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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO DE 15 DE FEVEREIRO DE 1865

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. CONDE DE CASTRO

VICE-PRESIDENTE

Secretarios, os dignos pares

Conde de Peniche

Mello e Carvalho

(Presente o sr. ministro da guerra.)

As duas horas e meia da tarde, sendo presentes 43 dignos pares, foi declarada aberta a sessão.

Leu-se a acta da precedente, que se julgou approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Não houve correspondencia.

O sr. Secretario (Conde de Peniche): — O digno par o sr. Moraes Carvalho, participou hontem á mesa, já quasi no fim da" sessão, que não podia comparecer n'esta casa por incommodo de saude.

O sr. Ministro da Guerra (Ferreira Passos): — Pediu a palavra para responder ao digno par, o sr. Rebello da Silva, relativamente á pergunta que s. ex.ª na anterior sessão lhe dirigira, de haverem annunciado os jornaes da capital, que se tirara uma nota do livro competente, lançada em virtude de um processo crime.

O sr. Rebello da Silva: — Explicou a sua asserção.

O Orador: — Continuou, declarando que tinha ali presente o processo, para se poder examinar.

O sr. D. Antonio José de Mello: — Participo a V. ex.ª e á camara que o digno par o sr. visconde de Benagazil, não póde comparecer á sessão por incommodo de saude.

O sr. Amaral Osorio: — Participo a V. ex.ª e á camara que o digno par o sr. Barreto Ferraz, não póde comparecer á sessão, nem talvez compareça a mais algumas, porque se acha incommodado.

O sr. Moraes Carvalho: — Pedi a palavra sobre a ordem, para participar á camara, que não assisti á sessão de hontem, por me achar incommodado.

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA INTERPELLAÇÃO AO SR. MINISTRO DA GUERRA

O sr. Silva Cabral: — Sr. presidente, estou desgraçadamente debaixo da influencia de um grande incommodo, e não obstante isso, entendi que não devia faltar hoje á sessão, a fim de continuar a cumprir a tarefa que me impuz na defeza da verdade e da justiça.

Sr. presidente, quando eu lia e fazia do estudo a minha applicação predilecta, lembro-me de ter encontrado em Diderôd o memoravel pensamento seguinte: «Nas discussões sempre aquelles que têem menos rasão são os que mais se agastam ou escandalisam». Observei que no discurso da sessão de hontem, quando eu estava discutindo no campo da rasão e expendia os argumentos que eram a condemnação da censura que se dirige ao sr. ministro da guerra, vi que um movimento, electrico se tinha declarado em differentes pontos da sala, e que diversos dos mais eminentes oradores da camara pediram a palavra. Sr. presidente, eu dou os parabens a mim mesmo de ter concorrido para este movimento, que é o movimento da liberdade; eu dou os parabens á liberdade por ver cumpridas as suas condições e satisfeitas as suas aspirações; é do choque das opiniões que resulta a verdade: e eu quero que essa verdade appareça em toda a sua luz. Sr. presidente, seria porque eu tivesse proferido alguma herezia constitucional, algum erro juridico, algum paradoxo contra a rasão? A minha consciencia não me accusa de similhante cousa; mas não me jacto de infallivel, seria isso necedade: por consequencia se eu tiver commettido algum desvio d'esses principios, que eu en-

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tendo incontestaveis, espero que m'o notem, e serei muito docil em reconhecer o meu erro, e em prestar testemunho á verdade; mas, se pelo contrario eu entender que se vem aqui com argucias ou sophismas atacar a verdade, hei de ser tão energico na replica como o Tui na contrariedade. Seria ainda, sr. presidente, porque eu fizesse alguma insinuação individual? Era impossivel, porque eu tratava de' discutir debaixo do predominio de uma idéa, qual era, que esta camara, pela sua incompetencia, e não menos pela sua dignidade propria, não era a que devia entrar n'estas questões pessoaes: mas ainda se alguma palavra me tivesse escapado, de que tambem a consciencia me não accusa, que m'a apontem, que eu darei testemunho á verdade, como na primeira hypothese.

Se, por consequencia, nem a primeira nem a segunda hypothese, segundo a voz da minha consciencia, podem ter sido motivo para esse movimento geral, que aliàs me agrada muito, então não podia ser senão a significação moral da sentença ou pensamento com que abri o meu discurso.

Sr. presidente, com a mais firme convicção direi (e repito sem jactância de infallibilidade, porque, como já disse, seria uma necedade) que depois de feita a narrativa dos capitulos ou artigos de censura que se dirigem ao sr. ministro da guerra, eu tratei de demonstrar a improcedencia, e não só a improcedencia, mas tambem a ineptidão do primeiro capitulo de censura. Tenho recorrido a differentes pontos da nossa legislação, e com elles demonstrei concludentemente que não só não se póde fundar a censura em lei alguma, mas que até ella estava em diametral opposição com a significação do seu pensamento. Depois d'isso passei ao segundo artigo da censura, que é exactamente o que diz respeito ás medalhas, no qual é accusado o sr. ministro da guerra de ter, em contradicção com o regulamento de 22 de agosto de 1864, concedido a medalha de oiro valor militar ao militar alludido, sem todavia preceder consulta do supremo conselho de justiça militar. Neste ponto estabeleceram-se differentes ordens de idéas: alguns dignos pares atacaram radicalmente a constitucionalidade do decreto de 2 de outubro de 1863 e outros, restringindo-se á especie, entenderam que se tinha commettido infracção da lei, por differentes motivos que logo enumerarei. Era portanto necessario seguir a ordem natural das idéas, e avaliar cada uma das opiniões que se apresentaram. Estavamos no campo do raciocinio, e a minha convicção era e é, que se não tinha asseverado nada com fundamento legal.

Devia por consequencia sustenta-la, e n'esse caso considerei a idéa primordial a constucionalidade do decreto de 2 de outubro de 1863. Sr. presidente, n'essa occasião demonstrei eu que era destituida de fundamento a opinião que atacava a constitucionalidade do citado decreto, insistindo agora sómente nas idéas geraes, porque não quero de maneira alguma abusar da attenção da camara nem dos dignos a quem respondo.

Sr. presidente, tendo-se querido inculcar a inconstitucionalidade do decreto de 2 de outubro de 1863, era preciso demonstrar que não existia tal inconstitucionalidade, e demonstrei-o com a disposição do artigo 75.° § 11.0 do carta, na sua letra e espirito, e com o mesmo artigo 75.° §§§.°, 10.° e 14.°; e depois como se tinham trazido argumentos subsidiários tirados do artigo 145.° §§ 12.° e 26.°, demonstrei eu que esse artigo não tinha applicação alguma na hypothese sujeita, por se achar debaixo da epigraphe — direitos civis e politicos; e nós, no artigo 75.°, tratámos da uma das attribuições do poder executivo. N'esta ordem de idéas tinha concluido que não era applicavel similhante doutrina, e portanto que não podia deixar de se concluir que tal inconstitucionalidade não havia; e se fosse necessaria á cabal demonstração d'esta conclusão que tirei, a auctoridade de publicistas celebres, respeitados de nacionaes é estrangeiros, estaria, entro outros, o eminente politico e estadista commentador da carta constitucional, o sr. Silvestre Pinheiro, que nas suas observações sobre a carta, n'este mesmo artigo 75.° § 11.0 expende exactamente a mesma opinião, não intendendo de outra maneira, porque não o podia fazer, ã carta constitucional.

Sr. presidente, ahi diz este celebre politico e compatriota nosso «que seria para desejar que esta materia fosse regulada por lei para se evitar o arbitrio do poder executivo»; e segundo a sua idéa favorita lembra o principio eleitoral; de onde se deduz que a carta não póde ter outra significação senão aquella que eu lhe acabei de dar e que sempre se lhe tem dado.

Sr. presidente, n'este ponto não é só a hermeneutica, não é só a letra daquelle artigo que nos diz — que o poder executivo esta exactamente na esphera das suas attribuições, quando concede titulos, distincções e honras, exceptuando sómente as mercês pecuniarias; mas a auctoridade vem tambem em auxilio d'esta asserção, a auctoridade de um publicista d’esta ordem.

