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Sessão de 11 de Fevereiro, Diar. n.º 37, a pag. 168, col. 1.ª, logo depois da Ordem do dia.
O Sr. C. de Thomar. — Sr. Presidente, continuarei o meu discurso, e devo confessar que me sinto hoje com bem poucas forças, além de incommodado de saude, estou cançado com a discussão dos dias passados. Desfalleço quasi, lembrando-me de que ainda tenho de occupar-me de responder aos meus dous illustres adversarios: é no entanto grande a convicção que tenho da justiça da causa que defendo, e por isso continuo a tarefa que me impuz.
Havia eu dito, que os D. Pares do outro lado da Camara, não só se não tinham combinado uns com os outros sobre as causas da revolução, mas que algum delles não estava accorde comsigo mesmo. Havia eu dito, que o Sr. C. de Lavradio, depois de attribuir a revolução ao pensamento fixo, que a Administração Terceira sempre mostrára pela sua conservação, à corrupção dos Empregados, e outras variadas causas, mais tarde a attribuíra sómente ás malversações dos Cabraes! A este respeito disse eu já bastante para destruir todas as accusações, que sem o menor fundamento foram adduzidas paio Sr. C. de Lavradio. Cumpre-me agora responder ao Sr. Fonseca Magalhães.
O D. Par não quiz entrar no desenvolvimento das causas da revolução; S. Ex.ª reconheceu bem que não é esta uma materia de que poderia,
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sahir airosamente; o D. Par sciente já dos embaraços em que se vira o seu visinho, foi attribuir essa revolução a um não sei que — a um desgosto que o povo geralmente sentia; e declarou a mesma revolução como effeito de uma causa, que por ser desconhecida, era tanto mais perigosa! — A isto se reduz em poucas palavras tudo quanto disse o D. Par sobre a materia em questão. Eu não quero agora discutir se é, ou não verdade que algumas vezes apparecem grandes effeitos, sem que todavia sejam conhecidas as causas que os produzem; eu não quero examinar se depois de tudo quanto disse o D. Par, póde, ou não livrar-se do titulo de fatalista que alguem lhe deu, e do que S. Ex.ª tanto se queixou. O meu fim é demonstrar, que se eram desconhecidas as causas que produziram a revolução do Minho, nenhuma razão plausivel existe, para ser tão fortemente accusada a Administração a que pertenci; e esta justiça que eu peço se faça aquella Administração, a faço tambem ao D. Par, porque á ignorancia dessas causas vou buscar o fundamento que explica o silencio, que S. Ex.ª guardou por tanto tempo como membro da outra Casa, e bem assim para explicar a approvação, que S. Ex.ª deu ás medidas do Governo na qualidade de Conselheiro d'Estado! E não se diga que o D. Par, pertencendo á minoria, nenhum resultado poderia tirar, impugnando as medidas do Governo, como membro da outra Casa; porque, as minorias não estão no Parlamento para vencer, estão para discutir; estão para esclarecer o Governo e a maioria; estão para servirem d'atalaia a fim de evitar, que o mesmo Governo e as maiorias senão precipitem. S. Ex.ª, em logar de nos esclarecer, em logar de mostrar os inconvenientes, que das nossas medidas poderiam resultar para a Nação, guardou no Parlamento profundo silencio, e approvou-as como Conselheiro d'Estado!...
Seja ou não verdadeira a doutrina, que estabeleceu o D. Par a respeito dos grandes effeitos, que muitas vezes apparecem sem causa conhecida; do que não ha duvida é, que S. Ex.ª confirmou esta doutrina com um exemplo tirado da sua propria pessoa. Disse-nos o D. Par, que tendo-se correspondido com a Junta rebelde (assim a designo porque por esta fórma a designon tambem o D. Par. (O Sr. Fonseca Magalhães — Não como Junta, como um membro della.) Como um amigo seu, tambem amigo dos membros da Junta. (O Sr. Fonseca Magalhães — Exactamente.) E tendo-lhe dado conselhos salutares foram estes desprezados; não porque os membros da Junta deixassem de entender que S. Ex.ª tinha razão em taes Conselhos, mas pela fatalidade que sempre acompanha todas as suas cousas! O D. Par muito graciosamente se explicou da seguinte maneira — É conselho do Rodrigo, então rejeitado!!! (Riso) E não obstante, eu sou d'opinião de que os conselhos do D. Par não são algumas vezes para desprezar; e tambem julgo, que a opinião gera) que existe a respeito do D. Par, é injusta e infundada. Mas não ha duvida de que existe effectivamente uma geral desconfiança, contra tudo o que diz o D. Par, como S. Ex.ª reconheceu; e eu só considero este acontecimento como um daquelles grandes effeitos, cujas causas são desconhecidas. (Hilaridade — Apoiados.)
Accrescentou S. Ex.ª, que os membros da junta rebelde não eram os mais aptos para conhecer dos negocios politicos.... (O Sr. Fonseca Magalhães: — Eu protesto não negar uma palavra, nem recusar a responsabilidade de tudo o que disse mas não quero que se me attribua o que não proferi, eu não disse que os membros da junta não eram capazes de dirigir os negocios politicos o que disse foi, que era gente que não estava pratica na marcha de tractar esses negocios: peço aos D. Pares me digam se eu não sou exacto.) Creio no que S. Ex.ª diz, nem eu tenho desejos de inverter por qualquer fórma, nem a suas expressões, nem os seus pensamentos. Tambem sou da opinião de S. Ex.ª, de que os membros da junta não eram pessoas muito praticas para tractar negocios politicos: se o fossem não deviam nunca recusar os conselhos ao D. Par Essa recusa porém só é mais uma prova da fatalidade, que acompanha todos os negocios tractados por S. Ex.ª!
Pelo que respeita ao poder dimissorio, estou inteiramente comforme com as idéas do D. Par e tambem me parece, que esse poder dimissorio foi justamente qualificado por S. E.° como um poder incivilisador. Não ha duvida que os Governos devem usar do poder dimissorio com toda a parcimonia: o que não posso admittir porém é, que se pretenda lançar constantemente um grande odioso sobre a Administração de que fiz parte, pelo uso excessivo que fez desse direito, quando é fóra de duvida, que esse excesso não existiu da nossa parte, existindo aliás da parte dos nossos accusadores! O Sr. Fonseca Magalhães, para fazer realçar mais a accusação de intolerancia e exclusivismo, que lançou sobre a nossa Administração, disse que, na qualidade de Ministro do Reino não havia dado mais de seis dimissões!.. (O Sr. Fonseca: — Conta redonda.) Note-se que venho a estas particularidades, para destruir o odioso que sobre nós se pertente lançar. O D. Par não deu só seis dimissões, o D. Par dimittiu um grande numero de empregados por não merecerem a confiança do Governo. Não crimino um tal procedimento, porque eu entendo, que ha certos empregos que não podem deixar de ser servidos por individuos, que mereçam a inteira confiança do Governo. Eu considero a Administração como um relogio, que para trabalhar regularmente carece de mola principal, e de outras parciaes. Se estiverem em opposição com aquella, a maquina não póde andar regularmente: já se ve por tanto; que eu sou de opinião de que neste ramo do serviço publico os empregados devem todos merecer a inteira confiança do Governo. Foi em conformidade com estes principios, que o Sr. Fonseca Magalhães, depois de formada a Administração de 26 de Novembro fez uma grande reforma no pessoal da Administração. Todos os Governadores Civis nessa epocha foram mudados..(O Sr. Fonseca Magalhães: — Não Senhor.) Pois que o D. Par diz que não, sou obrigado a entrar em detalhes, e a attenção a que tenho diante de mim as competentes estatisticas. Todos os Governadores, Civis, como eu disse foram dimittidos: nove porque o pediram, oito porque não mereceram a confiança do Governo; mas note-se que os nove que pediram a demissão eram os mais salientes, e os mais affectos aos principios da Administração anterior: já se ve por tanto, que se foram dimittidos os menos salientes, com mais razão o seriam estes, senão se tivessem adiantado a pedir a dimissão. Secretarios dos Governos Civis foram dimittidos sete; Administradores de Concelho dimittidos por S. Ex.ª foram cincoenta e dois: empregados de differentes Repartições, sendo a maior parte subalternos; sessenta e nove! Não se venha portanto á vista disto accusar-nos, de que nós merecemos o titulo de exclusivistas e intolerantes. Os que nos accusam foram muito além!
