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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO RENO
SESSÃO N.° 18
EM 19 DE JUNHO DE 1908
Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Antonio de Azevedo Castello Branco
Secretarios - os Dignos Pares
Luiz de Mello Bandeira Coelho
Marquez de Sousa Holstein
SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta. - Expediente. - O Digno Par Sr. Sebastião Baracho occupa-se do novo concurso para ad judicação do Theatro de S. Carlos, da incommunicabilidade em que teem sido conservados alguns presos á ordem do juiz de instrucção criminal, e da syndicancia acêrca das occorrencias de 5 de abril. Responde-lhe o Sr. Ministro da Justiça. - Os Dignos Pares Srs. Marquez de Sousa Holstein e Luciano Monteiro, por parte da commissão de verificação de poderes, mandam para a mesa os pareceres sobre os requerimentos em que. o Sr. Conde das Galveias e o Sr. Conde das Alcaçovas pedem lhes seja permittido tomar assento nesta Camara.
Ordem do dia: Continuação da discussão sobre a proposta apresentada pelo Digno Par Sr. Baracho e relativa ao inquerito ás secretarias de Estado Usam da palavra os Dignos Pares Srs. João Arroyo, Francisco Beirão, José de Alpoim e Ministro de Justiça. É levantada a sessão.
Pelas 2 horas e 30 minutos da tarde o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.
Feita a chamada, verificou-se a presença de 19 Dignos Pares.
Foi lida, e approvada sem reclamação, a acta da sessão anterior.
Mencionou-se o seguinte expediente:
Officio do Ministerio da Fazenda relativo a documentos pedidos pelo Digno Par Sr. Teixeira de Sousa.
O Sr. Marquez de Sousa Holstein: - Por parte da commissão de verificação de poderes, mando para a mesa o parecer que incidiu sobre o requerimento em que o Sr. Conde das Galveias pede lhe seja permittido entrar nesta Camara por direito hereditario.
Foi a imprimir.
O Sr. Sebastião Baracho: - O Sr. Presidente do Conselho teve a amabilidade de escrever a um dos membros da mesa - ao Sr. 1.° Secretario- a fim de me informar que não podia comparecer á sessão de hoje; mas que estaria na Camara num dia proximo, se mão me satisfizessem as informações que pelo mesmo conducto me fornecia.
Como de facto não estou conforme com a resposta constante da carta de S. Exa., rogo ao Sr. Ministro da Justiça se digne informá-lo a tal respeito, communicando-lhe simultaneamente que aguardo a sua comparencia nesta casa, num dia proximo.
Alem dos assuntos, por mim enumerados, na sessão anterior, desejo ouvir o chefe do Governo acêrca do novo contrato de S. Carlos. E para que não haja surpresas, concernentemente aos pontos em que desejo ser esclarecido, vou especializá-los agora, para conhecimento de S. Exa.
Convem recordar que, no decorrer do periodo do concurso, pedi explicações ao Governo referentemente á contextura da base 24.a, por me parecer exiguo o deposito de sete contos de réis, como garantia da exploração theatral, quando se cifra por dezenas e dezenas de contos a importancia da assinatura cobrada, logo no começo da epoca, e quando o pagamento, dos artistas e de outras importantes despesas representa tambem avolumados encargos.
Verificou se o concurso, e a exploração do theatro foi adjudicada a quem, segundo o parecer da respectiva repartição do Ministerio do Reino, melhores condições offereceu.
Nada tenho que ver com a preferencia havida. A questão é muito outra, consoante esclarecimentos que me foram fornecidos.
Chegou effectivamente ao meu conhecimento que a nova empresa depositara no Banco de Portugal a quantia, de nove contos de réis, cujo objectivo me não foi mencionado.
Na verdade, não me parece que esse deposito possa ser o exigido pelo já citado artigo 24.° do programma do concurso, pelos seguintes motivos:
Primeiro, porque o deposito d'essa proveniencia é de sete contos de réis segundo, porque elle deveria realizar-se na Caixa Geral dos Depositos, e não no Banco de Portugal.
Demais, o deposito effectivado no Banco de Portugal mão pode ser tambem o que consta do compromisso 4.° da empresa, pelo qual ella se obrigou a depositar numa casa bancaria, á ordem do Governo, a importancia total da assignatura das recitas de opera lyrica italiana, na conformidade da condição 3.ª do programma.
Que significa, pois, esse deposito, se elle de facto se verificou?
É este um dos esclarecimentos que desejo me forneça o Sr. Presidente do Conselho. E se não são, em todo o ponto, exactas as minhas informações necessito que S. Exa. me certifique sé houve, ou não houve, deposito; e, se o houve, qual o estabelecimento em que se realizou, a sua importancia e o seu destino.
Relativamente á luz electrica, desejo tambem ouvir o Sr. Presidente do Conselho sobre se foi marcado prazo para
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a sua installação. A condição 14.ª do programma é omissa a tal respeito; e afigura-se-me de toda a conveniencia que se adoptem, desde já, as providencias devidas, afim de que esse melhomento possa ser disfrutado na proxima epoca, pelos frequentadores d'aquella casa de espectaculos.
De resto, tendo sido a installação da luz electrica, por assim dizer, a plataforma em que se realizou o concurso não é admissivel que essa operação deixe de verificar-se, com a brevidade que as circunstancias reclamam, qualquer que seja o prisma pelo qual seja considerado este assunto.
São estes, na sua concretização, o meus reparos acêrca dos quaes desejo ouvir o Sr. Presidente do Conselho.
De novo appello para a amabilidade dó Sr. Ministro da Justiça, afim de que informe o chefe do Governo d'este meu desejo. E, posto isto, notarei que, na sessão anterior, o Sr. Ministro da Justiça, seguramente por mal informado, declarou que os presos dos ultimos dias, e que jazem nos infectos calabouços dependentes da Bastilha, tinham deixado de estar sob o regime inquisitorial da incommunicabilidade.
Tive occasião de verificar que não era exacta essa affirmativa, e hoje o Diario de Noticias assegura que effectivamente estão presos ha 20 dias, sem culpa formada, quatro individuos e uma mulher, sobre quem recaem as suspeições da policia.
Mais uma vez me vejo forçado a protestar contra a ditadura policial que opprime e vexa os cidadãos, sob pretextos verdadeiramente inadmissiveis, nos países civilizados. Ainda na ultima sessão pus em relevo, e agora repito, o que succedeu com o caso da explosão na rua de Santo Antonio á Estrella. As perseguições foram de tal ordem, bem como as torturas impostas aos dois accusados, cujo julgamento se effectuou num dos ultimos dias, que o jury popular os absolveu, e muito bem, segundo o meu criterio. Atravessámos uma quadra ditatorial em que a tyrannia se ostentava impudicamente, em que o poder usava de todos os explosivos com que esmagava os cidadãos e perturbava o viver social.
O terrorismo semeado por cima encontrou, porventura, e como frequentemente succede, quem o cultivasse por baixo, isto é, nas esferas inferiores. A justiça exercida pelo avesso pretendia, sem a menor duvida, que a impunidade fosse reservada para o primeiro caso, e o castigo imposto ao segundo. Não podia ser.
É esse, pelo menos, o norteamento dos que pontificam na Bastilha e adjacencias. Não podem, porem, tolerar-se semelhantes excessos; e o abuso da incommunicabilidade tem de ter um termo, que as mais elementares noções da altruistica humanidade e do sadio liberalismo impõem, sem contradita acceitavel.
É certo que as leis abominaveis de excepção e de organica policial as autorizam em todo o ponto; mas não é menos verdadeiro que o decreto, por mim tantas vezes citado, de 19 de setembro de 1902 faz impender, pelo seu artigo 1.°, as responsabilidades dos odiosos e odientos actos privativos da Bastilha sobre o Sr. Ministro do Reino.
A S. Exa. compete, pois, emquanto infelizmente vigorar tão exautorante e abjecta legislação, moderá-la, por modo que ella não produza os funestos resultados que está produzindo, com irritação dos espiritos e com o engrandecimento consideravel dos inimigos das instituições.
Com a publicação da syndicancia acêrca das sangrentas occorrencias de 5 de abril, divergencia ha a registar na maneira como o Sr. Ministro da Justiça, comparativamente com o Sr. Presidente do Conselho, encarou a opportunidade da publicação da mesma syndicancia, elaborada referentemente a essa questão.
O Sr. Presidente do Conselho, segundo declaração feita na Cambra electiva, entende dever reservar por em quanto, á publicidade, esse documento. Por seu turno, o Sr. Ministro da Justiça é de parecer que a publicação se pode realizar sem dilações.
É esta, sem a menor duvida, a opinião que melhor se coaduna com os factos occorridos e que, por parte do chefe actual da justiça portuguesa, que demais é um juiz conceituado, melhor se recommenda para merecer a preferencia.
Demasiada tem sido a demora havida em dar conhecimento ao Pais de um acto cujo esclarecimento ha muito seria publico, se a, regularidade e as boas praxes fossem cultivadas; entre nós, na vigencia rotativo-acalmadora. Os exemplos trazidos do estrangeiro não nos servem de estimulo, nem de orientação. Em Roma, conforme em seu tempo recordei, deram-se em 1 de abril os tragicos successos em que trinta e um agentes da ordem publica foram maltratados e feridos. Só depois de tão violenta aggressão, e após as intimações regulamentares do estilo, elles usaram das suas armas, alvejando os insurrectos. Tres dias decorridos, o Presidente do Conselho apresentou-se na Camara dos Deputados e exhibiu um relatorio elaborado, não por um seu dependente, mas por um funccionario superior municipal, que esclarecia o assunto e d'elle dava as razões devidas.
Em Vigneux, França, occorreram ha poucos dias tumultos, tambem com funestos resultados. Oito dias depois o Presidente do Conselho, o Sr. Clemenceau, apresentava-se na Camara dos Deputados, instruido por um inquerito a que mandara proceder, e dava a indispensavel satisfação aos Deputados interpellantes.
Pelo que se passou, ficou-se sabendo que foram punidos os gendarmes que se excederam no cultivo das suas attribuições, e foram recompensados os officiaes que, pelo seu estoicismo, perante os ataques dos populares, lhes pouparam as vidas.
Entre nós, ha mais de dois meses que se manipula uma syndicancia, cujos resultados se manteem ainda em silenciosa reserva.
Ninguem nos excede, com certeza, na pratica do adiamento e da dilação, em assumpto que demandava prontos clarecimentos.