Mas, sr. presidente, se porventura o decreto de 2 de outubro de 1863 tinha ferido a constituição, porque é que n'esse anno ou no seguinte se não levantou no parlamento esta questão? O digno par tão zeloso da observancia da constituição devia ter usado da sua palavra eloquente, cumprindo a obrigação que a mesma carta lhe impõe, de fiscalisar o exercicio d'esse poder, e n'esse caso não devia ficar no decreto de 2 de outubro de 1863, devia retrogradar muito alem. Pois não tem o decreto de 16 de outubro de 1861, referendado pelo sr. duque de Loulé e marquez de Sá, assim como aquelle o esta pelo sr. marquez de Sá e Mendes Leal? Pois póde attribuir-se a estes caracteres a intenção de offender a carta excedendo as suas attribuições? E para que, com que fundamento? Não ha portanto duvida nenhuma de que não tem o menor fundamento a asserção do digno par.

Consultando melhor a sua consciencia e com a alta illustração que possue, tanto juridica como politica, ha de reconhecer que não tem rasão para duvidar, porque o contrario seria ferir o poder executivo na esphera das suas attribuições.

Como este negocio veiu á téla parlamentar, eu não podia deixar de me referir a elle para protestar solemnemente contra similhante doutrina, porque se ella fosse verdadeira nós todos estavamos cumplices pelo menos de negligencia. Mas felizmente não aconteceu assim, e até nada tem isto com a hypothese que discutimos; nós não tratámos agora da constitucionalidade do decreto de 2 de outubro de 1863, o objecto da censura versa sobre outra base, não sendo esta base outra senão a conformidade ou não conformidade dos actos do sr. ministro da guerra com o regulamento que elle mesmo tinha referendado, e com as attribuições marcadas pela carta.

Eis-aqui o segundo ponto, em que vou entrar, que envolve umas poucas de questões, que é preciso tratar separadamente, em ordem a poder conhecer-se a importancia da materia.

O sr. ministro da guerra teria necessidade de se conformar com o voto do conselho, ou para melhor dizer (porque é a hypothese) poderia decidir objecto sobre que o conselho não fosse consultado, porque é preciso que se saiba, e sabe-o de certo a camara melhor do que eu, que este objecto das medalhas esta dividido em differentes classes. È preciso que se saiba que o supremo conselho de justiça militar foi mandado consultar sobre uma e outra classe, com relação ao militar de que se trata. E preciso ainda advertir e conhecer que o supremo conselho, fazendo a sua consulta, se limitou á medalha de prata, que significa bom serviço e exemplar comportamento, e deixou apenas sem consultar a medalha de oiro, que significa, conforme a disposição do artigo 4.°

§ 1.° do mesmo regulamento, valor militar.

Ora, sr. presidente, eu já demonstrei, porque, repito, não quero senão trazer á memoria da camara estas idéas, para depois continuar no exame dos factos de que é accusado o sr. ministro da guerra; já demonstrei pelos principios, pela regra e pela natureza do systema constitucional, que é exactamente na fórma do governo mixto, que não é possivel deixar de se attribuir a ultima decisão n'este assumpto ao governo, porque sem isso ficava derogado o principio de responsabilidade, o qual não póde existir sem a liberdade de decisão.

Tudo isto comprovei eu com auctoridades irrecusáveis, com o espirito com que foram redigidas as nossas leis administrativas. Mas, sr. presidente, como para sustentar a proposição contraria se recorreu aos exemplos, e se apontaram differentes leis, nas quaes vem claramente necessitado o voto affirmativo, como succede a respeito da aposentação dos juizes, decidida pelo supremo tribunal de justiça; a respeito' de certos membros do magisterio, pelos conselhos escolares; a respeito dos membros do tribunal de contas, pelo conselho d'estado; a respeito da suspensão dos juizes e certos professores de instrucção publica, pelo mesmo conselho, etc...; cumpre reflectir que estas excepções expressas na lei, ácerca de certos e determinados casos, não fazem senão confirmar a regra, que é favoravel á hypothese que discutimos, sendo ainda para notar que as garantias estabelecidas n'essas leis não respeitam senão a certas classes, cujas funcções são declaradas perpetuas pela lei, e algumas até inamovíveis.

Vem pois esta doutrina em confirmação do grande principio, principio que não póde ser de maneira nenhuma coarctado a não haver lei que expressamente o coarcte. Desde que as leis estabelecem o voto affirmativo, necessariamente se ha de cumprir, mas esta excepção não faz mais do que confirmar a regra em contrario, quero dizer, ficando subsistindo o principio fundamental da administração geral, porque ao governo, como chefe do estado, é que compete a ultima decisão dos negocios. Fallou-se tambem em especial na lei do conselho d'estado e no regulamento de 9 de janeiro de 1852. É não o ter lido, digo-o francamente. Eu já não queria que se referissem ao espirito com que foi redigido, mas não estará o artigo 172.° inteiramente em conformidade com este principio? Não se diz ahi que as decisões do conselho d'estado, depois de reduzidas a consulta, na fórma d'este decreto, não terão força de obrigar senão depois 'de resolvidas pelo governo?

Sr. presidente, eu sou do voto, e fui sempre, que o governo deve ser o mais cuidadoso em se afastar d'estas consultas, por isso que tem obrigação de sustentar a auctoridade dos differentes corpos constituidos do estado, porque se se estabelecesse a desharmonia, entre uns e outros, quem padecia era a causa publica; mas isto não deroga o principio de maneira nenhuma, nem o póde derogar; e a verdade é, que tanto no paiz, cuja legislação adminstrativa servia de modelo para a nossa, como entre nós se deram exemplos que confirmam a minha proposição.

Sr. presidente, em França, até á epocha em que escreveu Cormenin, este celebre escriptor de direito administrativo, é verdade que elle refere sómente um caso em que o governo se apartasse da decisão do conselho d'estado. Similhantemente entre nós não temos senão um facto: é o facto dos representantes do sr. barão de Barcellinhos com Jorge Croft. N'este objecto, a que eu me refiro, a camara póde ver que não houve só divergencia, houve contrariedade da decisão que se tinha tomado no conselho d'estado. Mas quaes foram os meios porque se chegou a este resultado? Era ministro do reino o sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, e a questão deu-se da maneira seguinte, Tratava-se de uma insinuação de um dote importante. Os representantes do fallecido barão de Barcellinhos instavam, por isso que se não tinham satisfeito certas solemnidades, durante a vida do mesmo barão, que a insinuação já não podia ter logar, por consequencia valeram-se d'esta circumstancia para impugnar a insinuação.

Os dotados sustentavam que se tinham cumprido todas as solemnidades, e por consequencia requeriam e instavam pela insinuação. Havendo duvida sobre isto, e tendo decidido o ministerio do reino contra uma das partes, a questão foi levada, como era de necessidade e de lei, ao contencioso administrativo, e este tribunal decidiu contra a insinuação, e redigiu-se por consequencia, na fórma do artigo 84.° do regulamento de 9 de janeiro, o competente decreto que devia subir com a consulta; mas o governo n'essa occasião recebeu uma reclamação importante do governo inglez, e a esta reclamação respondeu-se, primeira e segunda vez, que o governo portuguez não podia ir contra a decisão dos tribunaes, resposta esta que consta dos autos, que eu n'essa occasião tive motivo para ler e estudar a pedido do ministro.

Appareceu primeira e segunda resposta do governo inglez, até que veiu a nota em que se estebeleceu o ultimatum, marcando praso para fazer justiça á reclamação com o fundamento de que as decisões dos tribunaes administrativos não eram as sentenças de que fallavam os tratados. Em consequencia d'isso o governo viu-se embaraçado, porque não tinha senão um curto espaço para decidir esta questão.

O sr. Conde de Thomar: — Este não é o caso.

O Orador: — Rogo-lho que ouça o que se vae seguindo. Não sei como o digno par não se lembra d'isto.

O sr. Conde de Thomar: — Não assisti a isto.