Pelo que repeita á Administração a que presidiu o Sr. Duque de Palmella, já demonstrei que o poder demissorio foi executado ainda com mais excesso, do que durante a revolução de Setembro. Para não cançar a Camara abstenho-me de repetir agora, o que a tal respeito disse no meu primeiro discurso.
Sinto profundamente, que o Sr. Fonseca Magalhães se apresentasse nesta discussão, como procurador e defensor d'uma tão má causa! Considero a S. Ex.ª como um homem de bons principios, e amante da ordem; não posso portanto conceber como S. Ex.ª se attreveu a defender as Juntas revolucionarias, esses corpos tumultuarios, e sem missão alguma; esses corpos que usurparam as attribuições do Chefe do Estado e do Governo; esses corpos que a par das maiores atrocidades que commetteram, tiveram o arrojo de ir roubar os dinheiros publicos aos Cofres do Estado, ás Companhias, aos particulares, ás Misericordias, e aos Hospitaes! (Repetidos apoiados — É verdade — É verdade). A circumstancia de ter um individuo da maior respeitabilidade sido membro d'uma dessas Juntas, póde nunca justificar a apologia que se fez aqui dessas mesmas Juntas? O Sr. Passos (Manoel), de cujas boas qualidades ninguem duvida, póde ser uma excellente pessoa na sua vida privada; mas tambem póde ser um homem eminentemente revolucionario! Mas esta não é a questão.
Como se attreveu o D. Par a defender as Juntas revolucionarias pelo fundamento, de que haviam sido eleitas pela maioria dos votos dos habitantes das povoações, onde se estabeleceram? Póde fazer-se uma tal asserção na presença desta Camara, na presença do publico que nos ouve, na presença em fim da Nação Portugueza, que sabe como essas corporações foram eleitas? Ignora alguem que todas essas Juntas foram eleitas pelas armas, e rossadoiras, no meio dos tumultos e das algazarras dessa canalha desenfreada, que andava por toda a parte assolando o Paiz? (Muitos e prolongados apoiados). É a favor destas Juntas, que o D. Par o Sr. Fonseca Magalhães quer fazer valer o principio, do que as maiorias significam sempre a opinião nacional? Como é que S Ex.ª recusa a verdade d'um tal principio, applicado a outra Casa do parlamento, e como pertende agora admitti-la com relação ás Juntas revolucionarias? (Vozes — Muito bem — Muito bem).
Sr. Presidente, é justo que eu deixe por alguns momentos em paz o Sr. Fonseca Magalhães, e me volte agora para o Sr. C. de Lavradio. (Riso).
Não voltaria eu ao assumpto que vou tractar, se o D. Par nas razões que deu para justificar seu insolito procedimento, não tivesse feito uma insinuação insidiosa para de novo chamar o odioso sobre mim. Eu disse que o procedimento do Ministerio da Revolução, exigindo a minha expulsão de Madrid, e a de meu irmão de Cadiz não tinha exemplo na historia ainda dos Governos mais despoticos, principalmente attendendo-se ao contexto das ordens expedidas ao representante de Sua Magestade, em Madrid, e ao nenhum fundamento que existira para tão injusto procedimento. Não se aterre o D. Par por eu lhe chamar tyranno; sinto que as minhas expressões tenham affligido alguem da sua familia, como S. Ex.ª nos disse; mas nem por isso deixarei de provar com razões, que o D. Par é digno do titulo que lhe dei de tyranno, e perseguidor injusto!...
A Camara está já informada dos motivos, que me obrigaram a retirar para bordo d'um navio de guerra francez, e dos que me obrigaram a largar o Téjo, e partir para Hespanha. Devo agora informar tambem a Camara d'uma circumstancia que torna ainda mais aggravante o procedimento do Sr. C. de Lavradio contra mim, e contra meu irmão. Ainda que pelos motivos que já fiz conhecer á Camara, fui obrigado a largar as aguas do Téjo, e partir para Cadiz, eu estava munido de uma authorisação da Soberana, para estar ausente do Paiz, e viajar em paizes estrangeiros por espaço de um anno. Que motivo teve portanto o Governo para, em contravenção com as ordens da Soberana assim expressadas, exigir a minha expulsão de Madrid?
O Sr. C. de Lavradio pretendeu inculcar, que o Governo possuia documentos que bem justificavam o seu insolito procedimento. Eu passo a dar conhecimento á Camara dos unicos documentos, que serviram de base ao acto do Governo, e se existem outros, é de esperar que o D. Par não deixe de produzi-los. Eis aqui o officio do Administrador do Concelho de Mertola, o qual deu lugar a outros muitos, cuja leitura tambem farei á Camara.
«Governo Civil de Béja = Administração do Concelho de Mertola. = Confidencial. = Ill.mo Ex.mo Sr. — É constante neste Concelho, que os Cabraes, (Antonio e José) se acham ha dias em Xerez de la Frontera, chegando muitas vezes até Huelba, reino visinho, e pouco distante da raia; que desde Ayamonte até Castelejo se acham postadas differentes tropas, em força de seis mil homens, entrando alguma cavallaria e artilheria; ignora-se os fins; porém pela sua proximidade a este Concelho tem causado bastante terror panico aos habitantes do lado de Cambas. É quanto posso informar a V. Ex.ª a este respeito, para os effeitos que julgar necessarios. Deus Guarde a V. Ex.ª Administração do Concelho de Mertola, 2 de Agosto de 1846. – Ill.mo Ex.mo Sr. Governador Civil deste Distrito. = O Administrador do Concelho interino, Jaques Cesario Pessoa.»
E proseguiu — Eu já disse á Camara, na primeira occasião em que fallei, que era verdade ter estado mais de uma vez em Xerez de la Frontera, alli tinha e tenho ainda tres filhos a educar a um Collegio. A ida porém ao Huelba nunca teve logar, e o Administrador de Mertola faltou á verdade.
O Governador Civil do Districto, recebendo o mencionado Officio, deu conhecimento do seu contheudo ao Governo, e ao representante de Sua Magestade em Madrid. O Governo procedeu pela fórma que mostram os documentos, cuja leitura vou fazer.
«Ill.mo. e Ex.mo Sr. = Tenho a honra de enviar a V. Ex.ª, para seu conhecimento e mais effeitos que lhe parecerem convenientes, a inclusa cópia authentica da communicação dirigida pelo Administrador do Concelho de Mertola, ao Governador Civil de Beja, prevenindo a V. Ex.ª, de que o mesmo Governador Civil remetteu tambem a dita communicação por cópia ao Barão de Renduffe, Enviado Extraordinario, e Ministro Plenipotenciario de Sua Magestade na Côrte de Madrid. Deos guarde a V. Ex.ª Secretaria de Estado dos Negocios da Guerra, em.... Duque de Palmella.»
«Ill.mo. e Ex.mo Sr. = Confidencial. = Constando por informações recebidas no Ministerio do Reino, que o Conde de Thomar, e seu irmão José Bernardo, se achavam ha dias em Xerez de la Frontera, chegando muitas vezes até Huelba, assim o communico a V. Ex.ª, para que, por todos os meios ao seu alcance, procure indagar qual é o conceito que esta noticia merece, informando logo para este Ministerio, com o resultado das suas investigações. Deos guarde a V. Ex.ª Secretaria de Estado dos Negocios da Guerra, em 7 de Agosto de 1846. = Ill.mo Ex.mo Sr. Commandante da 7.ª Divisão Militar. = Sá da Bandeira.»
