de antemão devia conhecer o seu illustrado voto.

Sr. presidente, a commissão no seu parecer, não quiz mais do que estabelecer certas regras, lembrar certas medidas que julgou necessarias tomar para regular este assumpto. Vendo que as mesas das duas camaras, sobrecarregadas como estão de trabalhos elevados e importantes, não deviam estar a occupar-se da inspecção directa e immediata do serviço da bibliotheca, propoz a nomeação no principio de cada legislatura, de uma commissão de seis membros, tres nomeados pela camara dos dignos pares, e tres pela dos senhores deputados, para tratar d'essas cousas, minimas em comparação áquellas que pertencem ás mesas das respectivas camaras em suas altas funcções, mas que é forçoso que alguem vigie e faça executar. Mas não teve a commissão com isto a menor intenção de tirar a superintendencia da bibliotheca ás duas respectivas mesas, pelo contrario é de opinião que não póde deixar de pertencer-lhes essa superintendencia. É este o verdadeiro pensamento da commissão. Como ella entende que, no caso indispensavel da existencia da bibliotheca, não póde deixar de haver bibliothecario, como é de rasão e logico, estabelece os fundamentos ou as condições com que o logar de bibliothecario deve ser provido.

Estas condições ou regras, é evidente que não são senão a preparação para poder conseguir-se um bom provimento do logar de bibliothecario, e que não podem ser considerados como modo de conducta invariavel, senão com a annuencia da mesa da outra camara; mas sendo o seu espirito o da ordem e regularidade, não póde esperar-se que sobre a sua execução não haja o accordo das duas mesas, indispensavel assim para isto, como para o mais tendente á bibliotheca.

Eis-aqui o verdadeiro sentido do parecer da commissão. A proposta do sr. marquez de Niza é rejeitada: não podia ser adoptada pelas rasões que expendi. A proposta do sr. marquez de Vallada, para o logar ser provido immediatamente, tambem não podia ser inteiramente adoptada, porque, pelas rasões sabidas, não se podia já prover o logar de bibliothecario. Quando se der o caso de prover esse logar a commissão entendeu que se devem observar certas regras; propo-las, para as mesas de commum accordo as tomarem em consideração. Aqui não ha nada contra as attribuições das mesas, ha tudo pelo bom serviço da bibliotheca, salvos sempre os direitos d'aquellas. Foi isto que eu queria explicar.

O sr. Marquez de Vallada: — Demonstrou a necessidade da bibliotheca, como ella devia ser organisada, e concluiu pela opinião de não achar inconveniente proceder-se desde já & nomeação do respectivo bibliothecario.

O sr. Marquez de Sabugosa: — Pouco tenho que dizer depois das explicações dadas pelo digno par o sr. Silva Cabral, e é mais para explicar a alguns dos nossos collegas a quem tinha declarado que tambem assignava vencido, como fazia o digno par o sr. marquez de Vallada, posto que cada um de nós tivesse rasões differentes para assim proceder, é mais para esse fim do que para sustentar o parecer da commissão que uso da palavra. Resolvi-me a assignar este parecer sem declaração alguma, por isso que me convenci de que a conclusão do parecer era sobre que podia recair, votação da camara, e que as considerações de que era acompanhado importavam apenas os bons desejos da commissão de que opportunamente se augmentasse a bibliotheca das côrtes, e se regulasse a sua administração. Sendo de opinião que se conserve por emquanto tudo no estado em que se acha a respeito da bibliotheca, julgava ter de assignar vencido pelas considerações do parecer; quando porém se concordou na conclusão, entendi que o podia assignar sem mais declaração. As explicações dadas pelo digno par Silva Cabral, parece-me concordarem com o que acabo de dizer, entendendo portanto que a camara votando o parecer é conclusão do mesmo que vota. Se durante a discussão tiver necessidade de dizer mais alguma cousa, pedirei de novo a palavra, mas parece-me que não será necessario.

Lembrarei agora a v. ex.ª, sr. presidente, que pedi a palavra para quando estiver presente o sr. presidente do conselho e ministro do reino, que ha pouco tive o gosto de ver entrar n'esta sala. Eu não sei se s. ex.ª se acha presente... ou se saiu. (Uma voz: — Está presente).

Tinha pedido a palavra para chamar a attenção do sr. ministro do reino sobre negocio que entendo ser de gravidade, no entretanto talvez seja melhor que eu me, dirija a s. ex.ª; depois d'esta discussão acabar (Vozes: — É melhor deixar acabar esta discussão). Muito bem; peço a v. ex.ª, sr. presidente, que me reserve a palavra.

O sr. Silva Cabral: — Sr. presidente, estou realmente desconfiado da procedencia das rasões que ha pouco apresentei; porque, tratando eu com tanta clareza de explicar as differentes phases porque passou a discussão d'este parecer no seio da commissão, vejo que o digno par marques de Vallada, apesar da sua illustração e subida intelligencia, não poude ou não quiz comprehender o sentido das minhas palavras. Eu não sei se possa attribuir isto á obscuridade do meu juizo, se á falta de expressões claras da minha parte.

Sr. presidente, o que apresentou o digno par marquez de Niza não foi um projecto de lei, mas sim uma proposta, e foi sobre ella que a commissão deu o seu parecer; o que o digno par o sr. marquez de Niza apresentou, foi uma cousa a que o nosso regimento no artigo 37.º designa pelos termos de proposição, indicação ou requerimento, e a commissão de accordo com o regimento, não podia deixar de considerar este documento senão e simplesmente como uma proposta. Ora, o que fez a commissão? Teve toda a consideração que devia ter com a proposta do* digno par, mas não poude de fórma alguma sujeitar o seu juizo nem a sua intelligencia ou imparcialidade, a annuir a essa proposta, pelas rasões que o parecer apresenta; e pela mesma maneira, tendo toda a consideração pelo digno par o sr. marquez de Vallada, que aliás propugnava em these por causa justissima, qual era a não extincção do logar de bibliothecario, entendeu a commissão dever propor o adiamento d'este negocio, por isso que, não havendo por emquanto bibliotheca, não era preciso que tambem houvesse bibliothecario. Ora, isto não quer dizer que não haja bibliothecario, o que significa é que não é necessario desde já prover-se esse logar, como quer o digno par marquez de Vallada, e que se ponha a concurso o logar, a fim de que, sendo admittido qualquer, possa em tempo competente funccionar e perceber o ordenado correspondente.