O Orador: — E porque estava fóra. A consequencia foi que o governo vendo-se embaraçado, convocou, como era natural, as duas secções do conselho d'estado, a administrativa e a do contencioso administrativo; fez mais, convocou outras pessoas importantes que elle entendia que estavam nas circumstancias de darem a sua opinião sobre tão grave assumpto, entre ellas os dois procuradores geraes da corôa e da fazenda. Ventilou-se a questão e todos opinaram, não com relação á nota, mas com relação aos principios, menos dois ou tres votos, que o governo inglez tinha rasão, e que effectivamente a decisão do contencioso administrativo não podia tirar ao governo a attribuição que lhe competia para decidir, na ultima instancia, os negocios administrativos e que, por isso, o governo podia não se conformar com a consulta e decreto, e conceder a insinuação. Eis-aqui o que se fez, e d'ahi veiu a rasão porque um chorado collega, que o foi de muitos n'esta camara, e meu no conselho d'estado, o sr. Duarte Leitão, nunca mais quiz tornar ao contencioso, considerando como desfeita áquelle tribunal, a resolução tomada, em vista do artigo 95.° do regulamento de 9 de janeiro.'Comtudo o principio lá esta. E como demonstrei, não sómente em França, de cujas leis foram tiradas as nossas, mas no nosso paiz, o principio é alem de sustentado pela theoria, pela natureza do systema, e até os factos veem confirmar esta mesma theoria.

Porque rasão e que não se olha para a differença dos dois documentos? Pois é possivel que nuvens tão espessas obscureçam a intelligencia de pessoas tão illustradas? Pois podem as decisões que têem relação com aquelle decreto de 9 de janeiro de 1852, ter alguma paridade ou analogia com o caso presente? Pois não sabem todos que aquelle decreto tem força de lei em virtude da auctorisação concedida na lei de 3 de maio do 1845, emquanto que este não é mais do que um acto do poder executivo, revogável, emendavel, modificável, sempre que o poder executivo o queira fazer?

Todos sabem que assim como as leis não podem ser interpretadas, revogadas ou emendadas senão pelo poder legislativo, assim tambem os actos do poder executivo pelo principio cujus est condere, ejusdem est tullere podem ser interpretados, revogados ou emendados; principio de eterna verdade, e applicado a toda a legislação, e por isso, o poder executivo que teve o direito de fazer este decreto, tem direito de o revogar ou modificar como entender.

Não se devem pois confundir hypotheses tão differentes; e esta confusão é que deu logar a fazer-se reparo no que disse o meu nobre amigo o sr. Alberto Antonio de Moraes Carvalho, a respeito da revogação de leis por portarias. S. ex.ª não disse, nem podia dizer isso, o que disse foi, que a portaria podia interpetrar o decreto, mas nem isso disse, me parece.

(Interrupção do sr. Moraes Carvalho, que não se ouviu.)

Ora, sr. presidente, este negocio é tão simples, que eu entendo que não merecia a pena que oradores tão distinctos como aquelles que têem fallado n'esse assumpto viessem occupar-se d'elle. Sabe-o qualquer praticante de escriptorio juridico, porque todos têem diante de si o Borges Carneiro, o Almeida e Sousa, e outros que tratam d'essa classificação das leis, e ahi se diz qual era a verdadeira jurisprudencia. Sómente o dizer-se que uma portaria ou um aviso podia revogar uma lei era um absurdo que não se -podia admittir mesmo no antigo regimen; mas a verdade é, que não só nas leis mas na opinião de muitos jurisconsultos e praxistas, apparecem factos em contrario, e que a historia da legislação apresenta innumeras especies de revogação de -leis por portarias ou avisos, a que a pratica do fôro e dos tribunaes não deixaram nunca de prestar assentimento o obediencia, vindo por tal fórma a fazer-se excepção ao principio que sob o regimen constitucional deve ser sustentado • em toda a integridade. Mas isto não é questão para agora, nós aqui não temos""nada d'isso, o que temos é unicamente um decreto filho das attribuições do poder executivo, e por consequencia devemos considerar o negocio debaixo d'este ponto de vista.

Ora, sr. presidente, se na jurisprudencia antiga a auctoridade das portarias, em virtude da ordenação, livro 2.°, titulo 41.°, era respeitada em attenção ás palavras, que no fim da mesma ordenação estavam escriptas, ut ibi «sem lhe ser mandado por nós verbalmente», que diremos, tratando-se, não de uma lei, que é a hypothese da nota de Bor-

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ges Carneiro, a que se fez referencia, mas de um decreto publicado dentro da esphera das attribuições do executivo?

E comtudo é fóra de duvida, que ainda na hypothese que Borges Carneiro considera como simples facto, eminentes jurisconsultos e praxistas, como Macedo e Vicente Ferreira Cardoso, se apartaram inteiramente da opinião daquelle distincto jurisconsulto.

Ora, sr. presidente, não será esta mesma doutrina applicavel ao caso em questão? Pois o facto de que se trata não foi exactamente publicado na ordem do dia? Não é essa ordem do dia publicada em nome do Rei, na séde da sua residencia? Logo, verificaram-se exactamente todas as circumstancias, que prevê a lei e á jurisprudencia, para se não poder negar a auctoridade a estes actos; e por consequencia não se podem tirar as illações que se quizeram tirar para fazer censura ao sr. ministro da guerra. Não é possivel censurar o sr. ministro da guerra, porque s. ex.ª marchou conforme todos os principios a esse respeito. A questão de ser portaria ou decreto esta aqui resolvida da maneira mais clara e explicita que se podia resolver, e é fundada na mesma lei; porque, n'este caso, as ordens verbaes do Rei, referidas em portarias, devem ser guardadas; e tratando-se de um acto do poder executivo, é claro que foi cumprida a lei. Outra cousa seria, se porventura se tratasse de uma lei, porque então não estava por essa opinião.

Assim, quando se quiz fazer carga ao sr. ministro da guerra com a leitura da portaria de 28 de outubro, não se fez nada que fosse de conformidade com a lei. O que se quiz foi apresentar mais um daquelles argumentos que nada trazem á convicção e muito menos para o esclarecimento da verdade.

Sr. presidente, parece-me que tenho demonstrado que o segundo artigo de censura, ou na sua base ou nos seus accessorios, não tem o menor fundamento, e que quanto a elle, como no primeiro caso, o sr. ministro da guerra se conformou inteiramente com a lei, não havendo de sorte alguma motivo, nem o ha, para elle ser censurado. Resta por consequencia o terceiro artigo de censura, no qual vou entrar, e muito desejo acabar, porque estou a fazer uma grande violencia ao meu estado de saude.

Sr. presidente, o terceiro artigo de censura dirigido ao sr. ministro da guerra consiste no seguinte: — em não haver suspendido, e muitos acrescentaram mesmo, demittido o official de que se trata; primeiramente, porque sobre elle pesavam accusações de uma tal gravidade, que não era possivel deixar de affectar o brio e pundonor dos militares que ficavam debaixo das suas ordens; e tambem porque esse militar tinha-se por motu proprio suspendido das funcções que o mandato popular lhe tinha conferido; e que se havia rasão para elle se suspender do exercicio daquellas funcções, igual rasão havia no sr. ministro para o dever suspender do commando geral de artilheria, por isso que a dignidade n'um e n'outro caso, n'uma e n'outra especie corria parelhas, ou pouco menos. Eis-aqui, sr. presidente, a accusação de censura em toda a sua luz, e com relação aos fundamentos em que se basearam.

Precisamos tratar de uma e de outra cousa mui separadamente, porque em pontos de verdade, sr. presidente, em pontos de justiça, repito o que disse, mal iria á sociedade, se porventura houvesse quem recuasse diante de qualquer insinuação propria só de espiritos invejosos ou levados pela paixão (e não me passa pela imaginação que aqui os haja) a fim de impedir a verdade em toda a sua luz.