(Identica para o Commandante da 8.ª Divisão Militar.)
«Ill.mo e Ex.mo Sr. = Reservado. = Constando que o Conde de Thomar havia chegado a essa Capital, e tinha sido recebido pelo Ministro dos Negocios Estrangeiros, e por outros altos funccionarios; constando outrosim, que José Bernardo da Silva Cabral tinha ido a algumas terras visinhas da fronteira de Portugal, para conferenciar com emissarios sahidos deste Reino; e sendo certo; que tanto as conferencias de José Bernardo da Silva Cabral, como a viagem do Conde de Thomar a Madrid, tem por fim o promover uma revolução, cujas consequencias seriam fataes para a Monarchia, cumpre-me, depois de haver recebido as Ordens de Sua Magestade, determinar a V. Ex.ª
«l.° Que tanto V. Ex.ª como todos os outros Empregados nessa Legação, se deverão abster de toda e qualquer relação publica ou particular com o Conde de Thomar, e seu irmão.
«2.° Que V. Ex.ª deverá (não por uma Nota, mas verbalmente) exigir do Governo de Sua Magestade Catholica, que, sem demora, ordene ao Conde de Thomar, que sáia da Côrte de Madrid, prohibindo-lhe voltar para Cadiz, donde seu irmão deverá tambem ser mandado sahir, ordenando-lhes, que escolham a sua residencia em terras affastadas da fronteira de Portugal, e donde não possam corresponder-se com este Reino com tanta facilidade, como o podem fazer, e estão fazendo da Praça de Cadiz.
«Do exacto e prompto cumprimento destas ordens me dará V. Ex.ª, com a maior brevidade possivel, uma muito circumstanciada conta, assim como das relações que o sobredito Conde teve com o Ministro dos Negocios Estrangeiros, e outros Funccionarios publicos durante a sua estada nessa corte. Deos guarde a V. E. Palacio de Belem, em 7 de Agosto de 1846. = Conde de Lavradio. = Para o Barão de Renduffe.»
E ainda proseguiu — Em vista destes documentos, fica a Camara habilitada para avaliar a justiça do acto do Governo, e conhecer ao mesmo tempo a força de que se suppunha revestido um Ministerio, que inculcava ter a opinião nacional em seu favor. Dous paizanos no estrangeiro o faziam tremer! (Riso — É verdade. É verdade).
Não ha duvida de que eu tive uma entrevista com o Ministro dos Negocios Estrangeiros de S. M. Catholica; mas esta entrevista teve logar a pedido, e na presença do Sr. B. de Renduffe, e já se vê, que se eu tivesse de tractar e combinar com o Ministro de S. M. Catholica os meios de produzir uma revolução neste paiz, nenhuma pessoa era mais propria para assistir a uma tal combinação, do que o Ministro Portuguez que tão fielmente cumpria as ordens do Ministerio da revolução! A conferencia que teve logar com o Ministro dos Negocios Estrangeiros de S. M. Catholica, foi uma visita de cumprimento; tendo eu sido Ministro durante seis annos e meio neste Paiz, e comparecendo em uma Côrte estrangeira entendi, que era do meu dever praticar um similhante acto de civilidade (apoiados). E note a Camara, que eu fui tão cautelloso nesta parte, que para evitar todo e qualquer pretexto de suspeita, fiz como já disse esta visita a pedido, e na presença do Representante de Sua Magestade.
Uma das razões que o Sr. C. de Lavradio deu para justificar a ordem para a minha expulsão, foi que eu me havia feito apresentar a S. M. C. como seu Vassallo... (O Sr. C. de Lavradio — Eu não o disse por essa fórma.) Não me admira que o D. Par ponha agora em duvida o que disse, S. Ex.ª tem o costume de se esquecer muitas vezes do que proferiu. A accusação feita pelo D. Par é grave, attendendo-se ao proposito com que foi feita. S. Ex.ª pretendeu inculcar, que eu havia renegado a qualidade de Cidadão portuguez. Sobre este objecto sou inteiramente conforme com as considerações feitas pelo Sr. Fonseca Magalhães, quando tractou de responder aquelles que o tem accusado de haver rasgado o seu diploma de Cidadão portuguez. Entendo que S. Ex.ª com razão taxou de calumniosa uma similhante asserção: eu espero que os outros entendam o mesmo a meu respeito. Passo a explicar á Camara este negocio, para que se conheça a nenhuma justiça e pouca sinceridade com que sou aggredido.
Sendo ainda Ministro de Sua Magestade recebi uma prova da benevolencia da Rainha de Hespanha, conferindo-me a Gram-Cruz de Carlos 3.º Apparecendo em Madrid pela primeira vez, entendi que era do meu dever aproveitar essa occasião para apresentar os meus respeitos e agradecimentos a S. M. Catholica. Confiando na amizade que em outro tempo me ligou ao B. de Renduffe, entendi que me devia dirigir a elle, para que houvesse de solicitar dia e hora em que tivesse logar a minha apresentação na Côrte. Tenho o sentimento de annunciar, que aquelle meu antigo amigo não só paliou, mas procurou todos os meios para que tal apresentação não tivesse logar, chegando o seu procedimento a escandalisar os mesmos hespanhoes. Foi depois de tudo isto que eu entendi que devia dispensar os serviços do nosso Ministro naquella Côrte, e que me decidi a solicitar eu mesmo, por via do Mordomo-Mór de S. M. Catholica, a minha apresentação, a qual immediatamente teve logar. Pergunto agora — o que ha de reprehensivel na minha conducta? E que motivos poderiam ter obrigado o Representante de Sua Magestade a ter comigo um tal procedimento? Se foram, como é natural, as ordens do Governo, a Camara avaliará até que ponto chegou a perseguição que me fez o Ministerio da revolução! A Camara reconhecerá em fim como todas as accusações que me são dirigidas pelos meus adversarios politicos, desapparecem como fumo, apenas eu sou ouvido (apoiados).
Cumpre agora dar conhecimento á Camara, da conducta que teve um Governo, que pelo outro lado da Camara tem sido apresentado como intolerante e perseguidor. Todos sabem que os militares, que tomaram parte na revolução de Torres Novas, e capitularam em Almeida, optaram retirar-se a Hespanha, e não entregar-se ao arbitrio do Governo. Esses militares entraram effectivamente no Paiz visinho, e é sabido que governava alli nessa occasião um Ministerio de idéas conservadoras. Esse Ministerio, por motivos de certo muito plausiveis, entendeu que em logar de conservar em Hespanha esses emigrados portuguezes, os devia mandar para as Ilhas Baleares. Que fez porém esse Governo, intolerante e perseguidor? Mandou immediatamente expressos a Madrid, rogando ao Governo hespanhol que cedesse da sua determinação, e conservasse os prisioneiros em Hespanha, e a certa distancia da fronteira. Compare-se agora o procedimento que nós tivemos com os nossos adversarios politicos, com o procedimento que estes tiveram com individuos deste lado. A Camara não deixará de observar a grande differença, que existe entre um e outro caso: nós procediamos com tanta generosidade a respeito de um grande numero de individuos, na maior parte Officiaes, e Sargentos, os quaes de um momento para o outro, comparecendo na fronteira, podiam causar ao Governo immensas difficuldades; o Governo da revolução perseguiu dous paisanos, que estavam mui tranquillos cercados das suas familias (apoiados)! Pergunto agora — estará justificado o titulo de tyranno que dei ao D. Par? Que outro Governo praticou já um acto igual? Nem o proprio Governo da revolução de Setembro! O movimento de Belem foi infeliz, e muitas notabilidades tiveram então necessidade de emigrar; nesse numero se encontrou o Presidente da Administração de Maio; essa personagem tinha servido de baldão aos jornaes daquelle lado da Camara, os quaes lhe lançaram em rosto os maiores crimes, o attentado mesmo contra a vida do Principe Augusto! Calumnias miseraveis! Porque essa personagem nem era capaz de imaginar se quer um tal attentado, porque essa personagem não tinha crimes para ser tão atrozmente atacado; porque essa personagem em fim, havia prestado relevantes serviços em favor do Throno da Rainha, e da Carta (apoiados).
