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APPENDICE Á SESSÃO N.° 21 DE 25 DE AGOSTO DE 1807 248-A

Discurso do digno par Hintze Ribeiro que devia ler-se a pag. 247 da sessão n.° 21 de 25 de agosto de i897

O sr. Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro: - Quizera entrar n'esta discussão com inteira despreoccupação do passado, para só attender ás difficuldades do presente. Quizera vir ao debate de animo sereno, trazendo singelamente o pouco que sei, o que amargamente tenho aprendido na lição dos factos e na severidade da experiencia.

A questão de fazenda é bastante grave para que todos os homens publicos, todos os portuguezes, se congreguem no intuito e esforço commum de a resolver.

Disse-o já aqui, discutindo a resposta ao discurso da coroa, e ainda hoje o repito.

Ha muito me convenci, sr. presidente, de que, infelizmente, os maiores inimigos do nosso credito temos sido nós mesmos. Porque, levianamente, arrastados por paixões politicas de momento, temos, no impulso das nossas dissidencias partidarias, ido até ao ponto de fazermos a proclamação da nossa ruina, de sermos os arautos da nossa desgraça, de por toda a parte deitarmos o pregão da nossa fallencia, asseverando a impossibilidade de salvamento. (Apoiados.)

E são precisamente estes lamentaveis arrancos de desespero que, echoando e repercutindo-se lá fóra, tem sido causa de que os mais acerbos commentarios, que de nós se tem feito na imprensa estrangeira, assentem na propria transcripção das palavras, mais do que inconsideradas, proferidas no nosso paiz. (Apoiados.)

Longe de mina, sr. presidente, - comprehendo bem os deveres que me impõe a posição politica que occupo - longe de mim o intento de, por qualquer fórma, concorrer para que a questão de fazenda se torne dia a dia mais difficil de resolver.

Quizera até, como disse, entrar n'este debate tão sómente para dizer á camara, nesta conjunctura que eu reputo difficil, mas não desesperada (Apoiados.), o que en- 1 tendo se possa e deva fazer, entre todos, a bem da nação.

Bem. comprehende, porém, v. exa. que, antes de tudo, para que serena e desaffrontadamente possa entrar n'esse terreno de mutua e desapaixonada collaboração, tenho de aferir e liquidar responsabilidades, que não quero nem posso dignamente postergar aqui.

É este o momento de se apurarem; apuradas ficarão.

Tive a honra de presidir a um governo que, apesar de tanto se esforçar pelo bem publico, de ao paiz prestar todos os serviços que julgou ao seu alcance, foi a cada momento atacado, combatido, malsinado por aquelles que são hoje os depositarios do poder.

Se tão só fóra d'este recinto, na imprensa, cujos desmandos são entre nós frequentes, isso acontecesse, deixaria que onde a aggressão se deu ahi se desse a resposta. Mas não, essas invectivas, esses clamores indignados e soberanamente injustos contra uma administração que honradamente se empenhou em cumprir o seu dever, reproduziram-se aqui.

E nem só um ou outro membro d'esta camara tem por vezes procurado lançar sobre o gabinete a que presidi accusações mais do que violentas, immerecidas, senão que o proprio sr. ministro da fazenda successivamente, nos seus mais importantes documentos officiaes, tem, com accintosa insistencia, pretendido concitar o desfavor e o descredito contra os seus antecessores.

Isso lhe não posso consentir. Não posso, por dever meu, passar em silencio o que de injusto e inexacto se contém nas palavras de s. exa., Faltaria, se assim procedesse, ao que devo a mim proprio, aos que hontem foram meus collegas no governo, aos que hoje, amigos e partidarios, luctam como eu na opposição, e sobretudo ao que devo ao meu paiz, que de cada qual tem o direito de exigir que, com verdade e isenção, de conta dos actos que praticou.

Porque, note v. exa., não é a uma qualquer phrase do sr. ministro da fazenda, mais ou menos impensadamente proferida- no calor de um discurso parlamentar, que venho responder. E a asseverações que, sendo calculadamente feitas em detrimento do ministerio passado, tiveram uma larga e fatalissima repercursão no estrangeiro, que se traduziu em menoscabo de tudo o que é nosso, quando aliás não eram uma expressão de verdade.

Os documentos estão aqui; sobre elles direi, e a camara ajuizará.

Nós caímos era 6 ou 7 de fevereiro e logo, a poucos passos, vinha o sr. ministro da fazenda lançar aos quatro ventos da publicidade um relatorio, em que da administração passada se dizia o seguinte:

"A situação, em principios do corrente mez de fevereiro, dos creditos que a lei de 13 de maio de 1896 concedeu para as despezas publicas na metropole, no exercicio de 1896-1897, demonstra, conforme o apuramento feito pela direcção geral da contabilidade publica, no relatorio junto:

"1.° Que estão por legalisar despezas já pagas na importancia de 1.690:370$354

"2.° Que existem dividas de serviços correntes, não pagas por falta de auctorisação, na importancia de 1.195:767$438

"3.° Que, para satisfazer os encargos de todos os serviços publicos até 30 de junho proximo, é mister dotar as verbas orçamentaes com mais 2.194:190$317

"Somma 5.080:333$109

"Taes são as circumstancias em que se encontra o governo, mercê dos supprimentos feitos pelo thesouro aos diversos ministerios sem a preliminar expedição de ordens de pagamento nos termos legaes, das dividas avultadas, contrahidas com fornecedores, empreiteiros e outros, e das antecipações de despeza alem dos duodecimos das verbas correspondentes do orçamento, que, em parte, se acham inteiramente exhaustas."

E acrescentava:

"Não é do governo actual a responsabilidade d'esta situação."

Para ferir os seus adversarios politicos, não duvidava s. exa. menosprezar a verdade dos factos, assoalhando a pretendida ruina do paiz!

Passado tempo, chegava s. exa. ao parlamento; apresentando o seu* orçamento rectificado, e referindo-se ao orçamento que fôra proposto pelo ministerio anterior, escrevia no relatorio d'aquelle grave diploma:

" Quizera eu poder conformar-me inteiramente com esta proposta, já pela incontestavel auctoridade do estadista que a firma, já pela valiosa circumstancia de apresentar um saldo positivo. Mas o governo, apesar de ter ordenado, dentro das leis vigentes, a suspensão de todas as despezas que se lhe afiguraram injustificadas, fazendo assim as economias compativeis com a regularidade dos serviços pu-

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248-B APPENDICE Á SESSÃO N.° 21 DE 25 DE AGOSTO DE 1897

blicos, reconheceu, pelo exame cuidadoso de iodas as verias descriptas no orçamento de 18 de janeiro ultimo, que lhe cumpria rectificar os calculos em que este se baseara, de maneira que o cômputo das despezas, para o exercido futuro, suja feito com a maxima exactidão possivel em trabalhos d'esta natureza, e sem a preoccupação de attenuar apparentemente os encargos que pesam de facto sobre o thesouro.

"Igual observação se applica ao orçamento das receitas apresentado pelo meu illustre antecessor."

Aqui, era o sr. ministro da fazenda a auctorisar officialmente a insinuação, que a malevolencia de um facciosismo desorientado procurara espalhar, sem attenção nem escrupulo, de que eram propositadamente inexactos os orçamentos que até então haviam sido apresentados ás, côrtes, como inexactas eram. as contas com que elles mais tarde-se justificavam!

Mas nem só isto veiu s. exa. dizer.

Para que nem um unico documento, emanado de s. exa., deixasse de ter o cunho da sua aggressiva intenção contra os actos da administração passada, foi assim que, no relatorio das suas propostas de fazenda, synthetisou o que encontrara no assumir a direcção dos negocios do thesouro:

"Senhores: - Accentuada depressão cambial com tendencia para a baixa, mal-estar geral em todas as manifestações da vida economica, reclamações insistentes dos fornecedores do estado por falta de pagamento das suas contas, insufficiencia das verbas orçamentaes para a manutenção dos serviços publicos, divida fluctuante de réis 30.914:845$227 no paiz e de £ 601:212 no estrangeiro, obrigação de pagar, alem d'isso, até o fira do anno economico, £ 353:000 de coupons da divida externa e outros encargos inadiaveis: tal foi o concurso de circumstancias oppressoras, que ao actual governo se deparou quando chamado aos conselhos da corôa."

Como se isto. e só isto, se deparasse á sua attenção afflicta! Como se o paiz sem vitalidade, e o thesouro sem recursos, estivessem no ultimo estrebuxar da agonia!

Comprehende, portanto, v. exa. por que ha pouco eu disse que, se bem quizera entrar n'este debate olhando só ás dificuldades do presente, no sincero intuito de cooperar na sua melhor resolução, todavia me não era dado fazel-o sem liquidar as responsabilidades do passado. E que tenho, antes, este dever a cumprir. É que primeiro me incumbe arredar de sobre a administração, em que collaborei, culpas que não tem, tornando bem patente o que, de falso e de capcioso, ha nas arguições que este governo ousou 1 fazer-lhe; e, só depois de completo o desaggravo, poderei, na serenidade da minha consciencia e na forca da minha, convicção, dizer o que penso e entendo na questão de fazer da tal como hoje se nos apresenta.

Sr. presidente, para pôr bem ao alcance de todos o que realmente foi a administração financeira do gabinete a que tive a honra de presidir, apresento d'ella uma conta rigorosa e exacta, verdadeira conta de caixa, em que tudo, dia a dia, real a real, se especifica e descreve:- a situação do thesouro quando formámos ministerio:; o que desde então entrou e saiu dos cofres do estado, até ao momento em que deixámos o governo.

Essa conta, não a faço com documentos meus, com apontamentos que só eu tenha; faço-a com documentos publicados pelo actual sr. ministro da fazenda, documentos officiaes que são da sua responsabilidade, para que ninguem possa pôr em duvida o que affirmo.

Para isso, como a camara comprehende, e de si é obvio, não me basta compulsar as notas da divida fluctuante; tenho de fazer um balanço completo, verba a verba, do que foi propriamente o activo e passivo da nossa gerencia; porei assim ante o parlamento um resultado preciso e exacto.

Eis a conta, devidamente formulada:

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APPENDICE Á SESSÃO N.° 21 DE 25 DE AGOSTO DE 1897 248-C

Balanço da administração financeira dos dois ultimos ministerios, feito respectivamente, desde a data da sua constituição até ao dia da sua demissão

[Ver valores da tabela na imagem.]

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248-D APPEND1CE Á SESSÃO N.° 21 DE 25 DE AGOSTO DE 1897

Como a camara vê, estava a divida fluctuante, interna e externa, em 22 de fevereiro de 1893, quando se organisou o ultimo ministerio regenerador, em 18.413:394$045 réis; os saldos existentes em cofre eram de 1.971:600$807 réis; deduzidos os saldos, cifrava-se, pois, em réis 16.441:793$23S aquella divida. Quatro annos depois, em 6 de fevereiro de 1897, montava a 33.845:300$227 réis, havendo em cofre 3.147:945$224 réis, e em deposito, para os encargos da divida consolidada, 1.297:395$101 réis, o que dá,, abatidos os saldos e o deposito, que representam disponibilidades em ser, um montante de 29.399:959$902 réis. O augmento foi, pois, n'esta parte, de 12.958:166$664 réis.

Mas não é só isto.

Para tudo referir com absoluta exactidão, devo acrescentar ainda o producto da venda de tilulos, realisada durante a minha gerencia..

De emprestimos nada tenho a descrever aqui, porque o unico emprestimo a longo praso, que fiz, foi o de 3:000 contos de réis, que tem applicação especial ao pagamento dos navios de guerra que se estão construindo.

Da venda de titulos, o producto que se auferiu foi de 2.250:867$762 réis, que, juntos aos 12.958:166$664 réis que já apurei, perfaz um augmento de 15.209:034$426 réis.

Estou prompto a juntar ainda a esta somma os réis 1.195:767$438 que o sr. ministro da fazenda declarou, no relatorio do seu decreto sobre a abertura de creditos extraordinarios, representarem a importancia das despezas que encontrou liquidadas e não pagas; o augmento eleva-se d'esta fórma a 16.404:801$864 réis.

Mas pela mesma rasão, e com o mesmo direito, tenho eu de levar, a favor do ministerio passado, toda a importancia das despezas que teve de pagar por conta das administrações que o precederam, e que representam dividas anteriores á sua gerencia. (Apoiados.)

A importancia d'essas despezas, que foram successivamente pagas por meio de creditos especiaes, abertos por decretos, cujas datas posso ler á camara se quizer, e que aliás se acham todos devidamente publicados no Diario do governo, foi de 2.775:453$257 réis.

Encontrada esta importancia no augmento, que apurei, de 16.404:801$864 réis, fica esta reduzida a 13.629:348$607 réis.

E nem só isto tenho de abater, para ser perfeitamente, rigoroso e exacto.

N'esses 13.629:348$607 réis estão comprehendidos:

- 2.496:762$476 réis, que o estado devia aos bancos do Porto pela operação das classes inactivas e que eu paguei pelo credito aberto em conta corrente no banco de Portugal, não representando isto uma despeza effectuada durante a minha gerencia, mas unicamente a solução de uma divida anterior;

- 234:373$090 réis, adiantamento feito á companhia de Ambaca, reembolsavel nos termos do contrato de 20 de outubro de 1894, e que, portanto, representa hoje um credito a receber;

- e 370:601$140 réis, preço do custo da prata que comprei para a cunhagem da moeda commemorativa do centenario da descoberta da India, consoante a auctorisação votada pelo parlamento, e de que o thesouro se hade rembolsar, no proximo armo quando lançada essa moeda em circulação.

Perfazem estas tres verbas uma somma de 3.101:737$206 réis, que não representa desequilibrio entre as receitas e as despezas proprias d'aquella gerencia, mas sim pagamento de dividas anteriores, ou adiantamentos reembolsaveis pelo thesouro, e que, por consequencia, se tem de descontar no passivo de 13.629:348$607 réis, que já descrevi, reduzindo-o a 10.527:611$401 réis.

Aqui tem a camara a que se reduz, a final, num largo e accidentado periodo de quatro annos, o deficit de toda a ultima administração regeneradora, que tanto se procurou malsinar.

E sabe v. exa., sr. presidente, o que n'esse deficit se contém?

Contem-se a indemnisação de 682:644$928 réis, que tivemos de pagar ao empreiteiro das obras do porto de Lisboa, em virtude de um contrato, que não fizemos nem desfizemos, mas por cuja inobservancia, que tambem não foi da nossa responsabilidade, houvemos de pagar aquella quantia.

Contem-se, mais, a parte que pagámos, na importancia de 132:395^539 réis, da indemnisação que foi arbitrada aos empreiteiros da doca de Ponta Delgada, indemnisação resultante de um contrato que tambem não fizemos, e de um caso de força maior que sobreveiu, e para o qual em nada concorremos, qual foi o do desmorona-me QÍO produzido pelos temporaes de ha dois annos.

E, emfim, se contêem todas as extraordinarias despezas que nos reclamaram as expedições, que nas nossas possessões de alem mar foram, tão brilhantemente, defender a honra e a gloria da bandeira portugueza; despezas que sommaram 2.978:573$642 réis.

Deduzida a importancia d'aquellas indemnisações, a que não demos causa, e que, portanto, não são propriamente de responsabilidade nossa, e abstraindo d'estas despezas, de sua natureza absolutamente imprevistas, e que se impuzeram ao governo como um indeclinavel dever de soberania, o desequilibrio entre as receitas e despezas, entre o que entrou e o que saiu durante os quatro annos de administração do governo transacto, foi de 6.733:997$292 réis.

Devendo, ainda, notar-se que, para esse desequilibrio, assim computado, concorreram duas cousas: a primeira foi que nós entrámos em fevereiro de 1893, no decurso de um anno economico cujo orçamento não fizeramos, e cujo deficit na maior parte de responsabilidade anterior á nossa, foi de 6.137:529$591 réis na gerencia, de 5.625:835$652 réis no final do exercicio; a segunda é que saímos em 6 de fevereiro de 1897, tambem no decurso de um anno economico, cujo- primeiro semestre fora, pelo aggravamento dos cambios e pela diminuição das receitas aduaneiras, excepcionalmente gravoso, accusando as contas mensaes, até ao fim de janeiro, una deficit de 1.675:323$856 réis.

Porque nos tres annos completos da nossa administração, os de 1893-1894 a 1890-1896, o deficit, comprehendendo todas as despezas, mesmo as das expedições á Africa e á India, foi, ao todo, como logo mostrarei, tão só de 3.821:843:199 réis pelas contas de gerencia, de 3:032:581$926 réis nos tres exercicios.

Aqui está o que foi a nossa gerencia. Não teme o confronto de nenhuma outra. Attesta o mais sincero esforço; por bem servir o paiz.

E, todavia, fomos, a cada momento, accusados de malbaratar os recursos do thesouro, descurando as receitas e avolumando as despezas! Accusou-nos d'isso o partido progressista. E ainda hoje, estando no governo, pretende desviar de si as responsabilidades do que faz, lançando-as á conta do que nós fizemos! Elle que tem no seu passivo - melhor dissera eu no passivo do thesouro,- toda a sua administração de 1886 a 1890!

Pois os factos são recentes, a conta é ainda facil de fazer. Dos documentos d'esse tempo a extraio.

É esta:

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APPENDICE Á SESSÃO N.° 21 DE 25 DE AGOSTO DE 1897 248-E

Balanço da administração financeira de 20 de fevereiro de 1886 a 14 de janeiro de 1890

[Ver valores da tabela na imagem.]

Elevou-se, durante aquella administração, a divida fluctuante, de 12.429:508$870 a 25.368:8860808 réis, diminuiram, no mesmo tempo, os saldos em cofre, de 6:426 a 4:584 contos de réis; feito o respectivo encontro, e deduzido o adiantamento precedentemente feito aos bancos do Porto, na importancia de 130 contos de réis, o augmento foi, em cerca de quatro annos, de 14.781:177$938 réis.

Mas não foi só esse. Tem de se lhe accrescentar o producto dos emprestimos; e esse foi, em numeros redondos, de 31.671 contos.

Ao todo, um augmento, no passivo do thesouro, superior a 46.452 contos de réis.

Deduzindo: os 6:500 contos de réis, despendidos na expropriação das fabricas dos tabacos; e ainda 401:527$962 réis, saldo da conta corrente aberta para o ultramar, nos termos da lei de 22 de março de 1886; - cifra-se em 39.550 contos de réis, approximadamente, o deficit da ultima administração progressista!

E são os responsaveis por essa administração que nos accusam!

Pois não é quem tem, do seu passado, tradições desta ordem, que póde arrogar-se jurisdicção e auctoridade para arguir os que, sem emprestimos ruinosos, nem operações de mau quilate, desveladamente procuraram occorrer aos encargos de uma administração, que encontraram enredada em questões de toda a ordem, que, dentro e fóra do paiz, nos ameaçavam e opprimiam.

Vejamos agora o que tem sido, e o que está sendo, a administração do actual governo.

Não posso, como bem se comprehende, formular sobre ella uma tal conta tão minuciosa, fazer-lhe um balanço tão completo, como fiz para as ultimas situações ministeriaes a que me referi. Faltam-me para isso documentos que ainda não estão publicados.

Tenho, todavia, nos documentos que instruem o relatorio, ha pouco apresentado pelo sr. ministro da fazenda, e nos que successivamente tenho pedido nesta camara, elementos bastantes para dar á camara uma idéa do que tem sido, desde 7 de fevereiro até hoje, a administração d'este governo.