Sr. presidente, vamos aos fundamentos. Eu trato a questão, note-se bem, e repito-o segunda vez, em relação com a censura feita ao sr. ministro da guerra, sem referencia á pessoa que foi a causa d'essa censura, porque nem eu a conheço, nem nunca a vi. Disse-se que o sr. ministro da guerra devia suspender o general a que se tem alludido, e que por não o fazer faltou ás condições de brio, pundonor e honra que devem dirigir todas as acções da classe militar. Mas onde se foram buscar essas accusações? O sr. ministro não podia obrar senão em virtude da lei. Faziam-se accusações; devia elle porém proceder por ellas, sem que tivesse nas mãos competentemente documento com que estribasse uma providencia tão importante como a suspensão, que não é nada menos do que uma pena? Houve essas accusações a que não quero referir-me senão com relação á decisão e comportamento do sr. ministro; mas essas accusações estavam fóra da esphera em que gira o fôro militar, e emquanto estivessem perante os tribunaes civis, o sr. ministro nada podia ter com ellas para proceder conforme a lei militar; porque a lei lhe estabelece uma outra ordem de processo muito differente. Mas ahi mesmo o que se vê? Como querem fazer obra por depoimentos isolados transcriptos em varios jornaes? Não veem que podem cegar e enganar a consciencia publica?

Pois nós estamos em alguma sociedade de barbaros, ou estamos em uma sociedade onde as leis devem ter toda a sua força? Como é, digo, que depois de ler todos aquelles depoimentos, fossem de quatro, fossem de mil, fossem de duas mil testemunhas, se não chegou ao ultimo termo em que se vê que um tribunal estabelecido por lei que a constituição reconhece e que é ao mesmo tempo juiz de facto e de direito, segundo os principios da nossa legislação, sentenciou contra a efficacia de taes provas?

O accordão da relação do Porto de 12 de novembro de 1851, tolhe absolutamente a homens que prezam a lei trazer á téla da discussão um objecto d'esta natureza. Que absurdas, que desgraçadas consequencias para a sociedade, se porventura podesse commetter-se uma tal infracção dos principios fundamentaes da rasão e da justiça! Ninguem poderia nunca julgar-se seguro, com tal desprezo pelas decisões dos tribunaes, ressuscitando o que elles julgaram morto.

Sr. presidente, não é possivel sustentar tal doutrina. E não fallo já na prescripção dos dez annos a que se referiu o meu amigo, o digno par. o sr Ferrão. Temos uma sentença, a qual diz sociedade! eu, tribunal que estou aqui pela lei, e em nome da constituição que te rege, decidi, no exercicio das minhas attribuições, que não ha criminalidade ou motivo para se proceder ás accusações do que não houve recurso, e por consequencia não tens a dizer mais uma palavra sobre ellas porque a minha decisão, é tida por verdade.

Eis-aqui estão, sr. presidente, os santos principios que dirigem a sociedade. Póde ser que aquellas que são dirigidas pela força, e em que o arbitrio póde mais do que a ordem tenham outras leis, outros principios; mas nós estamos n'uma sociedade constituida e não podemos deixar de acatar as leis que a regem.

Agora vou demonstrar na mesma esphera em que se quiz collocar a questão, a efficacia dos argumentos apresentados. Foi naturalmente porque não tinham outros argumentos, que o sr. ministro devia suspender aquelle militar do commando de artilheria; foi-se buscar certo boato propalado pela imprensa, de que a officialidade se destinava a fazer uma demonstração pacifica contra o general alludido.

Para evitar que os boatos tomassem corpo e fossem indevidamente influir na opinião publica, a officialidade de artilheria entendeu que era da sua honra militar protestar contra a exactidão d'elles, e por isso recorreu á imprensa. Já este procedimento, sr. presidente, é encarado como infracção da disciplina militar? Já é ir contra as leis militares o propugnar a officialidade pela sua honra! Sr. presidente, os militares, quando publicaram aquella declaração, fizeram justamente o que deviam fazer, e o sr. ministro da guerra nada tinha com tal procedimento, porque era uma declaração em defeza da verdade e nos limites da obediencia e disciplina; fizeram o que deviam, porque se tratava de pontos de honra, e em frente de pontos de honra até as proprias leis militares são indulgentes. Porque não veem os dignos pares tambem a ordem do dia do nobre marechal Beresford de 13 de julho de 1810, e que diz respeito a pontos de honra? Porque não examinam tambem o decreto de 2 de abril de 1762, onde se vê a estimação que o militar deve fazer da sua honra, não a deixando menospresar, nem offender em cousa alguma? Sr. presidente, este decreto esta, no sentido essencial, recopilado no regulamento de 1763, onde, prescrevendo os mais rigorosos deveres da disciplina e obediencia, o militar é relevado da desobediencia quando se trata de pontos de honra. Eu vou ler uma parte d'este regulamento e por ella se verá se eu tenho rasão de argumentar por este modo, ou se pelo contrario é insubsistente toda a interpretação que dou a este documento;

Diz o § 8.° do capitulo 23.°:

«Será muito do desagrado de Sua Magestade se qualquer official superior usar de termos e palavras indecentes com qualquer official que estiver ás suas ordens: porém se esta violencia proceder de um zêlo excessivo do serviço e for commettida na frente de qualquer tropa, o official particular (moderando seu primeiro impulso) não a reputará como offensa, nem (constando que não offenda a honra) responderá a ella; mas poderá depois queixar-se.»

Estão exceptuados os casos de honra justamente n'este ponto, e tanto assim que, como aqui diz, mesmo quando a violencia tem, logar na frente de um corpo, manda-se obedecer; todavia quando se tratar de ponto de honra, muda o caso muito de figura, porque o militar que deixasse calcar aos pés a sua honra, devia ser exautorado. É este o modo como se procede em todos os paizes, e são estes os regulamentos da nossa terra.

Mas, sr. presidente, se n'este ponto as declarações estão todas em contradição com os factos, se se não póde estabelecer fundamento para dizer que a disciplina foi quebrada, como se vem censurar o sr. ministro da guerra? Como se falla então em suspensão? Todos sabem o que é suspensão; todos sabem o que esta palavra significa nas leis penaes, todos os que conhecem o codigo penal sabem o que elle diz-nos artigos 30.° e 31.°; porém nas leis militares não se conhece esta palavra, ha uma phrase que se lhe assimilha e é a inactividade temporaria. Quer a camara ver o que diz esse regulamento a que tantas vezes se tem alludido, quando trata d'este ponto? Diz no artigo 41.° o seguinte:

«Alem das penas mencionadas n'este regulamento que por transgressão de disciplina podem ser impostas aos officiaes, igualmente poderá ser comminada a de passagem á inactividade temporaria, nos termos do artigo 1.°, § 2.° e artigo 7.°, do capitulo 14.º, do decreto de 20 de dezembro de 1849.»

E o que diz o artigo 7.° do capitulo XIV do decreto de que se trata? Diz que para qualquer official passar á inactividade temporaria, é necessario um decreto especial e que haja um motivo plausivel. Ora eu perguntarei agora á camara que motivo poderia dar, na esphera da legalidade, o sr. ministro para passar á inactividade temporaria (suspensão), o official general de que se trata? Os boatos tinham perdido a força, e o que se tinha passado em um processo criminal, estava coberto com um julgado contra o qual o sr. ministro não podia ir sem atacar o salutar e liberal principio da divisão dos poderes estabelecido na carta. Que havia pois fazer o sr. ministro da guerra? Exactamente o que fez. S. ex.ª não podia nunca passar á inactividade temporaria o general alludido, unicamente pelo facto de taes e taes jornaes terem escripto contra elle. Isto não podia ser, e embora se deva em geral respeitar a imprensa, na hypothese em questão, se aceitassemos absolutamente similhante proposição, poderia dizer-se que estavam transtornadas todas as idéas de ordem n'este paiz.

Sr. presidente, parece-me ter demonstrado até á evidencia que, os tres capitulos de censura dirigidos contra o sr. ministro da guerra, não têem o menor fundamento, nem na constituição nem nas leis, e escusado é dizer que s. ex.ª tem marcados na carta constitucional da monarchia, os pontos em que póde ser censurado. E a este respeito, não posso deixar de dizer que esta minha opinião já foi expendida em 1841, quando tratando-se de accusar um ministro da corôa, defendi esse ministro pelo amor da verdade, do mesmo modo que hoje defendo o sr. ministro da guerra.