Não admira que o Sr. Conde de Lavradio sentisse grande prazer, em dar similhantes ordens ao Representante de Sua Magestade em Madrid; S. Ex.ª está de ha muito habituado a praticar violencias de similhante natureza. Tenho diante de mim um aviso assignado pelo D. Par, então ainda D. Francisco de Almeida, pelo qual sem processo mandou deportar um cidadão! Este facto foi devidamente estigmatisado em Sessão de 30 de Março de 1826 por um homem que foi membro desta Casa, cujos talentos e virtudes todos admiramos, e cuja falta todos sentimos: fallo do Sr. Manoel Gonçalves de Miranda (apoiados). (O Sr. C. de Lavradio — Faça favor de lêr o aviso.) Não tenho duvida: ei-lo aqui. «Manda a Senhora Infanta Regente, em nome de El-Rei, que S. Ex.ª faça embarcar hoje mesmo, João Candido Baptista de Gouvéa, a bordo do Bergantim Mary, que parte para Inglaterra na qualidade de Paquete, e do resultado desta diligencia, que muito se recommenda a V. Ex.ª, dará conta. Paço, em 15 de Dezembro de 1826. = D. Francisco de Almeida.»
Se o D. Par quizer discutir com mais clareza este negocio, ainda aqui tenho mais uns documentosinhos que poderei lêr. (O Sr. C. de La-
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Vradio — Eu podia já desfazer isso, e mostrar que procedi com fundamento. = O Sr. Presidente — Como o D. Par está inscripto para fallar depois responderá.) O D. Par o Sr. Fonseca Magalhães, a pedido do seu visinho, defendeu a lei da Guarda Nacional publicada pelo Ministerio da revolução. Em verdade não sei para que S. Ex.ª se alargou tanto nessa defeza, pois que ninguem se occupára antes da analyse dessa lei. Eu havia dito que o Governo de 20 de Maio não tinha a confiança publica, e que a revolução não significava a opinião nacional. Adduzi muitos factos para o comprovar, e entre elles o desprezo com que os habitantes da Capital olharam para a lei da Guarda Nacional. Pretendi provar, que as excitações populares e os tumultos, que Lisboa presenceou quando foi extorquida a lei da Guarda Nacional, não foram devidos aos bons cidadãos da Capital, mas sim a esses marcas que em 1838 haviam sido desarmados, concorrendo para isso os meus esforços, e sobre tudo os do Sr. V. de Sá, e C. de Bomfim. Já se vê por tanto, que eu não me occupei da analyse da referida lei, nem da conveniencia ou inconveniencia dos principios que dirigiram o Governo na confecção della. Se tivera d'entrar na analyse da Guarda Nacional, seria unicamente para accusar o Governo de haver commettido um novo crime contra a Carta. Quem deu ao Governo a authoridade para legislar sobre esta materia? — As circumstancias, me responderão. Esse Ministerio de circumstancias tudo pertende justificar pelas circumstancias! (Riso.) Ou essa medida era indispensavel, e então devia executa-la, o que não fez; ou ella podia dispensar-se, e então não devia o Governo commetter mais este attentado (apoiados).
O D. Par O Sr. Fonseca Magalhães, declarou-se de hoje para todo o sempre inimigo da suspensão das garantias, e declarou que nunca mais havia de votar por ella. (O Sr. Fonseca Magalhães — Eu disse — em quanto pensar como penso agora — não juro sobre o futuro.) Desejo muito que o D. Par rectifique sempre as suas expressões, eu só desejo combate-lo pelo que S. Ex.ª disse. (O Sr. Fonseca Magalhães — Estou convencido disso, aliás não rectificava: disse que votava contra a suspensão das garantias como principio, mas que não jurava sobre o futuro: espero que assim seja acceita a minha frase, a qual segundo costumo apresentei com candura.) Como principio estamos todos conformes, e para isso basta considerar, que a suspensão das garantias é um estado excepcional: deixemos porém esta questão.
Não devo deixar sem alguma reflecção uma affirmativa do Sr. Fonseca Magalhães sobre os recenseamentos, que lhe foram presentes, quando se tractou de confeccionar a Lei da Guarda Nacional. Disse S. Ex.ª, que esses recenseamentos estavam altamente viciosos, e em grande confusão — e accrescentou — que não sabia para que fim existia essa confusão, que o saberiam os andores desses recenseamentos! Estas expressões contém uma censura grave contra as authoridades, que confeccionaram esses recenseamentos, e contra o Governo existente nessa época. Ha de por tanto S. Ex.ª permittir-me que eu lhe diga, que não é exacta a sua asserção. Se fóra verdade que esses recenseamentos estavam altamente viciados, e em grande confusão, bastante cuidado teriam os nossos adversarios politicos para guardar um ao menos desses recenseamentos. Nelle teriam a prova das accusações que nos tem dirigido; mas não é assim: esses recenseamentos estavam devidamente organisados, e muito desejaria eu, que os confrontassem com aquelles que foram feitos durante o Ministerio de 20 de Maio. (O Sr. Marques de Ponte de Lima. — Não os ha.) Não os ha, diz o D. Par: póde -ter razão n'um sentido, porque os que nessa occasião foram feitos, nem merecem o nome de recenseamentos: faz vergonha como um partido politico, que tanto tem gritado contra a falsidade dos recenseamentos os fizesse tão informes! Os documentos que assim o provam, ahi estão nas Commissões dos recenseamentos. (Apoiados. — É verdade.)
Ainda tive uma outra razão, para não deixar passar sem algumas observações a affirmativa do Sr. Fonseca Magalhães. S. Ex.ª quiz seguramente fazer entender, que as eleições feitas por taes recenseamentos não tem significação legal. Cautela com estas doutrinas! Lembremo-nos do que se passou em 1846; foi assim que se promoveu o descredito do Parlamento; foi assim que se desvairou a opinião publica; e dahi resultou a revolução que assolou o Paiz! (Muitos apoiados.) Foi pregando estas doutrinas que os agitadores e conspiradores percorreram as provincias; foi com ellas que illudiram os Povos, ecos arrastaram á sublevação! (Vozes — É verdade. É verdade.)
Sinto profundamente que o Sr. Fonseca Magalhães se collocasse na posição de reprovar tudo quanto nós fizemos, e de approvar tudo quanto fez o Ministerio da revolução.
Eu esperava que uma das contradições, que notei ao Ministerio da revolução, passasse incolume; e que o D. Par se não fizesse cargo de defender o Ministerio sobre tal objecto. O Parlamento de 1845 foi altamente estigmatisado, em differentes peças officiaes, pelo Ministerio da revolução; foi dito que não representava a opinião nacional, e que além disto era filho da violencia e da arbitrariedade, foi por taes motivos esse Parlamento dissolvido. Não me admiro de vêr ainda vigorar como Leis, algumas daquellas que foram votadas por esse Parlamento, e que estão referendadas pelo Ministerio a que tive a honra de pertencer: o que não póde todavia deixar de espantar-me é, que esse Ministerio, depois de haver por tal fórma estigmatisado esse Parlamento, e depois de o haver dissolvido pelos motivos mencionados; passado um mez, se bem me lembro, depois da dissolução, offerece-se á sancção do Chefe do Estado a Lei dos Foraes, assumindo assim a responsabilidade dessa Lei, e ligando a, sua responsabilidade á do já dissolvido Parlamento! É que essa Lei era uma Lei de dinheiro, essa Lei dava recursos ao Governo, e para obter esses recursos o Governo punha de parte todos os seus escrupulos (apoiados). Escusado é repetir, que V. Em.ª como jurisconsulto consumado, e perfeitamente conhecedor da materia de foraes, teve a parte mais importante na confecção dessa Lei.