Por consequencia, sr. presidente, a commissão não fez mais do que cumprir o seu dever; perguntaram-lhe se devia ser supprimido o logar de bibliothecario, e ella respondeu — não. Emquanto ás considerações que ella apresenta, não são mais do que normas a seguir em harmonia com o fim que se tem em vista, para serem tomadas pelas mesas na conta, que ellas merecerem; a commissão não impõe esses conselhos a qualquer das mesas das casas do parlamento, nem os podia impor; o accordo das duas mesas é que tem de determinar definitivamente este assumpto, conforme a dependencia em que elle está, conforme a lei e regimentos, d'esse mesmo accordo, o que bem faz sentir a commissão no seu parecer. E este o verdadeiro sentido da commissão, nem podia ser outro; e não quiz tambem ella cercear, como já se deu a entender, a auctoridade da mesa d'esta camara. Antes do parecer ser apresentado aqui, foram prevenidos esses receios ou escrupulos, como já relatei circumstanciadamente.

Por consequencia, o digno par o sr. marquez de Vallada já vê que effectivamente ficou triumphante quanto á primeira parte do parecer; emquanto á segunda parte, admittido o concurso, a commissão não se apartou da sua idéa, sem comtudo admittir a do provimento immediato que não julga admissivel.

O sr. Moraes Carvalho: — Sr. presidente, não sendo este parecer de extrema urgencia, desejaria que elle fosse

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discutido na presença do auctor da proposta; mas apesar d'isso, não hei de ser eu que proponha o adiamento, visto que v. ex.ª poz o parecer em discussão,; a unica reflexão que tenho a fazer é que o parecer da commissão apresenta duas conclusões; a primeira é esta (leu.)

Este complexo de medidas é aquelle a que o digno par acaba de dar o nome de conselhos.

A segunda conclusão é a seguinte (leu). Sr. presidente, eu voto pela segunda conclusão; isto é que se não adopte a proposta do digno par o sr. marquez de Niza, sem comtudo se prover, por emquanto o logar de bibliothecario; mas não vou d'aqui avante. Pela minha parte não approvo o tal complexo de medidas, ainda que seja debaixo do nome de conselhos, porque me não julgo auctorisado a dar conselhos ás mesas das duas camaras; declaro que voto pela conclusão do parecer da commissão unicamente n'este ponto, e desejaria que, attentas estas reflexões, se commettesse sem conselhos o negocio ás mesas, para que ellas fizessem o que entendessem ser mais conveniente.

O sr. Silva Cabral: — Visto que tenho de substituir o relator da commissão, em virtude de s. ex.ª estar occupado em serviço, direi mais algumas palavras.

Quanto á primeira reflexão do meu digno amigo o sr. Moraes Carvalho, parece-me que a resposta está no mesmo parecer; o digno par o sr. marquez de Niza assignou o parecer redondamente, e sem declaração, logo approvou tudo o que ali está escripto. A sua presença pois, quanto sempre appetecivel, não é necessaria no presente caso. Quanto á segunda, lembrar-lhe-hei sómente que approvar este complexo de medidas é a unica funcção que pertence á camara, que é a mesa a quem compete superintender n'este negocio; mas que adoptadas estas resoluções pela camara a mesa deve conformar-se com ellas, porque o seu poder não é senão delegação, e o poder supremo n'este caso está na camara. Isto é tão trivial que seria fazer injuria insistir na demonstração.

Agora, quanto á liberdade de approvar ou não approvar, está claro que o digno par tem toda a liberdade de o fazer, e declarar mesmo o verdadeiro sentido do seu voto, n'isso não ha a menor duvida.

O sr. Marquez de Vallada: — Fez sobre a materia as considerações que entendeu opportunas.

O sr. Moraes Carvalho: — Sr. presidente, eu serei breve porque nem mesmo o objecto que se discute admitte longa discussão. Eu em parte fui prevenido pelo que acaba de dizer o sr. marquez de Vallada. O meu parecer portanto é que nos devemos abster de dar conselhos, deixando livre ás mesas o deliberarem os negocios como entenderem, porque de modo algum se póde obrigar a mesa da camara dos senhores deputados. Eu não concordo com o que disse o sr. marquez de Vallada ácerca do negocio ter começado mal. O sr. marquez de Niza apresentou uma proposta, e não tinha obrigação de apresentar um projecto de lei; ora tendo esta proposta sido remettida á commissão especial o que ella tinha a fazer era dar o seu parecer sobre esta proposta, e não devia substitui-la por um projecto de lei. Portanto eu persisto na minha opinião, e voto o parecer na parte em que rejeita a proposta do sr. marquez de Niza, e não voto nada mais.

O sr. Presidente: — Vou pôr á votação o parecer n.º 17, visto não haver mais nenhum digno par inscripto.

sr. Duque de Loulé: — Peço a palavra.

O sr. Duque de Loulé: — Peço a v. ex.ª que declare se se vota só a conclusão do parecer, ou o que é que se vae votar.

O sr. Presidente: — Eu propuz á votação a conclusão do parecer.

O sr. Silva Cabral: — A conclusão do parecer da commissão é a seguinte (leu).

Ora está claro que aqui ha duas idéas, sendo a primeira a rejeição da proposta do sr. marquez de Niza, e a segunda para que, quando se tiver de prover o logar de bibliothecario, se tenham em vista as condições que vêem no parecer.

O sr. Duque de Loulé: — Eu tenho muita pena de contrariar o digno par, por isso que não vejo que as suas palavras estejam em harmonia com o parecer da commissão, que diz muito terminantemente o seguinte (leu):

Se a camara approvar este paragrapho, deve proceder-se ao concurso desde já do logar de bibliothecario, e póde-se fazer isto sem o concurso da outra mesa? (O sr. Silva Cabral: — Não.)