Sr. presidente, eu não vejo diante de mim pessoas, nem vejo partidos, vejo a rasão e a justiça, e para a defender já até debaixo de fogo dos inimigos da liberdade me abalancei a advogar a causa de um cidadão, que de outra sorte, segundo a opinião dos membros do tribunal, como se me disse depois, teria sido condemnado a ser fusilado, em virtude do decreto de julho, que então se tinha publicado. Defendo sempre a justiça sem attenção á pessoa, e é ainda n'este sentido que vendo que se abusava da * pouca experiencia parlamentar de um cavalheiro muito digno, que hoje se senta na cadeira de ministro da guerra, homem competentissimo em materias militares, eu não podia deixar de empregar toda a efficacia, toda a energia dos meus recursos e pequenas luses para fazer triumphar a verdade e justiça.

Sr. presidente, ao sr. ministro da guerra direi, que não se admire de que d'entre os seus correligionarios, e entre aquelles mesmos que combateram a seu lado contra antigas administrações lhe sáia -a mais crua guerra, porque de remotas eras aconteceu sempre assim. Já Felix Bandeira na sua politica diz: « Que o odio entre as opiniões vizinhas é mais incarniçado do que entre opiniões contrarias ». Eu estou a dar evidentemente a prova d'isso. Ao meu illustre amigo, o sr. Silva Ferrão, direi, com a franqueza da amisade, e com o respeito que tenho pelos seus talentos, que não podia esperar que s. ex.ª viesse proferir no parlamento — quem disser que sabe direito mente; eu não o sei, e cada um entende direito a seu modo.

Sr. presidente, quando a opinião publica esta unanime e claramente protestando contra a segunda asserção, que nem á modestia se póde attribuir, porque todos reconhecem os altos merecimentos em jurisprudencia de s. ex.ª, vir aqui affirmar o contrario, valeria o mesmo que tirar todo o prestigio aos conselhos que lhe hão de pedir os seus constituintes, se a competencia do digno par n'este e outros pontos não protestasse brilhantemente contra tão inadmissivel e humilde confissão. Como teve s. ex.ª coragem para desconsiderar assim as qualidades com que a Providencia o dotou, sem parar ao menos diante do receio de offender aquelles que foram seus mestres e collegas na administração da justiça, porque todos estes, segundo o digno par, não sabem direito, e mentem se disserem que o sabem! Por onde se regulam então na administração da justiça?

Emquanto, sr. presidente, ao ultimo ponto, eu deixo-o á consideração ía camara. Póde ser exacto se porventura se disser que s. ex.ª se referiu a uma interpretação pessoal, mas não com referencia á interpretação juridica, segundo as regras de hermeneutica, que todos' devem saber para entrar no espirito das leis, porque seria realmente uma cousa inadmissivel tornar o direito dependente de modo como cada um arbitrariamente o quizesse entender. Ao mesmo meu illustre amigo, o sr. Silva Ferrão, que pretendeu tirar principios para apoiar a responsabilidade do sr. ministro, e por consequencia justificar a censura que se lhe dirigiu com o artigo 301.° do codigo penal, onde se trata dos excessos da jurisdicção e desobediencia: responderei primeiro com o artigo 104.° da carta constitucional; mas se quer um testemunho mais insuspeito e frisante eu o vou ler, e responderá ao digno par, o sr. Silva Ferrão, o que s. ex.ª escreveu, como eminente jurisconsulto, no seu commentario ao codigo penal.

No commentario ao artigo 301.° escreveu s. ex.ª: — «A penalidade estabelecida n'este artigo não encontra a menor «difficuldade, quando applicada aos juizes, membros do conselho d'estado, officiaes militares e outros inamovíveis que, «segundo a carta ou por lei, sómente podem perder os seus «logares por sentença...

«Mas é inapplicavel, tanto aos empregados amoviveis, coimo aos de pura commissão...

«Todavia os empregados que exercem em qualquer ramo do executivo alguma direcção, commando ou governo superior são os que podem estar mais no caso de abusar da sua força ou auctoridade para ultrapassar as suas attribuições, usurpando as do poder legislativo, constituindo preceitos ou theses geraes de natureza legislativa por meio dos seus decretos, portarias, editaes, ordens do dia ou de regulamentos...

«Entre estes empregados sobressaem como cabeças, como chefes, na ordem do funccionalismo, os ministros d'estado, e são os que infelizmente estão na posse de commetter impunemente este delicto...

«A responsabilidade do presente numero, que é de todos o mais importante, não lhes poderia dizer respeito por ser inconstitucional ou impossivel a applicação da sua sancção...

Creio que não póde ser mais explicita a opinião do digno par a este respeito.

O sr. Ferrão: — A minha doutrina esta expendida em outros logares do codigo a este respeito.

O Orador: — O que se segue d'ahi é que estão em contradicção umas com as outras (riso).

Eu não quiz senão sustentar a minha opinião, rendendo homenagem ao meu illustre amigo e collega.

Sr. presidente, ha uma portaria publicada na ordem do dia n.° 31, que aqui se citou como argumento de analogia, em sentido de mostrar que o illustre ministro tinha offendido a disciplina: é a ordem do dia de 15 de maio de 1841, publicada por occasião da demissão do sr. Miguel Correia

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de Mesquita. Responderei que a questão não tem paridade alguma. Aqui a oficialidade tinha marchado completamente em contravenção com o artigo 6.° do regulamento militar, cujas disposições estão hoje muito mais desenvolvidas no artigo 1.°, §§ 1.°, 2.° e 3.° d'este regulamento, emquanto que na hypothese em discussão iam inteiramente em conformidade com essas disposições do regulamento; e tanto se conheceu isto, que posteriormente este digno coronel pedindo conselho de guerra, e sendo ahi apresentada a verdade e a justiça d'este negocio, a sua conducta, á vista das provas que elle deu, foi completamente julgada illibada, como se vê da ordem do dia n.° 46, de 30 de julho de 1841, que diz assim:

«Publica-se ao exercito o seguinte:

«Sentenças proferidas pelo supremo conselho de justiça militar — Em sessão de 13 do dito mez — 3.ª secção do exercito. — Miguel Correia de Mesquita Pimentel, coronel, foi absolvido, e julgada illibada completamente a sua conducta relativamente ás arguições que lhe foram feitas na ordem do exercito n.° 31, do corrente anno.»

Eis-aqui, sr. presidente, como se vem transtornar todas as idéas, unicamente para sustentar o artigo de censura, que não póde ter o menor fundamento.

A todos os dignos pares que têem recorrido, na falta de lei, para os principios, perguntarei em primeiro logar, aonde esta esse codigo de principios para que appellam? Onde esta elle?

Eu sei, sr. presidente, que ha uma lei verdadeira, a recta rasão conforme com a natureza; que esta lei é immutavel e universal, que é feita por Deus, discutida por Deus e sanccionada por Deus, e que é a mesma em Roma e Athenas, em todos os tempos! Mas, sr. presidente, se nós nos quizessemos regular por essa lei, abstrahindo de que estamos n'uma sociedade constituida; se o grande attributo da civilisação não fosse que todos os casos sejam determinados por leis expressas, em ordem de evitar o arbitrio, o recorrer a essa lei que, embora boa para dirigir os bons é inefficaz para corrigir os maus, seria proscrever tudo quanto ha constituido na sociedade, e n'essa caso escusamos de tribunaes, de administração e de governo, e os codigos todos podem ser queimados juntos com todas as leis, e os parlamentos têem de desapparecer, porque não são creados senão para fazer as leis. Eis-aqui estão as consequencias absurdas de um tal principio. Quero sempre fazer a descripção d'essa lei com as palavras de Cicero De republica. Quer V. ex.ª, sr. presidente, saber o que elle diz a este respeito, eis-aqui tem:

«Ha uma lei verdadeira a recta rasão conforme a natureza universal, immudavel, eterna, cujas determinações convidam ao dever, cujas prohibições afastam do mal, seja que ella ordene ou prohiba; não é poderosa senão para os bons, faz-se sim escutar dos maus mas não os convence. Não póde invalidar-se por outra lei, nem seja derrogada ou abrogada. Nem o povo, nem o senado podem dispensar-se de obedecer-lhe. E interprete de si mesma. E a mesma em Roma e Athenas, e é de todos os tempos. Por toda a parte, em todos os tempos, reinará esta lei immudavel e santa e com ella Deus o Senhor do mundo, que a fez, discutiu e sanccionou. Desconhece-la é abjurar, calcar aos pés a natureza, e inflingir-se, por isso, a mais cruel punição, quando mesmo a justiça humana não impozesse outros castigos.»