Em 7 de fevereiro do corrente anno, a divida fluctuante

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248-F APPENDICE Á SESSÃO N.° 21 DE 25 DE AGOSTO DE 1897

estava: no paiz, em 30.914:845$227 réis; no estrangeiro em 2.930:455$000 réis; o que dava uma totalidade de 33.845:300$227 réis.

Ha pouco, em 6 de junho, já a divida fluctuante interna se elevava a 32.555:715$311 réis, isto é, a mais réis 1.640:870$084; a divida fluctuante externa elevava-se t 4.083:837$130 réis, e, portanto, a mais 1.153:3820130 réis; ao todo, um augmento de 2.794:252$214 réis.

Mas, infelizmente, não é só isto; isto é o que dá propriamente a conta da divida fluctuante. Mas não é tudo o que tem de entrar em conta, para se apurar o desequilibrio da gerencia actual.

Pelos documentos que tenho aqui, enviados á camara sobre repetidas requisições minhas, apura-se que o governo vendeu, em 20 de março, inscripções no valor nominal de 4.207:800$000 réis, recebendo por ellas 1.386:486$575 réis effectivos.

Por outro lado, o deposito, feito no banco de Portuga para occorrer aos encargos da divida publica, que em 1 de fevereiro era de 1.297:395$101 réis, diminuira, em 30 de junho, para 1.089:603$800 réis, accusando, assim, uma differença, para menos, de 207:791$301 réis. Dos saldos em cofre, que em 7 de fevereiro eram de réis 3.147:945$224, não tenho a cifra exacta em 30 de junho mas seguramente não estariam em mais de 2:800 contos attendendo aos pagamentos do fim do semestre.

Juntando, pois, aos 2.794:252$214 réis, de augmento na divida fluctuante, os 1.386:486$570 réis, producto da venda de inscripções, e ainda a diminuição de réis 555:736$525 nos saldos e depositos em caixa, temos que em 30 de junho, quando apenas cinco mezes eram decorridos depois da constituição d'este governo, já o desequilibrio financeiro, a differença entre o que entrára e o que saíra do thesouro publico, representava um aggravamento, um deficit, de 4.736:475$314 réis. Cerca de 1:000 contos de réis por mez!

Isto em junho; de então para cá, apuremos, dos documentos que vieram á camara, qual vae sendo a progressão d'esse desiquilibrio.

Em 31 de julho, só no paiz, afóra o augmento dos nossos debitos no estrangeiro, que não posso precisar, porque d'esses não veiu ainda nota exacta, tinhamos: mais 139:800$000 réis na divida por escriptos do thesouro, comprehendendo: mais 400contos de réis no montepio geral; mais 218:418$636 réis no debito ao banco de Portugal, pela conta corrente; menos 549:214$949 réis no deposito para a junta do credito publico; o que, sommado, representa ainda um aggravamento de deficit de 907:433$585 réis, só no mez de julho.

N'este mez de agosto, que vae correndo, já eu sei, pelos documentos vindos hoje do ministerio da fazenda, que até ao dia 21 crescera a divida ao banco de Portugal em 1:000 contos de réis, diminuindo apenas em 50 contos a que se contrahíra com o monte pio geral, avolumando-se, por conseguinte, o desequilibrio do thesouro em mais 950 contos de réis.

Mas, sr. presidente, por isto que acabo de dizer, em vista dos documentos que, com esforço meu, tenho obtido do ministerio da fazenda, - e que não dizem tudo, porque nem tudo se encontra n'elles, e só mais tarde se poderão colligir todos os elementos necessarios para uma conta rigorosa e precisa, - vê-se que em sete mezes incompletos, de 7 de fevereiro a 21 do corrente mez de agosto, já o déficit, a differença entre o que do thesouro tem entrado e saido, durante a administração d'este governo, vae em cerca de 7:000 contos de reis!

Em menos de sete mezes de gerencia deste ministerio, o deficit que se apura é já superior ao que se produziu em todos os quatro annos da ultima situação regeneradora!

E são estes os nossos censores!

Agora pergunto: com que- direito alienou o sr. ministro da fazenda titulos de divida publica que pertenciam ao estado?

Entre os documentos que me vieram do ministerio da fazenda, tenho aqui mu referente a uma operação sobre prata, que o governo parece ter ajustado e a que logo mais de espaço me referirei, em que se diz textualmente o seguinte:

"Illmos. e exmos. srs.- Respondendo ao officio de v. exas. de 24 de fevereiro findo, a respeito da forma escolhida pelo governo para o pagamento da prata a que se refere o contrato de 20 do mesmo mez, tenho a honra de declarar a v. exas. que, por despacho de hoje, foi resolvido que tal pagamento se realise de prompto em inscripções, nos termos do citado contrato, attendendo á cotação que então tinham no mencionado dia 20 de fevereiro.

" Deus guarde a v. exas. Direcção geral da thesouraria, 3 de março de 1897. = Illmos. e exmos srs. Henry Burnay & C.ª = L. A. Perestrello de Vasconcellos."

Foi para pagar a prata, a que se refere este documento, que o sr. ministro da fazenda vendeu inscripções no valor nominal de 4.207:850$000 réis?

Tenho, a este respeito, de fazer uma declaração muito peremptoria.

Li, num jornal affecto ao governo, que esta venda de inscripções era o resultado de uma acquisição de prata já contratada e feita antes da entrada d'este governo.

Se a referencia visa o ministerio passado, declaro que é absolutamente inexacta.

Não houve, feita por mini, ou por outro qualquer membro do gabinete a que presidi, acquisição alguma de prata, alem da que se fez, auctorisada pelas côrtes, para a cunhagem da moeda commemorativa do centenario da India; essa fez-se quando o sr. director da casa da moeda, hoje ministro das obras publicas, julgou que o momento era opportuno, attento o baixo preço por que a prata estava nos mercados estrangeiros, e o pagamento realisou-se, não por venda de inscripções, mas em dinheiro do thesouro, por meio de um credito que se abriu, nos termos da lei que fôra votada especialmente para esse fim.

Não foi, por consequencia, esta venda de titulos relativa a nenhuma operação de prata que eu fizesse.

Mas, perguntava eu ao sr. ministro da fazenda com que direito, e fundado em que lei, tinha s. exa. vendido titulos do estado. E, a este respeito, lembrava-me do que, não ha muito tempo, se passou entre mim e a junta do credito publico ácerca da creação de titulos de divida publica. Cito o facto porque depõe a favor do extremo escrupulo e meticulosidade com que a junta do credito publico tem exercido as funcções que, por lei de 20 de maio de 1893., lhe ficaram pertencendo.

No contrato que fiz com o banco de Portugal, em 9 de fevereiro de 1895, consegui libertar para o governo a faculdade de emissão dós 9:000 contos de réis complementares do emprestimo dos tabacos, que se encontrava presa, hypothecada áquelle banco, por virtude de supprimentos que este fizera ao thesouro em 1891, compromettendo-me eu a substituir essa caução pela de titulos internos, inscripções, que o banco iria successivamente vendendo, aproveitando os preços do mercado, sem todavia prejudicar as cotações, dando-se assim cumprimento ao que precedentemente se estipulara no contrato de 14 de janeiro de 1893.

Para isto tornava-se necessario crear os titulos indispensaveis para esta caução se effectuar.

N'esse intuito, se inseriu no decreto de 28 de junho de 1895 uma clausula, a dó artigo 1.º, § 2.º, declarando-se em vigor as auctorisações concedidas por differentes leis sara a creação de titulos destinados a determinadas operações do thesouro.

O decreto era dictatorial, a creação .dos titulos, para se tornar effectiva, só dependia da junta do credito pudico.

Tenho na junta do credito publico amigos pessoaes, que

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por certo desejariam auxiliar-me na prompta execução de um contrato que fora, em muito, vantajoso para o estado. E, comtudo, tive de aguardar, para essa creação de titulos, que as côrtes se reunissem e expressamente a auctorisassem, porque a junta do credito publico entendeu não poder, em tal assumpto, fazer obra por um decreto dictatorial, pois que a creação ou alienação de titulos d'estado representava uma operação de credito, que só por lei se podia levar a effeito.

E só por virtude da auctorisação, especialmente inserida ha lei de 13 de maio de 1896, pude crear os titulos necessarios para a caução a dar ao banco de Portugal, em substituição da que eu resgatára.

Citei adrede este facto, hoje que o sr. ministro da fazenda pretende tirar da junta do credito publico o serviço da nossa divida, e commettel-o a outra entidade porventura mais accommodaticia, para mostrar quanto aquella corporação tem sido escrupulosa e severa no cumprimento dos seus deveres.

Mas se isto assim é, se não cabe nas faculdades cio governo crear ou alienar titulos de divida publica, e é isso attributo do poder legislativo, pergunto: com que direito vendeu o sr. ministro da fazenda inscripções na posse do estado?

Foi para realisar uma qualquer operação de prata, que eu desconheço? Foi para acudir a urgencias do thesouro? Fosse para o que fosse, em caso algum podia o sr. ministro da fazenda vender titulos sem auctorisação do parlamento, porque eram propriedade do estado, que s. exa. não podia alienar por simples acto do poder executivo.

Quererá talvez o sr. ministro responder-me que de um documento, que em tempo publiquei, e que s. exa. agora additou, que é um mappa dá divida fluctuante, referente, por semestres, aos ultimos annos decorridos, consta ter-se feito venda de titulos durante a minha gerencia, na importancia de 2.250:867$762 réis, como eu proprio tive, ha pouco, occasião de dizer.

Prevenindo essa resposta, tenho a advertir que essa venda foi: de obrigações dos tabacos, emittidas em 1891 e logo após retrocedidas ao thesouro, que eu estava, por lei auctorisado a collocar, e sobre que fiz, em 1894, uma operação, de accordo com o banco de Portugal, de que já dei conta ás côrtes; e de titulos que serviam de caução a supprimentos contratados pelo governo, anteriores á minha gerencia, com a clausula de venda para pagamento. Mas que eu mandasse vender inscripções, por acto meu; sem auctorisação legal, como agora fez o sr. ministra da fazenda, isso não.

E francamente, assim, como é que o poder legislativo, como é que a superior fiscalização dos actos do governo, se póde exercer, desde que elle se arroga a faculdade de, sem permissão das côrtes, sem consultar instancia alguma, lançar, em um dado momento, inscripções no mercado, vendel-as, apurar o seu producto, e com elle satisfazer encargos correntes ou effeituar operações de qualquer natureza?

Ora, o sr. ministro da fazenda não só vendeu inscripções, titulos de divida interna, mas, a ajuizar por um outro documento que tenho presente, se não vendeu ainda titulos de divida externa, como s. exa. peremptoriamente declara, é certo que ordenou já a sua venda.

O documento a que me refiro é este:

"Illmo. e exmo. sr. - Referindo-me á condição 1.ª do contrato celebrado com essa firma, em 20 do corrente, para um supprimento ao thesouro de £ 600:000, encarrega-me s. exa. o sr. ministro da fazenda de participar a v. exa. que aquella somma deve ser posta á disposição do thesouro nas seguintes datas:

"Fr. 525:000 e marcos 400:760, ámanhã 24, para o coupon de abril proximo e iguaes sommas em 20 de março proximo.

"£ 30:000, approximadamente, até fim de marco proximo para satisfazer ao banco Lisboa & Açores o saldo de uma operação contratada em julho de 189Í5.

"£ 201:000 em tres prestações de £ 67:000 cada uma, nos dias 23 de abril, maio e junho, para o coupon externo de 3 por cento, vencivel em 1 de julho proximo.

"£ 50:000 em 15 de junho para o coupon externo da camara municipal de Lisboa.

"£ 200:000 para pagar a Baring os supprimentos em divida, venciveis em 1 e 10 de março, e cuja reforma é obrigatoria, em relação a £ 200:000, até 10 de junho, alem do saldo em conta do credito concedido ao governo.

"O saldo em fim de maio para nivelar a conta corrente com o Credit Lyonnais, cujo debito deve então attingir a cifra de fr. 2.000:000 approximadamente.

"Como a addição de £ 250:OuO respeita a dois supprimentos que teem a garantia de bonds da divida externa de 3 por cento, cujo encargo é sensivelmente inferior ao d'esses supprimentos, convem ao thesouro a venda dos titulos, não só para reduzir o encargo da operação, como para não avolumar a divida fluctuante externa.

"Em vista do exposto, esta direcção fará entregar á ordem de v. exas. os alludidos bonds na importancia total nominal de £ 1.425:000, logo que Baring seja embolsado por essa firma da importancia dos seus supprimentos, ficando v. ex.as auctorisados a promoverem, de accordo com o governo, a collocação dos mesmos bonds nas melhores condições possiveis e sem affectar sensivelmente a sua cotação nos mercados estrangeiros, applicando o producto da venda á amortisação do supprimento de £ 600:000, que na parte amortisada não fica sujeito á partilha no beneficio da melhoria cambial a que se refere a condição do respectivo contrato.

"Devo ainda acrescentar que os prasos designados no presente officio para a entrada de £ 600:000, poderão ser modificados se houver a reembolsar algumas das letras da divida fluctuante externa, venciveis durante o praso do supprimento.

"Deus guarde a v. exas. Direcção geral da thesouraria, 23 de fevereiro de 1897.-Illmo. e exmos. srs. Henry Burnay & Cie. = L. A. Perestrello de Vasconcellos.

"Está conforme. - 1.ª repartição da direcção geral da thesouraria, 6 de agosto de 1897. = Pelo chefe, Manuel N. Gomes da Fonseca."

Em presença d'este documento, mais uma vez pergunto ao sr. ministro da fazenda: em que lei se auctorisou para assim dispor de titulos de divida externa pertencentes ao estado?

Não conheço, positivamente o declaro, lei alguma que tal auctorisasse.

Posto isto, proseguirei na exposição que emprehendi. Irei, no desempenho da missão que me impuz, assignalando todos os pontos que são essenciaes na questão de fazenda, e mostrando assim, de modo bem claro, o que valem as declamações contra o ministerio passado, e a que triste situação nos vae o actual governo arrastando.

Não tenho, sr. presidente, nem posso ter tão cedo, uma conta de gerencia da exclusiva responsabilidade d'este governo, muito menos uma conta de exercicio. Estimarei que elle viva bastante para que mais de uma eu possa aqui apreciar; isso significaria que, tomando por melhor caminho, as condições do paiz auctorisavam a sua permanencia no poder. Mas tenho as contas de gerencia e exercicio da administração a que presidi, tenho as de todos os annos anteriores, a partir de 1851-1852.

Tanto me basta para a justificação e confronto que quero fazer.

Sr. presidente, de ha quarenta annos para cá, desde 1857-1858 até ao ultimo anno completo da minha responsabilidade, que foi o de 1895-1896, as melhores gerencias, os melhores resultados annuaes para o thesouro, foram precisamente os de 1893-1894 a 1895-1896.

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248-H APPENDICE A SESSÃO N.° 21 DE 20 DE AGOSTO DE 1897

Isto, não sou eu que o digo; consta dos documentos que o sr. ministro da fazenda apresentou ao parlamento.

Mostram elles que, depois de successivos deficits - que, de 5:464 contos de réis em 1857-1858, attingiram 13:036 contos em 1867-1868, 15:064 contos em 1869-1870, 10:903 contos em 1876-1877, e, seguidamente, 11:997 contos em 1888-1889, 14:924 contos em 1889-1890, 11:507 contos em 1890-1891, e 16:303 coutos em 1891-1892. - foi, a finai, o deficit de 356 contos de réis em 1893-1894. de 2:082 contos em 1894-1895, e de 1:382 contos em 1895-1896, contando-se, n'estas ultimas gerencias, todas as despezas ordinarias e extraordinarias, ainda as que foram feitas com as nossas expedições ao ultramar. Ora quando, em toda uma comparação de quarenta annos, se apura que as gerencias em que as despezas mais se cingiram ás receitas, e em que, portanto, menor desequilibrio se liquidou para o thesouro, foram precisamente as tres gerencias completas da ultima administração regeneradora, fundado direito tinhamos nós a que com mais justiça e verdade se apreciasse os nossos actos.

Mas, nem só pelas contas de gerencia, desejo que o parlamento ajuize.

No seu relatorio do fazenda, escreve o sr. ministro da fazenda:

"O exercido define melhor do que a gerencia a administração de um anno financeiro. Esta limita-se a registar tão sómente a entrada dos rendimentos do thesouro e a saida dos fundos para pagamento das despezas, desde 1 de julho até 30 de junho seguinte. O exercicio, pelo contrario, liga todas as operações activas e passivas aos actos de que ellas dimanam, constituindo, por assim dizer, um anno financeiro, que de si proprio aufere as receitas necessarias ás suas despezas, cousa alguma recebendo do anno anterior ou reservando para o seguinte."

Pois baseemo-nos nas contas de exercido.

Comecemos pelas receitas.

Quer v. exa. ver como nos ultimos dezenove annos, que tantos são os que o sr. ministro da fazenda colligiu nas contas que publica, a elevação das receitas se accentuou?

De 25:528 contos de réis, em 1877-1878, successivamente cresceram, com differentes oscillações, até que em 1895-1896 se cifraram em 51:912 contos.

Agora veja v. exa. a progressão do crescimento.

Estavam em 37:777 contos de réis em 1891-1892; de 1877-1878 até este anno o augmento foi, pois, de 12:249 contos, em quatorze annos, nos ultimos quatro annos, de 1891-1892 a 1895-1896, o augmento foi de 14:135 contos, maior, só por si, do que em todo aquelle longo periodo anterior.

E de toda a serie dos dezenove annos, foram os de 1893-1894 a 1895-1896, os tres annos da nossa exclusiva gerencia, aquelles em que as receitas mais avultaram, subindo de 42:748 a 45:852 contos de réis em 1893-1894, a 48:701 contos em 1894-1895, a 51:912 contos em 1895-1896.

É convincente o confronto.

Agora as despezas:

Foram de 34:332 contos de réis em-l877-1878; chegaram a 54:541 contos em 1890-1891; ficaram em 52:431 contos em 1891-1892; cifraram-se em 53:362 contos em 1895-1896. De 1877-1878 a 1891-1892, o augmento foi de 18:099 contos; de 1891-1892 a 1895-1896, foi apenas de 931 contos de réis.

Nas receitas, foram os tres annos da nossa exclusiva gerencia, os de 1893-1894 a 1895-1896 incomparavelmente superiores a todos os antecedentes; nas despezas, foram todos inferiores ao de 1890-1891, e ainda o de 1895-1896 em pouco se distanciou dos de 1888-1889, de 1889-1890, e de 1891-1892, quando aliás as receitas foram em muito superiores, em milhares de contos, ás de qualquer d'esses annos.

Em resumo: nos quatorze annos, que decorreram de 1877-1878 a 1891-1892, foi de 12:249 contos de réis o augmento das receitas, de 18:099 contos o das despezas; nos quatro annos que se seguiram, até 1895-1896, foi de 14:135 contos o augmento das receitas, de 931 contos de réis o das despezas.

É decisiva a comparação, nas conclusões a que leva.

Reportemo-nos, porém, especialmente ao tempo do ultimo ministerio progressista.

Deparámos com uma gerencia de quatro annos, que decorreu quando o oiro era abundante, muitas as suas remessas do Brazil, quando o credito era facil, largas disponibilidades de dinheiro aqui e lá fóra, quando as inscripções se cotavam a cerca de 60 por cento e os cambios não pesavam sobre o mercado.

Comparemos essa gerencia, de 1886 a 1890, com a de 1893 a 1897, que decorreu precisamente quando o oiro se esgotara no mercado, quando os estabelecimentos de credito estrangeiros nos haviam fechado as suas portas, quando os nossos titulos, por virtude da reducção de juros que se decretara tinham baixado rapidamente de cotação, quando o cambio se tornou, por isso, cada vez mais gravoso, quando, emfim, difficuldades de toda a ordem se accumularam e pesaram sobre nós.