É notavel que tendo esse parlamento sido tão estigmatisado em quanto existiu; hoje se lamente que não voltassem os seus membros á nova Camara! O Sr. Fonseca Magalhães disse lamentando essa falta — parece-me que já vi um desses antigos Deputados! S. Ex.ª mostrou desejos de que um maior numero desses Deputados fosse reeleitos. Não é exacto que só um desses antigos Deputados fosse reeleito, bem pelo contrario a Nação fez justiça a muitos reelegendo-os; mas que prova este sentimento do Sr. Fonseca Magalhães? Prova que esse parlamento continha em si grandes capacidades, e foi indevidamente estigmatisado, e muito impoliticamente dissolvido. Agora já se faz justiça aquelles que antes eram apresentados como cegos instrumentos do Governo! Eu espero no entanto, que uma tal falta seja supprida pelos novos eleitos do povo, os quaes não podem seguramente ser apresentados como devendo a eleição ao Governo, porque todos foram eleitos pelo voto livre dos Collegios Eleitoraes (apoiados).
Tambem o D. Par teve a coragem de se apresentar como defensor dos supremos Chefes politicos. Eu não tinha combatido a creação destes Magistrados, pela inutilidade que delles podia resultar: combati a sua creação, porque o Governo para decreta-la se havia arrogado attribuições, que a Carta só confere ao Corpo legislativo: era este o verdadeiro ponto da questão, á qual S. Ex.ª não quiz responder, evadindo-se a ella, e propondo-se demonstrar, que uma tal instituição tendia a centralisar a authoridade publica; o que no seu entender era de grande vantagem. Eu tambem sigo o principio da centralisação da authoridade publica; mas parece-me que estabelecida uma nova authoridade entre os Chefes dos Districtos e o Governo, se divide mais a authoridade e a jurisdicção, e se complica extraordinariamente o andamento e decisão dos negocios.
Não me parece que o Sr. Fonseca Magalhães tenha razão, em querer considerar como uma simples commissão, similhante á dos Logares Tenentes, os supremos Chefes politicos. Os Logares Tenentes, de que S. Ex.ª fallou, foram nomeados em virtude de uma authorisação dada pelo Corpo Legislativo, não tinham além disto o caracter de permanentes: e melhor recorrer ás circumstancias para defender esta, como todas as outras medidas; é melhor dizer que o Governo o era sómente de direito, e não de facto, e que sem pensamento algum administrativo ou politico, ia para onde o levavam; e não se estranhe que eu assim falle, porque o Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães já assim o confessou, e já tambem reconheceu, que esse Governo de 20 de Maio deu muitas dimissões porque lhe foram exigidas.
Tudo quanto tenho exposto prova evidentemente o perfeito engano, em que se laborou no estrangeiro a respeito do estado normal e constitucional, com que se disse ter governado a Administração Palmella (apoiados). São os nossos contrarios que vem dar razão a tudo o que se tem dito deste lado. A Camara reconhece agora, se eu tive razão quando asseverei, que desta discussão havia de resultar a verdade. (Repetidos apoiados.)
O D. Par a que respondo disse — que todos os Governos acabam as revoluções quando são bons. (O Sr. Fonseca Magalhães: — Peço licença para observar, que não me expressei desse modo, creio haver dito assim, — que os Governos mais proprios para acabar as revoluções eram os Governos bons, porque as terminavam mais depressa.) Eu vou acceitando estas explicações em favor dos principios. (O Sr. Fonseca Magalhães: — Desejo que tambem as acceite em favor da verdade.) Muito bem: acceito a rectificação em favor dos principios, e em favor da verdade; mas direi ao D. Par, que me parece haver tomado nota exacta das expressões proprias por S. Ex.ª Se o D. Par não tivesse feito a sua rectificação, teria de ponderar ao D. Par, que a sua proposição tendia a justificar todas quantas revoluções tem existido até agora.
Tambem o D. Par defendeu a denominada lei eleitoral publicada pelo Ministerio da Revolução. S. Ex.ª como membro da Commissão, que a confeccionou, julgou-se obrigado a defender a sua obra; mas quando eu fallei pela primeira vez sobre esta materia, declarei logo que não entrava no exame dessa lei, e muito menos na questão da conveniencia, ou inconveniencia do systema indirecto consignado na Carta. Eu ataquei essa Lei por ser um acto do Executivo! que attentou formalmente contra um artigo da Lei fundamental. O D. Par evadiu esta questão, e fez-me além disso uma grande injustiça. S. Ex.ª pretendeu fazer acreditar que eu havia dito, que S. R. Peel ignorava as disposições da Carta Constitucional Portugueza: eu não disse tal, e espera que o D. Par tenha para comigo a lealdade, que eu mostro para com S. Ex.ª (O Sr. Fonseca Magalhães: — Não pretendo atacar a lealdade ao D. Par, nem disso me accusou até agora alguem, supposto ser ha muitos annos representante da Nação.) As minhas expressões estão já publicadas no meu primeiro discurso, são muito claras, a ellas me refiro: por tanto, limitando-me unicamente a dizer, que eu sei devidamente avaliar o grande merito do eminente estadista inglez, a maneira porque a seu respeito me expliquei no meu primeiro discurso, não admitte dúvida alguma. (Apoiados.)
Estou chegado á Colligação, e começarei dizendo, que estou maravilhado de que tendo o D. Par guardado sempre o maior silencio a respeito desta monstruosa associação, viesse depois de tantos males e de tantas desgraças, que tem causado á Nação, defendê-la em 1848! (Apoiados.)
O Sr. Fonseca Magalhães, propondo-se defender a Colligação de dois partidos extremos, cujos interesses e crenças politicas e dynasticas são diametralmente oppostos, lavrou logo a sentença de condemnação contra essa mesma Colligação; porque S. Ex.ª nos disse, que S. Ex.ª reprovava as crenças politicas por especulação: chamo á memoria do D. Par o programma originario dessa Colligação, as proclamações, e mais documentos que lhe são respectivos, e pergunto — em vista de tudo isto, póde deixar de affirmar-se que a Colligação não era outra cousa mais, do que uma especulação politica? (Apoiados.) Dois foram os argumentos, com que principalmente o D. Par se propoz defender a Colligação —primeiro, formarem parte della muitos caracteres liberaes distinctos pelos serviços feitos á liberdade; segundo, porque a Colligação foi um meio de chamar ás lides modernas os homens da antiga Monarchia.
Não serei eu aquelle que negue, que alguns caracteres politicos distinctos por seus serviços á liberdade, formam effectivamente parte da Colligação; mas quem duvida de que esses mesmos caracteres viriam a ser victimas do seu erro, e do acto impolitico que praticaram, de dar vida a um partido politico, que ainda não disistiu do intento de destruir o Throno de Sua Magestade e a Carta Constitucional? Erro fatal! que a todos nós podia custar muito caro! Quem duvida, de que no momento em que a Junta do Porto triumfasse, o partido liberal estaria em minoria e seria dominado pelo partido miguelista? As forças que obedeciam ultimamente á Junta não eram principalmente desse partido miguelista? Diga o Presidente dessa Junta se elle, e outros do partido liberal não tremeram nessa occasião? Diga se não é verdade, que sahiu a toda a pressa do Porto para Traz-os-Montes, a fim de tirar o commando, como effectivamente tirou, a varios Generaes miguelistas fazendo-os substituir por Generaes liberaes?
O segundo fundamento com que o Sr. Fonseca Magalhães pertendeu deffender a Colligação, está destruido por S Ex.ª mesmo. Não disse o D. Par, que esse partido miguelista estava ainda tão afferrado ás suas antigas crenças, e conservava tanto a idéa da vinda de D. Miguel, que não havia forças humanas que podessem dissuadir esse partido d'um tal intento? Sejamos cautos! Não continuemos a dar força a um partido que S. Ex. nos apresenta tão obsecado! Lembremo-nos de que não deixará esse partido de aproveitar a primeira occasião, que tiver para destruir o Throno da Rainha, e as liberdades publicas.