Convem desde já abrir concurso, diz o parecer, mas nós não podemos decretar que se abra concurso sem que estejamos de accordo com a outra casa do parlamento, nem este parecer póde obrigar em cousa alguma a mesa da outra camara. O que podia obrigar as duas mesas era um projecto de lei. Em conclusão, eu parece-me que não se póde aqui approvar senão a conclusão do parecer.

O sr. Marquez de Niza: — Peço a palavra sobre a materia.

O sr. Presidente: — A discussão sobre a materia já está fechada, e eu não posso, deslocar a questão do estado em que se acha. Ia-se proceder á votação, o sr. duque de Loulé pediu a palavra sobre o modo de votar, e eu concedi-lh'a; portanto não posso dar a palavra, sobre a materia ao digno par, sem uma resolução da camara.

O sr. Marquez de Niza: — Expoz que lhe não fôra possivel vir mais cedo, pois desejava explicações sobre o assumpto.

O sr. Presidente: — Peço licença a v. ex.ª para fazer uma observação. Este parecer está impresso ha muito tempo, e é a terceira ou quarta vez que tem sido dado para ordem do dia, e foi distribuido a todos os dignos pares. A hora de se abrir a sessão é ás duas horas, por consequencia não se póde estar á espera que os dignos pares cheguem para se começar a discutir qualquer assumpto. Estou na camara á 1 hora todos os dias, e agora ficar á espera indeterminadamente pelos dignos pares e a interromper as discussões no estado em que ellas já estão, não me parece muito regular.

O sr. Duque de Loulé: — V. ex.ª sabe quanto ou o respeito e estimo, por consequencia não é de certo para censurar que me atrevo a lembrar a v. ex.ª que a discussão ainda não estava pela mesa fechada. V. ex.ª ia pôr a questão á votação porque não havia mais oradores inscriptos. Desde que um digno par pede a palavra sem se ter ainda fechado a discussão, parece-me que não ha inconveniente em dar-lh'a.

O sr. Presidente: — Se a memoria me não fallece disse eu, que não havendo mais oradores inscriptos, ia pôr á votação o parecer. V. ex.ª n'essa occasião pediu a palavra sobre o modo de propor á votação. Parece-me que foi isto que se passou (apoiados).

O sr. Moraes Carvalho: — Eu fui prevenido no que tinha a dizer por v. ex.ª Na realidade v. ex.ª tinha procedido justamente tratando da votação, quando viu que estava extincta a inscripção. Eu já tinha sentido que não estivesse presente o sr. marquez de Niza, porque tinha sido o auctor da proposta sobre que versava o parecer em discussão, porém é certo que esta estava extincta; e agora o que me parece mais rasoavel é propor á camara se ella consente que o digno par, o sr. marquez de Niza, use da palavra sobre a materia. O meu voto está á sua disposição para isso.

O sr. Presidente: — Os dignos pares que entendem que se deve abrir nova discussão sobre o parecer n.º 17 tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Marquez de Niza: — Narrou quanto se passára sobre o assumpto na commissão, rectificando o que sobre esta materia o sr. Silva Cabral havia exposto.

O sr. Moraes Carvalho (sobre o modo de votar): — Sr. presidente, visto que o sr. Silva Cabral não insiste na votação da primeira conclusão do parecer, e a limita á segunda conclusão, constante do ultimo periodo, apenas pedirei que esse periodo seja, para a votação, dividido em duas partes; a primeira terminando nas palavras = a proposta do digno par marquez de Niza = e a segunda no resto d'aquelle periodo.

O sr. Presidente: — Os dignos pares que approvam a primeira parte da conclusão do parecer, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvada por 19 votos contra 7; e a segunda parte por 18 contra 8.

O sr. Braamcamp (sobre a ordem): — Mando para a mesa um requerimento da commissão de fazenda.

Leu-se na mesa.

Mandou-se expedir, e é do teor seguinte:

«A commissão de fazenda tendo de interpor parecer sobre o projecto de lei n.º 11, vindo da camara dos senhores deputados, requer que se peça ao governo o seguinte:

«1.º Ao ministerio da fazenda, esclarecimentos a respeito das propriedades de casas que se trata de vender á camara de Elvas.

«2.º Ao ministerio do reino, informação sobre se a camara municipal aceita a referida concessão mediante os encargos a que fica sujeita, e se está habilitada para proceder aos reparos e prover á conservação dos mencionados edificios. «Sala dá commissão, em 29 de janeiro de 1866. = Conde d'Avila = José Maria do Casal Ribeiro = José Lourenço da Luz = José Augusto Braamcamp.»

O sr. Marquez de Sabugosa: — Pedi a palavra para quando estivesse presente o sr. presidente do conselho e ministro do reino, a fim de chamar a attenção de s. ex.ª sobre um negocio que reputo grave. Não me pareceu necessario formular interpellação, porque achando-se naturalmente s. ex.ª habilitado a dizer alguma cousa sobre o assumpto, responder-me-ha de certo satisfatoriamente, ou não estando habilitado, servirá a minha pergunta para s. ex.ª se informar e tomar as providencias convenientes.

Podem fazer-se, e muitas vezes se fazem, interpellações aos srs. ministros sem animo hostil, sem se querer fazer opposição ao governo; mas como a maior parte das vezes não é assim, repugnava-me sem necessidade dar essa formula á minha pergunta que vou fazer, e que em todo o caso desejo que fique bem claro, não a faço como opposição ao governo.

Desejo perguntar a s. ex.ª se tem conhecimento de que pelos recolhimentos d'esta cidade se andam pedindo assignaturas de menores para figurarem em representações contra alguns artigos do codigo civil, que dizem respeito ao casamento. Se assim é, conforme o dizer de alguns jornaes da capital, se assim é, desejo que s. ex.ª me diga se tem conhecimento d'esse facto, e se tem tomado providencias, como a gravidade d'elle o pede.