Pois, apesar de tudo isso, quer v. exa. e a camara saber o que resulta da comparação?

É o seguinte:

De 1885-1886, exercicio durante o qual se constituiu o ultimo ministerio progressista, a 1888-1889, ultimo exercicio da exclusiva responsabilidade desse ministerio, elevaram-se, é verdade, as receitas de 31:896 a 37:760 contos d.e réis, havendo, portanto, um augmento de 5:864 contos; mas, parallelamente, subiram as despezas de 41:609 a 52:897 contos de réis, o que dá um acrescimo de 11:288 contos.

De 1892-1893, exercicio durante o qual se constituiu o ultimo ministerio regenerador, a 1895-1896, ultimo exercicio da exclusiva responsabilidade d'esse ministerio, subiram, é verdade, as. despezas de 48:374 a 53:362 contos de réis, havendo, portanto, um augmento de 4:988 contos; mas parallelamente se elevaram as receitas de 42:748 a 51:912 contos, o que representa um acrescimo de 9:164 contos de réis.

Assim, foi, na gerencia do ultimo ministerio regenerador, quando comparada com a do ultimo ministerio progressista, superior em 3:300 contos de réis a elevação das receitas, inferior em 6:293 .contos o augmento das despezas. E, portanto, ao passo que na gerencia progressista o augmento das despezas foi superior ao das receitas em 5:424 contos, o que em muito aggravou o desequilibrio do thesouro, foi, na gerencia regeneradora, o augmento das receitas superior ao das despezas em 4:176 contos de réis, o que representa notavel melhoramento na nossa administração financeira.

Posto isto, os resultados, quanto aos deficits dos respectivos exercicios, evidentemente, haviam de ser frisantes.

Assim é que, olhando para os mappas, que, das differenças entre as receitas e despezas dos exercicios de 1877-1878 a 1895-1896, nos apresenta o sr. ministro da fazenda no seu relatorio, se encontra o seguinte:

Nos tres exercicios, 1886-1887 a 1888-1890, da ulterior situação progressista, foram os deficits, successivamente, de 8:712, de 4:146, de 14:137 contos de réis. E ainda, nos tres exercicios seguintes, foram os deficits de 13:248, de 13:618, de 14:653 contos. Em 1892-1893 ainda o déficit foi de 5:625 contos de réis. Nos tres exercicios, de 1893-1894 a 1895-1896, da ultima situação regeneradora, os deficits foram apenas de 74 contos de réis, de 1:508 e de 1:449 contos de réis."

Isto diz tudo.

Póde alguem objectar: mas é que, de 1886 a 1889, o pagamento dos juros da divida fazia-se por inteiro, ao

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APPENDICE 1 SESSÃO N.° 21 DE 25 DE AGOSTO DE 1897 248-I

passo que de 1893 a 1897 foram elles reduzidos a um terço no estrangeiro, a 70 por cento no paiz.

É certo; mas, apesar dessa reducção, ainda a importancia dos encargos da divida publica, de 1893 a 1897, foi superior á dos que se pagou em 1886 a 1889.

O seguinte quadro, extrahido dos documentos publicados pelo sr. ministro da fazenda, o comprova:

[Ver valores da tabela na imagem.]

E aos encargos pagos neste3 ultimos annos ha ainda a acrescentar o do ágio do oiro, que em 1893-1894 foi de 2.013:363$339 réis, em 1894-1895 de 1.881:742$998 réis e em 1895-1896 de 2.084:421$070 réis, o que nos tres annos importou em 5.979:527$407 réis.

De fórma que, sendo a totalidade dos encargos da divida, no triennio de 1886-1887 a 1888-1889, de réis 48.776:498$955, foi, no triennio de 1893-1894 a 1895-1896, de 54.653:761$033 réis, ou mais 5.877:262$078 réis.

Acresce ainda que as despezas com as expedições á Africa e India, tornadas necessarias para a sustentação do nosso dominio ultramarino, nos custaram, nos tres ultimos exercicios, 2.382:691$648 réis, quando taes despezas não houve nos tres exercicios da situação progressista.

Pois apesar da diversidade de condições em que se effectuaram as duas administrações que comparamos, apesar de termos pago, nos exercicios de 1893-1894 a 1895-1896, mais 5:877 contos de réis, pelo serviço da divida publica, do que nos exercicios de 1886-1887 a 1888-1889, apesar de, n'aquelles exercicios, nos termos visto forçados a despender 2:382 contos de réis com expedições militares que nestes senão fizeram, - foi a totalidade dos deficits, nos tres exercicios progressistas, de 26.995:227$272 réis, quando só foi de 3.032:581^926 réis, comprehendido tudo, nos tres exercicios do ministerio regenerador que ha pouco se demittiu.

Em vista d'isto, com que direito e com que rasão vem o actuai governo e o seu partido, que tão tristes recordações deixaram da sua anterior administração, concorrendo mais do que nenhum outro para o descalabro da fazenda nacional, insinuar publica e officialmente, na imprensa e no parlamento, que foi nefasta a administração regeneradora, desperdiçadora e ruinosa para o paiz?!

Quem os não ouviu soltar clamores indignados quando, ao fim de quatro annos de improbos trabalhos, se demittiu o gabinete regenerador, chegando ao ponto de affir-marem: - que estavam vasios os cofres publicos, antecipadas as receitas, esgotados todos os recursos, e que o actual ministerio não encontrava, sequer, meios com que podesse occorrer aos encargos dos serviços publicos até 30 de junho!

Escreveu isto o sr. ministro da fazenda, em um sobre outro relatorio, com palavras que o digno par e meu amigo, o sr. Moraes Carvalho, muito propriamente alcunhou de dobrar de finados, tangido em menoscabo e descredito do paiz.

Pois, sr. presidente, os recursos que nós deixámos, conheço-os eu: os recursos que o sr. ministro da fazenda tem angariado é que eu não conheço.

Sei que, em 7 de fevereiro, deixámos 3 milhões e meio de francos á disposição deste governo no Credit Lyonnais, por conta do credito de 5.000:000 contos de réis, que eu ali abri. Sei que deixámos 3:526 contos de réis á ordem, na conta corrente com o banco de Portugal, que eu elevei, em credito gratuito, a 21:000 contos de réis. Sei que deixámos 1:297 contos de réis em deposito no mesmo banco, a favor da junta do credito publico, para satisfazer os encargos da divida publica. Sei que deixámos 3:148 contos de réis, em dinheiro, nos cofres do estado, como attesta o documento que aqui tenho, passado pela thesouraria. Sei que tudo isto somma 8:864 coutos de réis, em ser ou á ordem, muito mais do que o governo poderia precisar até ao fim do exercicio, correndo, como ainda estava, a cobrança das contribuições directas, e tendo consideravelmente crescido o rendimento de outros impostos, como os do sêllo e registo.

Sei, mais, que deixámos intactas, na posse do estado, 72:718 obrigações dos caminhos de ferro do norte e leste, que, pelo cambio de hoje, valem 5:029 contos de réis e que, obtida por nós a sua cotação, promptamente se valorisam.

Como sei, emfim, que deixámos livre a emissão de 6:000 contos de róis sobre o rendimento liquido dos tabacos, emissão que encontrei hypothecada ao banco de Portugal.

Foi esta a situação que deixámos em 7 de fevereiro. E agora vê a camara quão inexactamente foi essa situação descripta e apreciada nos relatorios do governo.

Restabelecida assim, clara e precisamente, a verdade dos factos, pergunto ao sr. ministro da fazenda: - o que tem feito para tão cedo chegarmos á perigosa situação de hoje?!

Sai do ministerio, sr. presidente, com a firme consciencia de ter esforçadamente cumprido o meu dever. Não julguei que houvesse alguem, que, sem rasão e criterio, podesse vir espalhar, aqui e lá fora, não só na imprensa do meu paiz, mas na imprensa de todo o mundo, que o ministerio a que eu presidira tinha deixado os cofres exhaustos, a nação sem recursos, a fazenda publica sem valimento, pondo assim o nosso credito de rastos pelos mercados estrangeiros.

Não julguei que alguem tivesse a leviana ousadia de aggravar a realidade dos factos, em detrimento e menoscabo do paiz, só cuidando de lançar sobre os seus adversarios politicos uma immerecida affonta.

Mas houve, sr. presidente, por desgraça do paiz, não por minha, que não tenho por mim valor que pese em tão decisiva balança.

Houve, para desgraça do paiz, que por isso se vê todos os dias abocanhado na imprensa estrangeira, como se fôra um paiz de rufiões, esquecido dos deveres de honra e brio na sua administração interna, como no implemento dos compromissos tomados.

E ao passo que os nossos soldados iam defender com o seu sangue, nas inclementes paragens africanas, o renome e integridade de Portugal, deixava o sr. ministro da fazenda que, das suas proprias palavras, irreflectidas e facciosas, tirassem os nossos detractores incessante argumento de vilipendiosa invectiva.

Em 25 de fevereiro, publicava s. exa. aqui um documento que seria um epitaphio vergonhoso para a nacionalidade portugueza, se fosse verdadeiro; felizmente que o não era. Publicava um decreto, em que espalhava aos quatro ventos que, antecipadas as receitas do estado, vazios os cofres do thesouro, exhauridos os recursos da nação, nem sequer até junho podiamos viver e regularmos as nossas contas, a não lançarmos mão de expedientes extremos, a não abrirmos creditos extraordinarios no montante enorme de 5:080 contos de reis!

Isto não era exacto, e ainda bem para o paiz que o não era.

Mas o effeito foi desastroso, como facil era de prever.

No .relatorio d'esse decreto poz o sr. ministro da fazenda em suspeição e descredito a contabilidade do estado, a escripturação das receitas e despezas publicas, dos fun-

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248-J APPENDTCE Á SESSÃO N.° 21 DE 25 DE AGOSTO DE 1897

dos entrados e saídos do thesouro, por fórma a deixar na maxima desconfiança e incerteza de tudo o que é nosso os credores estrangeiros.

D'ahi as apreciações deprimentes, que de todos os lados caíram sobre nós.

O golpe que o sr. ministro da fazenda suppunha vibrar num ministerio e num partido, resvalou-lhe das mãos, entrou fundo no paiz, cujos interesses elle era chamado a defender.

A paixão, que cega, leva a estes tristes resultados!

O que foi, na verdade, o decreto de 25 de fevereiro?

Foi um pregão diflfamatorio, não contra mim e os meus collegas do ministerio - ahi o erro - mas contra a nação portugueza.

Na Inglaterra, na Allemanha e na França, nos paizes com que temos mais relações financeiras, nas praças onde mais precisámos de valorisar os nossos titulos de credito, se escreveu, com indignação e assombro, ácerca dos governos e das finanças de Portugal, em presença das revelações - assim se lhes chamou- contidas n'aquelle tristissimo documento. A reproducção, fatal e calamitosa, das inexactas afirmações do sr. ministro da fazenda echoou era toda a parte, reflectiu-se em todos os mercados, denunciando a nossa mina, envolvendo em escandalo o nosso nome.

Posso, sr. presidente, ser severo nas minhas palavras, mas sou justo no meu sentir. Se fallo assim, não é para deprimir o sr. ministro da fazenda, que eu respeito no seu cargo, nem para molestar e deprimir a sua administração, cujas difficuldades se impõem á consideração de todos; faço-o unicamente para reivindicar para o meu paiz o conceito e a deferencia a que tem direito, para d'elle; sacudir o labeo affrontoso, com que estranhos especuladores o têem procurado abater.

Não quero offender o governo; sei o que devo n'este logar aos que representam um dos poderes constitucionaes do estado. Mas por isso mesmo lamento que o sr. ministro da fazenda tivesse, n'uma deploravel intenção de politica partidaria, n'um proposito improprio de quem, como s. exa. se encontra n'uma situação difficil, e tem diante de si um futuro de responsabilidades, de encargos e de trabalhos, esquecido que era tambem dever seu respeitar os que não menos difficuldades encontraram no seu caminho, quando houveram de gerir os negocios publicos, e que, com abnegação e sacrificio, só olharam a bem servir o seu paiz. (Apoiados.)

Isto dito, examinemos a questão.

Para que abriu o sr. ministro da fazenda creditos extraordinarios?

Disse s. exa., no seu relatorio de 25 de fevereiro, que o fazia: para legalisar despezas na importancia de réis 1.690:370$354; para pagar dividas, que estavam em aberto, no montante de 1.195:767$438 réis; e para satisfazer os encargos dos serviços publicos até 30 de junho seguinte, que sommavam 2.194:195$317 réis. A todo, 0.080:333$109 réis.

Isto declarou o sr. ministro da fazenda em 25 de fevereiro.

E, o que ainda é mais para estranhar, repetiu o no relatorio de fazenda que aqui nos apresentou em 12 de julho, asseverando de novo que, só para satisfazer os encargos dos serviços publicos até 30 Me junho, se tornára necessario abrir creditos extraordinarios de 2.194:195$317 réis; - quando já então por demais sabia que isto era absolutamente inexacto.

Hei de demonstrai-o por fórma que se imponha á evidencia de todos.

Fel-o s. exa. n'um proposito de manifesta diffamação politica. Poderia eu limitar-me a repellil-a, como descaroado fructo de uma paixão de momento, se tão só a mim e aos mais collegas ella visasse. Devo, porem, ir mais longe, ante a absoluta convicção, que tenho, de que, com esse relatorio e decreto, iniciou o sr. ministro a sua gerencia desconceituando o paiz e aggravando as suas condições financeiras. (Apoiados.)

Menosprezou a lei e a verdade dos factos, sem que por si tenha sequer a attenuante de uma apertada exigencia de administração, sem que um conjuncto de circumstancias se impozesse á sua iniciativa e vontade, não lhe deixar do outra solução que não fosse a da abertura d'aquelles creditos extraordinarios.

Para tres cousas, como disse, os abriu para legalisar despezas já feitas; para pagar dividas já liquidadas; para occorrer aos encargos dos serviços correntes até 30 de junho.

Em primeiro logar:

Para legalisar despezas já feitas, um acto do poder executivo?. Porventura o governo legalisa despezas? Desde quando deixou isso de ser funcção exclusiva do parlamento? Póde um governo fazer decretos, até de dictadura; leis, só as côrtes. E só por lei se legalisa.

Demais, o que diz a lei de contabilidade publica, de 25 de junho de 1881?

É clara e expressa; diz textualmente o seguinte:

"Artigo 26.° Os creditos extraordinarios e os supplementares sómente podem ser abertos estando encerradas as curtes, e quando a urgencia da despeza seja tal que não possa esperar pela proxima reunião parlamentar.

Em nenhum caso os creditas extraordinarios ou supplementares poderão ser abertos para legalisar despezas effectuadas, quer pertençam aos exercidos correntes, quer aos preteritos."

Pois em caso algum servem os creditos extraordinarios para legalisar despezas já feitas,... e precisamente para isso abre o governo taes creditos?!

Ha de dizer-nos o sr. ministro da fazenda qual foi a lei em que se fundou.

Mas ainda mais: para quaesquer despezas só podem os creditos extraordinarios ser decretados pelo governo, quando a sua urgencia, a sua necessidade inadiavel, seja tal que não permitta aguardar-se a reabertura do parlamento.

Ha de, pois, s. exa. dizer-nos onde estava a urgencia, a inadiavel necessidade... de legalisar despezas já feitas, que por isso mesmo que estavam feitas, ninguem já reclamava do thesouro.

Sem lei nem urgencia de despeza, o que fica do acto do sr. ministro da fazenda é, n'esta parte, um flagrante abuso em descredito da nação.

Os 1:690 contos de réis, de despezas a legalisar, entraram no decreto de 25 de fevereiro tão sómente para avolumar a, cifra total, para com elles se perfazer os 5:080 contos a lançar ao passivo do ministerio precedente. Seria pouco juntar apenas 3:390 contos.

E o requinte da malevolencia chegou á ponto de, para esses 1:690 contos, ir buscar 798 contos de despezas, na maior parte feitas pelo actual sr. ministro da guerra, quando commandante geral de artilheria, e que já antes, sem estrepito nem escandalo publico, eu mandára inscrever nas contas do estado com as receitas correspondentes... receitas que o actual governo julgou melhor deixar na sombra, para que se não percebesse a inanidade das asserções que fazia!

Passemos aos outros capitulos.

Esses são: e das despezas liquidadas e não pagas, e o das despezas a ordenar até 30 de junho.

São, umas e outras, despezas de serviços previstos e descriptos no orçamento, mas para que foram insuficientes as verbas auctorisadas.

Podia o governo, para reforço d'essas verbas, abrir creditos extraordinarios? Nunca.

Creditos extraordinarios só para despezas absolutamente imprevistas, e em casos de força maior.

É o que diz bem claramente a lei de contabilidade publica.

"Artigo 23.° 40 governo é permittido abrir creditos

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extraordinarios para occorrer a serviços indispensaveis e urgentes não previstos na lei annual de despeza ou em leis especiaes, quando esses serviços provenham de caso de força maior, como inundação, incendio, epidemia, guerra interna e externa e outros similhantes."

Para esses casos, e para nenhuns outros.

Nunca para reforçar verbas orçamentaes, para custear o serviço corrente de obras hydraulicas ou de caminhos de ferro, de edificios publicos ou de telegraphos, de instrucção ou de tribunaes, do exercito ou da marinha, serviços todos especificados nos orçamentos dos respectivos ministerios.

Nem o sr. ministro da fazenda podia ignorar que tão salutar e rigoroso se tem considerado aquelle preceito que, apesar de consignado n'uma lei de execução permanente, ainda mais strictamente se tem repetido nas leis annuaes de receita e despeza, ultimamente promulgadas: - no artigo 47.° da lei de 30 de junho de 1893, no artigo l5.° da lei de 13 de maio de 1896, e até no artigo 16.° da proposta de lei agora apresentada por s. exa. ás côrtes.

Em todos esses diplomas, precisa e textualmente se adverte, para que os ministros da fazenda tenham sempre bem presente, que é absolutamente impossivel abrir creditos extraordinarios para outra qualquer cousa que não seja o que muito restrictamente se especifica:

"É permittido ao governo abrir creditos extraordinarios sómente para occorrer a despezas exigidas por casos de força maior, como inundação, incendio, epidemia, guerra interna, externa e outros similhantes."

Só para isso.

Para reforçar verbas orçamentaes, estabelecera a lei de contabilidade publica, de 25 de junho de 1881, alem do orçamento rectificado, os creditos supplementares, mas esses mesmo com restricções.

N'estes termos:

"Artigo 24.° Ê tambem permittido ao governo abrir creditos supplementares quando se de insufficiencia provada das sommas determinadas na lei com applicação a despezas variaveis.

"§ 2.° A lei annual de despeza fixará restrictamente os artigos a que poderão ser applicados os creditos supplementares. "

Depois, a. lei de 30 de junho de 1S91, supprimindo, no artigo 1.°, § 15.°, o orçamento rectificado, só auctorisou, em substituição, creditos supplementares, votados pelas côrtes, quando necessarios..

Seguidamente as leis de 19 de abril de 1892 e de 30 de junho de 1893, os decretos de 28 de junho de 1894 e de 31 de janeiro e 28 de junho de 1890, que prorogaram até 30 de junho de 1896 a applicação da lei de 30 de junho de 1893, auctorisaram antecipadamente, em determinados termos, a abertura de creditos, a que chamaram especiaes, para determinados artigos do orçamento.