Eu admittiria as colligações feitas entre as differentes fracções do partido liberal; mas eu não posso admittir as colligações feitas entre partidos de crenças diametralmente oppostas, as quaes no momento da victoria se destruiriam reciprocamente. Por outra: eu não posso admittir as Colligações por especulação! (Repetidos apoiados).
Além das censuras que o Sr. Fonseca Magalhães dirigiu á Administração de que fiz parte, foram tambem pelo mesmo D. Par apresentadas outras contra o Ministerio de 6 de Outubro; entre estas tem o primeiro logar, a que diz respeito aos prisioneiros de Torres Vedras. Aproveito esta occasião para fazer a minha profissão de fé a respeito do actual Ministerio. Estou inteiramente decedido a dar o meu franco e leal appoio ao Gabinete, não só porque nelle se encontram individuos, a quem me liga antiga amisade pessoal e politica; mas porque á sua frente vejo o nobre D. de Saldanha, que eu considero como uma das mais fortes garantias em favor do Throno da Rainha, e das liberdades publicas (Appoiados repetidos). Tenho além disto conhecido, desde o pouco tempo que tracto a S. Ex.ª mais de perto, que além das eminentes qualidades que possue, nutre o pensamento de reunir a Familia Portugueza, não por palavras como muitos inculcam, mas por factos, e por obras (Apoiados).
Devo porém declarar, que este meu appoio póde faltar, ou pelo menos esfriar, se forem fundadas as censuras e verdadeiros os factos, que o Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães fez conhecer á Camara, relativamente aos prisioneiros de Torres Vedras, É ou não verdade, que o Ministerio a que presidiu o Sr. D. de Saldanha, deu um tractamento barbaro e cruel aos prisioneiros de Torres Vedras? É ou não verdade, que esses prisioneiros estiverão para morrer de fome, e que assim aconteceria se os marinheiros lhe não fornecessem, ou não dessem, parte da sua ração do porão? É ou não verdade, que o Governo impediu que chegassem ao Navio em que se achavam esses prisioneiros, as roupas, e os soccorros, que lhes mandára uma Senhora muito respeitavel? (O Sr. Fonseca Magalhães — Que o Governo não quiz, não disse eu, não o podia dizer, porque nunca o pensei.) Não faço estas perguntas para combater o D. Par, faço-as para inteirar-me da verdade dos factos, e reconhecer o modo porque devo avaliar o Ministerio de 6 de Outubro. (O Sr. Fonseca Magalhães — Eu estou prompto a rectificar. Não fallei de marinheiros, mas sómente d'um marinheiro cujo nome ignoro. Disse que uma respeitavel Senhora mandára roupas e outros soccorros, mas não disse que o Governo impedira que esses soccorros chegassem aos prisioneiros.) Bem! Pelo que ouço, o D. Par quiz aproveitar a occasião de fazer um bem merecido elogio a essa respeitavel Senhora. Quanto ao mais, ficam em pé as minhas perguntas, e folgarei que os D. Pares, que foram Membros daquella Administração, dêem a esta Camara satisfactorias explicações.
Sou em fim chegado a um ponto aliás bem importante do discurso do Sr. Fonseca Magalhães. Não me occuparia deste objecto, se o D. Par, ao passo que se apresentou um estrénuo defensor de tidos os agentes britannicos, não quizisse chamar sobre mim, não só os odios desses agentes, mas as antipathias da generosa e justiceira Nação ingleza.
Eu não accusei os diplomatas Inglezes, nem dei motivo para se dizer que a Nação Portugueza é ingrata aos serviços que recebeu. Começo por declarar que não tenho a menor indisposição, ou antipathia contra esses diplomatas. Respeito-os a todos; estou mesmo convencido de que na qualidade de particulares são dotados de excellentes qualidades, de inteira honra e probidade; mas nada disto vem para a questão, porque ainda ninguem trouxe á discussão, nem as pessoas desses diplomatas, nem as suas qualidades. Analysaram-se as informações, que elles deram ao seu Governo sobre os negocios de Portugal, e provou-se a inexactidão da maior parte dessas informações, que não obstante foram a causa do errado juizo, que se formou, não só a respeito dos negocios de Portugal em geral, mas principalmente da Administração a que pertenci. Eu não podia por tanto deixar de occupar-me deste objecto apoiados).
O Sr. Fonseca Magalhães fez grandes elogios ao Coronel Wilde, e pareceu inculcar que o defendia de graves accusações, que nesta Camara lhe haviam sido dirigidas. Todos sabem, que nesta Casa nem uma palavra só se proferiu contra o Coronel Wilde (apoiados). Viesse, ou não viesse este individuo em commissão do seu Governo; fosse, ou não fosse o objecto dessa commissão informar ao mesmo Governo do verdadeiro estado das cousas de Portugal; desempenhasse, ou não desempenhasse com lealdade essa mesma commissão; são tudo isto objectos para nós absolutamente estranhos. O que convirá saber, visto que se fallou no Coronel Wilde, é se as suas informações estão tambem d'accordo com o que se disse a respeito das intenções, e dos planos dos revolucionarios, servindo me dos discursos proferidos na Parlamento Inglez, e das participações officiaes d'outros agentes britannicos. Havia eu dito que o pensamento constante que se attribuiu aos revolucionarios, foi desthronar a Sua Magestade, destruir a Carta, e fazerem-se Ministros. O Coronel Wilde, dando conta da conferencia que tivera com varias personagens do partido da revolução em Santarem, conferencias a que assistiu o Sr. C. das Antas, diz que o Sr. Mousinho d'Albuquerque lhe affirmára que, para verificar se a sujeição dos revolucionarios á obediencia da Rainha, era indispensavel — primeiro, a convocação de Côrtes Constituintes — segundo, a nomeação d'um Ministerio de confiança; e que sendo instado por elle Coronel Wilde para declarar quaes eram as pessoas, que elle julgava serem de confiança para o novo Ministerio, respondeu — A Junta do Porto. (Sensação.) A Junta do Porto por outra, a destruição da Carta, e o desthronamento de Sua Magestade, como muito bem asseverou o Duque de Wellington. (Repetidos apoiados.) A Junta do Porto! e com ella a destruição desta Camara! (apoiados.) E com esta idéa estava tambem d'accordo, pelo menos em parte, o Ministerio da revolução! Era resolução tomada por esse Ministerio, que todas as nomeações de Pares feitas desde 1842 fossem annulladas. Existem documentos escriptos por agentes desse Ministerio, que assim o provara. (Sensação.) Mas qual seria o D. Par, Membro desta Camara, que vendo rasgar assim a Carta Regia da sua nomeação, acceitasse uma outra Carta Regia do Ministerio da revolução? (Vozes — Nenhum — nenhum.) E de que lhe serviria uma tal nomeação? Não estava resolvido que as Côrtes fossem constituintes, e não havia essa associação da Calçada do Sacramento decretado, que a Camara dos Pares fosse estranha a toda a questão de organisação constitucional? (Muitos apoiados.)
Tambem diz o Coronel Wilde na sua communicação ao Governo Inglez, que pelo menos a parte mais exaltada do partido da revolução queria desthronar a Rainha! Em vista de tudo isto se deve concluir, que effectivamente os fins da revolução foram altamente criminosos (apoiados).
Nada tenho com o elogio, que o Sr. Fonseca Magalhães fez a M. Southern, encarregado de negocios da Gram-Bretanha; accredito mesmo que seja uma illustre pessoa; mas devo affiançar, que os factos por mim apresentados são verdadeiros. Se o D. Par suppoz em M. Southern a intenção, de não faltar á verdade ao seu governo, deve tambem suppôr em mim a intenção de não faltar á verdade nesta Camara. Póde S. Ex.ª conservar, a respeito deste agente Inglez, a opinião que lhe parecer mais conveniente, porque eu tenho de ha muito formado a minha.