Este avariado systema produz os peores resultados. Haja em vista o que está succedendo com a questão dos adeantamentos illegaes, cuja nitida e sincera apresentação a publico era indubitavelmente indicada. Em logar disso, appella-se para tortuosos processos, de molde a originarem as mais descaroaveis suspeições ; e uma questão que poderia ser regularmente resolvida eterniza-se e ameaça permanentemente contundir, qual outra espada de Damocles.
Com a questão da syndicancia a que me tenho referido, succede outro tanto, com consequencias tambem lamentaveis, e que, por serem de facil intuição, dispensam que as pormenorize.
No interesse do socego publico, chamo novamente a attenção do Sr. Ministro da Justiça, a fim de que a syndicancia seja dada á publicidade com a maxima urgencia.
(S. Exa. não reviu).
O Sr. Ministro da Justiça: - (Campos Henriques): - Declaro a V. Exa. e á Camara que serão satisfeitos os desejos do Digno Par.
Não só communicarei ao Sr. Presidente do Conselho as considerações de S. Exa., mas ainda o desejo manifestado pelo Digno Par sobre a comparencia do chefe do Governo numa das proximos sessões.
Estou certo de que o nobre Presidente do Conselho, que já hoje tencionava vir a esta casa do Parlamento e que só por um motivo de serviço publico foi impedido de o fazer, se apressará a vir dar as explicações que o Digno Par deseja.
Referia-se ainda S. Exa. a dois pontos sobre os quaes não posso deixar de responder desde já.
O primeiro diz respeito á incommunicabilidade de determinados presos.
Eu já disse na outra casa do Parlamento que esta incommunicabilidade ia
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cessar, e que, segundo as informações officiaes que eu tinha, esses presos são apenas cinco, e foram detidos não só segundo as formalidades das leis existentes, mas tambem dos regulamentos policiaes.
O Sr. Sebastião Baracho: - Eu desejo fazer sempre justiça a V. Exa., e por isso direi que V. Exa. foi mal informado.
O Orador: - Estas são as informações que tenho, mas, quando sair d'aqui, tratarei de me informar novamente.
O segundo ponto a que S. Exa. se referiu - diz respeito á publicação da syndicancia sobre os acontecimentos de 5 de abril.
A verdade é que entre a minha opinião e a do Sr. Presidente do Conselho não ha a menor divergencia.
Tanto o Sr. Presidente do Conselho como eu entendemos que esse documento deve ser publicado.
Se alguma demora tem havido deve ser apenas devida á necessidade de extrahir da syndicancia duas certidões, e isso com o fim de habilitar a justiça a exercer rapidamente a sua acção.
Não ha, pois, divergencia nenhuma, mas apenas o maior desejo de que a lei seja cumprida sem hesitações nem delongas.
Era isto o que tinha a dizer ao Digno Par.
(S. Exa. não reviu).
O Sr. Luciano Monteiro: - Mando para a mesa, por parte da commissão de verificação de poderes, o parecer sobre o requerimento em que o Sr. Conde das Alcaçovas pede lhe seja permittido tomar assento nesta Camara.
Foi a imprimir.
O Sr. Francisco Machado: - Como a hora está muito adeantada, peço a V. Exa. que me reserve a palavra para a proximo sessão.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão sobre a proposta apresentada pelo Digno Par Sr Sebastião Baracho e relativa ao inquerito ás Secretarias de Estado.
O Sr. Presidente: -- Passa-se á ordem do dia.
Tem a palavra o Digno Par Sr. João Arroyo.
O Sr. João Arroyo: - Sr. Presidente: entrando em discussão a proposta do Digno Par e meu particular amigo Sr. Baracho, confesso a V. Exa. e á Camara que não tinha resolvido usar da palavra neste debate.
A elle fui, porem, chamado não só por affirmações de caracter politico, que me pareceram estranhas, feitas pelo illustre homem de Estado e Digno Par Sr. Vilhena, mas ainda, e principalmente, pelas referencias directas que S. Exa. me fez.
Resolvi-me então a usar da palavra e a fazê-lo de maneira não só a procurar responder a essas referencias de caracter politico e pessoal, mas ainda a affirmar, por uma forma clara e positiva, aquillo que me parece ser os principies que se debatem nesta discussão.
Prestando a devida homenagem, que por tantos titulos é devida, ao Digno Par, devo dizer, Sr. Presidente, e creio que a Camara concordará commigo, que S. Exa. teve na ultima sessão um grande motivo de prazer.
O Digno Par é, alem de um homem publico eminente e orador parlamentar notavel, um jurisconsulto da maior grandeza, mas o seu feitio especial, a principal caracteristica da sua intellectualidade, qualquer que seja a pujança das suas manifestações no campo politico, não ha duvida alguma que se firma sempre no campo do Direito.
O intuito de S. Exa. é, por certo, politico, mas o espirito de S. Exa. é especialissimamente o de um jurisconsulto.
Quando eu vim á Camara, o Sr. Vilhena tinha já um nome laureado, tão distincto como notavel.
S. Exa. occupava um dos primeiros logares na pleiade illustre d'esses homens que sairam de Coimbra e mostraram nos Conselhos da Coroa e na tribuna parlamentar portuguesa, nos ultimos quarenta annos do ultimo seculo, a sua competencia e saber.
Á frente d'essa plêiade rutilava ainda a personalidade de Barjona, que se enalteceu, não só pelas suas qualidades, mas tambem por aquelles que lhe se guiam o luminoso rasto, entre os quaes Vilhena, Lopo Vaz, Hintze Ribeiro e Marçal Pacheco; mas deve-se concordar em que da escola de Coimbra, as tres individualidades que mais se assemelhavam eram sem duvida Barjona, Marçal Pacheco e Vilhena.
O aspecto juridico das questões dominava completamente o espirito do Barjona.
Hintze não conservou a nota juridica como manifestação primaria nas suas orações parlamentares, se bem que não a perdesse inteiramente de vista.
Lopo Vaz entrou definitivamente no campo politico, que foi o seu principal theatro de acção.
Em Barjona, como em Vilhena, como em Marçal Pacheco, o espirito juridico constituia, como ainda constitue felizmente para Vilhena, que hoje tivemos o grato prazer de ouvir, a preferencial manifestação da intelligencia.
Comprehende, portanto, V. Exa., quaes seriam a satisfação e gozo do Digno Par quando a iniciativa do Sr. general Baracho lhe permittiu dedicar o seu talento e capacidade de jurista, as predilecções do seu espirito, a uma questão parlamentar d'esta natureza.
Elle teve, de uma assentada, á sua disposição, dois ou tres artigos da Carta Constitucional e um bello artigo do Acto Addicional.
Luziu-lhe logo o olho, as queridas figuras do Abbade Sieyès e de Benjamin Constant sorriram-lhe seductoramente: era uma excellente occasião para o Sr. Vilhena cultivar mais uma vez a sua predilecção juridica.
Com effeito, no discurso que proferiu, S. Exa. teve alguns momentos de raro ardor, que puseram em relevo o typo magistral, o typo coimbrão, numa palavra, o jurisconsulto.
É possivel que o discurso do Sr. Julio de Vilhena não tenha sido util á sua grei, é possivel que não tenha sido de habil parlamentar, mas o que foi, sem duvida alguma, foi um discurso de capello e borla.
A sobrecasaca de S. Exa. tomou o feitio de uma batina, e eu tive pena de que não estivesse presente o Sr. Alpoim para lhe pedir que prestasse a sua sobrecasaca, de amplas dimensões, para a transformarmos numa capa, que envolvesse o Sr. Julio de Vilhena.
S. Exa. tornou proporções de prelado da Universidade.
E quando lá em baixo tinia a sineta annunciando a entrada de algum Digno Par parecia-me ouvir a voz da cabra universitaria. (Riso).
Falou S. Exa., e muito bem, como verdadeiro jurista.
Todavia, antes de entrar na questão e como quem deseja deixar assente um ponto fundamental em poucos traços, nitidos, seguros e energicos, S. Exa., antes de abordar a Carta Constitucional, abordou o problema da responsabilidade politica e lembrou o principio constitucional de que a pessoa do Rei é inviolavel e sagrada como na realidade dispõe o artigo 72.° do nosso codigo fundamental, principio que eu acato, principio que eu respeito, mas principio que eu não estou disposto, emquanto m'o permittirem os fracos recursos da minha palavra, a consentir que seja adulterado no sentido de se confundir a irresponsabilidade da pessoa do Rei, que reconheço, com a indiscutibilidade dos seus actos, que eu nego. (Apoiados).
Sr. Presidente: se faço esta referencia expressa não é para levantar questões já findas; é porque a ella sou levado pela theoria que o Sr. Vilhena expôs.
S. Exa. reportou-se ao incidente da discussão nesta casa do Parlamento a
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respeito das cartas de El-Rei, na ultima sessão legislativa, e, ferindo esse exemplo, pretendeu basear nelle a sustentação da sua these.
Não, Sr. Presidente, isso não pode ser, nem será: a pessoa do Rei é irresponsavel, a pessoa do Rei é sagrada, nos termos da constituição portuguesa, é verdade; mas os actos do Rei são, necessariamente, discutiveis sob o aspecto politico e por elles responde, como pelos actos do executivo, o Governo que ali está sentado. (Apoiados).
Se Louve hora desastrosa para esta Camara foi aquella em que depois de ter permittido, como devia, a discussão de um diploma que respeitava exclusivamente aos mais importantes problemas politicos da nossa terra, a mesma Camara resolveu, que esse diploma não podia continuar a ser discutido.
O então nosso Presidente, que me impediu de falar, teve commigo attenções especiaes.
Mas o facto politico, o contrasenso parlamentar, ficou tristemente grave nos nossos annaes.
Hoje, no seu discurso, o Sr. Julio de Vilhena disse que a pessoa do Rei é inviolavel e sagrada, e que, por conseguinte, não a discutirá.
Segundo a Constituição portuguesa a pessoa do Rei é inatacavel, não ha duvida; mas os seus actos são inteiramente discutiveis, caem no dominio da discussão parlamentar. Tambem não ha, não pode haver duvida a este respeito.
O Sr. José de Alpoim: — Apoiado.
O Orador: — Não se diminue por este facto o prestigio do Monarcha.
Vejamos o que ainda ha poucos dias se passou na Inglaterra.
O Rei Eduardo resolveu avistar-se com a Familia Imperial da Russia, que elle havia já bastante tempo não visitava.