Eu, fazendo estas considerações, como disse de principio, não quero dirigir arguição nenhuma ao governo, antes estou persuadido que o sr. ministro do reino ha de tomar as providencias convenientes a este respeito.

Depois de ter chamado a attenção do sr. presidente do conselho sobre este objecto, permitta-se-me que eu declare que tanto com relação ao que acabo de dizer como ao que ha pouco declarei a respeito do parecer n.º 13, não é minha intenção contrariar o direito de petição ou procurar restringi-lo, antes o desejo ver exercido em toda a plenitude; o que pretendo é censurar o abuso, assim como não tomar parte na boa aceitação com que, segundo parece, se recebem essas representações, mostrando assim esta camara desde já a sua opinião sobre um assumpto que não lhe está ainda sujeito.

Tenho dito, e aguardo a resposta do sr. ministro do reino.

O sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino (J. A. de Aguiar): — Sr. presidente, foi hoje que sube n'esta casa que n'um recolhimento da capital, se andaram solicitando assignaturas contra um artigo do codigo, digo do projecto do codigo civil, a que o digno par alludiu.

Qualquer que seja a opinião do governo, e ella não póde ser senão uma, a respeito das prescripções relativas ao casamento, não póde elle approvar, não póde tolerar que se commetta o abuso de se andarem estorquindo, em qualquer sentido que seja, assignaturas, sendo induzidas a assignar quaesquer representações pessoas que não sabem o que assignam (apoiados).

Aquelle recolhimento, destinado á educação de orphãos, está sujeito á administração da misericordia, e pelo provedor d'este importante estabelecimento acabo eu de ter conhecimento do facto, e de que o provedor estranhou á regente aquelle acontecimento, o que eu approvei; porque se se deve respeitar o direito de petição, que a constituição dá a todos os cidadãos, deve-se tambem reprovar o abuso que se commette contra o livre exercicio d'elle.

Não tenho noticia d'outras representações, em que as assignaturas fossem extorquidas por meios reprovados de violencia ou de seducção; mas póde o digno par estar certo de que o governo ha de proceder, como lhe cumpre, ou as representações sejam a favor, ou sejam contra a doutrina do projecto do codigo emquanto ao casamento civil. Eu disse, sr. presidente, que a minha opinião e a opinião do governo não podia ser senão uma, considerando que a religião catholica é pela lei fundamentai da monarchia, a religião do estado, e attentas as relações que d'ahi nascem entre o estado e a igreja; repito o que disse, e faço-o não tendo sido a isso provocado explicitamente pelo digno par, o sr. marquez de Sabugosa, porque ha n'esta casa uma interpellação pendente, e pareceu-me conveniente anticipar a resposta a esta.

Respondo era termos genericos, porque haverá occasião opportuna para tratar da materia sujeita com toda a extensão.

O governo considera de uma grande vantagem a approvação do projecto do codigo civil na sua generalidade, e assim o declarou apresentando-o á camara dos senhores deputados, acrescentando que na commissão respectiva indicaria os artigos, que, segundo a sua opinião, não podiam ser approvados, ou deviam ser modificados, entre elles era um o que respeita ao casamento: na commissão e depois na camara, explicará o governo a sua opinião a respeito d'esse artigo, descendo ás differentes hypotheses do casamento entre catholicos, e entre individuos não catholicos.

O sr. Marquez de Vallada: — Muito bem.

O Orador: — Depois de discutido e de approvado o projecto com modificações ou sem ellas, na camara electiva, será submettido á camara dos pares, e aqui terá o governo novamente occasião de manifestar e de sustentar a sua opinião, que o digno par, o sr. marquez de Sabugosa, e os que o seguirem, podem impugnar livremente.

Sr. presidente, como ministro poderá parecer que me não compete tomar a defeza d'esta camara contra a arguição que lhe fez o digno par, de ter-se manifestado favoravel ás representações contra o referido artigo do projecto do codigo; porém ao menos permitta-se-me defende-la, como um dos seus membros, e involvido n'aquella injusta arguição. As representações que, segundo eu percebo, contrariam a opinião do digno par, foi resolvido, se não me engano, que ficassem para serem attendidas opportunamente pela commissão ou commissões a que tenha de ser submettido o projecto do codigo e pela camara; n'esta resolução não houve nem favor nem desfavor.

O sr. Silva Cabral: — Não houve nem favor nem desfavor.

O Orador: — Mas se o houve, com o mesmo favor ou desfavor hão de ser de certo recebidas pela camara as representações, que se apresentarem em sentido contrario (apoiados).

Lamento, sr. presidente, que pareça trazer-se para o campo da politica uma questão, que deve ser absolutamente estranha a ella.

O sr. Silva Cabral: — É verdade.

O Orador: — Tratemos esta questão, e estou certo de que havemos de trata-la segundo os dictames da nossa consciencia (apoiados).

O sr. Silva Cabral: — Sr. presidente, um codigo não póde ser considerado uma lei politica, para o fim de obrigar ou mover mesmo por considerações partidarias a consciencia de cada um dos membros do parlamento, a adoptar, sem a mais profunda convicção, todo o conjuncto de suas disposições.

Sendo, como é o codigo civil, um dos actos mais importantes da vida das nações, por tender a regular uma das condições mais essenciaes, um dos mais transcendentes fins, a que visam os homens, unindo-se em sociedade — a sua auctoridade moral, aliás indispensavel para o respeito geral, seria altamente prejudicada se em uma lei ou collecção de providencias que tende a definir as relações dos cidadãos, e seus direitos com respeito á propriedade e mais pontos civis, um pensamento qualquer partidario viesse fascinar os espiritos, alterando ou corrompendo a genuidade do direito.

Parece-me que é completamente intempestiva a discussão sobre o casamento civil, ou sobre qualquer outro ponto do codigo (apoiados); e é intempestiva por uma rasão muito simples e que não póde deixar de estar presente a cada um dos dignes pares; essa rasão é estar o codigo affecto á outra camara (apoiados) que ha de dar a sua opinião sobre elle, assim como esta camara ha de a dar tambem, segundo a sua consciencia e os interesses do estado, e as legitimas prescripções da liberdade.