Pelo que respeita a um alto diplomata (Lord Howard de Walden), julgo bem merecidos os louvores que o Sr. Fonseca Magalhães lhe dirigiu; eu tambem reconheço as excellentes qualidades dessa personagem, e todos estamos accordes em lhe fazer a devida justiça. O D. Par disse que estava authorisado a declarar, que nos archivos da Legação Ingleza, o facto relativo ao General Espartero era referido por uma maneira differente daquella, porque eu o tinha apresentado á Camara. (O Sr. Fonseca Magalhães — Eu disse que o sabia por informações, que me foram dadas, e que até certo ponto eu estava authorisado para notar essa differença.) Seja como fôr, o facto passou se como eu o narrei, delle se tratou em Conselho de Ministros, e não me seria difficil obter o testimunho de pessoas respeitaveis para confirmar o que eu disse.
Acredito que Lord Howard de Walden mostrou sempre os maiores desejos de fazer serviços a Rainha,e á Nação portugueza; mas não posso deixar passar sem alguma observação, o que disse o Sr. Fonseca Magalhães, em quanto pretendeis fazer acreditar que o reconhecimento da Rainha pela Côrte de Roma, e pelas Nações do Norte, foi devido ao auxilio de Lord Howard de Walden.
O reconhecimento da Côrte de Roma procedeu d’outras causas bem differentes. Todos se recordarão, que Portugal, quanto a negocios ecclesiasticos, esteve n'um estado verdadeiramente excepcional desde 1833 até 1839. Foi o Ministerio de 26 de Novembro o primeiro, que entendeu não
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ser possivel que continuassem a subsistir varias medidas dictatoriaes, relativas ao clero, as quaes poderiam ser sustentadas, attentas as circumstancias em que foram adoptadas, mas que em um estado normal eram insustentaveis. Os Bispos, os Parochos, os Conegos, aliás collados em seus beneficios segundo o direito, achavam-se espoliados de seus beneficios, sem causa justificada, e sem que tivesse precedido o competente processo. Foi então que eu, não eu, mas o Governo julgou, que devia adoptar medidas que estando d'accordo com os verdadeiros principios e com a lei, mostrassem ao mesmo tempo á Curia Romana, que os negocios ecclesiasticos mereciam toda a attenção aquella Administração. Ninguem poderá contestar, que as referidas medidas foram muito bem recebidas por Sua Santidade: mas apesar de tudo, não foram motivo bastante, para que o Papa reconhecesse a Sua Magestade. Foi então que o Governo julgou a proposito mandar a Roma, encarregado de concluir uma tal negociação, o decano da diplomacia portugueza, esse homem cuja dedicação e zelo pelo serviço é bem constante; cuja probidade e honra todos reconhecem (muitos apoiados): a um acto arrojado desse distincto diplomata estou eu convencido, se deve principalmente o reconhecimento de Sua Magestade pelo Papa, e pelas potencias do norte (apoiados.) O Sr. Visconde da Carreira (e todos haviam por certo entendido já quem era o diplomata, a que me referia) — (muitos apoiados) o Sr. Visconde da Carreira digo, chegou a Roma encarregado de tão alta missão. Depois de varias conferencias que tiveram logar sobre o objecto, reconheceu o Representante de Sua Magestade, que não seria possivel obter o reconhecimento da mesma Augusta Senhora pelo Papa, sem que se fizesse uma bem entendida concessão, reconhecendo os Bispos sagrados durante a época da usurpação: reconheceu tambem o nosso distincto diplomata, que o reconhecimento de Sua Magestade por outras potencias, estava talvez ligado com o reconhecimento do Papa.
De tudo isto deu elle conhecimento ao Governo, que o auctorisou a fazer a mencionada concessão, uma vez que elle fosse acompanhado do reconhecimento dos Bispos nomeados pelo Governo de Sua Magestade. Este reconhecimento porém, é forçoso confessa-lo, não podia ter logar, porque não tinham precedido os respectivos processos.
Foi em taes circumstancias que o Sr. Visconde da Carreira, considerando a grande vantagem que resultava para a Nação Portugueza do reconhecimento do Papa, e de outras Potencias, tomou sobre si a grande responsabilidade de separar-se das suas instrucções, e de atirar-se (como vulgarmente se diz) de uma janella abaixo. Atirou-se effectivamente, passou anota fazendo a concessão exigida: no dia seguinte foi recebido pelo Papa como Representante de Sua Magestade Fidelissima, e seguiram-se reconhecimentos de outras Potencias não menos importantes.
Não duvido, torno a repetir, que Lord Howard de Walden tivesse desejos de prestar ao D. Par serviços para obter este reconhecimento; mas sendo elle principalmente devido ás circumstancias que acabei de enumerar, e ás grandes diligencias, e até responsabilidade do Sr. Visconde da Carreira, eu não podia deixar de assim o fazer constar á Camara.
Devo ainda fatigar a Camara com uma pequena explicação, relativa ao que o Sr. Fonseca Magalhães disse sobre ataques, que imaginou terem sido feitos ao actual Ministro de S. M. Britannica nesta Côrte. Nenhumas relações tenho com esta personagem, professo-lhe um profundo respeito, porque me dizem que é dotado de excellentes qualidades, e de uma inteira honra e probidade. Nem eu, nem outra alguma pessoa nesta Camara faz ainda a menor allusão a Sir Hamilton Seymour. Eu nada mais fiz do que referir-me a uma communicação deste Diplomata ao seu Governo, communicação a que igualmente se referira Sir H. Peel no parlamento inglez, para mostrar que o plano dos revolucionarios era soltar os presos do Limoeiro, e lançar o fogo a algumas casas, em differentes pontos da Capital. Ninguem negou, nem fez referencia alguma a serviços que este distincto Diplomata possa ter feito a Sua Magestade; e não sei com que fundamento se exclamou - Cuidei que havia dous Seymours! Se o D. Par pretende ganhar, ou augmentar as sympathias deste distincto Diplomata em seu favor, consiga-o por outros meios, mas não attribuindo-me cousas que eu não disse (muitos apoiados).
Pela ordem chronologica das notas que tomei, durante a discussão, caberia fallar agora da mediação e intervenção; mas supposto eu me ache habilitado, para entrar com verdadeiro conhecimento de causa nesta discussão, porque possuo uma grande parte da correspondencia, que lhe relativa; não julgo de justiça entrar neste combate, sem que os meus adveriarios politicos possam combater-me com armas iguaes: espero por tanto que seja remettida a esta Camara toda a correspondencia que pedi, e que o Sr. Presidente do Conselho já prometteu enviar á Camara, desejo muito antes de entrar nesta discussão ouvir as explicações de algum D. Par, que tenha pertencido ao Ministerio que assignou o Protocollo. (O Sr. Duarte Leitão — Peço a palavra). Folgo muito de observar que o D. Par pediu a palavra; eu espero que S. Ex.ª ha de satisfactoriamente justificar a conducta do Governo; eu espero que S. Ex.ª ha de provar, que por esse Protocollo se não offenderam as prerogativas da Corôa, e a Independencia Nacional. E pois que S. Ex.ª ha de usar da palavra, para dar explicações nesta importante questão, espero haja de explicar tambem o pensamento que dominou o Governo, acceitando a 4.ª condição. Já ouvi dizer nesta Casa, que por aquella condição não só foram condemnados os homens a que ella se refere, mas os principios que esses homens sustentam e defendem: uma tal interpretação, aliás cereberina, offenderia altamente, a intelligencia dos Ministros, que assignaram o Protocollo. Tem-se dito finalmente, que os Cabraes e os seus amigos, são homens obrioxios ao Paiz: desejo tambem que S. Ex.ª diga, se foi este o pensamento que dominou o Ministerio, quando acceitou a mencionada 4.ª condição do Protocollo. Não sei se deverei agora entrar na explicação de algumas allusões, que me foram feitas por um D. Par, que estou procurando, e não descubro na Camara. Para não voltar a esta discussão, resolvo-me a dar a conveniente explicação, porque o D. Par, a quem me refiro, terá occasião de lêr no Diario o que passo a expor.