Levantou-se na camara dos Communs o mais violento debate parlamentar, por o Monarcha se não lazer acompanhar de um representante do Governo.
Sr. Presidente: sabe V. Exa. o que aconteceu?
Venceu o Parlamento, e o Governo voltou atrás, reconsiderou. O Rei Eduardo VII teve de ser acompanhado por um Ministro, como era de obrigação constitucional.
Diga-me agora V. Exa. se ha por esse mundo fora Monarcha mais respeitado, mais venerado e mais querido no seu país que o Rei Eduardo de Inglaterra; e diga-me se por aquelle facto se enfraqueceu ou diminuiu o prestigio da monarchia inglesa.
Taes são os verdadeiros principios constitucionaes, e é bom que d’elles nos não afastemos.
Mas vejamos: a Carta Constitucional não estabelece qualquer desigualdade entre a Camara dos Deputados e a Camara dos Pares no que diz respeito á sua competencia de apreciação e critica.
Tanto uma como outra podem, versar livremente todas as questões de administração e de legislação. A historia constitucional prova bem o que estou dizendo.
O artigo 15.° da Carta Constitucional enumera entre as attribuições das Côrtes a seguinte:
«Na morte do Rei ou vacancia do Throno, instituir exame da administração que acabou, e reformar os abusos nella introduzidos».
E o artigo 139.° diz que as Côrtes Geraes, no principio das suas sessões, examinarão se a Constituição politica do reino tem sido exactamente observada.
Tambem ha um artigo que diz que a iniciativa de qualquer reforma constitucional deve ter origem na Camara dos Senhores Deputados.
Finalmente, segundo o artigo 36.°, pertence aquella mesma Camara dos Senhores Deputados iniciar o exame da administração passada e a reforma dos abusos nella introduzidos.
Ha aqui uma differenciação entre o que pertence á Camara dos Senhores Deputados e o que compete á camara dos Dignos Pares.
Evidentemente que ha, mas tal differenciação não contende de modo nenhum com a nossa liberdade de discussão, e não contende de forma nenhuma com a faculdade de nomearmos commissões de inquerito.
Manifestamente que o direito das duas Camaras, a este respeito, é absolutamente identico.
A Carta Constitucional estabelece mais que é privativa da Camara dos Senhores Deputados a iniciativa sobre impostos, sobre recrutamento e sobre a discussão das propostas do poder executivo.
Nestes casos, sim, estabelece uma precedencia, mas essa precedencia não abrange o caso de que estamos tratando.
Vejamos, porem, como desde a outorga da Carta até agora a Camara electiva tem procedido.
Aquella Camara tem,[sim, assumido a iniciativa das discussões só ore impostos, sobre recrutamento, sobre a reforma da Constituição e sobre as propostas emanadas do poder executivo, mas nunca se preoccupou com o exame dos actos de qualquer administração passada.
Os membros das duas casas do Parlamento usam sempre da maxima liberdade, em qualquer momento das sessões legislativas, para examinar, discutir e apreciar, como melhor entendem, os actos do Governo; mas nunca se cumpriu a disposição do artigo 36.° no seu § 1.°, pelo que respeita ao exame das administrações passadas.
Isto dito, Sr. Presidente, por uma forma simples e breve, resta-me declarar que não posso deixar de votar a proposta do Digno Par Sr. Sebastião Baracho.
Ha apenas um ponto com o qual eu não estou de acordo com S. Exa. É aquelle que se refere aos poderes de prova.
Entendo, Sr. Presidente, que a faculdade de exigir juramento e de inquirir testemunhas não está na alçada de uma Camara ordinaria.
Entendo que, collidindo esse facto com a organização do poder Judicial, só em Côrtes de caracter extraordinario é que o assunto pode ser ventilado.
É esta a unica reserva que eu faço relativamente á proposta do Digno Par Sr. Sebastião Baracho.
Isto dito, Sr. Presidente, abandonemos Coimbra, e o espirito juridico; tratemos d’aquillo que constitue a parte politica do discurso do Digno Par Sr. Vilhena.
S. Exa.. ao entrar nesta parte do seu discurso, fez a declaração de que não tinha uma grande predilecção pelos programmas politicos, e pareceu-me entender que perante quaesquer dificuldades, cuja solução se impusesse em determinado momento, é que os partidos deviam olhar ao criterio que tivessem de adoptar.
Eu direi a V. Exa. que sou desaffecto aos grandes programmas partidarios, mas não o sou, nem o posso ser, á fixação ou affirmação dos principios pelos quaes os partidos politicos se propõem reger-se e governar o país, que tem o direito e até a necessidade de saber como será governado.
É que esses principios indicam a marcha fundamental, os traços geraes da acção partidaria, como, por exemplo, no que respeita a liberdade de cultos, relações do moderador com o legislativo, liberdade de imprensa, emfim, no que respeita a assuntos essenciaes da vida social; é que pela enunciação dos principios de cada agremiação partidaria é que tanto a Nação como o Rei podem conhecer a maneira de sentir e pensar dos partidos.
Que um partido não possa dizer como resolverá, em determinadas circunstancias, quaesquer assuntos especiaes ou imprevistos, de acordo; mas que não sé explique sobre aquillo que é o seu criterio fundamental, a razão da sua existencia, o seu processo de acção e o seu fim politico e civilizador, isso, Sr. Presidente, não posso eu acceitar.
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E foi por isso que liguei a maior importancia á confissão de S. Exa., que é hoje o chefe de um grande partido, e que não pode calar-se, como nenhum dos outros chefes, porque a Nação, repito, tem o direito de saber a vida que a espera, quando qualquer dos partidos ascenda aos Conselhos da Coroa.
Sr. Presidente: nesta altura do seu discurso, o Sr. Julio de Vilhena começou a revelar nos qual o proposito que o demovia.
S. Exa., que até então se havia desvanecido numa exposição juridica feita com todo o brilho e proficiencia de um cathedratico, começou a revelar-nos quaes os fins politicos da sua brilhante oração.
Ahi vae o primeiro.
Nesta altura do seu discurso, o Sr. Julio de Vilhena, voltado para o Governo que, por sinal, se achava representado pelo illustre homem de Estado, Sr. Campos Henriques, que tenho o prazer de ver deante de mim, dizia:
«E verdade que os partidos politicos apoiam o Governo, mas é preciso que façamos distincção: o Governo tem as suas responsabilidades proprias, das quaes não pode abdicar; essas responsabilidades não são dos partidos, são do Governo».
Depois, successivamente, o Sr. Julio de Vilhena indicava este ou aquelle assunto de administração do qual não tivera conhecimento hoje ou hontem, ou só o tivera por deferencia pessoal de um ou outro Ministro.
Emfim, o Sr. Vilhena desenvolvia com toda a amabilidade da sua palavra parlamentar a demonstração de uma these: que elle, que apoiava a situação, não tinha nada nem com as ideias, nem com os actos da situação.
Não sei se o Sr. Ministro da Justiça começa a comprehender.
O Sr. Vilhena apoia a situação como a apoia o partido progressista, mas faz distincção entre apoio politico e ideias de governo.
Esta distincção entre apoio politico e actos de governo ainda a não expôs o partido progressista; pelo menos outro dia, falando o Digno Par Sr. Beirão, não tive occasião de ouvir d'elle tal distincção, mas ouvi-a hoje ao Digno Par Sr. Vilhena.
Não sei se isto estabelece alguma differença de temperatura no apoio que os dois partidos concedem á situação, mas eu, que sou commentador imparcial do facto, devo dizer que se o ouvi d'aqui (indicando o logar onde se senta o Sr. Vilhena), não o ouvi de lá. (indicando o logar onde se senta o Sr. Beirão}.
O Sr. Vilhena voltava-se para o Sr. Ministro da Justiça e dizia: «apoio o Governo, sim, mas a responsabilidade do Governo, relativamente aos seus actos, pertence ao Governo», e o Sr. Ministro da Justiça, fazendo cara feia (Risos), respondeu: — Apoiado.
Permitta-me V. Exa. A um pequeno parenthesis.
O Sr. Ministro da Justiça dava então uma demonstração de uma verdade que devia existir no seu espirito: é que S. Exa. só tem a lucrar em abandonar por vezes o feitio seráfico da sua tempera.
Estou mesmo certo de que, se o fizer, obterá dentro em breve os melhores resultados.
E, se S. Exa. m'o permitte, até lhe darei um conselho: faça-se mansão. (Riso).
Sr. Presidente: os estrangeiros notam na maneira de falar dos portugueses um grande defeito. Geralmente o orador português engole as ultimas palavras da oração e relativamente a cada palavra engole as ultimas syllabas.
Ora, Sr. Presidente, a lingua portuguesa tem já varios defeitos, não lhe vamos nós acrescentar mais esse.
Façamos, pois, por dizer as orações e as palavras até o fim, para que nos possam ouvir á vontade estrangeiros e nacionaes.
Assim o devemos entender todos, e o Sr. Ministro da Justiça tambem. (Riso).
E não quero fechar este parenthesis sem tambem dar um conselho ao Sr. Ferreira do Amaral.
Peço ao Sr. Ministro da Justiça que lh'o transmitia.
Não sei ao certo se o Sr. Presidente do Conselho está satisfeito com o apoio politico do Sr. Julio Vilhena. Mas afigura-se-me que não, e nesta hypothese quero lembrar a S. Exa. que ha duas maneiras de fazer politica: uma cá dentro, nas salas do Parlamento, e outra lá fora.
Ora o que o Sr. Ferreira do Amaral deve fazer quando o atacarem lá fora é vir queixar-se cá dentro. (Riso).
Entrando agora propriamente na questão dos adeantamentos, eu não posso deixar de admirar a habilidade parlamentar do Sr. Julio Vilhena.
S. Exa. fez a este respeito um escarcéu medonho.
Apresentou á Camara varias soluções do litigio entre a Casa Real e o Thesouro Publico, quando se tratasse da liquidação.
Mas quem ouviu já falar em litigio algum a tal respeito?
Ninguem.
Sr. Presidente: eu sou antigo na Camara, e lembro-me perfeitamente do que se passou ahi por 1887.
Nessa epoca um grupo do partido regenerador entendeu dever estremar-se do partido e formar o que então se chamava a «esquerda dynastica».
Parece que esse grupo tinha qualquer entendimento politico com o então Ministro Fazenda, o grande talento que foi Mariano de Carvalho.