Vede como a respeito da criminalidade dos factos humanos appella para as leis positivas. É para ellas que devemos tambem appellar na questão que discutimos, e sómente n'ellas poderiamos fundamentar accusações ou censuras, como aquellas que se dirigem ao illustre ministro da guerra.

Sr. presidente, acho-me summamente fatigado, por consequencia termino aqui o meu discurso mandando para a mesa uma moção; mas não é minha intenção de maneira alguma, nem o podia ser, impedir outra qualquer moção, por cuja admissão á discussão hei de votar, nem tão pouco concorrer para que esta discussão seja menos ampla, porque estou ancioso por ver brilhar os grandes talentos que ornam esta camara. Estando nós empenhados no combate da justiça e da legalidade, é bom que todos apresentem nas suas luzes no tribunal da rasão, perante o altar da patria, e a opinião publica ajuisará de que lado esta a verdade. (Apoiados — Vozes: — Muito bem.)

Mando para a mesa a minha moção de ordem, que é como se segue (leu).

Foi lida na mesa, e admittida á discussão.

O sr. Presidente: — Na ordem da inscripção segue-se o sr. Moraes Carvalho, mas ha alguns dignos pares que pediram a palavra sobre a ordem, e não sei se desistem da palavra...

O sr. Conde d'Avila: — Eu não posso desistir.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. conde d'Avila, que é quem primeiro pediu a palavra sobre a ordem.

O sr. Conde d'Avila (sobre a ordem): — Sr. presidente, não foi porque não tivesse muito gosto de ouvir o sr. Moraes Carvalho, que não desisti da palavra, pois tenho muita satisfação de ouvir novamente a s. ex.ª, a quem darei a mesma attenção que lhe dei a primeira vez que fallou, e até me parece, que s. ex.ª tem necessidade de tornar a usar da palavra, visto que algumas das proposições que sustentou, não foram bem interpretadas: insisto porém em ter a palavra, porque tambem tenho de mandar para a mesa uma moção de ordem, que não tem igualmente por fim encerrar o debate, e começarei por lê-la á camara (leu).

Esta moção é uma especie de adiamento, e por consequencia, sr. presidente, peço a V. ex.ª, que quando tratar de pôr á votação as diversas moções que estão sobre a mesa, dê a preferencia a esta, que tem, como disse, a natureza de adiamento.

E agora peço licença para dizer duas palavras, a fim de justificar até um certo ponto esta moção.

Parece-me que depois de uma discussão tão prolongada, não póde ter logar o mandar este negocio a uma commissão, mas as rasões que vou apresentar á camara, demonstrarão que no estado em que se acha o debate não ha outra solução mais conveniente para a camara, até em vista de uma resolução, que já tomou, do que esta, que tenho a honra de propor.

Quando esta discussão começou, comprehendi logo que era impossivel que se podesse votar sobre ella, porque me pareceu que a camara não estava sufficientemente illustrada para o fazer. Os documentos sobre que versava a interpellação, ou sobre que versavam as censuras feitas ao sr. ministro da guerra, se se lhes quizer dar este nome, não eram bem conhecidos da camara; parece-me que só os tinha visto o digno par interpellante, que depois os passou ao sr. Moraes Carvalho. Eu não os tinha examinado, e só de corrida os vi depois. Creio que a maior parte dos dignos pares, ou quasi todos, os não viram ainda. O proprio "sr. ministro da guerra confirmou antehontem esta minha idéa, quando pediu que todos os documentos relativos a esta questão fossem publicados na folha official, requerimento que a camara approvou.

Ora, qual podia ser o alcance do requerimento do nobre ministro? Não podia ser outro senão o de manifestar que s. ex.ª estava convencido de que esses documentos provavam a regularidade do seu procedimento, e o nenhum fundamento que havia para as accusações que lhe eram feitas. Mas esses documentos ainda não foram publicados; tenho-os procurado na folha official e ainda os não vi lá. Logo a camara ainda não tem presente a justificação a que recorreu o nobre ministro, e não póde por consequencia votar. O mesmo digo com relação á proposta ou moção do sr. Silva Cabral. Permitta-me s. ex.ª que lhe diga, que a sua moção não póde ser approvada, e o primeiro a quem ella não convem é ao proprio sr. ministro...

O sr. Silva Cabral: — Peço a V. ex.ª que note uma cousa, e vem a ser — que a minha moção foi mandada para a mesa antes de V. ex.ª mandar a sua; mas se se quer mandar este negocio a uma commissão para o examinar, eu de fórma alguma me opponho.

O sr. Conde d'Avila (continuando): — Muito bem.

Sr. presidente, eu não proponho que esta commissão examine unicamente os documentos que hão de ser publicados no Diario; proponho que ella dê tambem parecer, emitta a sua opinião sobre alguns pontos, que reputo muito graves, e sobretudo agora, depois das observações que aqui se têem produzido a respeito d'elles. Já se vê que fallo das manifestações collectivas dos officiaes do exercito e de revogação de decretos por portarias.

Sr. presidente, os dignos pares que combateram os argumentos firmados na ordem do dia de 1811 e no regulamento disciplinar de 1856, devem lembrar-se de que a carta constitucional, que é para nós todos de maior auctoridade do que esses dois diplomas, diz n'um dos seus artigos, o artigo 115.°, muito expressamente, que a força militar é essencialmente obediente.

Logo, só lhe cumpre obedecer aos seus superiores, e não póde discutir nem as nomeações d'elles, nem as suas qualidades. Desde o momento em que se lhe permitta discutir a favor, ha de permittir-se-lhe discutir contra (apoiados). O digno par fallou em pontos de honra, e disse que estes eram exceptuados; mas esta proposição na bôca de um homem tão auctorisado, póde dar logar a muito grandes abusos (apoiados), é por isso que entendo que é necessario firmar por uma vez o verdadeiro direito a este respeito para evitar os abusos.

O regulamento disciplinar de 1856 diz que todas as reclamações collectivas são expressamente prohibidas. Se se admitte o principio do digno par, isto é, que ficam exceptuados os pontos de honra, a que ficará reduzida aquella disposição? Quem é que ha de declarar aonde começam os pontos de honra, e aonde acabam? (Apoiados.) Hão de ser os reclamantes?

O digno par não quer por certo as consequencias que se podem deduzir das observações feitas por ss. ex.ªs; é por isso, repito, que julgo indispensavel que a camara se pronuncie da maneira a mais explicita sobre a verdadeira doutrina. O digno par, bem como o meu amigo o sr. Moraes Carvalho, procuraram repellir as censuras feitas ao nobre ministro; mas não me parece que para isto seja necessario mais do que a observação feita pelo sr. general Baldy, de que as manifestações a que se tem alludido estavam em uso, e eram por consequencia toleradas. Pois muito bem, deixemos o passado; mas evitemos que para o futuro se repitam taes actos, que não posso deixar de considerar como verdadeiras infracções da disciplina do exercito.

A questão das portarias tambem me parece que precisa ser tratada (apoiados). O digno par o sr. Moraes Carvalho, a quem ouvi com toda a attenção, effectivamente não sustentou, que portarias podiam revogar decretos, v. ex.ª tem a palavra, e eu desejei fallar antes do digno par, para que me corrija se não for exacto. O que eu ouvi dizer a s. ex.ª, foi que a portaria de 28 de outubro, modificou sem duvida o decreto de 22 de agosto de 1864; mas que s. ex.ª tinha visto outras portarias modificarem decretos, e até que havia uma portaria que revogava' uma lei. Emquanto a esta portaria, visto que o cavalheiro a que s. ex.ª se referiu, não tem assento n'esta casa, direi que estou de accordo em todos os elogios que o digno par fez a esse cavalheiro, e na justiça que fez ás suas brilhantes qualidades; mas é força confessar tambem, que essa portaria foi feita n'uma situação muito diversa d'aquella em que se promulgou a portaria de 28 de outubro de 1864. O nobre ex-ministro tinha apresentado na camara electiva uma proposta para a prorogação do praso para a troca e giro das moedas de oiro e prata mandadas retirar da circulação pela lei de 1854.