O sr. marquez de Sabugosa, caracter independente e sincero, tendo noticia de que em alguns recolhimentos se pro-

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moviam assignaturas contra o casamento civil, lembrou ao governo que devia cohibi-las, porque ahi para esse exercicio do direito de petição se dava o abuso de induzir a assignar essas representações raparigas menores, que á parte o seu sexo, não podiam ter idéa do que assignavam, não sendo conseguintemente taes actos senão effeito de coacção ou seducção.

Declaro francamente, sr. presidente, que sobre este ponto sou algum tanto de differente opinião d'aquelles que, afora os casos de violencia ou engano, querem pôr limitações a esse sacratissimo direito. Eu entendo que o direito de petição deve ser é mais lato; que não deve sómente considerar-se em relação á importancia dos peticionarios, porque todos os membros da sociedade têem n'este campo iguaes direitos, mas sobretudo á justiça e importancia do objecto em harmonia com as leis sociaes. É isto o que principalmente deve occupar, incitar, e chamar a attenção dos corpos dirigentes, e dos poderes publicos.

Todos os dias estamos aqui a invocar exemplos da Inglaterra, e parece ignorarmos o que lá se pratica?! Pois queremos desconhecer, sr. presidente, que ali o direito de petição tem produzido reformas as mais uteis? (Apoiados).

Sim, sr. presidente, em Inglaterra o direito de petição tem produzido todas as reformas, que tem levado, e conduzido a sociedade ingleza ao explendor, e grande prosperidade, em que se acha. (O sr. Marquez de Fronteira: — Apoiado). Assim d'elle proveiu a extincção da escravatura, restituindo-se á dignidade humana direitos que a ambição, e avareza tinham menoscabado, e que uma doutrina ou legislação tyrannica tinham permittido (apoiados). Foi ainda da efficacia d'esse mesmo direito de petição que nasceu, e tomou incremento, a justissima medida da emancipação dos catholicos, tantas vezes rejeitada pela camara dos lords, e desapprovada pelo proprio rei, quantas repetida até o seu completo triumpho (apoiados), e assim como esta, a lei ácerca dos cereaes, e outras similhantes. No parlamento levantaram-se entretanto algumas vozes da parte d'aquelles membros do parlamento, que seguiam caminho opposto, ou tinham differente opinião para censurar os meios porque se alcançavam as assignaturas, fazendo até argumento com a uniformidade das representações, o que significava a origem do mesmo pensamento, e direcção. Quer a camara saber como o parlamento considerou esta opposição, ou critica? Admittindo as representações, que na phrase liberal sendo o exercicio de um direito o mais sagrado, e que mais particularmente unia o povo com o parlamento, seu natural e legitimo protector, não devia amesquinhar-se; antes ampliar-se, ficando todavia aos poderes publicos toda a liberdade de apreciação do valor intrinseco ou extrínseco das representações, para regular o seu voto segundo os deveres da justiça, ou conforme os interesses geraes da sociedade.

Quer ainda a camara saber quaes foram, ou têem sido as consequencias naturaes d'este procedimento? A importancia real e solida da camara dos communs, que fazendo assim infiltrar, e fecundar no povo a idéa de encontrar no parlamento um zeloso defensor dos seus direitos, tem na força da opinião encontrado todos os elementos necessarios para augmentar as suas immunidades e attribuições em prol das liberdades publicas contra as tentativas da corôa. O parlamento, conhecendo a vantagem d'este seu procedimento, em ser protector dos interesses e direitos dos cidadãos, longe de afrouxar, esmera-se em nunca os desprezar, nem se quer, mostra a mais pequena indiferença por elles (apoiados). E que nos cumpre a nós fazer em vista de exemplo de tanta auctoridade? Que devemos nós pensar a este respeito em vista da letra e espirito da carta? Deixar que todos representem, salvo sempre o respeito na phrase para com os poderes publicos. Desde que os peticionarios couberem na amplidão, que comporta a significação das palavras todo o cidadão poderá representar (por que principia o artigo 14.º § 28.º da carta), o exercicio do direito de petição é regular, e legitimo. Eu irei ainda mais adiante, e é minha opinião que os direitos da humanidade superiores a todas as prescripções civis, porque são fundados na lei natural, exigem que esse direito não careça para ser exercido da qualidade unica de cidadão activo, mas basta a qualidade de homem. É assim que os condemnados a penas maiores, privados dos direitos civis, vem aos pés do throno ou do parlamento pedir justiça, ou reparação das violencias (apoiados).

Seria ocioso referir agora aqui o numero immenso de petições que o parlamento inglez recebe todos os annos, bastará dizer, ou notar que nos cinco annos anteriores até 1843 lhe foram presentes noventa e quatro mil, e que conforme a sua pratica constante, e zêlo infatigavel em considerar o direito de petição, a todas se deu destino. Os annos seguintes apresentaram-se na mesma proporção. Só no anno de 1860 foram vinte e quatro mil, e a todas pela mesma fórma o parlamento deu solução.

Não ponhamos pois obstaculos a esse direito; deixemos que elle se exerça na maior extensão, pois que assim é que educamos o povo para saber como ha de sustentar os seus direitos: nós temos sempre a liberdade de decidir como nos parece mais justo, mas o direito de petição deve ser de tal fórma latitudinario que se admitta até quando venha dos que se acharem sequestrados em seus direitos civis. É assim que procede a nação modelo da liberdade, porque receiamos imita-la?

Já eu aqui referi o exemplo dado em Inglaterra no caso do celebre O'Brien, que estando privado de todos os direitos civis, nem por isso o parlamento repelliu a sua representação, recebeu-a não obstante a opposição em contrario, e decidiu como entendeu no interesse da sociedade. Todos sabem como passou o bill sobre esse objecto, e portanto nada mais digo sobre o primeiro ponto da materia que nos entreteu. Emquanto ao segundo ponto não nos devemos occupar (apoiados). Visto porém que o sr. presidente do conselho e ministro do reino foi chamado a esse campo, o que nós não podemos é deixar de louvar altamente a franqueza com que respondeu (apoiados) declarando a sua opinião, sem de maneira nenhuma querer por certo fazer com que isso influa na consciencia de qualquer de nós.