E, por ultimo, a lei de 13 de maio de 1896 sujeitou, como medida permanente, no artigo 35.°, § unico, os creditos especiaes, abertos pelo governo, ás formalidades estabelecidas para os creditos supplementares; e, nos artigos 17.°, 31.° e 33.°, designou os artigos do orçamento para que o governo poderia abrir creditos especiaes no exercicio, ainda corrente, de 1896-1897.

Em face da lei, a questão é, pois, muito nitida e clara: - ou as despezas, a que o governo pretendeu occorrer no decreto de 25 de fevereiro, estavam nos artigos do orçamento especificados nas auctorisações da lei de 13 de maio de 1896, ou não estavam.

Se estavam, porque não abriu o governo os creditos especiaes que essa lei lhe facilitava? Porque veia lançar á conta de imprudencia e desordenamento da administração transacta a importancia de creditos que podia abrir, cumprindo a lei e usando das auctorisações que o parlamento votára?

Se não estavam, se o governo não tinha na lei de 13 de maio do anno passado a auctorisação necessaria para abrir creditos especiaes, para as despezas que pretendia fazer, como é então que, sem praticar um acto dictatorial absolutamente injustificavel, podia substituir-se ao parlamento, e por um decreto seu abrir, não já creditos especiaes, mas creditos extraordinarios, quando isso lhe era absolutamente prohibido por todas as leis que referi?

N'um como n'outro caso, é flagrante a illegalidade commettida no decreto de 20 de fevereiro.

Que o sr. ministro da fazenda infringiu e desprezou, por completo, os preceitos mais substanciaes das leis de contabilidade publica, é, pois, manifesto.

Para, a despeito de tudo, assim proceder, uma unica defeza poderia s. exa. ter, se verdadeira fosse: - a rasão de uma necessidade suprema.

De facto, obedeceu s. exa. á força imperiosa das circumstancias, a impreteriveis exigencias de administração que não permittissem aguardar a reunião das côrtes, - que aliás o governo só convocára para 8 de junho?

É certo que s. exa. declarou, no relatorio que precedeu o decreto de 25 de fevereiro, que não encontrara, absolutamente, com que podesse occorrer aos encargos dos serviços publicos até 30 de junho.

Se fosse verdadeira a sua affirmação, teriamos, por isso mesmo, o direito de lhe perguntar por que motivo adiou então para 8 de junho a abertura do parlamento, quando, mesmo dissolvidas como foram as côrtes, logo em abril as podia ter a funccionar, corridos todos os tramites dos actos eleitoraes? Porque as não convocou mais cedo?

Mas é que s. exa. nem mesmo aquella defeza tem, e seria a unica.

Porque, como vou demonstrar á camara, nem para pagar as despezas já liquidadas, nem para reforçar as verbas orçamentaes, que referiu no decreto de 25 de fevereiro, tinha o sr. ministro da fazenda necessidade de abrir creditos extraordinarios, ainda que legalmente os podesse abrir. E nem por aguardar a resolução das côrtes, embora só reunidas em junho, teria de suspender os serviços publicos.

Quanto ás despezas liquidadas e a pagar.

Quaes são as que o decreto de 25 de fevereiro especifica, abrindo para ellas creditos extraordinarios?

São, ao todo: - pelo ministerio da marinha, réis 142:408$916; pelo ministerio das obras publicas, réis 1.003:358$522.

Comecemos pelas do ministerio da marinha.

Dos 142:408$916 réis, 50 contos de réis são para pagar ao banco ultramarino uma divida da provincia de Angola.

De que provém esta divida?

Provém de que a lei de 22 de julho de 1885, auctorisando o governo a garantir uma emissão especial de obrigações do banco ultramarino, na importancia dos creditos que elle tinha sobre as juntas de fazenda das provincias do ultramar, impoz a cada uma d'essas provincias a obrigação de solver, annualmente, o encargo de juro e amortisação que respectivamente lhe pertencesse.

Aconteceu que os rendimentos da provincia de Angola diminuiram n'estes dois ultimos annos, não podendo ella, por isso, satisfazer a sua parte no encargo das obrigações emittidas.

D'ahi resultou vir o banco reclamar os 50 contos de réis, importancia das duas annuidades não pagas, allegando ser por ellas responsavel o governo.

Que culpa tem d'isso o ministerio transacto?

Nós, nem fizemos aquelle contrato, nem em cousa alguma concorremos para que os rendimentos de Angola diminuissem. Diminuiram por circumstancias puramente occasionaes, inherentes ao estado dos mercados, que se reflectiram no commercio d'aquella provincia, como de todos é sabido.

Mas pergunto; era tamanha a urgencia, que se não po-

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desse sequer aguardar a reunião das côrtes, para se resolver ácerca do pagamento reclamado pelo banco ultramarino?

É justificavel o procedimento do sr. ministro da fazenda, infringindo a lei e os preceitos de contabilidade publica, para, a toda a pressa, pagar 50 contos de réis ao banco ultramarino, que de certo não veria affectado o seu credito, nem seria prejudicado no movimento das suas transacções, se tivesse de esperar alguns mezes, aliás poucos, para que o governo podesse vir aqui expor o assumpto e pedir auctorisação para effectuar este pagamento, se na verdade o banco a elle tinha direito?

É evidente que não.

Tirados esses 50 contos de réis, a que se reduzem as despezas liquidadas e não pagas, do ministerio da marinha, que estamos examinando?

A 92:408$916 réis, cuja origem é facil de definir, e sobre que não menos facil teria sido ao governo providenciar nos limites da lei.

Proveiu essa somma de que, havendo no ministerio da marinha uma verba annual para despezas ultramarinas, na importancia de 500 contos de réis, as despezas a fazer com as nossas expedições á Africa e á India absorveram a maior parte d'essa verba e, para a desembaraçar, entendeu o sr. ministro da fazenda ser necessario abrir um credito extraordinario de 92:4.08$916 réis.

Pois, para isso, não precisava s. exa. de publicar o espectaculoso decreto de 25 de fevereiro.

Tinha na lei de 13 de maio de 1896, que nós lhe deixámos, auctorisação para mais que fosse.

Não carecia de lançar sobre a administração passada responsabilidades que lhe não cabiam, nem de a arguir por irregularidades que não commettêra.

Pelo artigo 33.° n.° 4.° da lei de 13 de maio, ficára o governo auctorisado a abrir os creditos extraordinarios necessarios para a legalisação das despezas feitas com as expedições da Africa occidental e oriental e da India.

Se, pois, em virtude d'essas despezas, estava esgotada a verba annual dos 500 contos de réis, abrisse singelamente, e no uso d'aquella auctorisação, os creditos que convenientes fossem para o lançamento em conta especial das despezas já feitas e liquidadas, e livre lhe ficava a verba orçamental para as demais despezas a fazer no ultramar.

Já vê a camara quanto era facil evitar a exauctoração do paiz nos mercados estrangeiros, que o decreto de 25 de fevereiro tão desgraçadamente veiu fazer.

Quanto ao ministerio da marinha, temos visto.

Agora o que respeita ao das obras publicas:

A que despezas, já liquidadas mas não pagas, se destinaram os 1 .053:358$522 réis, para que o governo abriu creditos extraordinarios por esse ministerio?

Ás despezas referentes aos seguintes artigos do respectivo orçamento: - para conservação de estradas, réis 14:437$281; para obras hydraulicas, 43:773$718 réis; para edificios publicos, 418:910$150 réis; para fiscalisação de caminhos de ferro, 34:208$210 réis; para a sua exploração e trafego, 110:581$892 réis; para correios e telegraphos, 55:854$554 réis; para serviços agricolas, 25:460$581 réis; para serviços industriaes, 20:125$352 réis; para construção de estradas, 329:996$784 réis; - total, 1.053:358$522 réis.

Mas, para pagar os 418:910$150 réis, relativos a edificios publicos, tinha o sr. ministro da fazenda, na propria lei de 13 de maio de 1896, artigo 33.° n.° 5.°, toda a auctorisação necessaria; não precisava de creditos extraordinarios; bastava-lhe abrir simplesmente um credito especial, nos termos d'essa lei.

Porque o não fez? Porque veiu arguir do imprevidencia e dissimulação o ministerio transacto, quando tinha, - proposta, obtida e deixada por esse ministerio. - auctorisação legal, clara e expressa para occorrer, por completo, a essas despezas?

Mais ainda: dos restantes 634:448$372 réis, são 145:214$205 réis para obras hydraulicas, correios e telegraphos, serviços agricolas e industriaes; pois tambem para essas despezas tinha auctorisações especiaes nos artigos 17.° e 31.° da lei de 13 de maio de 1896.

E só para 489:234$167 réis, de outras despezas, é que a não tinha.

Para estas, viesse ao parlamento pedir a auctorisação de que carecesse.

E se o governo entendia que taes despezas eram urgentes, abrisse mais cedo as côrtes, para que ellas providenciassem como melhor fosse.

Em vez d'isso, o que fez o sr. ministro da fazenda?

Sobre ama illegalidade flagante, commetteu um erro grave.

Pretendendo evitar, de momento, um largo desembolso ao thesouro, declarou que daria, n'esta parte, execução ao seu decreto de 25 de fevereiro, effectuando em prestações, de tres a nove mezes, o pagamento dos fornecimentos e empreitadas em divida, no ministerio das obras publicas. Mas entregou escriptos do thesouro na importancia total d'essas prestações. É claro que esses escriptos, embora venciveis nos prasos indicados, foram logo negociados no mercado, resultando de ahi um rapido e consideravel augmento na circulação fiduciaria, que se traduziu em maior embaraço para o thesouro, aggravando a situação financeira do paiz.

Portanto, e resumindo o que tenho demonstrado quanto aos creditos extraordinarios abertos para satisfação de despezas liquidadas e não pagas:

O governo declarou, no relatorio do decreto de 25 de fevereiro, ter encontrado dividas a pagar nos ministerios da marinha e ultramar e das obras publicas, para que não havia auctorisação legal, na importancia de 1.195:767$438 réis; por isso, e para isso, abriu creditos extraordinarios.

Prova-se que não é exacto.

Prova-se que para o pagamento de 92:408$916 réis no ministerio da marinha, e de 418:910$150 réis no das obras publicas, tinha plena auctorisação no artigo 33.°, n.ºs 4 e 5 da lei de 13 de maio de 1896.

Prova-se, mais, que ainda para 145:214$205 réis, de despezas a pagar no ministerio das obras publicas, tinha auctorisações especiaes nos artigos 17.° e 31.° da mesma lei.

Prova-se, emfim, que para os restantes 50 contos de réis, reclamados pelo banco ultramarino, e 489:234$167 réis a satisfazer pelo ministerio das obras publicas, nem o pagamento era tão urgente que não podesse e devesse esperar pela reunião das côrtes, nem foi devida e regularmente ordenado, nem poderia nunca fazer-se por creditos extraordinarios.

O que tudo prova a illegalidade, a inexactidão e a inconveniencia do decreto de 25 de fevereiro.

Agora, quanto á necessidade de se reforçar as verbas orçamentaes, a fim de se occorrer aos serviços publicos até 30 de junho, unica rasão, de facto, que o sr. ministro da fazenda poderia ter para a abertura de creditos na importancia, que declarou imprescindivel, de 2.194:195$317 réis:

Essa rasão cáe por terra, e com ella toda a possivel justificação ou defeza do governo, desde que eu ponha em evidencia perante a camara que, em 30 de junho, as disponibilidades, isto é, o excesso das auctorisações existentes sobre a importancia, não direi já dos pagamentos effectuados, mas sequer dos pagamentos ordenados, era, nos diversos ministerios, muito superior á totalidade dos creditos extraordinarios que o governo veiu abrir.

Ora isso demonstra-o á saciedade o seguinte mappa, rigorosamente colligido das contas que pelos differentes ministerios foram publicadas no Diario ao governo, referidas a 30 de junho ultimo:

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Mappa das despezas auctorisadas pelas tabellas do orçamento e por creditos especiaes ou extraordinarios e das ordenadas, até 30 de junho de 1897, para o exercicio de 1896-1897 e anteriores.

Despezas Tabellas Creditos especiaes Creditos extraordinarios
Total Despezas ordenadas até 30 de junho de 1897 Disponibilidade em 30 de junho differenças entro o total das auctorisações e a importancia dos ordenamentos Ao todo, por ministerio, quanto ás despczar, ordinarias e extraordinarias

[ver valores da tabela na imagem]

(a) A differença entre os 5.080:333$109 réis, importancia total dos creditos extraordinarios abertos pelo decreto de 25 de fevereiro de 1897, e os 4.974:463$760 réis acima indicados, provém de não figurarem no mappa das despezas ordenadas pelo ministerio da guerra, até 30 de junho de 1897, os 105:869$359 réis de despezas a legalisa por esse ministerio, descriptas n'aquelle decreto.

Perante este mappa, a demonstração é obvia: O governo declarou, no relatorio d'aquelle decreto, & repetiu ultimamente no seu relatorio de fazenda, que era indispensavel abrir creditos extraordinarios na importancia de 5.080:333$109 réis, porquanto havia:

Despezas já pagas, a legalisar, na importancia de 1.690:370$354

Dividas de serviços correntes, apagar 1.195:767$438

E que para satisfazer os encargos de todos os serviços publicos até 30 de junho, eram indispensaveis 2.194:195$317

Total 5.080:333$109

Abstrahindo dos 1.690:370$354 réis de depezas já pagas, o total das despezas a pagar era de 3.389:962$755 réis; d'estes, ainda em 30 de junho não tinha o governo pago, por completo, os 1.195:767$438 réis de despezas que encontrou em divida; pois apesar d'isso, as disponibilidades, as differenças entre as auctorisações e os ordenamentos, perfaziam nos differentes ministerios, em 30 de junho, 3.79l:291$232 réis, - muito mais, por conseguinte, do que o montante dos creditos abertos para pagamentos a fazer até essa data.

O que prova á evidencia: - que, mesmo sem esses creditos, tinha o governo, nas auctorisações de despeza que o ministerio anterior lhe deixara, com que occorrer, e de sobra, a todos os encargos correntes, dos serviços publicos, até 30 de junho; - que, alem de illegal, é pois absolutamente inexacto o que o governo declarou no seu relatorio de 25 de fevereiro, e ainda depois repetiu no relatorio de fazenda que nos apresentou em 12 de julho, quando já todas aquellas contas estavam apuradas e publicadas, quando já de sobejo o governo sabia, e tinha obrigação de saber, que era inexacto o que affirmava.

Tão inexacta a sua affirmação, que, dos sete ministerios em que se divide a governação do estado, com relação a nenhum d'elles, separadamente, se podia considerar verdadeira!

E o que vou agora demonstrar, ministerio por ministerio.

Ácerca do ministerio do reino, nada tenho a dizer, porque nenhum credito extraordinario foi para elle aberto.

Com respeito ao ministerio da fazenda, reconheceu e declarou o governo que "todas as despezas tinham sido pagas com preliminar expedição de ordens de pagamento processadas em termos legaes", e que só algumas restituições de imposto de rendimento, devidas por lei de 26 de fevereiro de 1892, careciam de auctorisação na importancia de 50 contos de réis, para o que se inscrevera já esta quantia no orçamento que eu apresentara ás côrtes em janeiro do presente anno.

Pois, apesar d'isso, em vez de esperar pela votação do orçamento, em que regularmente se providenciava, entendeu o sr. ministro da fazenda dever desde logo abrir um credito extraordinario por essa somma, pretextando não chegar, até 30 de junho, a verba inscripta no orçamento anterior.

O extraordinario de similhante pretexto vae a camara apreciar.

A verba é a do capitulo 4.°, artigo 24.° do orçamento que se intitula "subsidios". A tabella em vigor auctorisára 1.213:277$165 réis. Creditos especiaes, abertos por decretos de 16 de julho e 12 de setembro de 1896, accrescentaram 41:321$000 réis. Com os 50 contos de réis do credito extraordinario, que este governo julgou necessario abrir, elevou-se a auctorisação a 1.304:598$165 réis. Pois, em 30 de junho ultimo, só haviam sido despendidos réis 1.068:941$660, sobejando, portanto, 235:656$505 réis... no proprio capitulo e artigo, para que o governo declarara imprescindivel decretar extraordinariamente um reforço de 50 contos de réis!

Com que verdade se redigiu o decreto do 25 de fevereiro, e com que criterio, imparcial e seguro, se ajuizou da administração que o anterior gabinete fizera!

Passemos ao ministerio da justiça:

Dois creditos extraordinarios se abriu para elle: um de 28 contos de réis para reforçar, até 30 de junho, a verba do capitulo 5.°, artigo 12.° do orçamento, que se inscreve "Ordenados dos juizes sem exercicio"; outro de 12 contos de réis para a do capitulo 7.°, artigo 19.°, "Despezas variaveis das cadeias de Lisboa".

Com aquelles creditos a mais, ficou a primeira d'essas

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verbas em 277:717$310 réis e a segunda em 134:317$540 réis; pois, em 30 de junho, estavam, respectivamente, gastos 245:047$142 e 113:028$807 réis, sobejando da primeira verba 32:670$168 réis e da segunda 21:288$733 réis,... mais, em uma e outra, do que a importancia dos creditos abertos!

E em todo o ministerio havia, em 30 de junho, sobras na importancia de 98:286$607 réis,... muito mais do que o montante dos dois creditos sommados!

Aqui está como o governo acertou nas suas declarações! Para isto desacreditou o paiz, julgando menoscabar os seus adversarios!

Segue-se o ministerio da guerra:

Para occorrer aos serviços d'esse ministerio, até 30 de junho, affirmou o governo carecer de mais 628:840$165 réis; e abriu creditos extraordinarios n'essa importancia. Subiu, assim, o total das auctorisacoes de despeza a réis 4.770:203$017 réis.

Pois, em 30 de junho, era de 3.971:220$461 réis o total das despezas ordenadas, havendo, por conseguinte, réis 798:882$556 de sobras,... mais 170:042$391 réis do que a importancia dos creditos abertos!

E nos serviços proprios desse ministerio havia, em 30 de junho, sobras de 1.413:481$078 réis!

E o que consta dos mappas ha pouco publicados no Diario do governo.

Para que se abriu, então, aquelles creditos extraordinarios, tanto á pressa e sem aguardar a discussão das côrtes?

Para deprimir a administração dos negocios publicos em Portugal.

É a resposta que os factos dão.

Depois, o ministerio da marinha e ultramar:

Montaram a 268:770$744 róis os creditos extraordinarios abertos para as despezas ordinarias dos serviços de marinha, e a 30:122$200 réis para as despezas extraordinarias; ao todo 298:892$944 réis.

Pois, em 30 de junho, as sobras existentes n'esses serviços eram de 321 contos quanto ás despezas ordinarias, de 25 contos quanto ás extraordinarias; ao todo 346 contos de réis, muito mais do que a importancia d'aquelles creditos. O que prova que elles não eram necessarios para occorrer a esses serviços até 30 de junho.

Para o ultramar abriu o governo, declarando serem indispensaveis para o pagamento de despezas correntes até 30 de junho, creditos na somma de 584 contos de réis, sendo 484 contos para despezas geraes das provindas ultramarinas e 100 contos para a occupação da Lunda. Pois, em 30 de junho, havia sobras de 447:290$306 réis nas despezas ordinarias, de 161:822$688 réis nas extraordinarias, de 609:111$994 réis ao todo.

E note-se que, no anno anterior, a auctorisação para despezas na Lunda fôra de 353 contos de réis, e o total das ordens de pagamento, em 30 de junho de 1896, foi só de 223:582$600 réis, havendo, portanto, sobras de mais de 129 contos de réis.