O que é certo é que d'essa esquerda partidaria resultou uma luta das maiores que se tem visto no Parlamento.
Os homens d'esse grupo inventaram um engenhoso meio de combate parlamentar, o qual consistiu em atacar, não o Governo, mas o Arcebispo de Larissa.
Não sei se V. Exa., Sr. Presidente, se lembrará d'esse famoso Arcebispo, de que nunca mais ouvi falar desde que a esquerda dynastica morreu. (Risos).
Quando Mariano de Carvalho não estava entendido com Barros Gomes, a esquerda dynastica dirigia-se ao Ministro dos Negocios Estrangeiros por causa do Arcebispo.
Mas quando Barros Gomes se aproximava de Mariano de Carvalho, o Arcebispo de Larissa descansava.
Durou isto dois annos.
Ora, nesta questão dos adeantamentos, dá-se um facto igual ou pelo menos identico: não se ataca o Governo; ataca se. . . o Arcebispo de Larissa. (Risos).
Mas do que eu ainda não ouvi falar foi no quantitativo dos adeantamentos.
Tambem ainda não ouvi. falar em que a Casa Real se quisesse eximir ao pagamento d'esses adeantamentos; pelo contrario, bem pelo contrario, o Chefe do Estado declarou querer fazer a liquidação.
Mas deixemos isto.
O Digno Par, fazendo voz irónica, dizia que os homens dos partidos não queriam a responsabilidade dos adeantamentos.
Eu entendi perfeitamente o Digno Par nesse assunto, e resolvi por minha parte estabelecer a doutrina que me parece ser verdadeira.
Sr. Presidente: - creio que relativamente a factos de ordem governativa os homens politicos se podem dividir, quanto á responsabilidade d'esses factos, em duas categorias:
1.° Aquelles que teem conhecimento dos factos.
2.ª Aquelles que não teem conhecimento dos factos.
Relativamente a phenomenos, sejam de ordem astronomica, sejam de ordem sociologica, não pode haver duvida em que a classe dos homens que os conhecem se separa, da classe dos que os não conhecem.
Isto não precisa de demonstração.
Encaremos, portanto, o problema nas suas duas partes.
Vejamos na primeira parte a responsabilidade dos homens que tiveram conhecimento dos factos, e na segunda
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parte a responsabilidade dos homens que nada sabiam.
Vamos á primeira parte.
Sr. Presidente: a maneira de ser dos Ministerios portugueses, ha mais de uma duzia de annos para cá, não é segredo para ninguem.
A organização dos Gabinetes nos ultimos tempos tem-se adulterado, principalmente depois que o poder pessoal do Chefe do Estado se começou a manifestar.
Aconteceu relativamente aos Governos o que não podia deixar de acontecer, como consequencia de uma insistente perturbação organica.
Apenas tem havido um Ministro — o Presidente do Conselho; os outros occupavam um logar secundario, assim como Sub-Secretarios de Estado, e esses ignoravam a maior parte dos negocios.
O Presidente do Conselho assumiu, por assim dizer, o caracter de um Gran-Vizir.
Eu estou certo que se me voltasse para os meus illustres collegas que occuparam qualquer logar nos Conselhos da Coroa, com excepção dos de Presidente do Conselho e Ministro da Fazenda, e lhes perguntasse o que sabem, elles me diriam que não sabiam nada, visto os negocios se liquidarem secretamente entre o Ministro da Fazenda e o respectivo Gran-Vizir.
Ataca-se o Sr. Espregueira, e muito bem, porque foi Ministro da Fazenda; mas a sua responsabilidade é igual á do seu Presidente do Conselho.
E onde é que está o Sr. José Luciano?
S. Exa., felizmente, goza neste momento de um estado de saude muito superior áquelle que gozava anteriormente. O Sr. José Luciano passeia nas alcatifas do Paço, e de vez em quando nas hypothecarias salas do Credito Predial.
Por que não vem S. Exa. aqui? Porque não temos a satisfação de o ver nesta casa?
S. Exa. oppôs o mais terminante, formal e categorico desmentido, relativamente a adeantamentos reaes. Não disse S. Exa. s d'ali (indicando a cadeira onde o Sr. José Luciano de Castro costuma sentar-se) que nenhuma pessoa da Familia Real se lhe tinha dirigido a pedir adeantamentos?
E não foi ainda ha poucas horas que um membro progressista do Governo disse, perante a Camara dos Senhores Deputados, precisamente o contrario?
Que nação é esta! Que pequenos nós somos, Sr. Presidente! Que vergonha saber que ainda ha partido progressista!
Onde está o seu chefe?
Ali, de onde falou, não está; ninguem ali o vê.
O Sr José Luciano está em sua casa como uma especie de divindade, que despede os seus raios sobra o nosso orbe politico.
Confesso que quando vejo ás vezes entrar o Sr. Francisco José Machado, supponho que elle acaba de descer, no seu passo grave, a Calçada da Estrella, e que vem com as faces luzentes de uncção divina. (Risos).
É quando entra por aquella porta dentro o meu illustre amigo Sr. Beirão, para vir lançar nas leis a sciencia da salvação d’este país, pergunto: «Mas que vae elle dizer? Que vae desentranhar? Virá dizer, como Mirabeau, que nunca mais quer isto, nem aquillo, nem aquell’outro?» A Camara lembra-se do que S. Exa. nos disse uma vez sobre autorizações parlamentares. Virá dizer cousas semelhante? Virá acrescentar alguma clausula áquelle celebre programma da Granja? Virá pronunciar as palavras propheticas que acaba da ouvir a Budha-Castro? (Riso).
O Sr. José Luciano é um parlamentar que tem visto e entrado em muitas batalhas da tribuna.
Porque não vem então aqui?
Será por menos consideração pela Camara? Não o quero crer.
Porque será então?
Será por desconhecimento do assunto que tem a versar?
Tambem não.
Então porque é?
Sr. Presidente: é a força dois factos, é a situação inilludivel da verdade que d'aqui o afasta.
Que é, Sr. Presidente? É o que está carregado de evidencia.
É que o Sr. José Luciano de Castro reconhece que não pode entrar nesta sala, aproximar-se da sua cadeira e pedir a palavra, sem se desmentir a si proprio, sem reduzir a nade, as palavras provocadas por mim em novembro de 1906.
S. Exa. sabe que, no dia em que vier aqui e fizer isso, morre officialmente o partido progressista, que elle ainda pretende salvar com quaesquer panaceias politicas de occasião.
Procederá S. Exa. d'esta forma, porque assim o indica o commodisno politico, a conveniencia do partido progressista?
Mas podem os illustres memores do partido progressista ficar convictos de que, qualquer que seja o seu procedimento, esse partido está inutilizado para o poder, sob pena de amanhã, aqui, nesta tribuna parlamentar, ou na Camara dos Senhores Deputados, haver o direito de qualquer membro opposicionista duvidar da palavra d’aquelles que estão no poder, o que é o maior ultraje que se pode fazer a homens que se sentam naquellas cadeiras. (Indicando as do Governo).
O Sr. José Luciano não vem?
Façamos nós uma cousa Vamos todos a casa do Sr. José Luciano. (Riso).
Sim, vamos lá todos.
O Sr. José Luciano tem uma casa ampla. Essa casa, que já tive a honra de visitar, possue condições adequadas aos ecos das discussões politicas e dos assuntos parlamentares.
Porque não vamos todos lá? (Riso).
O Sr. José Luciano de Castro é um verdadeiro fidalgo a receber os seus hospedes.
Porque não vamos lá todos?
Se algum dos meus illustres collegas se sentir indeciso ou confuso, eu peço ao Sr. Eduardo José Coelho que nos acompanhe, porque elle conhece o sitio e já naquelle logar as tem dito boas e bonitas. (Hilaridade).
Agora, Sr. Presidente, volto-me para o lado dos regeneradores.
O Sr. Julio de Vilhena, na primeira parte do seu discurso, mostrou qual o apoio politico que está disposto a conceder ao Governo; na segunda parte, mudou de scopo, coroo dizem os italianos, e procurou resalvar a situação dos regeneradores, em materia de adeantamentos, pela extensão que uma palavra poderia ter dado ás declarações feitas por Hintze Ribeiro.
Ora vamos lá: o Sr. Julio de Vilhena, investigando as chronicas parlamentares, tonou os Summarios d'esta Camara, relativos a 1906; mas não teve o cuidado de confrontá-los com os respectivos Annaes.
A Camara já de estar lembrada de que foi em 19 de novembro d'esse anno que chamei a contas os chefes politicos, e pretendi conhecer a sua situação pelo que respeitava á responsabilidade dos adeantamentos.
A resposta de Hintze Ribeiro — que só foi dada, como a do Sr. José Luciano, quarenta e oito horas depois — incluiu esta declaração: «Tem havido despesas alem das que são consignadas estrictamente á dotação da Familia Real. Essas despesas dizem principalmente respeito á representação do país e ás obras nos palacios reaes».
Confessou e Sr. Julio de Vilhena, com a hombridade politica e parlamentar que lhe é propria, que do discurso do extincto chefe do partido regenerador não lhe ficara a impressão de que S. Exa. houvesse declarado que não fizera adeantamentos á Casa Real.
Ao adverbio principalmente ia o Digno Par Sr. Julio de Vilhena buscar a justificação da sua maneira de ver.
Eu ouvi Hintze Ribeiro com a maior attenção, não só pela consideração devida á sua alta figura parlamentar e politica, mas ainda pelo interesse especial que o assunto em questão despertava.
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Hintze Ribeiro falou depois de ter falado o Sr. José Luciano de Castro.
Foi no dia em que eu os chamei a terreno? Não.
A existencia de adeantamentos á Casa Real não foi revelada pelo Sr. João Franco nesta casa, mas sim na Camara dos Senhores Deputados.
Tendo eu conhecimento do facto, em 19 de novembro de 1906 interpellei directamente o Governo e, esperando que o Sr. Presidente do Conselho se furtaria a dar esclarecimentos sobre o assunto, já nesse discurso pedia a intervenção dos chefes politicos.
Isto consta dos Annaes da nossa Camara.
Nenhum d'aquelles chefes se levantou, mas quarenta e oito horas depois, quando passado o tempo necessario para uma attenta reflexão de palavra e para uma cuidadosa exposição de opiniões, vindo a esta casa tratar novamente da questão para preencher as deficiencias do discurso do Presidente do Conselho, quarenta e oito horas depois, repito, após o tempo necessario para reflectirem com prudencia, falaram Hintze Ribeiro e José Luciano de Castro.