O sr. Presidente do Conselho: — Por fórma nenhuma...

O Orador: — A opinião do governo a esse respeito é tão livre como é a nossa (apoiados). Não é um objecto de politica propriamente dita (apoiados). É objecto de opinião e de consciencia em que cada um se póde decidir independentemente de quaesquer considerações da politica (apoiados). Desde que isto é assim, como não póde deixar de ser, não ha que extranhar na declaração do nobre ministro (apoiados), antes, torno a dizer, que ha muito que louvar pelo merecimento da sua franqueza e lealdade a quê devemos corresponder, seguindo o mesmo exemplo, por esta ou analoga fórma, em occasião competente, quando sejamos chamados a emittir o nosso voto, guiados do mesmo modo pelo impulso da nossa consciencia (muitos apoiados).

Emquanto ás representações é necessario que eu diga ao digno par marquez de Sabugosa, com toda a franqueza, que a commissão não teve a menor idéa de formar o seu juizo a respeito d'ellas; o que fez foi unicamente fazer um relatorio sobre aquillo a que essas representações se referiam e mais nada, concluindo, como concluiu, propondo que essas representações sejam guardadas e remettidas á commissão ou commissões a que o projecto do codigo civil for enviado quando vier a esta camara.

Parece-me pois que o digno par está um pouco equivocado a este respeito, e eu devo declarar-lhe desde já que a commissão não tem a menor intenção de dar desde já sobre este negocio uma opinião definitiva.

São estas as considerações que tenho a fazer.

O sr. Marquez de Vallada: — Usando novamente da palavra sobre o assumpto, desenvolveu os argumentos em que fundamentava a sua opinião, folgando com a declaração do sr. presidente do conselho, que fôra franca e explicita.

O sr. Silva Cabral: — Se o digno par me dá licença direi que não posso de maneira nenhuma admittir a seducção ou a violencia como meios de extorquir qualquer acto ou confissão a quem quer que seja; assim o expressei já quando me expliquei sobre o assumpto, e essa amplidão que ambiciono e professo para o direito de petição não a posso admittir senão em termos regulares.

O sr. Marquez de Vallada: — Reforçou por via de nova argumentação a opinião emittida.

O sr. Marquez de Sabugosa: — Sr. presidente, eu pouco direi; mas na realidade não podia ficar silencioso depois do que disseram o sr. presidente do conselho e outros dignos pares.

Sr. presidente, o sr. ministro do reino, a quem eu me tinha dirigido com a maior amisade (seja-me permittido dize-lo), chamando a sua attenção sobre um negocio importante, disse que se tem querido fazer questão politica de uma questão (referindo-se ao projecto de codigo civil), que não devia ser tratada n'esse campo.

Não sei se s. ex.ª se referiu a mim, julgando que eu tinha querido trazer agora a campo essa questão politica, para n'ella envolver o governo, o que não foi minha intenção., S. ex.ª é que julgou opportuno, referindo-se a uma interpellação annunciada pelo sr. marquez de Vallada, fazer a sua declaração a similhante respeito; declaração que eu não achei explicita como s. ex.ª disse, e como a acharam alguns membros da camara.

Disse s. ex.ª que a opinião do governo, a respeito dos artigos do codigo civil de que se trata, seria conforme podia ser em attenção á religião do reino e á conservação das relações entre a religião e o estado. Emquanto a mim isto não explica nada, porque os que defendem esses artigos do projecto de codigo julgam que a religião do estado não é por esses artigos offendida; por consequencia, repito, hão me parece que a explicação de s. ex.ª a tal respeito fosse explicita e categorica, como disse o sr. marquez de Vallada; comtudo, note s. ex.ª que não foi o meu fim provocar esta declaração, mas chamar a sua attenção sobre um objecto que eu julgo grave e importante, ao que s. ex.ª me respondeu o mais satisfactoriamente possivel; mas o digno par o sr. Silva Cabral não o entendeu assim, e veiu atacar-me. (O sr. Silva Cabral: — Atacar, não.) Peço perdão, mas o digno par fez julgar que eu queria a restricção do direito de petição, quando pelo contrario, eu tinha dito que desejo ver exercer esse direito em toda a sua plenitude; mas que não desejo ver é o abuso d'esse direito, porque não entendo que elle se exerça extorquindo assignaturas a menores, que nada entendem do que se trata, para figurarem muitos nomes nas representações que se publicam. Isto não é uso do direito de petição é o abuso d'elle, e é isso que eu não desejo.

Parece-me portanto que o sr. presidente do conselho respondeu muito bem, dizendo que logo que teve conhecimento d'este facto, tomou as providencias convenientes para que elle se não repita.

Sr. presidente, quando fallou o sr. marquez de Vallada, a quem agradeço as expressões benevolas que me dirigiu, disse que todo o homem que tem assento n'esta camara, deve ter sempre a coragem das suas opiniões: não usou d'estas palavras, mas usou de outras phrases mais escolhidas que s. ex.ª sabe empregar (O sr. Marquez de Vallada: — Mas a idéa é a mesma); e quando não tenha essa coragem, deve retirar-se d'aqui: sr. presidente, não sei se s. ex.ª se quiz referir a mim, por eu não ter motivado o meu voto na novação do contrato do caminho de ferro de sueste.

Não seria a intenção de s. ex.ª referir-se a censurar-me, mas estimo que o digno par tivesse fallado n'esse importante negocio que se tratou n'esta camara, para eu ter logar de dizer que n'essa occasião, votando em sentido contrario ao voto de s. ex.ª, segui o que a minha consciencia me indicou; e se não pude motivar o meu voto, não foi por me faltar a coragem da minha opinião, porque a tenho e espero em Deus conserva-la, ainda que não a posso sustentar com a palavra brilhantemente como s. ex.ª, a quem Deus deu dotes que me negou a mim. Comtudo, do modo que poder, hei de sempre motivar o meu voto, quando entender necessario; se não o fiz n'essa occasião, foi porque, não tendo podido comparecer a todas as sessões, nas ultimas a que assisti, pareceu-me ver a camara tão saciada do assumpto, que julguei inopportuno o ensejo para satisfazer o meu melindre pessoal, estando a materia esgotada como estava pelos illustres oradores que tomaram parte no debate, e ainda porque, posto saiba que os meus direitos n'esta casa são iguaes aos dos outros membros d'ella, comtudo tenho sempre em attenção, que o conhecimento das proprias faculdades me recommenda conservar aqui um modesto logar.