Ainda uma vez: para que foram os creditos extraordinarios que o governo a abriu? Para que declarou que sem elles não haveria meio de fazer pagamentos até 30 de junho do corrente anno, se, nesta data, em muito excederam as sobras a importancia dos creditos abertos?

Quanto ao ministerio dos negocios estrangeiros:

Abria o decreto de 25 de fevereiro um credito extraordinario de 10 contos de réis, no capitulo 4.°, artigo 12.° do orçamento, que se refere ás despezas extraordinarias das legações e consulados.

Mas para que, se em 30 de junho havia, n'esse mesmo capitulo e artigo, e independentemente do credito aberto, ainda sobras superiores a 4 contos de réis, e, ao todo, n'esse ministerio, de mais de 14 contos de réis?

Resta-nos o ministerio das obras publicas:

Foi de 817 contos de réis a totalidade dos creditos extraordinarios, abertos pelo decreto de 25 de fevereiro, para as despezas a fazer até 30 de junho. Mas, n'esses 817 contos estão 500 contos de réis respeitantes a edificios publicos,, que o governo estava auctorisado a satisfazer, mediante creditos especiaes, pelo artigo 33.°, n.° 5.° da lei de 13 de maio de 1896. Ficam, portanto, só 317 contos a attender.

Mas, para serviços hydraulicos, correios e telegraphos, sulfureto, escolas industriaes e caminhos de ferro, estava ainda o governo auctorisado, pelo artigo 17.° da mesma lei, a abrir creditos especiaes pelos excedentes de receita. Poderia, assim, occorrer ás despezas que especificou, inherentes a esses serviços, no montante de 247 contos. Ficar-lhe-iam, por conseguinte, só 70 coutos de réis, para que tinha as sobras dos proprios artigos do orçamento para que abriu creditos extraordinarios, sobras que em junho eram de 148:850$495 réis.

Mas ainda quando não tivesse, ou não liquidasse a tempo os excedentes de receita, a que se referiu o artigo 17.° da lei de 13 de maio de 1896, não podendo por isso satisfazer, por creditos especiaes devidamente auctorisados, aquelles 247 contos de réis: - deduzidos dos 817 contos, que o governo julgou inevitavel despender até 30 de junho, os 500 contos respeitantes a edificios publicos, para os quaes estava, em todo o caso, auctorisado por aquella lei a abrir creditos especiaes, teria, como disse, só 317 contos de réis a pagar até aquella data, para que lhe não chegariam as auctorisações existentes, se fossem verdadeiros os cálculos e as declarações que fez no relatorio do decreto de 25 de fevereiro.

Os factos mostram, porém, que o governo errou, illudindo-se a si ou procurando illudir os outros, pois que em 30 de junho havia, nos serviços do ministerio das obras publicas, 346:605$619 réis de sobras, ficando, portanto, evidenciado que nem para esses 317 contos de róis precisava o governo de abrir creditos extraordinarios, pois que as auctorisações existentes chegavam, e ainda sobravam, para occorrer a todos os serviços do ministerio das obras publicas até 30 de junho.

Está feita a minha demonstração.

Provei, com as proprias contas publicadas no Diario do governo e referentes á situação dos diversos ministerios em 30 de junho, comparando as auctorisações com os ordenamentos de despeza, que em todos os ministerios, percorridos e examinados um a um, tinha o governo, na leis já votadas, nas auctorisações que lhe deixou o gabinete transacto, com que occorrer, de sobejo, a todos os encargos dos serviços publicos até aquella data, sem para isso carecer de abrir um só dos creditos extraordinarios que tão espectaculosa como illegalmente abriu.

Provei, conseguintemente e á saciedade, que foram inexactas as declarações que o governo fez no relatorio do decreto de 25 de fevereiro, tão inexactas, que os factos as vieram por completo desmentir.

E se o sr. ministro da fazenda se quizer soccorrer ao subterfugio de dizer que não terminava em 30 de junho o exercicio, durante o qual foi chamado ao poder, e que ainda alem d'essa data, até 31 de dezembro do corrente anno, havia despezas a ordenar, pertencentes a esse exercicio, fica-lhe desde já aqui a minha resposta: - de que foi para occorrer ás despezas dos diversos ministerios até 30 de junho d'este anno, que s. exa. declarou, e a cada passo, repetiu, no relatorio d'aquelle decreto, que inevitavelmente carecia de abrir os creditos extraordinarios que abriu; e de que, se assim não fosse, podia, muito a tempo, no parlamento, desde, que este se reunisse, expor as deficiencias que ainda encontrasse, e pedir que lhe fossem votadas, regularmente, por lei, as providencias que os factos mostrassem necessarias.

Em presença do que deixo exposto, o que cumpria ao governo fazer, dada a situação que encontrou? Manifestamente, o seguinte:

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Quanto ás despezas já feitas e a legalisar: - pedir á, côrtes, quando estas viessem a funccionar, que auctorisa sem a inserção d'essas despezas nas contas dos respectivos exercicios.

Nada mais simples, nada mais correcto. Eram despeza já feitas, da responsabilidade de quem as fizera, não tinha este governo de se preoccupar com ellas; a sua legalisação só ás côrtes pertencia.

Quanto ás despezas já liquidadas, mas ainda não pagas: - pagar todas aquellas para que tinha auctorisação legal, e que, como mostrei, representavam a maior somma; aguardar a reunião do parlamento para que o auctorisasse a satisfazer as demais.

Quanto ás despezas a fazer com os serviços corrente até 30 de junho: - effectuar as necessarias transferencia de verbas dentro dos proprios ministerios, aproveitando de uns para outros serviços, as sobras existentes nos diversos artigos do orçamento, pois que evidenciado ficou que em todos os ministerios havia, em 30 de junho, sobra muito superiores á importancia dos creditos extraordinario que o governo abriu.

Tudo isto podia o governo fazer, sem faltar aos preceitos substanciaes de contabilidade publica, sem provocar no paiz e no estrangeiro, uma corrente geral de desconfiança, ácerca de tudo o que é nosso, sem deitar pregai de ruina, de inteira ausencia de recursos no thesouro, descandalosa antecipação de receitas do estado, - lamentaveis atoardas que vieram sobresaltar a opinião publica, assoalhando desgraças que não existiam, calamidades que se não davam, quando dentro das faculdades normaes de administração tinha o governo, meios bastantes para occorrer a todos os serviços publicos, sem absolutamente carecer de um só credito extraordinario, aberto em taes condições.

E se o sr. ministro da fazenda quizer dizer que, paios encargos dos serviços publicos até 30 de junho, lhe não bastaria transferir verbas de artigo para artigo, dentro do mesmo capitulo do orçamento, e que de capitulo para capitulo lhe não era permittido fazer transferencias, embora no mesmo ministerio e pelas sobras respectivas, responder-lhe-hei: - que muito menor irregularidade lhe seria aproveitar as sobras para occorrer ás despezas, em cada um dos ministerios, abrindo n'esses termos, de rigorosa economia, simples creditos especiaes, como sempre se tem feito, do que desacreditar o paiz, malsinando-o na sua gerencia financeira, pondo-lhe de rastos a fama e o credito nas praças estrangeiras.

Tambem nós, quando em 1893 fomos chamados ao governo, encontrámos despezas, a pagar, de exercicios anteriores, alem de despezas já liquidadas mas ainda não pagas, do exercicio então corrente. Simplesmente, em vez de, como este governo, pormos em descredito os nossos antecessores, e em fallencia os recursos da nação, em vez de, n'um relatorio calculadamente aferido pelos moldes de um escandalo politico, enfeixarmos, n'um só diploma de retumbante publicidade, todas as verbas respeitantes aquellas despezas, convertendo-as em artigos de accusação accintosa, fomos successivamente, á medida que as necessidades de administração o reclamaram, abrindo, despretenciosamente, creditos especiaes de mero expediente. Pois sabe v. exa., sr. presidente, quanto assim tivemos de pagar, para saldarmos o que se nos deparou em atrazo? Os decretos estão todos publicados no Diario do governo; póde quem quizer, compulsal-os.

Pagámos, para saldar aquellas despezas: - 1.291:391$070 réis pelo ministerio da fazenda; 324:911$811 réis pelo do reino; 7:078$396 réis pelo da justiça; 255:778$337 réis pelo da guerra; 169:458$584 réis pelo da marinha; 259$425 réis pelo dos estrangeiros; 659:129$877 réis pelo das obras publicas. Ao todo, 2.708:007$500 réis, afóra os creditos abertos por decreto de 6 de março de 1895, na importancia de 1.171:078$878 réis, para pagamento de dividas do ministerio das obras publicas a fornecedores e empreiteiros, a partir de 1891-1892.

Demais, sr. presidente, a condemnação do procedimento do governo lavrou-a elle proprio, n'um decreto recentemente publicado com a assignatura do sr. ministro da fazenda.

Depois de, no relatorio do decreto de 25 de fevereiro, ter tão solemnemente asseverado que para reforçar as verbas e dotações orçamentaes, a fim de occorrer aos encargos dos serviços publicos, não tinha outro meio que não fosse o da abertura de creditos extraordinarios, veiu s. exa., n'um decreto de 14 deste mez, publicado, ha seis dias apenas, no Diario do governo, abrir... um simples credito especial, no montante de 358:990$541 réis, para pagamento de differenças de cambios, em reforço da verba respectivamente inserida no orçamento em vigor!

É certo que, para este credito, procurou o sr. ministro da fazenda acobertar-se, invocando o disposto no artigo 16.° § unico da lei de 13 de maio de 1896;

Mas debalde, porque não é esse artigo applicavel ao caso, visto que se não trata da dotação de uma verba nova, não incluida no orçamento. Quando depois de votado o orçamento, as côrtes auctorisam uma determinada despeza, que não foi ali prevista e considerada, tem o governo, effectivamente, a faculdade de, por aquelle artigo da lei de 1896, abrir, respectivamente, um credito especial. Mas esse não é o caso, porque verba para differenças de cambio havia, e ha, no orçamento em vigor. Acontece, porém, que o encargo do cambio foi ali computado, para os pagamentos a fazer no estrangeiro, em 30 por cento, e que esse encargo, apesar de todas as salvadoras promessas do sr. ministro da fazenda, se tem aggravado, tornando por isso insufficiente aquella verba, e vendo-se s. exa. na necessidade de á reforçar.

Todavia, para este caso, não abriu s. exa. um credito extraordinario; modestamente se contentou com o simples expediente de um credito especial, sem as honras e as formalidades de um largo relatorio e da solemne convocação do conselho de estado.

Quer a camara prova mais flagrante de que os creditos extraordinarios, abertos pelo decreto de 25 de fevereiro, visaram unicamente a, sem rasão nem verdade, contra a lei e os interesses da fazenda publica, desconceituar a administração passada, com o triste desfecho... de uma onda de improperios sobre o paiz?

Ainda uma vez, a demonstração está feita.

O decreto de 25 de fevereiro passa á historia como um deploravel acervo de erros e accintes, improprios de um governo, que tenha a verdadeira comprehensão de quanto lhe incumbe, na actual conjunctura, defender e alevantar o Tedito da nação, buscando, no leal e sincero concurso de todos os homens publicos, a solução que reclama o nosso estado financeiro, de momento abalado por uma crise que é necessario vencer.

Agora, sr. presidente, analysemos o orçamento que se nos apresenta.

O sr. ministro da fazenda vem, no seu relatorio, bradar plangente, e queixoso do passado:

"E comtudo a crise é instante, actua a cada momento; e, se não for rapidamente combatida, de dia para dia recrudescerão os seus effeitos perniciosos.

"Foi o desequilibrio do orçamento a principal causa da situação em que nos encontramos. É elle, pois, que cumpre atacar em primeiro logar."

E acrescenta:

"Que nem eu sei até onde nos conduziria o velho systema de avultados deficits orçamentaes."

E tudo isto, sr. presidente, para a final dizer: - que encontrando um orçamento, apresentado por mim ás côrtes em janeiro d'este anno, com um saldo de 110:876$535 eis, o teve de rectificar em algumas das suas verbas de receita e despeza, resultando d'ahi o converter-se aquelle

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saldo n'um deficit de 2.697:826$503 réis; mas que, votadas as suas propostas, desapparecerá esse deficit) apurando-se um saldo ainda maior do que o annunciado por mim, um saldo de 132:173$497 réis.

É obvio o proposito do sr. ministro da fazenda. É o mesmo em que se inspirou o seu relatorio do decreto de 2õ de fevereiro. É ainda, e sempre, o de deprimir os actos dos seus antecessores, attribuindo o nosso mau estado financeiro á inexactidão dos orçamentos das gerencias precedentes, e fazendo, mais uma vez, coro com os detractores da nossa administração.

Ora, sr. presidente, não me argue a consciencia de ter feito orçamentos adrede inexactos, faltando á verdade que devia ao meu paiz.

Não me argue, aqui publicamente o declaro e affirmo, de ter inventado saldos que não existiam, falseando, depois, as contas de gerencia e exercicio, para encobrir os erros commettidos.

E tudo isto é necessario que fique bem claro e a limpo, para honra dos ministros que foram, para que todos comprehendam e vejam a que baixos processos de diffamação politica se soccorre este governo, na situação difficil, que elle proprio aggrava.

São cinco os orçamentos da responsabilidade do ministerio a que presidi: os de 1893-1894 a 1897-1898.

Quando em 1893 formámos gabinete, havia já o orçamento para 1893-1894 sido apresentado ás camaras pelo ministerio a que presidira o sr. Dias Ferreira; accusava um deficit de 5:062 contos de réis. Emprehendemos uma revisão minuciosa, escrupulosissima, d'esse orçamento. Se foram bons e uteis os nossos esforços, não preciso eu de o dizer; certo é que quando apresentámos aqui os resultados a que chegámos no nosso exame e estudo, todos os applaudiram. O actual sr. presidente do conselho, declarou então, em nome do seu partido, que mais e melhor não saberia fazer. Posso, pois, dizer que d'esse orçamento, votado como foi, temos todos igual responsabilidade.

Em virtude d'essa revisão, calculámos o deficit de 1893-1894 em 990:581$320 réis.

Decorreu o exercicio d'esse anno, e, com o meu relatorio de fazenda de 28 de junho de 1890, apresentei a sua conta provisoria; dava um saldo de 2:100$4õ3 réis. Mais tarde, a conta, ainda provisoria, que juntei ao meu relatorio de 16 de março de 1896, elevava esse saldo a 20:019$453 réis, não comprehendendo as despezas feitas com os emigrados brazileiros, porque, pela sua natureza especial, haviam sido feitas em operação de thesouraria. O que se disse e clamou contra aquelle saldo, assim apurado! - que não existia, que era só phantasiado para illudir a opinião publica.

Pois bem, vieram agora as contas do sr. ministro da fazenda; não são já as minhas, são as d'este governo, saido do partido e composto dos homens que mais nos accusaram na opposição. E essas contas mostram: - que em todo o exercicio de 1893-1894, para que o sr. Dias Ferreira calculara um deficit de 5:062 contos de réis, para que o orçamento, por nós revisto e por todos aqui approvado, dava ainda um deficit de 990 contos de réis, só houve a final, incluidas as despezas feitas com os emigrados brazileiros, um deficit de 74:636$958 réis; que, deduzidas aquellas despezas, aliás absolutamente imprevistas no orçamento, porque resultaram de factos posteriores á sim approvação, e que montaram a 115:612$807 réis, em vez de deficit seria o saldo, não de 2:100$453 réis, como eu indicára na primeira conta provisoria que trouxe ao parlamento, mas, realmente,... de 40:975$849 réis.

Nunca, desde que ha orçamentos, deram as contas de exercicio um saldo, ou sequer um deficit de 74 contos de réis, quando o orçamento respectivo annunciava um deficit de 5:062 contos, ou mesmo de 990 contos de réis. Nunca, desde que ha contas, de exercicio, se apurou, em qualquer anno, um resultado sequer comparavel com o do exercicio de 1893-1894.

E somos nós, ministros d'essa gerencia, os accusados de desvirtuar orçamentos e de inventar saldos para illudir o paiz!

Seguiu-se o exercicio de 1894-1895, tambem da nossa responsabilidade. O orçamento que formulei para esse anno chegava a um saldo de 184:638$545 réis. Mas, só a auctorisação, dada no artigo 29.° do decreto de 31 de janeiro de 1895, que approvou esse orçamento, e que já nos anteriores se conferira, para pagamento, á companhia das aguas, do excesso de consumo em Lisboa, importava uma despeza, a mais, de 150 contos de réis, o que reduzia em outro tanto o calculo do saldo ali previsto. A outras despezas havia ainda que attender, auctorisadas por leis especiaes. E nem eram então de calcular, nem de prever, as largas despezas, a que, por acontecimentos ulteriores, já n'esse anno nos obrigaram as expedições ao ultramar.

D'esse exercicio, as contas provisorias, apresentadas com o meu relatorio de 16 de março de 1896, davam não comprehendendo as despezas feitas com as expedições, ainda então escripturadas em operação de thesouraria, como expressamente declarei, - um saldo de 29 contos de réis. Hoje, as contas adduzidas pelo sr. ministro da fazenda, mostram: - que, entre as receitas e as despezas ordinarias d'esse exercicio, houve um saldo de 1.447:012$122 réis; que, computadas todas as despezas extraordinarias, foi o deficit de 1.508:237$858 réis, porque só as despezas com as expedições montaram, n'aquelle anno, a 771:862$815 réis.

Para 1895-1896, foi prorogado o orçamento do anno anterior, computando-se, portanto, o mesmo saldo de réis 184:638$545, captivo das despezas resultantes das auctorisações que referi, e das despezas ainda a fazer com as expedições ultramarinas.

As contas d'esse exercicio não cheguei eu a apresentar. Foi o sr. ministro da fazenda que as veiu trazer, não ainda definitivas, mas já apuradas com a maior approximação. E as contas mostram: - que, entre as receitas e as despezas ordinarias, houve um saldo de 3.812:539$966 réis, quando o orçamento o computara só em 2.370:038$545 réis; que, em uma longa serie de annos, é esse o maior saldo que jamais se tem apurado entre aquellas receitas e despezas; que, balançadas com as receitas ordinarias as despezas totaes, ordinarias e extraordinarias, foi o deficit final do exercicio de 1.449:707$110 réis, porque as despezas com as expedições á Africa e á India, que o orçamento não pudera prever, nem computar, se elevaram a 1.639.041$734 réis; que, sem estas despezas, o resultado do exercicio seria, pois, um saldo effectivo de 189:334$624 réis, superior ao que o orçamento annunciára.

Aqui tem a camara as conclusões a que sé chega no confronto dos orçamentos com as contas do estado, concernentes aos tres exercicios que foram da exclusiva responsabilidade do gabinete a que presidi.

Com os orçamentos que formulei, de um lado, e de outro com as proprias contas que este governo veiu colligir e publicar, provo assim: - que não descrevemos nos nossos orçamentos saldos que se não justificassem; que, nos tres exercicios da nossa inteira responsabilidade e administração, melhores do que os resultados previstos nos orçamentos foram os que depois se apuraram nas contas effectivas de receita e despeza; e que, emfim, apesar do encargo que nos adviu do agio do oiro e dos avultados sacrificios a que as expedições nos obrigaram, nunca, em exercicios precedentes, n'uma longa serie de annos, tão pouco aggravado fóra o thesouro da nação.

A quem me argue de errar os calculos orçamentaes, de suggerir saldos phantasiosos, de não descrever com exactidão as contas de receita e despeza, tenho, pois, o direito de perguntar: - quem fez os orçamentos de 1886-

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1887 a 1889-1890? Quem tem a responsabilidade do que n'esses orçamentos se escreveu, ante o desastre das contas finaes d'esses exercicios?