Devo dizer que as palavras do Sr. José Luciano de Castro foram mais nitidas, mais claras, do que as de Hintze Ribeiro.
Eu tenho aqui as declarações de ambos.
Recordemos o que disse o Sr. José Luciano:
«Tem a declarar que nunca, como Presidente do Conselho, lhe foi pedido qualquer adeantamento sobre a dotação do Augusto Chefe do Estado. Nunca lhe fizeram tal pedido, nem á nenhum dos Ministros das situações de que fez parte.
Esta declaração é absolutamente categorica».
Hintze, não empregou a formula — Não fiz isto — que o Sr. José Luciano de Castro empregou.
Hintze, na sua exposição, não disse o que não fez, disse o que fez, referiu-se a despesas de representação — viagens regias, recepções — e a obras nos paços reaes.
Depois que os chefes de partido falaram, levantei-me para acarear as suas declarações com as do Presidente do Conselho.
Tendo eu resumido o que Hintze Ribeiro declarara, elle, que estava presente, elle, que ouvira o que eu dissera, elle que possuia vastissimos dotes parlamentares e cujos expedientes de momento eram por todos nós apreciados, elle não se levantou para replicar-me.
Mas ha mais, passadas algumas horas, publicava-se o Summario das sessões d'esta casa, e eu, encontrando nelle, justamente no ponto da declaração de Hintze, a palavra—principalmente — julguei que tivesse sido erradamente estenographada pelos tachygraphos d'esta casa, aos quaes, aliás, não queria deixar de prestar homenagem como honestos e intelligentes trabalhadores que são.
Comtudo, como eu tinha as minhas relações cortadas com Hintze Ribeiro, não fiz chegar ao seu conhecimento qualquer duvida a este respeito.
Sabe V. Exa. o que aconteceu?
O adverbio — principalmente — que não tinha sido proferido, não appareceu depois nos Annaes, apparecera apenas no Summario, e Hintze Ribeiro, corajoso e brioso parlamentar, como poucos, de forma alguma pôs em duvida a suppressão feita nos Annaes.
Mas ha só isto?
Não, posteriormente, na sessão de 30 de novembro de 1906, eu novamente interpellei o então Presidente do Conselho sobre a absoluta contradição que existia entre as suas declarações e as dos dois chefes politicos.
Hintze Ribeiro, que falou nessa sessão e que me ouvira mais de uma vez notar aquella contradição flagrante, Hintze Ribeiro nem uma só das minhas palavras pôs em duvida.
Ainda assim, Sr. Presidente, na questão dos adeantamentos á Casa Real, o partido regenerador não se acha tão encurralado numa situação difficil como o partido progressista.
É peor, muito peor a situação em que se encontra o Sr. José Luciano de Castro, em vista da recente declaração do Sr. Ministro da Fazenda.
Pelas declarações de Hintze Ribeiro vê-se que existiram adeantamentos para despesas por elle mencionadas.
O Sr. Julio de Vilhena tem talento para muito mais na defesa do partido regenerador; não precisava de recorrer ao sofisma do adverbio «principalmente» quando as declarações de Hintze Ribeiro, confrontadas com o texto dos Annaes ficam sendo claras a respeito da especie de adeantamentos que fizera.
Sr. Presidente: ha ainda na questão dos adeantamentos outro ponto, no qual não posso deixar de tocar.
Refiro-me á carta attribuida ao Sr. José Luciano de Castro e escrita ao Sr. Espregueira.
Sr. Presidente: vae saindo certo tudo o que eu profetizara. A questão vae seguindo os seus termos, e luz completa terá que fazer-se, da a quem doer.
Era o que eu previa na sessão de 21 de novembro, quando dizia, neste mesmo logar:
«... não imagine o Governo, nem ninguem, que quaesquer violencias ou quaesquer esquecimentos dos principies sacrosantos do processo parlamentar farão sustar a
onda de indignação contra as sombras que envolvem as palavras do Sr. Presidente do Conselho acêrca dos adeantamentos á Casa Real O país não tolerará essa situação extraordinaria em que a Coroa é arrastada aos pés do poder responsavel.
Não! Isso não succederá, qualquer que seja a teimosia do Sr. Presidente do Conselho; o movimento seguirá o seu curso e só terminará no dia em que, sobre o assunto, luz completa se fizer».
Ha uma carta, diz-se, do Sr. José Luciano ao Sr. Espregueira.
Essa carta virá; todos os documentos hão de vir.
(Interrupção do Digno Par Sr. Baracho, que, não se ouviu na mesa dos tachygraphos).
Diz-me agora o Digno Par Sr. Baracho que acaba de ser feita na outra Camara a declaração de que essa carta existe.
Se existe, como parece pela informação do Digno Par, ella virá ainda mais uma vez demonstrar que, relativamente á questão dos adeantamentos, tudo é permittido no sentido de serem apuradas as responsabilidades que a cada um pertencerem.
Todas as espertezas de táctica, todas as maningancias de palavra, empregadas para occultar a verdade, tudo ha de cair por terra, como por terra caiu tudo quanto se fez para sustentar a concessão dos tabacos á Companhia.
Ha de tudo cair.
Lembram-se V. Exas. de quando do alto d’esta tribuna eu clamava ao Sr. José Luciano de Castro: V. Exa. não faça ainda o contrato, não o faça emquanto não houver um concurso, ou V. Exa. cairá com elle.
E assim succedeu, porque caiu não sei quantas vezes com a questão dos tabacos, menos a Companhia.
Com a questão dos adeantamentos ha de succeder a mesma cousa, mas isso fica para a parte final de meu discurso.
Já me referi aos homens que não sabiam e aos que sabiam; agora vou referir-me áquelles que não sabiam, mas ficaram sabendo de uma certa data em deante.
Quanto a esses, entendo que desde que souberam e defenderam os factos consummados ficaram ligados á inteira responsabilidade dos autores d'esses factos.
Se os membros de um partido, depois de praticarem ou conhecerem um acto, pretenderem occutá-lo, não podem eximir-se á responsabilidade d'elle.
Quem apoia um partido ou um Governo, e naquellas circunstancias lhe não retira o apoio, mantem uma solidariedade, que estabelece responsabilidades communs.
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Posso dizer: «Eu-não sabia, fui illudido» e então não devo ser accusado por aquillo que ignorava.
Mas se eu já sei o que se fez e consinto que os responsaveis continuem no .mesmo Jogar, ligo-me á mesma corrente que prende o delinquente.
Quem assim procede demonstra que não tem coragem para inutilizar aquillo que se transforma num cancro.
Tenho-me referido ao passado dos adeantamentos.
Mas o seu futuro?
V. Exas. ainda não pensaram em que esta questão dos adeantamentos pode ter futuro?
Pode, sim; pensem V. Exas. nisso.
O Sr. Vilhena, no final do seu discurso, talvez levado por uma generosidade de animo que não pode ser explicada num chefe politico, porque esse representa os interesses politicos de uma collectividade; o Sr. Vilhena, por qualquer movimento imprudente, soltou estas palavras: «que se porventura estivesse no poder e visse a Casa Real em circunstancias embaraçosas e difficeis para pagar as despesas que lhe são necessarias, não teria duvida — assim o declarou—em adeantar quaesquer importancias para occorrer a essas despesas...
O Sr. Julio de Vilhena: — E que depois daria conta ás Côrtes d'esse meu procedimento.
O. Orador: — Sim., senhor. Depois, traria ás Camaras a nota d'esses adeantamentos.
Assim, Sr. Presidente, tinhamos até agora adeantamentos negados, adeantamentos suspeitados, adeantamentos confessados; agora passamos a ter tambem adeantamentos promettidos. (Risos).
Ora a Fazenda da Casa Real, que até agora não tem tido senão a fama de ser largamente generosa em assuntos de caridade; que, relativamente ao pessoal menor do Paço, tem sido de uma extrema generosidade, base fundamental da sua má administração; a Fazenda da Casa Real, nestas arraigadas circunstancias, não pode, comprehende-se, por um simples acto do legislador, alterar de repente os seus costumes, sustar a sua caridade, suspender a sua benevolencia, reprimir a sua largueza de mãos.
Não! Ha de viver sempre assim, mais ou menos economica, mas victima sempre da sua maneira de ser altruista.
E como a fixação da lista civil é feita, segundo confessa o proprio Governo, em circunstancias de só se conceder o absolutamente indispensavel, temos que não ha nada mais facil do que dar-se a hypothese indicada pelo Digno Par Sr. Julio de Vilhena, e então, Dignos Pares, Srs. Deputados, portugueses em geral, apparecendo essa hypothese e estando nos Conselhos da Coroa o Sr. Julio de Vilhena, ha adeantamentos, é certo, e a illegalidade é fatal.
Sr. Presidente: perdoe-me V. Exa. que eu diga que se os partidos existem para dar esta desillusão á nossa confiança nelles, é melhor que morram como devem.
Que triste é que nos deixem antever a nós todos, que vivemos numa atmosphera doentia e mephitica, nos deixem antever, repito, que o futuro será a continuação d'esta mesma dolorosa actualidade!
Não! É preciso que um de nós se volte para a Coroa e lhe diga que se é grande a sua liberdade de nomear Ministros, é por igual grande a responsabilidade moral que assume perante o país quando os nomeia.
É indispensavel que um de nós diga a El-Rei, Chefe do Estado, que se os membros do poder legislativo acatam, como devem, essa attribuição do poder moderador, unica em que não intervem o Conselho de Estado, a responsabilidade da Coroa é por isso mesmo maior e mais pesada.
É preciso que alguem diga ao nosso novo Soberano, moço e ainda innocente de toda a culpa, que tenha o maximo cuidado na nomeação dos seus Ministros, porque no dia em que os partidos assim desqualificados forem chamados ao poder, a Coroa fica. moralmente, compartilhando as responsabilidades d'esses partidos.
Eu vou concluir.
Sr. Presidente: vou concluir dizendo a V. Exa. —a questão dos adeantamentos é gravissima; é, mas ha uma cousa ainda mais grave e delicada na questão dos adeantamentos: é vê-la perdurar. (Apoiados).
Voltado para este Governo digo-lhe: o que ha de peor na questão dos adeantamentos é a sua continuação, a sua não liquidação immediata, aconteça o que acontecer, porque por muito negras que sejam as perspectivas politicas, por certo a peor é a que origina a insinuação, a suspeita, a diffamação e, quiçá, a calumnia.