Sinto porém não ter explicado o meu voto para fazer ver que, se votei contra o contrato, não foi por opposição politica ao governo, que não estava nem estou ligado a opposição ao mesmo, se ha opposição n'esta casa, e assim me conservarei emquanto o governo sustentar os principios politicos que é de esperar sejam sustentados pelo sr. Aguiar, já pelos precedentes da sua vida publica, já pelo facto que o levou ao logar que occupa. Refiro-me á fusão das duas parcialidades do partido progressista, que hoje constituem um só partido, a favor do que, em tempo, me declarei. Mas se nos principios politicos, emquanto eu julgar que o governo se não afasta d'elles, eu o hei de apoiar, não julgue que a minha consciencia esteja enfeudada a todos os actos da administração. A lealdade politica, entendo que primeiro a deve ter o homem publico para o paiz do que para os homens. E este é o meu modo de pensar, mas não censuro ninguem que pensei de outra maneira.

O sr. Marquez de Vallada: — Tambem eu penso assim.

O Orador: — Ainda bem. Mas, concluindo direi, que fico satisfeito com a resposta que o sr. presidente do conselho deu á pergunta que lhe dirigi; mas emquanto á declaração de s. ex.ª a respeito dos artigos do codigo, que tratam do casamento, julgo que s. ex.ª não foi explicito, e só o foi se s. ex.ª deu ás suas palavras a mesma interpretação que lhe deu o sr. marquez de Vallada; e então desde já declaro que estarei em opposição ao governo, porque não sustenta os principios progressistas que era obrigado a sustentar.

O sr. Silva Cabral: — Direi só duas palavras, porque não quero de fórma alguma deixar em suspeição, sobre o que eu disse, o digno par o sr. marquez de Sabugosa. S. ex.ª pareceu entender que eu me dirigi ás suas reflexões, quando tratei de dizer o verdadeiro sentido, em que eu entendia o direito de petição. Asseguro a s. ex.ª que não me passou pela idéa impugnar por agora o que disse; o que tratei de estabelecer foi a opinião que partilhava, para ficar bem certo, não só para agora, mas para o futuro. Não tive, portanto, a menor idéa de contrariar a opinião de s. ex.ª, que póde ser differente da minha, que me parece que o é, não devendo comtudo fazer-se-me a injustiça de acreditar, que eu admittindo, como admitti o mais latitudinariamente o direito de petição, eu o admitto com suborno, seducção ou violencia, ou promovido por outro qualquer meio menos regular. Eu tratei apenas do direito de petição exercido regularmente, e não dos abusos que se possam commetter. Quando eu fiz as reflexões em geral sobre o direito de petição, tratei de demonstrar a importancia d'esse direito, não só em theoria, mas pela pratica da nação que nos serve de modelo n'estas cousas, e não foi minha intenção censurar a opinião do digno par, e só dizer a minha com toda a clareza (apoiados).

O sr. Presidente do Conselho: — Eu respeito as virtudes, a nobreza de caracter e a intelligencia superior do digno par, o sr. marquez de Sabugosa, e magoou-me por isso a manifestação que s. ex.ª fez de que o que eu disse, com relação a fazer-se d'esta questão uma questão politica, tinha alguma referencia a s. ex.ª Não me referi, nem me podia referir a s. ex.ª, condemnei os meios da seducção empregados para extorquir assignaturas a pessoas que não sabem o que assignaram, e de certo o nobre marquez não está no caso de ser comprehendido n'esta censura, que póde caber em qualquer sentido em que as representações se façam.

S. ex.ª estranhou que eu emittisse a minha opinião e a opinião do governo sobre o objecto d'essas representações, espontaneamente, e sem ser a isso provado. Eu já indiquei a rasão.

O sr. marquez de Vallada conformando-se com as disposições do regimento d'esta camara, desejando fazer-me uma pergunta ou uma interpellação (que na essencia é o mesmo) ácerca da opinião do governo emquanto ao artigo do projecto do codigo, relativamente ao casamento civil, formulou a sua pergunta ou interpellação, de que me foi dado conhecimento. O estado da minha saude não me permittiu responder com a promptidão com que desejava responder; hoje aproveitei a occasião de o fazer, esperando evitar assim que para este objecto se destinasse outra sessão. Parece-me que o digno par, o sr. marquez, entendeu bem qual era a opinião que eu emitti e que ficou satisfeito. Não aconteceu assim ao sr. marquez de Sabugosa, s. ex.ª julgou que eu não fui bem explicito, e entretanto pareceu-lhe que eu não tinha necessidade de dizer mesmo o pouco que disse; porque esse não era o objecto da pergunta que me dirigiu!

Eu, sr. presidente, podia ser mais explicito, podia ser mais extenso, e descer ás differentes hypotheses que se podem comprehender nos artigos do projecto do codigo sobre o objecto em questão; para satisfazer á interpellação do sr. marquez de Vallada, não para satisfazer á interpellação do

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sr. marquez de Sabugosa, que não me interpellou sobre a s minha opinião; porém disse já e repito agora a rasão por que o não fiz. Este objecto está affecto á camara dos senhores deputados, lá no seio da commissão e na camara ha de o governo manifestar explicitamente a sua opinião sobre esse, e sobre outros pontos em que não approva as prescripções do projecto.

O projecto com as alterações que soffrer ha de ser submettido depois á camara dos pares, aqui ha de o governo emittir extensamente a sua opinião e sustenta-la.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o digno par, o sr. Rebello da Silva; mas tenho a observar que a hora está a dar, e que eu ha tres horas estou sentado n'esta cadeira.