Quem foi que, para o exercicio de 1886-1887, calculou, no orçamento, a receita em 32:271 contos de réis, a despeza em 38:021, o deficit em 5:770 (lei de 15 de abril de 1896),... para a final as contas (documentos n.ºs 6, 7 e 8, juntos ao relatorio do sr. ministro da fazenda), mostrarem uma receita de 34:871 contos, uma despeza de 43:583 e um deficit de 8:712, maior em 2:962 contos de réis do que o previsto no orçamento?

Foi o ultimo ministerio progressista, que antes d'este se formou.

Qual foi o governo que, para o exercicio de 1887-1888, computou, no orçamento, as receitas em 34:409 contos, as despezas em 39:327, o deficit em 4:918 (lei de 30 de junho de 1887),... rectificando depois este em 3:413 contos de réis (lei de 23 de junho de 1888),... para a final ser de 4:146 contos de réis (como se vê d'aquelles documentos), porque, apesar da elevação que se deu nas receitas, foram as despezas superiores em 3:145 contos de réis ás que primeiro se calculára?

Foi o mesmo governo progressista.

E, emfim, de quem foi o orçamento de 1888-1889, em que se calculou a receita em 38:371 contos de réis, a despeza em 39:336, e o deficit apenas em 965 (lei de 23 de junho de 1888),... quem foi que, ainda em junho de 1889, rectificou a receita em 40:237 contos, a despeza em 42:930 e o deficit em 1:693 (lei de 22 de junho de 1889),.. . para a final se apurar, ao termo do exercicio (segando os proprios documentos do sr. ministro da fazenda), uma receitar de 38:760 contos de réis, inferior á rectificada, uma despeza de 52:897 contos, superior em cerca de 10:000 contos á que poucos mezes antes se annunciára, e, como remate, um déficit de 14:137 contos de réis, maior, em 13:172 contos, do que o descripto e calculado no orçamento!

Foi ainda o ministerio progressista, presidido, como hoje, pelo sr. José Luciano de Castro, e de que, como hoje, faziam parte o sr. Barros Gomes, o sr. Beirão, o sr. Augusto José da Cunha; o mesmo, na sua maioria, que hoje é.

Então é quem, num passado ainda recente, tem d'estas tradições, é um governo que, em 1889, quando já poucos mezes faltavam para o encerramento do exercicio que decorria, errava em 10:000 contos de réis no calculo das despezas, e primeiro annunciava um déficit de 965 contos, que a final se verificava ser de 14:137, é um governo que já de si deu estas provas,... que se abalança a increpar os ministros que, a despeito do maior encargo do oiro o das despezas verdadeiramente extraordinarias a que foram obrigados para sustentação do dominio portuguez, conseguiram fechar os tres ultimos exercicios com o menor desequilibrio de que ha noticia nos ultimos quarenta annos da historia financeira d'este paiz?

Com que auctoridade?

Isto dito, sr. presidente, passo a apreciar as rectificações, que o governo propõe se faça ao orçamento que eu apresentei ás côrtes em janeiro d'este anno, para o exercicio, em que já entrámos, de 1897-1898.

Ao orçamento que fiz para 1896-1897 não tenho já de me referir; para esse, as rectificações do governo foram as constantes do decreto de 25 de fevereiro ultimo, e d'essas já largamente me occupei, demonstrando quanto foram ali inexactas as asserções do sr. ministro da fazenda.

Não fui, como s. exa. pretendeu inculcar, desapercebido ou imprevidente na elaboração do orçamento para 1897-1898, que se discute.

Calculei as receitas em 53.138:016$250 réis.

A totalidade dá cobrança effeituada na ultima gerencia, de 1895-1896, fôra de 52.111:085$876 réis; acrescentando 1:290 contos, importancia dos juros dos titulos, creados, por virtude da lei de 13 de maio de 1896, no valor nominal de 43:000 contos de réis, para servirem de caução a differentes operações, juros que não figuraram n'aquella cobrança porque os respectivos titulos só depois foram instituidos, mas que tem de se descrever a par, na receita e na despeza de 1897-1898, como de titulos na posse do estado, - perfaz-se a somma de 53.401:085$876 réis. O que mostra ter eu, na receita que em janeiro attribui a 1897-1898, ficado abaixo da realidade da cobrança da ultima gerencia, de 1895-1896, em 263:069$626 réis.

Vê-se, pois, que não foi exagerado o meu calculo.

Quanto ás despezas, não as apouquei no intuito de chegar a um saldo no seu balanço com as receitas; computei-as, até, em mais 3.597:072$075 réis do que a somma fixada nas tabellas decretadas na conformidade da lei de 13 de maio de 1896. E esse excedente de auctorisação propuz se applicasse, não só ao provimento dos encargos resultantes de leis já votadas, - como os juros d'aquelles titulos na posse da fazenda, o juro e amortisação do emprestimo de 4:000 contos de réis, que levantara sobre a receita dos tabacos, para a construcção dos navios de guerra, o augmento nas differenças de cambios pela elevação do premio do oiro, o augmento na quantia destinada á participação dos credores externos nos rendimentos aduaneiros e o augmento nas despezas da fiscalisação e de policia, - mas ao reforço de algumas verbas, provadamente insufficientes, dos ministerios da guerra, marinha e obras publicas, taes como as respeitantes aos prets e rações das praças do exercito e da armada, aos vencimentos dos reformados, aos transportes de forças militares, aos quarteis e estabelecimentos fabris, aos subsidios para as provincias ultramarinas e para a emigração dirigida ás colonias, e á melhor dotação das obras a fazer nos edificios publicos, e dos serviços agricolas, telegrapho-postaes, de caminhos de ferro e de portos maritimos.

Já vê a camara que, - para quem em janeiro fazia um orçamento que havia de começar a vigorar seis mezes depois, - nem as receitas eram guindadas á mercê da minha phautasia, nem as despezas tão restrictas e acanhadas que se não podesse, com as auctorisações assim estabelecidas, prover, com regrada economia, sim, mas com a necessaria sufficiencia, a todos os serviços publicos.

Demais, sabe a camara que, no orçamento do estado, não é o calculo das receitas ou das despezas arbitrario para os ministros da fazenda; obedece, por lei, a determinados preceitos de contabilidade publica.

Que o sr. ministro da fazenda tivesse, em julho, quando já são conhecidos muitos dos resultados da gerencia completa de 1896-1897, rectificações a fazer ao calculo das receitas e despezas de 1897-1898, feito em janeiro, quando só se podia ajuizar pelos resultados da gerencia de 1895- 1896, tendo apenas decorrido alguns mezes da gerencia subsequente,- bem se comprehende.

Pois se, no proprio mez de julho, rectificou a commissão de fazenda da camara dos senhores deputados calculos e previsões feitos n'esse mez pelo sr. ministro da fazenda, e agora rectificou os calculos e previsões que ella mesmo fizera em julho,... que muito é que factos supervenientes aconselhem a rectificação de algumas verbas do orçamento de janeiro.

Examinemos, porém, as rectificações propostas e vejamos qual de nós, do sr. ministro da fazenda ou de mim, se conformou mais com as regras traçadas nas nossas leis de contabilidade publica.

Comecemos pela receita.

Quaes foram as verbas de receita que o sr. ministro da fazenda veiu rectificar?

Primeiro, a emenda de um erro de composição, que á direcção geral da contabilidade publica escapára na revisão das provas do orçamento, e para que ella chamou depois a attenção do governo, erro de algarismo no quantitativo do imposto de rendimento sobre os juros dos titulos na posse da fazenda, D'esse não fallo, não me detenho a

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fazer considerações sobre simples erros de escripta ou de imprensa.

Logo a seguir, tres rectificações, elevando: - a receita calculada para o imposto do sêllo a mais de 90 contos de réis; a do imposto do consumo a mais 80; a do real de agua a mais 50 contos.

Assim, a inexactidão do meu orçamento consistiu, ao que parece, em ser demasiadamente modesto no calculo das receitas. Já é um bom testemunho, e bem insuspeito, para contrapor aos que me aocusavam de exagerar as receitas, para concluir por saldos positivos.

Mas não quero ficar só n'esta resposta.

O sr. ministro da fazenda baseou-se, para estas rectificações, em que tendo o computo d'aquelles impostos, feito em janeiro, assentado na cobrança effectiva de 1895-1896, os productos já apurados em 1896-1897 eram superiores, justificando por isso as alterações propostas.

Ora, como disse, não é arbitrario, n'um orçamento, o calculo das receitas.

O artigo 23.° do regulamento de contabilidade publica, de 31 de agosto de 1881, diz expressamente:

K A avaliação da receita ordinaria para o orçamento annual será feita pela importancia effectiva do ultimo anno economico, e pelo calculo do termo medio do producto liquido dos tres annos anteriores, em relação aos rendimentos que por sua natureza muito variavel, não possam ser computados approximadamente pela receita effectiva de um anno corrente."

Em janeiro de 1897, o ultimo anno economico era o de 1895-1896; n'esse, a receita do imposto do sêllo foi de 2.018:941$206 réis, calculei-a em 2:019 contos para 1897-1898; a do imposto do consumo foi de 2.056:485$609 réis, descrevi 2:056 contos; a do real de agua foi de 1.030:934$124 réis, orcei 1:031 contos de réis.

Cumpri a lei, redigi o orçamento como devia.

O que faz, porém, o sr. ministro da fazenda?

Como, nos primeiros seis mezes de 1896-1897, o imposto do sêllo produziu mais 45:434$996 réis, o do consumo mais 41:338$678 réis, o do real de agua mais 24:959$034 réis, do que em igual periodo da gerencia anterior, concluiu que dobrado seria o augmento no fim do anno, e, por elle, elevou, respectivamente, a mais 90 contos de réis, a mais 80 e a mais 50 contos, o calculo que eu fizera d'aquelles impostos.

Póde ser que esse augmento se produza, espero mesmo que se produzirá, em vista das providencias, que, como todos sabem, foram pelo ministerio transacto propostas e estabelecidas, com respeito á incidencia e fiscalisação d'esses impostos.

Mas a verdade é que, em face dos preceitos reguladores da contabilidade publica, estava o meu orçamento correctissimamente formulado; e arbitrarias, por não terem fundamento na lei, são as rectificações que o sr. ministro da fazenda propõe.

Mas quer a camara saber como o sr. ministro da fazenda faz e desfaz, calcula e rectifica, e de novo propõe e corrige, no tocante ás mesmas receitas do estado, sem a final saber em que fica, elle, que veiu arguir o meu orçamento de não estar devidamente calculado?

É ver o que se tem passado com relação ao calculo dos direitos de importação.

Tendo esses direitos produzido, em 1895-1896, no continente do reino 12.956:028$173 réis, e 637:441$696 réis nas ilhas adjacentes, - em 12:956 contos de réis, e em 637 contos, respectivamente, os orcei, em janeiro, para 1897-

Segui, rigorosamente, as prescripções da lei.

O sr. ministro da fazenda, porém, no orçamento, que alcunhou de rectificado, -veiu allegar que estas receitas diminuiram em 1896-1897, e que deviam igualar muito provavelmente as de 1894-1895; por isso as reduziu em 602 contos de réis, baixando-as a 12:304 contos no continente, e reduzindo parallelamente a despeza em 301 contos, por ser tambem menor a participação devida aos credores externos, pela metade do excedente a 11:400 contos de réis de receitas aduaneiras.

Ora a receita dos direitos de importação, em 1894-1895, foi de 11:606 contos e não de 12:354, no contineute. O sr. ministro da fazenda, querendo igualar o computo do anno futuro com o resultado obtido em 1894-1395, tinha por consequencia de diminuir, não 602 contos de réis, mas 1:350; devia baixar a verba, que no meu orçamento era de 12:956 contos, a 11:606 e não a 12:354 contos, errando, como errou, em 748 contos; e devia, correspondentemente, reduzir a despeza em 675 e não em 301 contos, no que commetteu mais um erro de 374 contos de réis.

Isto, se as suas previsões fossem exactas.

Mas o peior é que não eram! E no fim de junho, quando aqui nos apresentou o seu orçamento de rectificação, já s. exa. tinha obrigação de o saber.

A receita dos direitos de importação, em 1896-1897, foi realmente, e ao todo, no continente e ilhas, de réis 11.478:851$111.

Nem s. exa., pelo que devia saber da arrecadação nas alfandegas, podia já, em fins ce junho, quando os resultados eram quasi completos, e conhecidos, ter a illusão de calcular que ella equivaleria á cobrança de 1894-1895, que fôra, ao todo, de 12.214:585$581 réis.

Pretendendo rectificar o orçamento que encontrou, aliás formulado consoante os preceitos legaes, e basear-se na verdade dos factos, errou, pois em 735:734$470 réis, com relação á propria base que tomou para o seu calculo! E, no que toca á verba que se propoz rectificar, não era, sobre a base da cobrança em 1896-1897, uma reducção de 602 contos de réis na receita, de 301 na despeza, que tinha a fazer; era, na receita, de 2:115 contos de réis, e de 1:057 na despeza.

Mas ainda, não é tudo!

Apresentado o orçamento rectificado á camara dos senhores deputados, nenhuma alteração lhe fez ali a commissão respectiva, no parecer que deu em 17 de julho, deixaado-o, por conseguinte, com todos os erros que continha.

V. exa., comprehende, sr. presidente, que eu não me arrogo o direito de discutir, muito menos de censurar, o que a camara dos senhores deputados entende dever fazer. É, porém, evidente que tenho de me pronunciar, n'esta camara, sobre o resultado a que se chegou ha outra. Posso e devo, por isso, dizer, n'este logar, o que penso ácerca da rectificação, que a final se fez no parecer sobre as emendas, que, durante o debate, foram propostas na outra casa do parlamento, parecer que ali foi approvado com pleno assentimento do sr. ministro da fazenda, que, portanto, responde para comnosco pelo que aqui está, no projecto que discutimos.

Assentou-se, na outra camara, em que se computasse o quantitativo dos direitos de importação, não já pelo producto do ultimo anno conhecido, - como eu fizera em janeiro, e como depois de mim tentou fazer o sr. ministro da fazenda, - mas pela media dos tres ultimos annos, de 1894-1895 a 1896-1897. E assim se conseguiu manter em 12:415 contas uma receita que, provadamente, foi, na gerencia que findou em junho, de 11:478 contos tão sómente!

Para isto que estendal de interessantes episodios.

Calculada a importancia d'aquelles direitos no meu orçamento, como rigorosamente, determinava a lei de contabilidade publica, pela receita do ultimo anno conhecido, que era o de 1895-1896, veiu primeiro o sr. ministro da fazenda declarar, no seu orçamento rectificado, que se devia computar pela receita de 1896-1897, igual á de 1894-1895; - e errou o calculo, propondo uma reducção de 602 contos no continente, e baixando a receita & 12:991 con-

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tos, quando a cobrança de 1894-1895 fôra, ao todo, continente e ilhas, de 12:214 contos de réis.

Reconheceu-se, depois, que a receita foi, em 1896-1897, muito inferior á de 1894-1985, e apenas de 11:478 contos; - e o sr. ministro da fazenda, renegando o que primeiro dissera, nem pela cobrança de 1896-1897, nem já pela de 1894-1895, quiz que se avaliasse a receita, e foi buscar a media dos tres ultimos annos, para o seu orçamento poder figurar com uma verba de direitos de importação ainda maior do que a de 1894-1895, elevando-a no calculo quando ella lhe desce na cobrança!

Diz e desdiz, faz e desfaz, em erros successivos, quem tanto promettia emendar os erros dos outros!

E vae, d'este modo, annunciar aos credores externos que a sua participação nos rendimentos aduaneiros será, n'este anno que principia, de 507 contos de réis pelos direitos de importação, de 642 contos ao todo, quando os factos mostram que já no ultimo anno não passou de 228 contos de reis!

A breve trecho virão as contas, e com ellas uma desillusão bem mais prejudicial ao nosso credito, do que se, com verdade, lhes disséssemos a parte que provavelmente lhes poderemos dar.

Démos-lhes, pelo excedente das nossas receitas aduaneiras, 401 contos de réis em 1893-1894; démos-lhes depois, em 1894-1895, maior, participação, 564 contos; muito maior ainda, 1:246 contos, lhes demos em 1895-1896; damos-lhes agora, em 1896-1897, só 228 contos de réis. Para que lhes vamos prometter 642 contos no proximo anno, quando, mez a mez, elles vem que as arrecadações alfandegarias decrescem?

Não é, porventura, bem preferivel mostrar-lhes que, dado o actual premio do oiro, pouco devem esperar d'aquellas receitas, e procurar convencel-os de que mais teem a lucrar n'uma conversão, que elles possam, por sua parte, acceitar, e nós possamos, pela nossa, cumprir?

Mas, ainda quanto á receita, quer a camara ver como em tudo se expressa a coherencia do sr. ministro da fazenda?

Rectificando s. exa. o calculo dos impostos de sêllo, de consumo e de real d'agua, em attenção ao seu maior producto no primeiro semestre de 1896-1897, porque não rectifica, da mesma fórma e pela mesma rasão, o da contribuição de registo?

Tambem com relação a esta houve, no primeiro semestre de 1896-1897, um augmento de 38:513$131 réis, como s. exa. declara no relatorio que antecede as suas propostas de lei.

Porque não duplicou s. exa. esse augmento, como fez com respeito aos outros impostos, e não elevou assim e receita que eu calculara no meu orçamento para a contribuição de registo, como elevou para as demais?

Ainda nas ultimas contas publicadas, que são as de março, se vê que, se o imposto do sêllo produziu até então mais do que no anno anterior, mais produziu tambem a contribuição de registo.

Pois de factos iguaes se devia tirar conclusões identicas.

Desde que o sr. ministro da fazenda se propoz rectificar o orçamento do estado, não era a arbitrio seu que o podia fazer; augmentando-lhe ou diminuindo-lhe as verbas de receita ou despeza, a mero capricho, sem attenção aos factos e ás leis.

O sr. Ministro da Fazenda (Ressano Garcia): - V. exa. diz-me em que data vêem publicadas no Diario do governo as contas de março?

O Orador: - Em 5 de agosto, porque v. exa. as não quiz publicar mais cedo.

Mas não era só a contribuição de registo que s. exa. tinha de rectificar. Uma vez entrado no caminho das recticações de receita, que os factos e as circumstancias da cobrança, posteriores á apresentação do orçamento, em janeiro, lhe indicavam, não podia parar a meio.

Porque não rectifica a receita dos cereaes?

Como receita, de sua natureza extremamente variavel, calculei-a eu, em janeiro, pela media das tres ultimas cobranças. Fôra, no continente, de 2.393:472$812 réis a de 1893-1894 de 1.591:970$528 réis a de 1894-1895, de 2.898:650$258 réis a de 1895-1896; era, pois, de réis 2:294:697$866 a media. Era de 127:304$411 réis a media nas ilhas. Computei em 2:250 contos a receita do continente em 1897-1898, e a das ilhas em 127 contos de réis.

Nem outra cousa eu podia fazer, em obediencia á lei e ao regulamento de contabilidade publica, muito menos á distancia a que então estavamos do proximo anno cerealifero, não podendo ainda fazer juizo seguro sobre o que seriam as colheitas no paiz.

Mas de então para cá esclareceram-se os factos, e com elles mudaram as circumstancias.

Póde hoje o sr. ministro da fazenda, de boa fé, antever uma cobrança, no anno em que entramos, de 2:250 contos de réis, nas alfandegas do continente?

Estão aqui proprietarios e agricultores que bem o sabem:

A abundancia das colheitas claramente indica, e ainda bem para a riqueza do paiz, que será excepcionalmente diminuta a importação de cereaes n'este anno.