O maior serviço que um partido politico pode fazer a El-Rei é trazer ás Côrtes da Nação Portuguesa, sem demora de um dia, sem tergiversações, já, agora, d'aqui a uma hora, se não pode ser já, mas no mais breve prazo de tempo, a exposição singela, nitida, da simples verdade. O segundo serviço que um Governo verdadeiramente monarchico tem a prestar a El-Rei é arrancar d'esse projecto de lei, que diz respeito á lista civil, a questão dos adeantamentos; é não permittir que o Soberano, que assinou a honrosa carta do principio de fevereiro, que esse Soberano, que começou por dizer dignamente que não receberia um real que não fosse votado pelas Côrtes, tenha de assinar a dotação real e ao mesmo tempo passar a esponja sobre uma nodoa.
O Governo actual chama-se patriota e liberal. E eu affirmo a V. Exa. que, nas palavras que acabo de proferir, não vae o mais leve pensamento de politica partidaria, a mais leve ambição do poder, porque eu posso ter muitos defeitos na minha individualidade, mas a ambição d'esse logar (indicando as cadeiras do Governo) nunca a tive.
Eu peço ao Governo, voltando-me para elle e lembrando-lhe que está ahi por dedicação á Patria e ao Chefe do Estado, eu peço-lhe que traga quanto antes ao Parlamento a questão dos adeantamentos com toda a singeleza, e em toca a verdade.
É um pedido supremo que faço ao Governo rogando, supplicando —pela primeira vez emprego esta palavra no Parlamento — supplicando que, sem a mais leve demora, immediatamente, já, traga ao Parlamento toda a questão dos adeantamentos.
Sr. Presidente: o apoio que dos partidos politicos, neste momento, ha de vir á Coroa é nullo, é contraproducente, como acabo de demonstrar.
As minhas palavras, ao terminar, sejam ainda a affirmação de que, nesta hora, se ha alguem que esteja ao lado do Rei, dos seus interesses, d'aquillo que representa a sua conveniencia, da sua casa, do seu nome e jurisdição como primeiro magistrado do país, se ha alguem, seu eu.
Tenho dito.
(O Digno Par não reviu).
O Sr. Francisco Beirão: — Sr. Presidente: creio que tem estado e está em discussão a proposta mandada para a mesa pelo Digno Par Sr. Dantas Baracho.
Essa proposta tem por fim, em resumo, nomear uma commissão de syndicancia a todas as secretarias de Estado, de modo a que se pudesse fazer um exame e estudo de toda a administração do ultimo reinado.
Segundo a proposta do Digno Par, a referida commissão apuraria todas as responsabilidades que houvesse a apurar, ficando investido de todos os poderes necessarios para o completo desempenho da elevada missão que lhe fosse confiada.
Continuo a crer que é esta proposta que está em discussão.
Sr. Presidente: depois do discurso em tanta maneira notavel, proferido aqui pelo Digno Par Sr. Julio de Vilhena eu julgava-me dispensado de pe-
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SESSÃO N.° 13 DE 19 DE JUNHO DE 1908 9
dir a palavra para impugnar a proposta apresentada pelo Digno Par Sr. Baracho, pois estou perfeitamente de acordo com as razões adduzidas pelo illustre orador, para mostrar como tal proposta não cabe na competencia e na jurisdição da camara dos Dignos Pares.
Assim, pois, eu nada mais teria a acrescentar ao que aquelle Digno Par disse, e a minha palavra não poderia dar nem mais força nem maior valia aos argumentos que S. Exa. tão brilhantemente e, sobretudo, tão incisiva e logicamente produziu.
Mas, Sr. Presidente, o Digno Par Sr. Arroyo, que acaba de falar, dirigiu-se por tal forma ao chefe do partido a que me honro de pertencer, esse partido progressista que ainda vive, que eu não posso deixar de tomar a palavra para levantar algumas das accusações formuladas pelo orador que me precedeu, e tambem para no mais curto espaço de tempo possivel responder a algumas observações que S. Exa. d fez.
Eu entendo, Sr. Presidente, que é da privativa competencia da Camara dos Senhores Deputados o principiar o exame da administração passada e a reforma dos abusos nella introduzidos.
Creio que não é necessario grande dispêndio de serviços juridicos para tal demonstrar. Basta ler attentamente a parte da Constituição referente ao assunto.
O que diz o artigo 36.° da Carta e o seu § 1.°?
«Tambem principiará na Camara dos Deputados:
«O exame de administração passada e reforma dos abusos nella introduzidos».
Embora não seja permittido em regra referirmo-nos ás discussões da outra casa do Parlamento, não deixo de dizer — é facto publico — que deve já ter começado esse exame, pois que já está nomeada uma commissão para examinar os actos da administração do ultimo reinado, e para se pronunciar depois acêrca de quaesquer abusos que pudesse ter havido no decurso d'essa administração.
Principiou, pois, e tem ali de cumprir-se a disposição da Carta.
Eu bem sei que o artigo 14.° do Primeiro Acto Addicional addicionou e explicou aquella disposição. Mas, accentuo, não a revogou.
Diz simplesmente:
«Cada uma das Camaras das Côrtes tem o direito de proceder, por meio de commissões de inquerito, ao exame de qualquer objecto da sua competencia. Ficam d'este modo addicionados e ampliados os artigos 36.°, § 1.° e 139.° da Carta Constitucional».
Visto isto, o Acto Addicional o que fez?
Deu á Camara dos Pares o direito de proceder, por meio de commissões de inquerito, ao exame de qualquer objecto da sua competencia.
Mas não lhe deu o ás principiar por aquelle exame, porque nem se comprehenderia que esse principio pudesse fazer se ao mesmo tempo nas duas Ca ma rãs.
Assim, pois, é claro que eu não posso de modo algum votar a proposta do Sr. Baracho. Não é que eu não deseje que se proceda a todos os inqueritos.
Eu tenho votado propostas de inqueritos da competencia da Camara a que tenho tido a honra de pertencer, tanto na opposição como no Governo. Creio até que já propus algum inquerito.
Se se viesse pedir um inquerito para exame de objecto que fosse da competencia d'esta Camara, immediatamente o votava.
Respeito todas as opiniões em contrario; mas a minha é a que fica exposta.
Dito isto — e não me alargo em mais considerações por isso que, repito, o Sr. Julio de Vilhena demonstrou perante a Camara evidente e brilhantemente que ella carecia de competencia para approvar a proposta do Sr. Baracho — tenho de me referir a algumas palavras do Digno Par Sr. Arroyo que mais directamente visaram o partido progressista e o seu chefe.
Eu costumo acceitar as questões sob o aspecto politico no terreno em que as devo acceitar.
Entendo que neste momento a Camara dos Pares está discutindo a proposta do Sr. Baracho, e não é esta occasião propria para se ventilar a materia dos adeantamentos; a existencia dos partidos politicos e se estes teem ou não prestado serviços á Coroa.
Não é por não ter muita consideração pela opinião do Digno Par Sr. Arroyo, mas, repito, não julgo ser este o ensejo apropriado para se agitar uma questão politica de tanta importancia e vastidão.
Quero referir-me, apenas, a uns pontos do discurso de S. Exa.
O Digno Par referiu-se a uma declaração que fizera o chefe do partido progressista relativamente a adeantamentos á Fazenda Real, a uma carta de que se tem falado na imprensa, e nas discussões parlamentares, e por ultimo estranhou que o chefe do partido progressista não viesse á Camara.
São os tres pontos a que exclusivamente me quero referir.
Tenho a dizer em primeiro logar que o Sr. José Luciano mantem integralmente toda a declaração que fez nesta Camara relativa a adeantamentos.
Em segundo logar tenho a affirmar que qualquer que fosse o incidente posterior ao que se tem alludido elle não alteraria cousa alguma da declaração que fez, declaração que ficaria na integra.
Se S. Exa. não comparece nesta Camara é porque o seu estado de saude não lh'o permitte; mas muito brevemente dará ao Digno Par, e a todos nós — creio que devo acrescentar—a satisfação de vir responder pelos seus actos, e ha de mostrar que sempre procedeu como costuma, correctamente. (Apoiados).
E nada mais tenho a responder ao Digno Par porque não acceito a questão politica, nos termos em que S. Exa. a quis collocar.
Para terminar direi que, como o illustre orador disse que esta questão dos adeantamentos precisa ser resolvida depressa, acrescentaria que o precisa ser na opportunidade propria, serenamente, imparcialmente e como simples questão de administração que é, fora de quaesquer paixões politicas, que não servem senão para entenebrecer tal assunto.
Assim é que deve ser tratada a questão dos adeantamentos.
Está nomeada uma commissão por parte de um ramo do poder legislativo que tenha direito a fazê-lo.
A Camara declinou na sua commissão de inquerito os direitos para apurar tudo quanto houvesse a respeito da administração do reinado passado, e especialmente a respeito dos adeantamentos.
O que me parece justo, conveniente, para todos é que aguardemos serenamente es trabalhos e a resolução d'esta commissão, que já deve ter-se occupado do assunto.
Por parte do partido progressista o seu proposito tem de ser esperar serenamente os resultados da commissão a que alludi.
E nada mais. (Vozes: Muito bem, muito bem).
O Sr. José de Alpoim: — Sr. Presidente: inscrevi-me depois de haver pedido a palavra o meu nobre e excellente amigo o Sr. Conselheiro Veiga Beirão, porque entendi do meu dever não falar sem que S. Exa., em nome do chefe do partido progressista, pudesse fazer as declarações que foram absolutamente exigidas no brilhantissimo discurso do Digno Par Sr. Arroyo.
E digo brilhantissimo, não movido de quaesquer intuitos de lisonja, mas para expressar uma verdade.
Tambem esperei que se inscrevesse o Digno Par Sr. Julio de Vilhena.
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S. Exa. foi de tal maneira visado, e tantas vezes attingida a agremiação partidaria de que é chefe, que, certamente, este debate se não esgota sem que S. Exa. use da palavra.
Mas como o Digno Par já falou, uma vez, e não vi agora da sua parte a manifestação de querer occupar de novo a tribuna, creio que não pratico a menor incorrecção parlamentar usando da palavra na altura em que o faço.
Sr. Presidente: o Sr. Conselheiro Veiga Beirão apresentou breves declarações.