O sr. Rebello da Silva: — Eu não tenho necessidade de fallar agora, e por isso peço para tomar parte na interpellação do sr. marquez de Vallada sobre este objecto.

O sr. Silva Cabral: — Está verificada, depois das explicações que acaba de haver.

O Orador: — Então fallarei outro dia em que não incommode v. ex.ª É provavel que esta questão se levante aqui de novo.

O sr. Marquez de Sabugosa: — Direi só duas palavras, e reservar-me-hei para em outra occasião fallar de novo n'esta questão. Agora só direi, que se me parecia que o sr. presidente do conselho não tinha sido bem explicito, depois das explicações que acaba de dar ao sr. marquez de Vallada, já não tenho duvidas sobre a opinião de s. ex.ª sobre os artigos do projecto de codigo relativos ao casamento. O nobre ministro mostrou que aceitava a interpretação dada ás suas palavras pelo digno par, o sr. marquez de Vallada, e como são muito conhecidas as opiniões d'este digno par, torna isso bastante explicita a resposta do sr. presidente do conselho, que a principio me pareceu obscura. Agora sabemos qual é a opinião do governo, a tal respeito, e não direi mais nada por emquanto sobre o assumpto, reservando-me para quando d'elle se tratar em outra occasião, como já vejo annunciado.

O sr. Presidente do Conselho: — Eu não disse o que o digno par acaba de affirmar, nem mesmo dou direito a que se assevere o que o sr. marquez de, Sabugosa acaba de asseverar. Eu não disse que ia de accordo com a opinião do sr. marquez de Vallada, nos limites e modificações que s. ex.ª lhe ponha. A este campo de especialidades é que eu não posso descer (apoiados).

O sr. Marquez de Ficalho: — Ha conversas parlamentares muito uteis, e outras inconvenientes. A minha opinião é que a camara não póde continuar nesta conversa, e deve reservar-se para quando a questão aqui vier o discuta-la. Assim é antecipar o nosso voto. Somos como um juiz que tem de julgar uma causa, e que não póde antes do julgamento sentenciar. A questão ha de vir aqui, então todos terão occasião de a discutir, e depois dar o seu voto, porque eu entendo que depois de proferida a ultima palavra sobre a materia é que se póde ficar convencido da verdade. Em fim eu proponho que se ponha termo a esta discussão.

Vozes: — Deu a hora.

O Orador: — Então está acabada por si a questão, e nada tenho a propor.

O sr. Presidente: — A hora deu, e vae encerrar-se a sessão. Peço a attenção dos dignos pares. Para a ordem do dia não temos trabalhos sobre a mesa. O unico projecto que ha é o que está impresso, e contem a resposta ao discurso da corôa; mas não póde entrar em discussão em consequencia do nosso regimento mandar que não se discuta antes de ser votado na outra camara.

O sr. Silva Cabral: — Na primeira sessão hei de fazer uma proposta para que seja eliminada essa parte do regimento. É uma restricção á liberdade plena que deve ter a camara dos dignos pares como a dos deputados, de discutir objectos de similhante natureza.

O sr. Presidente: — Fica v. ex.ª inscripto para quarta feira, que será o primeiro dia de sessão, em que talvez haverá alguns pareceres para dar para a discussão.

Antes de se fechar a sessão peço licença para fazer uma observação. É de uso e costume em todos os parlamentos quando algum digno par quer interpellar um ministro, preveni-lo com antecipação. Este uso, que ha em todos os parlamentos é mui conveniente, e nós devemo-lo adoptar e seguir constantemente. É necessario que os ministros estejam prevenidos para responder, pois as palavras dos ministros têem sempre importancia muito grande.

Peço ainda licença para outra observação. A carta constitucional diz que o serviço da camara prefere a todos; e quando a camara auctorisa a accumular outras funcções, esta auctorisação é sempre subordinada ao artigo da carta a que me referi.

Por consequencia alguns dignos pares que tenham outras funcções não podem deixar de preferir as do pariato, e espero que não se allegará o serviço fóra para não vir aqui, pois isso é contra a carta.

A proxima sessão é, como já disse, na quarta feira, pelas duas horas da tarde, que é quando manda o nosso regimento.

Está fechada a sessão.

Eram cinco horas e um quarto da tarde.

Relação dos dignos pares presentes á sessão de 29 de janeiro de 1866

Ex.mos srs. Conde de Lavradio.

Duque de Loulé.

Duque de Palmella.

Marquez de Ficalho.

Marquez de Fronteira.

Marquez de Niza.

Marquez de Sabugosa.

Ex.mos srs. Marquez de Vallada.

Conde d'Alva.

Conde d'Avila.

Conde de Bertiandos.

Conde do Farrobo.

Conde de Fonte Nova.

Conde da Ponte.

Bispo de Vizeu.

Visconde de Almeidinha.

Visconde de Benagazil.

Visconde de Condeixa.

Visconde de Fonte Arcada.

Visconde de Lagoaça.

Visconde de Leiria.

Visconde de Podentes.

Visconde de Ribamar.

Visconde de Soares Franco.

Visconde de Villa Maior.

Barão de Villa Nova de Foscôa.

Alberto Antonia de Moraes Carvalho.

D. Antonio José de Mello e Saldanha.

Antonio de Macedo Pereira Coutinho.

Diogo Antonio Correia de Sequeira Pinto.

Jayme Larcher.

Joaquim Antonio de Aguiar.

José Augusto Braamcamp.

José Bernardo da Silva Cabral.

José Lourenço da Luz.

José Maria Baldy.

José Maria do Casal Ribeiro.

Luiz Augusto Rebello da Silva.

Luiz de Castro Guimarães.

Manuel José Vaz Preto Geraldes.

Rodrigo de Castro Menezes Pita.

Roque Joaquim Fernandes Thomás.

Tendo-se publicado o discurso do sr. conde d’Avila com alterações importantes, que completamente destroem o sentido, publicar-se-ha novamente rectificado.

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