E, a par d'isto, vejo que os preços dos trigos, nos mercados estrangeiros, não decrescem por fórma que a taxa do direito a fixar possa, de algum modo, compensar o thesouro do que a menos terá de receber pela muito menor importação de trigos.

Ora se, no anno que findou, importámos 140.000:000 kilogrammas, que, pelas taxas de 8 a 10 réis, fixadas nos decretos de 26 de novembro de 1896, de 20 de fevereiro e 31 de maio de 1897, produziram ao thesouro apenas réis 1.234:800$000, - o que se póde esperar agora d'essa receita, baixando consideravelmente a importação, embora se eleve aquellas taxas?

Muito menos de 1:000 contos de réis.

E todavia o sr. ministro da fazenda, a despeito de tudo, mantém no seu orçamento uma previsão de 2:250 contos de reis!

Que mais preciso eu de dizer para, em todos os que me escutam, incutir a convicção de que isto, que se nos traz á discussão, não é um orçamento rectificado? Póde ser uma especulação politica; obra seria de governo não é; tem, para isso, reflexão de menos e erros de mais.

E ainda só fallei da receita.

Pois não tem menos que admirar a parte relativa á despeza.

Uma importante declaração só encontra nos relatorios do sr. ministro da fazenda, que verdadeiramente impressiona pela insistencia e categorica emphase com que é feita.

Explicando a necessidade que teve de rectificar o orçamento que eu elaborara, apesar de todo o bom desejo, que o animava, de com elle se conformar, diz no seu relatorio de 28 de junho:

"Mas o governo, apesar de ter ordenado, dentro das leis vigentes, a suspensão de todas as despezas que se lhe afiguraram injustificadas, fazendo assim as economias compativeis com a regularidade dos serviços publicos... "

Depois, no seu relatorio de 12 de julho:

a... entende o governo que é indispensavel restringir as despezas publicas."

Logo apoz:

"O governo já fez as reducções que d'elle dependiam."

E volta, e repete:

"Não obstante haver o governo ordenado, dentro das leis vigentes, a suspensão de todas as despezas que se lhe afiguraram injustificadas..."

Fiquei tomado de uma viva curiosidade, ancioso por

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saber quaes as despezas que s. exa. tinha cortado ou reduzido, quaes as economias que, de facto, havia realisado.

Que o governo publicara um decreto, mandando suspender, com inexoravel rigor, todas as despezas que não estivessem nas mais apertadas condições de legalidade, sabia eu; tinha-o visto na folha official. Mas quaes fossem, de facto, essas reducções, quaes as despezas realmente suppprimidas por illegaes, quaes as economias effectivamente realisadas por tão severa norma de proceder, quaes as importancias que o thesouro deixara assim de desembolsar, e, emfim, qual o resultado pratico do decreto, cruel mas altamente moralisador, referendado pelo sr. ministro da fazenda,... era o que eu absolutamente desconhecia. Porque d'isso se esquecera s. exa. de nos informar,... ou modestamente o escondera na sua mais discreta reserva. Era, pois, o que eu estava verdadeiramente desejoso de saber.

Por mais que volteasse o Diario do governo, e que de uns e outros inquirisse a execução que tivera tão rigida providencia, apenas e vagamente me chegava... que s. exa. cortára por uns visitadores do sêllo que não haviam sequer tomado posse; que o sr. ministro das obras publicas, de quatro engenheiros contratados, que encontrára, despedira dois, ficando com os outros dois, sem que eu podesse alcançar bem a razão da differença; e que o governo mandára fazer um cadastro geral dos addidos, para mais tarde pensar no melhor destino que poderiam ter.

Reducções consideraveis de despeza, economias importantes e effectivas, d'isso, por mais que procurasse, é certo que eu nada achava; mas seguramente deviam existir. Talvez que, por serem demasiado crueis nos seus effeitos, se demorava o governo em as divulgar, para não ferir, de chofre, o sentimento compassivo da nação.

Em presença, porém, das explicitas affirmações agora feitas pelo sr. ministro da fazenda, repetidas como um refrain nos seus varios relatorios, entendi que chegado era o momento de tudo se esclarecer, e para dar ensejo a que o governo mostrasse, ante o parlamento, com factos positivos e incontestaveis, quanto fôra deliberada e seria a resolução tomada n'aquelle decreto, e como era verdadeira e exacta a affirmação das muitas economias e reducções de despezas que fizera, enviei para a mesa o seguinte e bem especificado requerimento:

"Requeiro que pelo ministerio da fazenda, direcção geral da contabilidade pubica, e pelo ministerio da marinha, cuja repartição de contabilidade é independente d'aquella direcção, me seja enviada, com a maior urgencia, uma relação de todas as despezas cuja suspensão foi ordenada pelo governo posteriormente a 6 de fevereiro ultimo} nas diferentes secretarias d'estado e suas dependencias, por se lhe afigurarem injustificadas, conforme a declaração feita no relatorio do orçamento ultimamente apresentado ás côrtes.

Sala das sessões, em 5 de junho de 1881. = Hintze Ribeiro.

O que fui eu perguntar, sr. presidente!

Que viva contrariedade eu causei ao governo, pedindo-lhe uma informação, que para admirar só era elle nos não houvesse dado logo que as côrtes se abriram!

Decorreram dias, e a resposta sem vir. Instei, tornei a instar; até que a final, sem duvida ao cabo de longas lucubrações e diligencias, chegou o seguinte preciosissimo documento!

Ouça a camara, e veja como o governo dá bem conta dos seus actos:

"Ministerio da fazenda. - Direcção geral da contabilidade publica. - Segunda repartição.

"Illmo. e exmo. sr. - Em resposta ao officio d'essa secretaria geral de 6 do corrente mez, e em satisfação ao requerimento apresentado em sessão de 5 pelo digno par do reino Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro, constante do mesmo officio, cumpre-me declarar a v. exa. que as despezas cuja suspensão foi ordenada pelo governo posteriormente a 6 de fevereiro ultimo foram as seguintes:

"1.° Todas as despezas que estavam em desharmonia com o disposto no artigo 2.° do decreto de 25 do dito mez de fevereiro, isto é as que não podiam realisar-se nos termos do artigo 7.° da lei de 13 de maio de 1896 e do decreto de 26 de junho de 1884, salvas as disposições dos artigos 97.°, 199.° e 200.° do regulamento geral da contabilidade publica;

"2.º Todos os despachos, auctorisações ou ordens contrarias ás disposições do citado decreto de 25 de fevereiro ultimo, que ficaram annullados em virtude do disposto no artigo 8.° do mesmo decreto.

"Deus guarde a v. exa. Direcção geral da contabilidade publica, em 12 de julho de 1897. - Illmo. exmo. sr. conselheiro secretario geral do ministerio da fazenda. = O director geral, Antonio M. P. Carrilho.

"Está conforme. Ministerio dos negocios da fazenda secretaria geral, em 16 de julho de 1897. = Antonio Melhiades de Sequeira Machado."

A camara queria saber quaes as verbas de despeza que governo supprimiu por illegaes, quaes as economias que, especificadamente, realisou nos serviços publicos, qual a importancia effectiva dos gastos, que o thesouro irregularmente fazia com estipendios ou gratificações não auctorisadas, e que a benefica observancia d'aquelle decreto, tambem de 25 de fevereiro, lhe veiu poupar?

Pois saiba que: - supprimidas por illegaes foram... todas as despezas que as leis não auctorisavam! - que economias realisadas foram... todas as que aquelle decreto mandou fazer!

Mas quaes foram? em quanto importaram?

Nem uma que se possa dizer - foi esta!!

Em contrario, vae a camara ver como as despezas tem augmentado, no benemerito consulado d'este governo:

São as verbas de construcção e reparação de edificios publicos, especialmente as ferias dos operarios em Lisboa, dos assumptos que mais reclamam a instante consideração dos governos, porque, a par do dispendio que importam, envolvem uma importante questão social.

Bradavam todos os dias, na opposição, os que hoje estam no poder, que era indispensavel reduzir taes despezas, cujo crescimento inutilisava quaesquer esforços de boa administração. E do ministerio transacto se queixavam, porque não atalhava o mal, sendo já incomportavel o encargo do thesouro.

Effectivamente, pouco depois de organisado o actual gabinete, publicou o sr. ministro das obras publicas um decreto, de 25 de fevereiro, como os outros que tenho citado, inserindo n'elle disposições com que, ao mesmo tempo, julgou beneficiar o thesouro e assegurar a regularidade dos trabalhos por conta do estado, preceituando que os operarios, que não tivessem familia em Lisboa, nem aqui fossem precisos, seriam empregados nas provincias, onde mais proveitosa fosse a sua actividade, desaccumulando-se assim o pessoal da direcção das obras publicas da capital.

Era um programma a executar. Desejei saber que cumprimento se lhe dera, e quanto lucrara com isso o thesouro. Pedi, pois, me fosse enviada uma nota da importancia das ferias pagas por aquella direcção, em cada semana, desde o principio do anno até ao presente, tornando-se, assim, facil a comparação do que despendia com esses serviços o ministerio transacto e da economia que, por aquelle decreto, conseguira este governo effeituar.

Após successivas instancias, chegou, finalmente, o documento pedido. Aqui o apresento á consideração da camara:

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Direcção especial de edificios publicos e fornecimento de materiaes

Importancias semanaes das ferias a operarios desde 5 do janeiro a 27 de julho de 1897

Mezes Semana Importancias Parciaes Totaes

[ver valores da tabela na imagem]

Secretaria da direcção, em 30 de julho de 1897. = O engenheiro director interino, Pedro Ignacio Lopes.

Semana a semana, no mez de janeiro, gastou o ministerio regenerador, com os operarios em Lisboa, ao todo 55:970$395 réis.

Ainda no mez de fevereiro, antes das providencias decretadas pelo sr. ministro das obras publicas, foi a despeza de 56:542$375 réis.

Publicado o decreto, a despeza, cuja redacção tão categoricamente se annunciou e prometteu, e que foi de antemão preconisada pelos arautos da situação, como sendo mais uma prova de quanto a administração d'este governo se distanciava, em vantagens, da dos seus antecessores, a despeza foi successivàmente:... em março, de 69:876$430 réis; em abril, de 62:090$970 réis; em maio, de réis 63:988$690; em junho, de 72:206$560 réis; e ainda em julho (mez incompleto), de 62:102$775 réis!

Tal foi o resultado das acertadas medidas de economia e boa disciplina, que o governo adoptou com relação aos operarios! Vê-se claramente como elles foram aproveitados em obras de utilidade para a nação, desaccumulando-se o serviço em Lisboa!

Portanto:

Das reducções de despeza, tão apregoadas poreste governo como lemma essencial da sua administração - nem uma que apreciavel seja!

Augmentos de despeza, nos proprios capitulos em que formalmente annunciára economias, esses sim, - aos centos de contos de réis!

Frisantemente o vou, ainda, mostrar á camara, percorrendo, a breves traços, as rectificações que o sr. ministro da fazenda propõe se faça no orçamento de despeza que eu formulara.

No ministerio da fazenda:

Propõe s. exa. que se eleve de 30 a 50 por conto o cômputo do premio do oiro, na verba concernente ás differenças de cambios, o que representa um augmento de 1.206:421$046 réis.

O meu calculo de 30 por cento justificava-se quando se fez, em janeiro d'este anno; era então o onus cambial muito inferior ao de hoje, a cotação fazia-se a cerca de 38, e esperava-se que melhorasse, com o producto dos vinhos em exportação e com remessas que e aguardava do Brazil, abastecidos, como se dizia estarem, os importadores de trigo.

Mas, ao que se vê, as providencias salvadoras, que este governo promettia para o rapido melhoramento dos cambios, foram tão fallazes e contraproducentes como as demais, que annunciou; o cambio peiorou, a sua cotação não chega já a 36, e o governo diz ás camaras que elle ainda mais se aggravará, pois que sendo, actualmente, o premio de 48 por cento, propõe que no orçamento se estime em 50.

Era que vieram a dar as jactancias d'esta situação!

Mas o mais singular é que ao mesmo tempo, e no mesmo orçamento, era que o governo alvitra que, para os encargos da divida externa, se eleve o cômputo do premio do oiro de 30 a 50 por cento,... deixa liça r nos mesmos 30 por cento o computo das differenças de cambio, na verba de 500 contos, destinada aos demais pagamentos em oiro que ha a fazer no estrangeiro!

Comprehende alguem isto?

Outra rectificação: a do supplemento a distribuir pelos credores externos, em participação no excedente a 11:400 contos de réis de receitas aduaneiras.

Como já referi, o sr. ministro da fazenda, errando os seus proprios calculos, propoz se reduzisse a verba do meu orçamento em 301 contos de réis, por terem diminuido ultimamente aquellas receitas; depois a commissão de fazenda da camara dos senhores deputados entendeu, e s. exa. acceitou, que a reducção fosse de 642 contos de réis,... e n'isto se ficou, quando o apuramento, agora feito, dos rendimentos das alfandegas não permitte calcular em mais de 228 contos de réis o supplemento a dar aos nossos credores no proximo anno; e quando, portanto, a reducção na verba orçada em janeiro devera, pelo que depois se liquidou, ser de 1:057 contos!

Uma terceira rectificação está em se inserir uma verba de 300 coutos, para dotação dos emprestimos que o sr. ministro da fazenda se propõe levantar pela operação das classes inactivas, e para construcção ou acabamento de varias obras.

Não é isto, porém, verdadeiramente uma rectificação; é claro que eu não podia prever, em janeiro, os emprestimos que s. exa. viria propor em junho; é uma inclusão de verba nova, para realisação de dois expedientes de mau quilate, pois que ninguem, de certo, dará outro nome a compromissos tomados a praso, com juro e amortisação, para pagamento de despezas correntes de administração. Ainda uma rectificação consiste em se eliminar do meu orçamento os 50 contos de réis, que eu ali descrevera para complemento da restituição do imposto de rendimento nos termos do artigo 7.° da lei de 26 de fevereiro de 1892.

Esta eliminação deriva de ter s. exa. incluido essa verba no celebre decreto de 20 de fevereiro, a fim de engros-

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sar a somma dos creditos extraordinarios, com que o governo atordoou nacionaes e estrangeiros.

Pois bem melhor fôra ter deixado ficar aquella verba onde estava, que estava bem.

E, por ultimo, a inserção de uma verba de 50 contos de réis para a acquisição de cofres para as recebedorias, em virtude do disposto na lei, que o parlamento me votou, de 13 de maio de 1896.

A esta verba não tenho que oppor; simplesmente, a sua falta era bem facil de supprir. Para as despezas novas, devidamente auctorisadas por lei, preceituou o artigo 16.° § unico da lei de 13 de maio de 1896 a abertura de creditos especiaes.

N'isto se cifram, sr. presidente, as rectificações, que o governo propõe, no orçamento do ministerio da fazenda. São, urnas, inuteis; outras, inconvenientes ou contradictorias.

Dos ministerios do reino, justiça e estrangeiros, não me detenho a fallar; as rectificações propostas para os respectivos orçamentos não sommam, todas, 15 contos de réis.

É nos orçamentos da guerra, da marinha e ultramar, e das obras publicas, que o governo pede ás côrtes mais importantes alterações nos orçamentos de despeza.

Pensa a camara que para menos? - para mais, como disse, em centos de contos de réis.

Mais 317 contos para elevar o effectivo do exercito de 18:000 a 21:000 homens; mais 219 contos para vencimentos da armada e rações das praças de marinha, alem de mais 60 contos para a occupação de Gaza; e, emfim, mais 600 contos de réis para edificios publicos! - reduzindo-se, aliás, 49 contos, na construcção de pharoes, que tão indispensaveis são á illuminação das nossas costas, para se augmentar 65 contos em outros serviços, seguramente menos aproveitaveis.

E é tudo!

Reducções de despeza... só aqui e acolá, em alguma verba insignificante.

Augmentos de despeza, só nos serviços proprios d'aquelles tres ministerios, sem já fallar dos outros encargos da administração publica,... mais 1:212 contos de réis!

Compare a camara esta rectificação do orçamento, que o actual governo veiu fazer, com a que nós fizemos em 1893, sobre o orçamento que nos deixára a situação presidida pelo sr. Dias Ferreira.

Nós encontrámos: as receitas calculadas, para 1893-1894, em 41:160 contos; as despezas ordinarias em 44:515 contos; as extraordinarias em 1:707 contos; sendo, portanto, o deficit avaliado em 5:062 contos de réis.

Procedendo a uma cuidadosa revisão, em que fizemos largas reducções nas despezas ordinarias d'estado, rectificámos esse orçamento em todas as suas partes, restringindo assim o computo do deficit a 1:002 contos de réis.

As contas d'esse exercicio, as proprias contas publicadas por este governo, mostram: - que as receitas subiram a 45:852 contos; que as despezas ordinarias desceram a 43:560 contos; e que por isso, apesar das despezas extraordinarias que houvemos de fazer, na importancia de 2:366 contos, foi o deficit, apenas, de 74 contos de réis.

Para alguma cousa serviu a nossa revisão do orçamento.

Agora, a synthese das rectificações propostas pelo sr. ministro da fazenda:

A receita ordinaria estava, no meu orçamento para 1897-1898, computada em 53:138 contos de réis. O sr. ministro da fazenda rectificou-a, baixando-a para 52:865 contos; a camara dos senhores deputados corrigiu-lhe a rectificação, pondo a receita em 52:275 contos.

A despeza ordinaria estava calculada em 50:203 contos, e a extraordinaria em 2:824 contos. O sr. ministro da fazenda elevou aquella a 52:031 contos e esta a 3:531 contos; a camara dos senhores deputados rectificou-lhe os calculos, descendo o computo da despeza ordinaria a 51:269 contos, e subindo o da extraordinaria a 3:764 contos.

Onde estava um saldo de no contos de réis, poz o sr. ministro da fazenda, a seu arbitrio, um deficit de 2:697 contos, que a outra camara ainda elevou a 2:758 contos.

Depois, ao cabo de tantas rectificações, propondo emprestimos para occorrer, com grave sacrificio do futuro, a despezas de administração, que longe de restringir, avolumou em centenares de contos de réis, como evidenciei, repoz B. exa. sobre o proprio deficit que abrira, um saldo que arbitrou em 132 contos de réis, para ser ainda maior do que o do meu orçamento!

E, ufano, exclamou no seu relatorio de fazenda:

"Está, pois, assegurado, mas real e effectivamente, o equilibrio do orçamento para o exercido de 1897-1898!"

Que triste illusão!

Rectifique s. exa., como deve, as receitas que calcula auferir dos direitos de importação e de cereaes, que os factos estão mostrando que soffrerão uma larga quebra, e terá de reconhecer que, em verdade, longe de estar, com as suas medidas, assegurado o equilibrio financeiro no proximo exercicio, muito pelo contrario, onde s. exa. antevia um saldo de 132 coutos, que aliás a outra camara já modestamente lhe reduziu a 72 contos de reis,... lhe surgirá um deficit de mais de 2:000 contos de reis!

Sr. presidente, a hora vae adiantada, e eu quero concluir hoje.

Sobre as medidas do governo, attinentes á abertura de creditos extraordinarios e á rectificação de orçamentos, fallei já largamente.

Da questão de fazenda, tal como ella actualmente se apresenta, da solução que se lhe possa dar no estado economico e financeiro em que o paiz se encontra, me vou, pois, occupar, dizendo o que sobre ella realmente penso.