Disse que votava contra a proposta do Digno Par Sr. General Baracho e adduziu as razões que, no entender de S. Exa., abonam e justificam o seu procedimento, razões a que terei de reportar-me rio decorrer da minha oração.
Por agora, e desde já, quero referir-me a dois pontos do discurso de S. Exa. O
Sr. Conselheiro Veiga Beirão disse tambem que o Sr. Conselheiro José Luciano de Castro fazia boas, e mantinha integras, todas as declarações que nesta Camara proferiu por occasião de se tratar dos adeantamentos á Casa Real.
Accentuou o Sr. Conselheiro Beirão que o chefe do partido progressista não retirava nem uma só palavra do que havia avançado.
Sr. Presidente: eu não falarei com a energia, com a vehemencia, direi mês mo com a virulencia que esta declara cão naturalmente provoca, porque não está presente o Sr. Conselheiro José Luciano de Castro; mas perguntarei á Camara como é que se podem conciliar as palavras que S. Exa. diz manter intactas, e sem a mais ténue modificação, com a declaração apresentada ultimamente á outra casa do Parlamento pelo actual Sr. Ministro da Fazenda? (Apoiados).
Oh! Sr. Presidente, diga-me V. Exa. diga-me a Camara, como se podem conciliar as palavras que acabamos de ouvir com as declarações do Sr. Espregueira, de que fez adeantamentos e, sobretudo, com a confissão, feita na outra casa do Parlamento, de que o Sr. José Luciano escrevera uma carta, existente na secretaria do Ministerio da Fazenda, mandando dar quantias importantes a uma pessoa da Familia Real, e dizendo que isso, depois, se legalizaria.
Este facto, verdadeiramente sem nome, verdadeiramente assombroso, merecia os mais duros commentarios, pelo facto em si, pelo desmentido ás primeiras affirmações do Sr. José Luciano. Não as faço, na ausencia do Sr. José Luciano.
Mas S. Exa., por honra sua, e por decoro do partido progressista, que em tempos de Loulé e Braamcamp não assistiu a taes acontecimentos, virá por certo brevemente a esta Camara defrontar-se com o actual Ministro da Fazenda.
Disse-o Sr. Beirão que esta questão se deve tratar com. toda a verdade, e como uma questão de administração.
A verdade é esconderem-se documentos, inventarem-se commissões para occultar a realidade, negarem-ss inqueritos; a verdade é occultarem-se os crimes contra o Thesouro, a responsabilidade dos quaes é dos partidos, arras lados á perdição e deshonra pela politica dos chefes, para esmagarem os elementos que os incommodavam, e adquirirem ou conservarem o poder, dando dinheiro á Coroa e offerecendo o á Casa Real, ou a pessoas que com ella estavam ligadas por laços de familia.
Este espectaculo dos rotativos condemna-os para sempre.
Qual é o chefe de Estado que daria o poder a gente assim compromettida com este passado, envolvida em taes suspeitas, e fazendo affirmações, como vou provar, que mostram que elles querem continuar a adular a Coroa e a especular com ella?
Que deshonra politica, Sr. Presidente, que deshonra politica para esses homens e que vergonha para o país!
Um Ministro da Fazenda dia no Parlamento, que fez adeantamentos á Casa Real, quando o seu chefe tinha aqui já declarado o contrario.
E querem agora envolver o Rei nesta questão.
Não, Sr. Presidente, essa bem intencionada criança não pode nem ceve ser envolvida nas manigancias com que se pretende liquidar a questão de s adeantamentos.
Sr. Presidente: separem-se as duas questões.
Dê-se a El-Rei tudo quanto elle precise dentro dos recursos do país, para o decoro da sua alta magistratura.
Mas separe-se a questão da lista civil da questão dos adeantamentos.
Por motivos urgentes de familia tive que me ausentar de Lisboa por algum tempo e senti profunda pena de não ter podido ouvir o discurso do Digno Par Sr. Julio de Vilhena, orador de grande eloquencia de palavra e subtilissimo engenho na argumentação.
Eu, porem, estou em completo desacordo com as affirmações do Digno Par.
S. Exa. sustentou doutrinas que, se fossem verdadeiras, seriam o threno funebre, o De profundis da monarchia em Portugal.
Sr. Presidente: eu sou monarchico; não subiria as escadas do Paço Real, se o não fosse. Mas com uma monarchia como a dos dezoito meses do Sr. João Franco, eu e os meus amigos somos incompativeis; não a defenderemos, ' não a serviremos.
Tres vezes tive a honra de ser recebido, particularmente, por o joven Soberano, que, nos seus actos, parece querer imitar esse outro pobre Monarcha D. Pedro V, tão prematuramente chamado á sepultura, e que comprehendeu, como nenhum outro, a sua difficilima missão.
Não disse, nem direi, ao Soberano uma palavra que não seja igual ás que pronuncie na, Camara em que me encontro. Sim sou monarchico, mas profundamente radical. Quero uma monarchia como a da Italia.
Sei, e li nos jornaes, que sou accusado de, na questão dos adeantamentos, estar ligado e entendido com os republicanos.
Falsissimo. Nenhuma combinação.
Não teria duvida em a fazer, com republicanos ou reaccionarios, na defesa dos interesses da patria.
Em tudo que seja defender a liberdade, quando esta for opprimida e esmagada, não tenho duvida em ligar-me com os republicanos. Ha o exemplo recente de Espanha, a união de Montero Rios, Moret, Canalejas, com os republicanos, e até elementos socialistas, no ataque á proposta da lei de terrorismo.
Esses homens são fieis amigos do Rei, e valem mais que os chefes dos nossos partidos.
Mas a verdade é que, na questão dos adeantamentos, não temos nenhuma ligação, nenhum entendimento. E que houvesse? Não ha: mas que autoridade moral teriam os rotativos para censurar os dissidentes, se tal fizessem?
Vou lembrar factos.
Os progressistas ligaram-se, eleitoralmente e extra-eleitoralmente, com os republicanos, nos tempos de Fernando Palha e Emygdio Navarro, que, nesse tempo, era hostil a tal alliança e entendimento.
Defendeu-a o Sr. José Luciano. Na coligação liberal contra o Governo Hintze Franco, houve reuniões no centro progressista, com republicanos, progressistas e outros elementos. Fui a essas reuniões, e a uma d'ellas, chamou o republicano Eduardo de Abreu: assembleia de açafatas.
Em casa do Sr. José Luciano reuniram-se varias vezes progressistas e representantes dos republicanos.
Não se tratou só de meios pacificos: posso assegurar, e até poderia contar episodios curiosos e interessantes. Invocou-se a necessidade de processos violentos, de forca, contra esse Governo.
Em 18 de junho, Hintze Ribeiro pediu-me que alcançasse uma conferencia entre pessoas graduadas da regeneração e Bernardino Machado. Houve essa conferencia. No centro regenerador, deu-se um conflicto qua-
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SESSÃO N.° 18 DE 19 DE JUNHO DE 1908 11
si, por alguns marechaes. depois do combinado, não quererem ir ao Rocio. Eu fui.
Porventura, esses regeneradores deixavam de ser monarchicos por terem collaborado com os republicanos no 18 de junho?
Os progressistas tambem foram á estação do Rocio. Tambem entraram no protesto com os republicanos.
Então por que censuram aos dissidentes o que elles proprios fizeram?
E, nas assembleias geraes, progressistas e regeneradoras? Tenho presentes as declarações ali feitas, e d'ellas se vê que um grande grupo queria que se declarasse que o partido progressista não seria mais partido de Governo durante o reinado do Senhor D. Carlos.
Alguns oradores ainda achavam pouco essa declaração de incompatibilidade, cruel e offensiva — o mais offensiva que é possivel. Por uma pequena maioria deixou de ser votada a moção revolucionaria.
Mas a Coroa foi coberta de toda a casta de improperios e de enxovalhes.
Ninguem — ninguem! — a defendeu.
Na assembleia regeneradora houve duas moções: o Rei D. Carlos foi atacado crudelissimamente, como homem e como Rei. Houve ameaças e ataques. O Sr. Julio de Vilhena viu-se forçado a acceitar as duas moções — e acrescentou que com os seus commentarios.
Não ha nada mais espantoso.
Pois o Rei D. Carlos não encontrou uma palavra de defesa no meio d'esses incitamentos revolucionarios! Nem uma. Se agora o defendem alguns dos que se calaram — não me refiro a ninguem individualmente — é porque isso pode ser ouvido no Paço e servir os seus interesses e ambições.
E na imprensa dos rotativos? Artigos apregoando a abdicação; artigos a incitar á revolução; artigos falando num crime ou revolução— e os que assim escreviam, e os que assim falavam, e os que assim procediam, são os que accusam de jacobinos os dissidentes.
Que miseria moral!
Nós, os dissidentes, condemnamos o regicidio: pedimos toda a verdade, reclamamo-la; achamos, como liberaes, que o regicidio é um assassinio politico; não queremos o assassinio do Rei como deploramos o assassinio dos filhos do povo. Mas defendemos, sustentamos, a doutrina da resistencia levada aos derradeiros extremos, quando a Coroa ou os Ministros rasgam a Constituição, esmagam as liberdades publicas, offendem as regalias individuaes — e commettem a infamia de recorrer ao grande e nobre exercito, reclamando a sua defesa!
Quando estavam na opposição, os rotativos sustentavam estas doutrinas; agora, achando-se fortes depois da morte do Rei, já andam com intrigas palacianas e já condemnam como subversivas as doutrinas que defendiam.
Sr. Presidente: eu tenho a consciencia tranquilla.
Ámanhã, se os factos do ultimo reinado se repetissem, repetiria os meus protestos Digo-o bem claro. Entendo que nisso não falto á minha fé de monar-chico liberal. Quem é mau monarchico é quem, na questão da lista civil, enxerta o crime dos adeantamentos para, á sombra d'aquella, fazer perdoar ou pretender occultar os seus attentados.
Approvo a proposta do Digno Par Sr. Bar acho. Combato a doutrina do Digno Par Sr. Julio de Vilhena de que os inqueritos são infrutiferos, e de que deve haver um tribunal arbitral para resolver a questão, o pleito entre a Casa Real e o Thesouro.
Não ha pleito.
O Rei quer pagar.
O Pais precisa de saber quanto, para julgar: o Rei ha de querer saber quanto, para pagar.
Sempre houve inqueritos: sempre foram julgados uteis.