Esta proposta foi apresentada em novembro de 1859; mas a camara foi dissolvida poucos dias depois, e foi convocada nova camara que se devia reunir a 26 de janeiro do seguinte anno, e o praso da lei votada para a troca e giro das referidas moedas findava a 31 do mesmo mez. Já se vê por consequencia que a proposta cuja iniciativa o ministro declarava que ía renovar, não podia ser convertida em lei antes de 31 de janeiro; e o que fez então o illustre ministro? Ordenou que em todos os cofres do thesouro, em que entravam as contribuições publicas se recebessem essas moedas. Aquella situação era pois uma situação excepcional, e a medida adoptada era a unica que se podia tomar em taes circumstancias. O nobre ministro assumindo a responsabilidade d'ella fez pois um muito bom serviço ao paiz.

Mas a portaria de que se tem fallado, é um documento que modificou um decreto referendado por dois ministros, e que o modificou em circumstancias ordinarias, em que nada era mais facil do que publicar outro decreto com as mesmas solemnidades. Era principio que nunca ninguem se lembrou de contestar, que um decreto não póde ser revogado senão por outro decreto (apoiados), e um decreto que foi referendado por dois ministros não póde ser modificado senão por outro que tenha exactamente as duas referendas (apoiados). Mas desde que esta doutrina parece ter sido posta em duvida é necessario que a camara se pronuncie a respeito d'ella (apoiados).

O anno passado apresentou-se n'esta casa uma moção em que se qualificavam os actos praticados em um districto do reino, por occasião de eleições, como illegaes e attentatorios da liberdade da uma, e pedia-se a nomeação de uma commissão para examinar até que ponto o governo era responsavel por esses actos. O governo aceitou a proposta, e votou por ella. Eu rejeitei-a, não por não querer a commissão, mas pelos termos em que a proposta estava redigida.

Mas o governo, como disse, aceitou a proposta, e o resultado justificou essa resolução, porque da nomeação da commissão resultou proclamar-se um bom principio, que, afigura-se-me, foi muito bem recebido no paiz, e muito honrou esta camara. Esse principio foi, que as suspeições politicas eram contrarias á carta. Este principio passou; e pro-cedendo-se poucos mezes depois ás eleições geraes de deputados não houve ninguem que ousasse invocar taes suspeições para viciar a uma. Ora eu proponho que façamos o mesmo agora em relação ás duas questões que tenho indicado. Peço á camara que se pronuncie sobre ellas, até pela obrigação, que tem de velar pela guarda da constituição e dos principios fundamentaes do systema que nos rege (apoiados). É neste sentido que mando esta proposta para a mesa. Se a camara me honrar admittindo-a á discussão pedia que ella fosse votada com preferencia; se a camara porém julgar que se acha já esclarecida a este respeito, e que deve rejeitar a minha proposta, eu declaro já que não posso approvar tambem a proposta do sr. Silva Cabral. Esta proposta votada seccamente, permitta-me s. ex.ª a expressão, que me parece não póde ferir a sua susceptibilidade...

O sr. Silva Cabral: — De modo nenhum.

O Orador: — Esta proposta votada simplesmente ha de ter por commentarios o discurso do digno par, e o do sr. Moraes Carvalho, dos quaes póde alguem inferir: 1.°, que são permittidas as manifestações collectivas dos officiaes do exercito a respeito dos actos dos seus superiores; 2.°, que portarias podem modificar decretos. Eu não quero a responsabilidade de taes doutrinas, por isso hei de rejeitar a moção do sr. Silva Cabral, e hei de votar qualquer proposta redigida em conformidade com os principios que acabo de indicar. E se durante o debate não se apresentar proposta alguma n'este sentido, eu terei de a mandar para a mesa, porque é minha opinião firme e inabalavel, torno a dizer, que as manifestações collectivas dos officiaes militares a respeito dos 'actos dos seus superiores, approvando-os ou censurando-os, são inteiramente contrarias á disciplina do exercito, e á letra e espirito da carta (apoiados); e que leis não podem ser revogadas senão por leis, e decretos por decretos (apoiados).

Mando para a mesa a minha moção:

«Requeiro que uma commissão especial eleita por esta camara, dê com urgencia o seu parecer sobre os documentos mandados imprimir no Diario de Lisboa, na sessão de 13 do corrente, a requerimento do sr. ministro da guerra, e alem d'isto sobre as questões seguintes:

«1.ª Se as manifestações collectivas dos officiaes militares, a respeito dos actos dos seus superiores podem ser permittidas, sem quebra da disciplina do exercito;

«2.ª Se as disposições do decreto de 22 de agosto de 1864, que regulou a concessão da medalha militar, creada pelo decreto de 2 de outubro de 1863, podiam ser alteradas ou modificadas por portarias; se foram expedidas algumas portarias para este fim, porque ministerios e sobre que assumptos;

«3.ª Finalmente, se o citado decreto de 22 de agosto, é cumprido da mesma maneira pelo ministerio da guerra e da marinha e ultramar.»

O sr. Presidente: — Vae ler-se a proposta do digno par, o sr. conde dAvila.

Leu-se na mesa.

O sr. Presidente: — Os dignos pares que admittem a proposta tenham a bondade de se levantar. Foi admittida.

O sr. Rebello da Silva: — Mandou para a mesa a seguinte moção de ordem, declarando que n'esta completava a que foi apresentada pelo digno par, o sr. Sebastião José de Carvalho:

«A camara, considerando que leis e decretos não são revogáveis, nem podem ser alterados por portarias;

«Considerando que a designação da especie na medalha

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militar, creada por decreto de 2 de outubro de 1863, não deve ser ampliada ou restringida por acto ministerial:

«Passa á ordem do dia.»

O sr. Presidente: — Vae ler-se.

O sr. Secretario: — Leu.

O sr. Presidente: — Os dignos pares que a admittem á discussão tenham a bondade de se levantar. Foi admittida.

O sr. S. J. de Carvalho: — Pediu se declarasse se a proposta apresentada pelo digno par o sr. conde d'Avila podia ser considerada com a questão previa, e suppondo que recaísse uma votação sobre ella, e não sendo admittida, se continuava a discussão sobre a materia que não póde ser prejudicada de nenhum caso.

Declarou tambem que desejava ser inscripto sobre a materia, reservando-se-lhe a palavra sobre a ordem, que havia pedido antes de se suscitar este incidente.

O sr. Presidente: — A mesa ha de proceder na conformidade do regimento, qualificando as moções, segundo a sua natureza, se a camara se não conformar votará em sentido contrario (apoiados).

O sr. S. J. de Carvalho: — Expoz que presumia ser esta uma questão previa, e que s. ex.ª o sr. presidente, dirigindo os trabalhos d'esta casa, já na sessão passada teve occasião de propor á votação da camara, sem prejuizo da discussão sobre a materia principal, uma moção de ordem que foi apresentada pelo digno par, o sr. barão de Villa Nova de Foscôa (apoiados). Era um precedente, e presumia que pelo regimento e pelos precedentes sanccionados pelo voto da camara s. ex.ª dirigiria os trabalhos. - O sr. Presidente: — N'essa occasião observei eu o regimento assim como faço hoje. O digno par apresentou a sua moção como um adiamento.

Tem a palavra o digno par marquez de Niza.