O Sr. C. de Bomfim, no seu mui notavel discurso, disse, como para lançar um certo odioso sobre mim, que me havia encontrado algumas vezes ao seu lado para defender a Rainha, e a Liberdade, e notou o Chão da Feira, onde um D. Par, que acompanhou a S. Ex.ª ás areias d'Africa, tinha perdido uma perna! Esta circumstancia devia mostrar a S. Ex.ª, que no meio de tantas dissenções politicas, que tem havido no nosso Paiz, é muito facil que os individuos que hoje combatem d'um lado, combatam ámanhã do outro. Nessa época, como muito bom disse o D. Par, os Srs. D. de Saldanha e da Terceira militaram d'um lado, e eu d'outro, assim como tambem é verdade, que em 1838, quando foi necessario bater a Guarda Nacional de Lisboa, composta dos homens com quem S. Ex.ª hoje está ligado, S. Ex.ª militava então comigo do lado opposto daquelle em que me conservo hoje. Não me parece a proposito, que se tragam precedentes de similhante natureza á discussão; e não se entenda que eu tenho difficuldade de discutir precedentes com o D. Par, porque a respeito de precedentes... (Riso.) Não posso deixar sem observação a parte do discurso do Sr. C. de Bomfim, em que elle deu conhecimento á Camara das causas, porque deixou de pertencer ao Ministerio de 26 de Novembro.
S. Ex.ª disse, que sahira desse Ministerio, porque previra que eu nutria o pensamento, que mais tarde realisei, e que tendia a estabelecer o despotismo em Portugal! O Sr. C. do Bomfim não tinha previsto cousa alguma. S. Ex.ª esqueceu-se de certo, que foi obrigado a sahir desse Ministerio em consequencia da grande indisposição, que se desenvolveu na maioria de então contra o D. Par; indisposição originada principalmente pela falsa idéa, de que S. Ex.ª não administrava, como cumpria, os fundos votados para o Ministerio da Guerra a seu cargo. Eu vou fazer leitura á Camara da proposta, que foi feita e approvada na outra Casa, a qual bem prova o que acabei de expor. É o seguinte
Requerimento do Sr. Deputado Silveira, apresentado na Sessão de 15 de Junho de 1839.
«Requerimento. = Requeiro que na conformidade do artigo 39.º da Constituição seja nomeada uma Commissão de Inquerito, com toda a urgencia, para dar quanto antes o seu Parecer ácerca do exame,_ a que deve proceder, a fim de verificar: 1.° À vista dos Livros, Portarias, Ordens, e outros quaesquer documentos, os pagamentos especiaes, a que se refere a Synopse remettida a esta Camara em 6 de Junho corrente, pelo Ministerio da Guerra; e bem assim de todos os que possam não ser mencionadas na referida Synopse pertencentes aos annos de 1837 e 1838, a que a mesma se refere, e a importancia dos pagamentos feitos em virtude das referidas ordens: = 2.º Examinar os Titulos, a fim de conhecer da sua legalidade, que serviram de abono aos pagamentos; á excepção dos soldos, e ordenados marcados por Lei: = Examinar quaes foram os pagamentos feitos a quaesquer individuos, sem estarem incluidos em alguma determinação geral os motivos que lhes deram logar, e se debaixo do mesmo pretexto, e para o mesmo fim se fizeram ou repetiram os pagamentos aos mesmos individuos: = 4.º Examinar os pagamentos feitos por adiantamentos (sejam elles de que natureza forem) de preferencia aquelles que se achavam em identicas circumstancias, e com o mesmo direito a perceberem os Titulos de divida legal, e o motivo de preferencia, se o houve: = 5.º Se o Coronel Silveiro recebeu alguma quantia por adiantamento, ou extraordinariamente por outro algum motivo, que deixasse de comprehender a outros nas mesmas circumstancias, e a designação especial desses pagamentos, se os houve.
«Foi approvado, e a Camara resolveu que a Commissão fosse de 5 membros, e se nomeasse na Sessão seguinte. = Foram Membros da mesma os Srs. Jervis d'Atouguia = Pina Cabral — Judice Samora = Barreto Feio — e Leonel Tavares.»
Desde a época em que foi apresentada e approvada a proposta, de que acabo de dar conhecimento á Camara, nunca mais foi possivel conciliar os animos da maioria em favor do Sr. Conde do Bomfim. Tornou-se por tanto indispensavel, que ou todos os Ministros se retirassem, ou que S. Ex.ª sahisse do Ministerio. Concordou-se neste segundo arbitrio, dignando-se o Chefe do Estado de encarregar da reorganisação do Gabinete, ao Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães e a mim, commissão esta de que démos cabal desempenho. O Sr. Conde do Bomfim não só não deixou de pertencer ao Ministerio, por ter previsto os meus pensamentos, mas empregou todos os meios de conservar-se, chegando até a sollicitar a cooperação de algum collega, para que eu e o Sr. Fonseca Magalhães fossemos presos, conduzidos para bordo de um brigue de guerra, e immediatamente transportados para Moçambique! (Sensação profunda). Quando o D. Par lêr esta minha explicação reconhecerá, que era muito melhor não a ter provocado.
Finalmente vou dar conhecimento á Camara do conteudo de duas cartas, de que já fiz menção em outra occasião: servirão ellas para mostrar — primeiro, a causa porque eu soffri dura guerra, durante muitos annos da parte do correspondente do Times; segundo, que se eu me prestasse a uma exigencia, que aliás não era de grande importancia, em logar de guerra encontraria apoio da parte desse mesmo correspondente.
A primeira carta tem a data de 5 de Julho de 1842: não faço leitura della, porque é uma continuada diatribe contra um membro desta Camara, e contra um alto diplomata britannico. Basta sómente que eu diga, que estas duas personagens são accusadas de intrigar contra mim nos Paços Reaes. Nesta mesma carta se exige, que eu de conhecimento de certos factos a Lord Aberdeen! A exigencia era despropositada, não me prestei a ella, e d'ahi resultou a guerra que me declarou esse correspondente do Times!
Na segunda carta se diz, que se eu me prestasse a fazer inserir o pequeno artigo, que se contem nestes dois pedaços de papel (mostrou dois papeis) no jornal O Correio de Lisboa, cessaria a opposição que esse correspondente do Times me estava fazendo, e passaria a appoiar a Administração de que eu fazia parte! Não me prestei igualmente a esta exigencia, porque nada tinha eu com as publicações feitas no mencionado periodico. Esta segunda caria tem a data de 14 de Maio de 1843.
A Camara reconhece agora os motivos porque tão injustamente fui aggredido nas columnas do Times, e reconhece ao mesmo tempo o interesso que deve inspirar-nos quem por tal maneira se conduz.
Senti ter de descer a estas particularidades, e muito mais de fazer uso destes documentos: a tanto me obrigou o individuo, que para salvar-se d'uma falta que se lhe imputava, intendeu que devia inventar uma falsidade e atribuir-ma. Tenham cautella os que assim procederem, porque eu heide sempre rebater de uma maneira triumfante as accusações que me forem feitas, pois destas preciosidades conservo ainda muitas em meu poder, e tenho sempre cuidado de as guardar para servirem em occasião opportuna. (Hilaridade.)
Estou cançado, dou por tanto o meu discurso por concluido. (Repetidos apoiados — Muito bem, muito bem).
(O orador fui cumprimentado na Camara pelos seus numerosos amigos, e á porta da Sala o esperavam muitos Deputados da maioria, que igualmente o felicitaram pelo modo porque havia orado).