No tempo de Pitt e de Fox occorreu no Parlamento inglês uma grave questão, e nella foi reconhecida a indispensabilidade dos inqueritos.
A propria Rainha Victoria, a grande Rainha, a quem os ingleses estimavam tanto que até na mocidade lhe chamavam Flor de maio, não se oppunha a que no Parlamento se averiguassem e discutissem as finanças da Casa Real.
Entre nós, todos sabem o que se passou com os titulos de D. Migue? e o porto de Lisboa.
Os inqueritos parlamentares nada teem com a questão judicial.
Eu depus como testemunha, na Boa Hora, emquanto se procedia ao inquerito parlamentar na questão dos titulos de D. Miguel.
Foi necessario que apparecessem os adeantamentos, para se combater os inqueritos e achar se que elles são infrutiferos.
Pois, se a Camara dos Pares tem de julgar actos criminosos, não lhe pode, e deve, fornecer um inquerito parlamentar elementos para bem julgar?
O Digno Par Sr. Vilhena disse que os empregados publicos, ainda que se ordenasse o inquerito, não podiam dizer a verdade, porque eram obrigados a sigillo sob pena de cairem sob a alçada do Codigo Penal.
Espantosa theoria!
Pois, mandando o Parlamento fazer o inquerito, os empregados podem desobedecer ás suas ordens?
Repare-se nas consequencias de taes doutrinas.
Não se querem inqueritos porque se julgam estereis; os empregados publicos das secretarias não podem depor, dizer a verdade, ou são castigados; não ha lei de responsabilidade ministerial; não se altera a Constituição para nella se dar garantias ao povo.
Fazem-se prisões, conservam-se os presos incommunicaveis, e por quê?
Não se sabe.
O que fica então?
A que é que os rotativos querem reduzir a monarchia portuguesa? A um regime do Rei irresponsavel, com sete Ministros irresponsaveis — e estas oito pessoas, sem nenhuma casta de fiscalização, querendo que o exercito sirva as suas ditaduras ou as suas illegalidades, sustentando-se pelas baionetas e pelas balas
Que resta ao povo?
Como ha de elle defender os seus direitos e o seu thesouro?
O Sr. Julio de Vilhena disse que, se o Rei tivesse de ser arrastado aos tribunaes, lhe faria adeantamentos, dando depois conta ao Parlamento. Pois eu, d'aqui, declaro que não, e não — não faria semelhante attentado.
O Sr. D. Manuel, pelo seu caracter e tino, é incapaz de se achar em taes condições: mas, se isso acontecesse, eu diria a verdade ao Parlamento, e fazia só o que o Parlamento quisesse.
Mais nada.
Então o Digno Par Sr. Vilhena não vê que, depois de ter dado illegalmente o dinheiro ao Rei, o Parlamento podia não sanccionar?
E depois?
Sinto que um chefe de partido faça taes affirmações.
Bastam estas para o afastar do amor do país, que nellas verá uma bajulação á Coroa. Estamos num tempo em que taes palavras soam como um dobre de finados. Matam um homem publico: matam um partido.
Os dois grandes partidos, pelas declarações falsas feitas no Parlamento e pelas vergonhas confessadas, não podem, por culpa dos seus chefes e do seu passado, merecer mais a confiança do Pais.
O Rei não pode entregar-lhes o poder.
Sr. Presidente: o Rei deve estar acima dos debates parlamentares: o Sr. D. Manuel não tem culpa nenhuma; a sua carta de 5 de abril, repudiando os adeantamentos e os dinheiros ditatoriaes, foi dolorosa para o seu coração de filho, mas revela um alto caracter e uma grande comprehensão do officio de Rei, superior a sentimentos de familia.
Comtudo aquelles que perderam o pae levam geito de querer comprometter o filho.
Não querem os partidos separar a questão da lista civil, convenientemente1 elucidada, da questão dos adeanta-
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12 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
mentos, e dizer tudo claramente, lealmente, honradamente, ao Parlamento.
Não querem isso os partidos?
Peor para elles!
Eu, que sou monarchico-liberal, amando a Lei mais do que o Rei, á maneira dos monarchicos ingleses, insurjo-me contra tal emboscada e reclamo que se proceda com verdade e com honra, como mandam os interesses da monarchia.
O que se faz é um mal enorme para as instituições, só para acudir aos homens publicos que amarraram os partidos aos seus odios e interesses.
Disse.
(O Digno Par não reviu).
O Sr. Julio de Vilhena: — Peco a V. Exa. que me dê a palavra: bastar-me-hão apenas quatro minutos.
O Sr. Presidente: — Agora está inscrito o Sr. Ministro da Justiça. V. Exa. falará depois; ainda hoje, se couber no tempo da sessão.
O Sr. José de Alpoim: — Tambem torno a inscrever-me, Sr. Presidente, para o caso de ter que replicar ao Sr. Julio de Vilhena.
Mas não se esqueça V. Exa. de que eu já me havia inscrito para falar sobre outro assunto antes de encerrada a sessão.
O Sr. Presidente: — Agora dou a palavra ao Sr. Ministro da Justiça, e peço a S. Exa. que resuma as suas considerações.
O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): — Sr. Presidente: não vou, nesta altura da sessão, responder aos brilhantes discursos que foram proferidos pelos oradores que me antecederam, nem tão pouco discutir a proposta do Digno Par Sr. Baracho.
A Camara apreciará e julgará da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da mesma proposta, da sua procedencia ou improcedencia, como entender melhor em sua alta competencia e sabedoria.
Pedi a palavra para fazer apenas uma declaração em termos nitidos e claros.
A declaração é a seguinte:
Se a Camara quiser acceitar o inquerito, indagação, syndicancia ou qualquer outro meio de investigação, o Governo facultará á commissão que haja de ser nomeada, como á da Camara dos Senhores Deputados, todos os documentos, todos os livros, todos os papeis, todos os documentos, emfim, que forem julgados necessarios ou imprescindiveis, a fim de que o assunto se esclareça com inteira verdade e completa justiça.
Cumpre-me o dever de acrescentar que não é exacto que na, proposta de lei que se discute actualmente na outra Camara esteja envolvida a questão dos adeantamentos.
Nessa proposta encontra-se apenas a forma de pagamento do que se vier a apurar ou liquidar, visto que a lista civil é inalteravel durante um reinado.
Por ultimo devo dizer, para responder a uma allusão do Digno Par Sr. Alpoim, que as prisões effectuadas teem a justifica Ias motivos graves e ponderosos.
Nada mais posso acrescentar a tal respeito, para não prejudicar a acção da justiça, o que decerto não é desejo do Digno Par.
(S. Exa. não reviu).
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Digno Par Sr. Alpoim, que se inscreveu para antes de encerrada a sessão.
0 Sr. José de Alpoim: — Peço licença para dizer primeiro duas palavras ao Sr. Ministro da Justiça, rapidamente, muito rapidamente.
Pela proposta do Governo, entra na lista civil uma quantia a mais, durante 20 annos. Essa quantia será 38:000$000 réis, se se aceitar a somma exarada no decreto ditatorial do Sr. João Franco.
Ora a lista civil foi feita para conservar o «decoro de El-Rei».
Não foi feita para outra cousa.
Para que se altera assim a lista civil senão para que El-Rei possa satisfazer «adeantamentos?»
Como é, pois, que a lista civil não é envolvida com a questão dos adeantamentos?
Mas não foi para isto que eu pedi a palavra.
Recebi um telegramma do Douro em que se communica que aquella região está coalhada de tropas, na previsão de acontecimentos graves.
Sendo, como sou, homem de ordem, não censurarei o Governo por elle ter mandado para o Douro força armada, mas é preciso attender á situação em que se encontra o país, e especialmente aquella provincia.
O Governo, enviando para ali uma parte da força publica, usa de um direito e cumpre uma obrigação; mas é indispensavel que, ao mesmo tempo, adopte providencias que attenuem a situação critica em que aquelles povos se encontram.
Peço, pois, ao Sr. Ministro da Justiça que se digne transmittir ao Sr. Presidente do Conselho estas considerações.
O Sr. Ministro da Justiça -(Campos Henriques): — Tenho a declarar ao Digno Par que o Governo tomou, toma e continuará a tomar todas as providencias que se julguem necessarias para acudir á situação afflictiva em que se encontram os habitantes da região duriense.
Transmittirei ao Sr. Presidente do Conselho as ponderações do Digno Par.
O Sr. Presidente: — Como está a dar a hora, eu vou encerrar a sessão. Na seguinte falarão os Dignos Pares que ainda se acham inscritos.
O Sr. Julio de Vilhena: — Era simplesmente para fazer uma declaração.
O Sr. Presidente: — Mas a sessão não foi prorogada.
O Digno Par Sr. Alpoim tambem já pediu a palavra; terei portanto de lh'a conceder; e assim tornar-se-ha o debate interminavel.
O Sr. Julio de Vilhena: — V. Exa. comprehende que não é no fim de uma sessão que eu pretendo fazer um discurso. O que eu desejo é rectificar algumas palavras proferidas pelo Digno Par Sr. Alpoim no seu eloquente discurso.
O Sr. José de Alpoim: — Eu espero que V. Exa. não me recusará a palavra depois do Sr. Julio de Vilhena.
O Sr. Presidente: — Está a dar a hora. Ficam os Dignos Pares inscritos para a proximo sessão, que é amanhã, sendo a ordem do dia a mesma que estava dada para hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 5 horas e meia da tarde.
Dignos Pares presentes na sessão de 18 de junho de 1908
Exmos. Srs.: Antonio de Azevedo Castello Branco, Eduardo de Serpa Pimentel; Marquezes: de Ávila e de Bolama, de Penafiel, de Sousa Holstein; Condes: de Arnoso, do Bomfim, do Cartaxo, de Figueiró, de Lagoaça, de Mártens Ferrão, de Paraty, de Sabugosa, de Villa Real; Visconde de Asseca; Moraes Carvalho, Pereira de Miranda, Costa e Silva, Campos Henriques, Carlos Palmeirim, Eduardo José Coelho, Fernando Larcher, Veiga Beirão, Francisco José Machado, Francisco Maria da Cunha, Ressano Garcia, Baptista de Andrade, Gama Barros, D. João de Alarcão, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, José de Azevedo, Vasconcellos Gusmão, José de Alpoim, Silveira Vianna, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Pimentel Pinto, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Sebastião Telles e Sebastião Dantas Baracho.
O Redactor,
ALBERTO PIMENTEL.