O sr. Marquez de Niza: — E verdade que a moção do digno par o sr. conde d'Avila não póde deixar de ser considerada como questão previa, porém entendo eu que, seja qual for a deliberação que a camara sobre ella tome, não devem ficar prejudicados os direitos dos dignos pares que se acham inscriptos para fallar sobre a questão que se agita (apoiados). Por consequencia se a camara approvar que se nomeie a commissão, quando' ella apresentar o seu parecer, os dignos pares que se acham inscriptos poderão usar da palavra sobre a materia.! Esta moção não é mais do que um adiamento sem prejuizo da materia, e se ella for rejeitada, continua a discussão como até agora. Parecia-me, sr. presidente, que V. ex.ª para ir conforme o regimento e de accordo com os precedentes d'esta casa, deveria pôr á votação o requerimento do digno par Sebastião José de Carvalho.

O sr. Silva Cabral: — A questão não é de modo algum aquella a que se refere o digno par, o sr. Sebastião José de Carvalho, porque não é a que diz respeito o artigo 57.° do regimento, o qual diz:

«Em qualquer estado da discussão se póde propor que não ha logar a votar sobre o objecto que se discute; esta questão é preliminar e deve ser discutida e resolvida antes da principal...»

Ora, desde o momento em que a camara considerasse a questão no espirito d'este artigo, é claro que ficava prejudicada toda a questão, e a camara não ha de querer isso. Eu entendo que é necessario que as opiniões se encontrem e que todos sejam ouvidos n'esta questão; e foi por esse motivo que, quando eu vi que a moção do sr. conde d'Avila tendia a este fim, entendi que não era da minha dignidade que eu mostrasse o menor desejo de que se fechasse a discussão; declaração que fiz quando apresentei a minha moção. Emquanto á questão previa que propõe o digno par, o sr. conde d'Avila, ella esta bem claramente definida no regimento, artigo 58.°, o qual diz o seguinte:

«Tambem em qualquer estado da discussão se póde propor o adiamento, ou por essa discussão não ser conveniente ao bem do estado, ou por não se achar a camara sufficientemente informada, ou ainda por alguma outra circumstancia muito attendivel. O adiamento póde ser definido ou temporario...» •

Já vê a camara que todas as considerações que_ o digno par apresentou demonstram bem que a sua moção esta na letra d'este artigo.

Mas, sr. presidente, se alguns dignos pares têem visto os documentos a que se refere a moção do digno par, o sr. -conde d'Avila, muitos ha que ainda os não viram, e é preciso que elles todos os examinem. Parece-me que é este o unico motivo porque o digno par, o sr. conde d'Avila, fez a sua proposta (apoiados). O adiamento proposto pelo digno par, o sr. conde d'Avila, é temporario, porque s. ex.ª propõe que a commissão dê o seu parecer e depois se trate do negocio.

Aqui estão as idéas do digno par claramente expostas. (apoiados). Eu estou só a definir a natureza da proposta do digno par, o sr. conde d'Avila, que é um pouco differente da que apresentou o digno par, o sr. Sebastião José de Carvalho, talvez por não ter presente o regimento. Por consequencia a mesa não póde deixar de proceder na conformidade d'este artigo, e restringir-se á decisão da camara (apoiados).

O sr. S. J. de Carvalho: — Insistiu sobre a idéa de que a moção apresentada pelo digno par, o sr. conde d'Avila, importa um adiamento, mas tambem que se podia considerar como questão previa, prejudicando portanto a questão principal, que é a sua moção de ordem, bem como a do digno par o sr. Silva Cabral. Por consequencia se a moção do digno par, o sr. conde d'Avila, for approvada, ha de suspender-se a discussão do objecto de que a camara se tem occupado até á publicação e apresentação do relatorio da commissão e mais documentos que forem remettidos. D'isto se seguirá não haver discussão sobre a questão principal. Vozes: — Votos, votos.

O sr. Ministro da Guerra: — Eu devo declarar á camara que approvo a proposta apresentada pelo digno par, o sr. conde d'Avila, porque desejo que a camara tenha todos os esclarecimentos necessarios para prestar o seu voto consciencioso (muitos apoiados).

O sr. Conde da Taipa: — Expoz os fundamentos em que baseava o seu voto, entendendo que antes de qualquer votação deve haver tempo para sobre ella se fazerem considerações (muitos apoiados).

O sr. Izidoro Guedes: — Considerando que a proposta do digno par, o sr. conde d'Avila, estava apoiada, e tinha tambem o assentimento do sr. ministro da guerra, requeria fosse posta á votação.

O sr. Presidente: — Vou po-la á votação.

Posta á volição foi approvada.

O sr. Marquez de Niza: — Eu proponho á camara que, como ainda temos algum tempo, se vote immediatamente a commissão a que se refere a moção do digno par o sr. conde d'Avila, o que requeiro.

Vozes: — Isso é que não póde ser.

O Orador: — A camara é que ha de decidir se póde ou não ser.

O sr. Presidente: — Uma commissão de tanta importancia como esta não se póde nomear já. A camara ha de necessariamente querer fazer uma rigorosa escolha e por isso precisa pensar.

O sr. Conde d'Avila: — Começarei por agradecer á camara a honra que me fez approvando a minha proposta. E em quanto á nomeação, agora, da commissão direi, que a minha proposta foi redigida n'um espirito de civilisação, e com o intuito de manter a dignidade d'esta camara, levando-a a proclamar os verdadeiros principios sobre algumas das questões que se levantaram durante o debate. Entendo pois que a commissão deve ser composta das primeiras capacidades d'esta camara, em relação aos assumptos de que tem de se occupar; que devem entrar n'ella os distinctos generaes, os abalisados jurisconsultos que tem aqui assento. Carecemos portanto de algum tempo, que não temos agora que esta a dar a hora, para nos concertarmos e fazermos uma boa escolha. Eu pedia por isso ao digno par o sr. marquez de Niza que não insistisse na sua proposta, e a V. ex.ª que desse a nomeação da commissão para ordem do dia da primeira sessão (muitos apoiados).

O sr. Marquez de Niza: — Eu desisto porque vejo a camara inclinada para isso, quando não, não desistiria.

O sr. Presidente: — Muito bem. A primeira sessão será na sexta feira, e a ordem do dia a nomeação da commissão de inquerito, proposta pelo sr. conde d'Avila, e mais dois pareceres da commissão de fazenda.

Esta fechada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 15 de fevereiro de 1865

Ex.mos srs. Conde de Castro

Marquez de Alvito

Marquez de Ficalho

Marquez de Fronteira

Marquez de Niza

Marquez de Sabugosa

Marquez de Vallada

Conde d'Avila

Conde de Fonte Nova

Conde da Louzã

Conde de Mello

Conde de Peniche

Conde de Santa Maria

Conde do Sobral

Conde de Thomar

Visconde de Condeixa

Visconde de Gouveia

Visconde de Ribamar

Visconde de Soares Franco

Barão de Ancede

Barão de S. Pedro

Antonio de Azevedo Coutinho Mello e Carvalho

Alberto Antonio de Moraes Carvalho

Antonio José de Mello (D.)

Antonio Luiz de Seabra

Antonio de Macedo Pereira Coutinho

Bazilio Cabral Teixeira de Queiroz

Diogo Antonio Correia de Sequeira Pinto

Felix Pereira de Magalhães

Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão

Amaral Osorio de Sousa

Joaquim Antonio de Aguiar

Joaquim Filippe de Soure

José Bernardo da Silva Cabral

José Joaquim dos Reis e Vasconcellos

José Lourenço da Luz

José Maria Baldy

José Gerardo Ferreira Passos

Luiz Augusto Rebello da Silva

Luiz do Rego da Fonseca Magalhães.

José de Menezes Pita Sebastião

José de Carvalho Vicente Ferrer Neto Paiva.

Entraram durante a sessão:

Ex.mos srs. Duque de Loulé

Marquez da Ribeira

Marquez de Vianna

Conde de Alva

Conde da Taipa

Conde de Linhares

Ex.mos srs. Conde de Paraty

Conde de Rio Maior

Visconde de Fornos de Algodres

Visconde de Ovar

João de Almeida Moraes Pessanha

José Augusto Braamcamp

José Izidoro Guedes

Luiz de Castro Guimarães

Manuel Antonio Vellez Caldeira Castello Branco

Miguel do Canto e Castro

José da Costa Pinto Bastos

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