Ha uma parte do relatorio do sr. ministro da fazenda com a qual absolutamente me conformo. É aquella em que s. exa. affirma que a nação tem recursos de sobra para vencer as difficuldades de momento e para, com perseverante esforço, levantar o seu credito nos mercados estrangeiros.

É a parte mais notavel d'esse relatorio aquella em que s. exa., com dados estatisticos, com larguissima copia de informações sobre os factos caracteristicos da nossa vida economica, mostra, á saciedade, o desenvolvimento que tem tido, a transformação que se tem operado na nação portugueza, pela acção constante e progressiva das suas forças de producção e trabalho.

Ainda bem que, ao menos nisto, conseguiu s. exa., desprendido de paixões facciosas, e inspirando-se num pensamento verdadeiramente patriotico, reconhecer e confirmar o que tantas vezes eu tenho sustentado, não pondo em duvida os recursos da nação, a possibilidade de para ella se alcançar uma situação de mais desafogada e prospera fortuna.

Para isso é, porém, necessario ver as cousas como ellas realmente são; sem descrenças que enervem, mas tambem sem illusões que desorientem.

O momento é, na verdade, difficil

Na propria balança economica se manifesta um pendor que nos póde ser fatal.

É certo que, abstrahindo do oiro e da prata em barra e moeda, mostram as estatisticas commerciaes do continente e das ilhas, no confronto dos ultimos cinco annos, que tendo a importação para consumo sido, em 1891, de 39:509 contos de réis, em 39:530 contos se manteve em 1896; - ao passo que a exportação, nacional e nacionalisada, subiu de 21:379 contos n'aquelle anno, a 26:142 contos no ultimo anno findo. Não menos certo é, tambem, que, abrangendo na importação, alem do movimento para consumo, o da reexportação, baldeação e transito, a sua valorisação similhantemente se manteve, sendo de 49:967 contos em 1891 e de 49:585 contos em 1896; - quando a

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exportação, comprehendendo, alem da nacional e nacionalisada, o movimento da importação estrangeira e ultramarina para reexportação, baldeação e transito, se elevou, no mesmo periodo, de 31:837 a 36:198 contos de réis. E emfim, é certo que o movimento total da importação e exportação, reunidas, foi em 1891 de 71:346 contos, e de 75:728 contos de réis em 1896, - o que revela um incontestavel progresso industrial e mercantil.

É igualmente incontestavel que, de um para outro d'esses cinco annos, se affrouxou, por um lado, a importação de oiro e prata, em barra e moeda, que em 1891 foi de 8:268 contos de réis, e em 1896 de 1:284 contos; consideravelmente diminuiu, por outro lado, a drenagem do nosso metal, pois que de uma exportação de 29:803 contos n'aquelle anno, viemos a exportar, era 1896, só 3:737 contos de réis.

E consolador é ainda ver quanto o movimento commercial augmentou nas nossas colonias durante os mesmos cinco annos: - subindo de 519 a 898 contos de réis na Guiné; de 1:028 a 1:421 contos em Cabo Verde; de 1:747 a 3:285 contos em S. Thomé; de 9:684 a 10:982 contos em Angola; de 5:056 a 14:249 contos em Moçambique; e, portanto, de 18:037 a 30:837 contos nas nossas possessões africanas.

Receio, porém, que se não conseguirmos, por uma politica sobranceira a paixões partidarias, aproveitando o tempo emquanto é tempo, levantar o credito do paiz, entrando, lealmente e de vontade, na resolução das difficuldades que de momento opprimem o thesouro, e que, em cada ia que vae passando, mais se aggravam, á mingua de uma diligencia efficaz, - receio, e muito, que a esse desenvolvimento economico, tão clara e accentuadamente desenhado nas nossas estatisticas mais recentes, se siga, a breve praso, um retrahimento e um desanimo que nos entorpeça os meios de acção, de que absolutamente carecemos para reagir e luctar com vantagem.

D'isso é o decrescimento nas receitas aduaneiras d'estes ultimos mezes uma significativa advertencia.

Qual é, sr. presidente, a causa substancial dos nossos embaraços financeiros? Onde está, e em que consiste, o mal que a todo o custo precisamos de atalhar, tão rapidamente nos vae consumindo?

Tem a nação menos recursos do que tinha?

Não.

Trabalha menos, decresce a actividade dás suas industrias, restringe-se a iniciativa do seu commercio, apouca-se o valor da sua producção annual? Tambem não.

O mal está em que temos avultados pagamentos a fazer no estrangeiro, e que nos escasseia para, isso o oiro necessario. O mal está em que o oiro se compra, como mercadoria rara, por alto preço, com pesado agio cambial.

Se podessemos trazer do Brazil, não já tudo o que lá temos, mas uma parte limitada do que é nosso, do que pertence á riqueza particular do paiz, veriamos desde logo desafogada a situação e resolvidas as difficuldades. Como e quando se accentuou a crise cambial? Os documentos que se teem publicado o evidenciam. Foi em 1890, n'esse anno terrivel em que o ultimatum da Inglaterra veiu abalar o paiz n'uma commoção profunda, exaltando ás paixões e desvairando os espiritos, até ao ponto de se rejeitar o tratado de 20 de agosto, erro grave que tanto temos expiado em crueis dissabores. Foi em 1890, em consequencia da perturbação que os proprios acontecimentos de então determinaram, que a drenagem do oiro começou a accentuar-se entre nós. Até ahi, em todos os annos, com raras excepções, excedia a importação, em muito, a pequena exportação que se fazia. Ainda em 1889 importavamos 10:041 contos e exportavamos 1:887. Logo em 1890, foi a importação de 14:202 contos e a exportação de 10:448. Em 1891, entraram apenas 3:271 contos, e saíram 29:692. E até agora, embora successivamente menor, sempre a exportação tem sido superior á importação. Ainda no ultimo anno, em 1896, foi de 3:185 contos a saida do oiro e só de 15 contos a entrada!

O cambio, que em 1890 se fazia acima de 53, já no fim d'esse anno descera até 52 1/2. A 52 se conservava, todavia, ainda em junho de 1891, quando se decretou a in-convertibilidade das notas do banco de Portugal, pela escassez de oiro em que a larga drenagem, que se operara, havia deixado o paiz.

A cotação baixou então subitamente de 52, em junho, a 38 em julho de 1891.

Elevou-se depois, attingindo no maximo 44 1/2 ainda em setembro d'esse anno, mas descendo logo a 43, a 42, a 41 em dezembro. A 41 abriu e fechou em 1892. Entre 43 3/4 e 38 3/4 oscillou durante a administração do sr. Dias Ferreira. Entre 44 e 391 3/16, durante largo tempo dá nossa administração.

A verdade é que desde 1891, desde o decretamento da inconvertibilidade das notas, desde que passámos a viver n'um regimen fiduciario não garantido por correspondentes reservas de oiro, a tendencia dos cambios tem sido para a baixa.

Mas quando foi que mais aguda se tornou a crise, accentuando-se o decaimento rapido das cotações até aos precarios limites em que as vemos hoje?

Não foi em 1893, nem em 1894, nem em 1895, nem ainda durante mezes de 1896; em todo esse tempo, mais ou menos se amparou o cambio, com raras excepções, a cima de 40. Ainda em agosto de 1896 foi o cambio medio de 41, e em setembro se cotou a 401 3/32. Era outubro de 1896 desceu, porém, a 38 1/16; em novembro e dezembro desse anno, e em janeiro do anno corrente, variou entre 39 1/2 e 37 1/16; a 37 1/4 o deixámos em 6 de fevereiro. Muito mais se aggravou desde então, chegando a 34 13/16 em maio, e não attingindo 36 ao presente.

Porque se aggravou a situação em outubro de 1896?

Concorreu de certo para isso a desproporção entre a procura e a offerta do oiro no mercado.

Mas foi só essa a causa?

Não.

Uma outra houve, bem flagrante no mal que nos fez. Sabe v. exa., sr. presidente, qual foi? Foi a campanha de descredito que entre nós, na nossa propria imprensa, influenciada e movida por aquelles mesmos que hoje no governo lhe sentem os desastrosos effeitos, se levantou precisamente quando eu, como ministro da fazenda, na execução de uma lei que o parlamento votára, me esforçava por effectuar, nas melhores condições para o paiz, o emprestimo destinado á acquisição dos navios de guerra, de que tão absolutamente carecia a nossa armada, e punha o melhor da minha diligencia em alcançar, na bolsa de Paris, para as obrigações com que ficaramos, da companhia real dos caminhos de ferro, a cotação que as havia de valorisar, assegurando ao estado a facilidade de obter de prompto um importante stock de oiro!! (Apoiados.)

Aqui tem v. exa. e a camara bem claramente desenhada a historia da crise que nos trouxe o encarecimento do oiro, e fielmente expostas as causas que tão desfavoravelmente actuaram na mais recente depressão dos cambios.

(Interrupção, que não se distinguiu.)

Pois ha alguem que não veja quanto as desordenadas invectivas contra tudo e todos affectam o credito do paiz, aggravando, consequentemente, a sua situação cambial? (Apoiados.)

Comprehende-se uma campanha aberta e decidida, uma lucta a todo o transe, contra um plano de governo que provoque um desastre, que approxime o desenlace fatal de uma crise em vez de o conjurar. Mas uma campanha de descredito, contra a nação, deprimindo os seus recursos, pondo em duvida a sua solvabilidade, assoalhando a sua mina, e lançando suspeites sobre a boa fé dos seus com-

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promissos, no proprio momento era que se procura realisar no estrangeiro uma operação, cujo fim é de indiscutivel conveniencia, e alcançar, para titulos que são nossos, uma valorisação que a todos aproveita e beneficia, isso, só de um facciosismo absolutamente desvairado póde partir.

E feito o mal, aggravada a situação cambial, por tão grande desserviço feito á causa publica, os mesmos que, com os seus irreflectidos e prejudiciaes accommettimentos, tanto mal fizeram, voltaram-se contra o governo de então, clamando por providencias reparadoras, arguindo-o com vehemencia extrema, porque os cambios não melhoravam de prompto, porque, na sua phrase de combate. - o governo não tinha idéas.

O sr. Conde de Lagoaça: - Apoiado.

O Orador (continuando): - Apoiado diz o digno par, pois vae s. exa. ver que idéas este governo, que nos succedeu, tem tido.

E vae ficar tomado de assombro, de enthusiasmo, para o applaudir ainda com mais fervor do que aquelle com que nos atacou a nós.

De 7 de fevereiro até agora, o que tem o governo feito para debellar a crise cambial? Uma cousa somente: o contrato do supprimento das 600:000 libras.

É o unico acto do governo.

Como idéa apparece esta; nenhuma outra.

O sr. Conde de Lagoaça: - Não é má.

O Orador (continuando): - Vamos ver se é boa ou má.

No seu relatorio diz o sr. ministro da fazenda:

"Procurou tambem o governo deter a rapida descida dos cambios, que, nos ultimos mezes se tinha accentuado por fórma assustadora.

"A alta do preço do oiro provém manifestamente da desproporção entre a procura e a offerta.

"Para diminuir a primeira obteve o governo, por intermedio de uma importante casa bancaria de Lisboa, um credito de £ 600:000, garantido por titulos da nossa divida interna, o que habilitou o thesouro a solver os seus encargos impreteriveis no estrangeiro, sem pesar sobre o mercado nacional.

"Para augmentar a segunda, levou o governo a mesma casa bancaria a occorrer ás necessidades reaes das praças de Lisboa e Porto, pondo á disposição d'estas mais de £ 400:000 de papel cambial."

É tudo quanto, de idéas e providencias, s. exa. tem realisado.

Posto isto, vejamos o que foi o supprimento das 600:000 libras para o thesouro, e o fornecimento de 400:000 libras ás praças de Lisboa e Porto.

Tenho aqui o contrato, que pedi.

O supprimento foi mais um emprestimo de divida fluctuante, a poucos mezes de praso, caucionado por titulos de divida interna; no que; decerto, a idéa nada tem de original.

Onde começa a tornar-se mais peregrina é quando, dizendo-se que essa caução será prestada com a margem usual, sem todavia se especificar qual seja - e a margem tem variado nos supprimentos feitos ao thesouro - se acrescenta que, não sendo essa margem mantida durante todo o praso da operação, terão os emprestadores a faculdade de vender os titulos assim consignados,... "sem nenhuma outra formalidade, por conta do governo".

E no que a idéa d'esse contrato mais genial se revela - e nem tudo o que elle encerra se revela, como mostrarei - é na obrigação, a que o governo formal e expressamente se sujeitou: de a comprar, por via da firma Henry Burnay & C.ª, todo o papel cambial de que carecer paias suas necessidades nas praças externas"; e ainda no absoluto compromisso de "auxiliar por todos os meios directos ou indirectos tudo quanto possa concorrer para melhorar a situação cambial"!... sem sequer se marcar praso para aquella obrigação ou para este compromisso!

Isto está escripto. O contrato aqui fica; póde a camara certificar-se por elle.

A troco de um supprimento vulgar e, aliás, perfeitamente garantido para quem o fez. prendeu o governo a sua liberdade de acção ante uma crise cambial, obrigando-se a não fazer transacções, a não occorrer ás necessidades do

Contrato de 20 de fevereiro de 1897

Entre s. exa. o sr. Frederico Ressano Garcia, do conselho de Sua Magestade Fidelissima, ministro e secretario d'estado dos negocios da fazenda, e Henry Burnay & C.ª foi ajustado o seguinte:

1.°

Henry Burnay & C.ª obrigam-se, por si e por conta de terceiros, a emprestar ao thesouro, para occorrer ás mais urgentes necessidades da divida publica no estrangeiro, £ 600:000 em oiro, que lhe serão fornecidas por meio de versements. cheques ou delegações á ordem do thesouro, e nas datas que este indicar.

2.°

O thesouro poderá exigir que, no todo ou em parte, o referido supprimento, lhe seja feito pela mesma fórma, mas em francos ou marcos sendo a transferencia de libras para francos ou marcos, feita pelo cambio dos dias em que se effectuarem as transferencias.

3.º

As sommas fornecidas ao thesouro, em virtude do presente credito serão representadas por saques do exmo. ministro da fazenda, acceites pela agencia financial em Londres, e serão creados em libras esterlinas ou francos, á escolha dos prestamistas, e caucionadas por titulos de divida publica consolidada interna ou externa á escolha do thesouro, com a margem usual que deverá ser mantida durante lodo o praso da operação, na falta do que os titulos poderão ser vendidos sem nenhuma outra formalidade por conta do governo. Os primeiros serão a tres mezes, obrigando-se Henry Burnay & C.ª a reformai-os no vencimento, não podendo o ultimo vencimento ir alem de 20 de setembro proximo. Os saques serão descontados a 6 por cento ao anno, com a commissão de 1/8 por cento e sellos. Henry Burnay § C.ª poderão sem prejuiso da sua responsabilidade para com o governo portuguez, transferir os saques do thesouro, e os titulos das cauções a terceiros, ficando os portadores d'esses titulos com as mesmas obrigações, direitos e garantias.

4.°

Henry Burnay £ C.ª obrigam-se mais, durante o praso minimo de seis mezes, a fornecer ás praças de Lisboa e Porto, para as necessidades cambiaes, até £ 400:000 ou o seu equivalente em qualquer outra moeda estrangeira, tendo em vista melhorar os cambios e sobretudo, por meio de compras e vendam, obstar a quaesquer especulações que se queiram realisar em sentido opposto. Henry Burnay & C.ª fornecerão e distribuirão essa somma quando e como julgarem mais conveniente, reservando ao thesouro o direito de verificar por todos ou meios que aprouver, a execução d'esta obrigação de fornecimento de papel cambial.

5.°

O governo obriga-se, a comprar por via da firma Henry Burnay & C.ª todo e papel cambial de, que carecer para suas necessidades nas praças estrangeiras, e a auxiliar por todos os meios directos ou indirectos tudo quanto possa concorrer para melhorar a situação cambial.

6.º

Dando-se a melhoria a que se refere a condição antecedente, Henry Burnay £ C.ª ficarão n'ella interessados, recebendo metade da differença entre o cambio de 37 pence por 1£000 réis e aquelle pelo qual até ao de 42 for reembolsado ou compensado o supprimento das £ 600:000, e mais um 1/4 sobre o excesso da differença alem de 42, quando a taxa cambial exceder a de 42 pence por 1$000 réis. Em firmeza do que se lavrou o presente termo de contrato, aos 20 dias do mez de fevereiro de 1897, no gabinete de s. exa. o sr. ministro da fazenda, perante mim Luiz Augusto Perestrello de Vasconcellos, director geral da thesouraria, sendo testemunhas presentes os conselheiros chefes da segunda e primeira repartição da mesma, direcção, Augusto Ernesto da Fonseca Collaço e José Alberto da Costa Fortuna Rosado. = Frederico Ressano Garcia - Henry Burnay & C.ª Como testemunhas: Augusto Ernesto da Fonseca Collaço = José Alberto da Costa Fortuna Rosado = Luiz Augusto Perestrelo de Vasconcellos.

Está escripto em uma e meia folha de papel, devidamente sellado, e inutilisados os sellos.

Está conforme. Primeira repartição da direcção geral da thesouraria, 20 de julho de 1897. = Pelo chefe, Manuel N, Gomes da Fonseca.

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thesouro, senão pela mão da firma contratadora, a só adquirir o papel sobre o estrangeiro que ella lhe fornecesse, sem condição de preço ou de tempo.

E como se essa firma fôra o governo, e este um banqueiro particular, como se a cargo d'ella, e não do governo, estivesse o zelar e defender os interesses do paiz, é o governo que, para com aquella firma, se obriga a promover a melhoria da situação cambial, contribuindo para isso com todos os meios ao seu alcance, directos ou indirectos! Como se o governo fosse uma entidade estranha á causa publica! Como se não tivesse, n'uma conjunctura difficil, a nitida comprehensão dos seus proprios deveres! Como se não fosse elle, emfim, o governo do paiz!

E com estas condições - para já não fallar dos beneficios especiaes que á firma contratadora adviriam, pelo contrato, se os cambios realmente melhorassem - ajustou o sr. ministro da fazenda um supprimento por saques do thesouro, que, embora feitos em datas differentes, coincidem todos na data do seu vencimento, tornando-se todos exigiveis no mesmo dia, em 20 de setembro proximo.

À poucos dias do pagamento do coupon do 1.° de outubro!

Quem não vê o que vae succeder?

Os supprimentos de divida fluctuante externa, que havia em 7 de fevereiro, feitos por diversos, foram pagos, depois, por saques lançados á conta do supprimento das 600:000 libras; e estes saques se têem reformado, todos com vencimento para 20 de setembro.

Quando esse dia chegar, toda a divida fluctuante externa - e os documentos que reclamei, e me vieram, do ministerio da fazenda mostram que o supprimento das 600:000 libras está não só esgotado mas até já excedido, porque monta a 2:790 contos de réis em oiro - estará nas mãos da mesma firma credora, que assim poderá exigir do governo que a pague, ou a reforme nas condições, ou mediante os compromissos, que lhe dictar.

Foi n'esta deploravel situação que o sr. ministro da fazenda, um homem tão habil e vidente, se collocou, absolutamente illaqueado e preso, na inteira dependencia de uma entidade financeira, por virtude do proprio contrato, de que tanto alarde veiu fazer no seu relatorio ás côrtes!

E foi só este supprimento que s. exa. fez? Foi só este contrato que aqui temos?

Não houve, ao mesmo tempo e por detrás d'elle, nenhum outro?

Fiz aqui esta pergunta porque, pedindo a correspondencia relativa á execução que teve o supprimento das 600:000 libras, deparei, entre os documentos que me foram mandados, com o officio que já li á camara, enviado pela direcção geral da thesouraria á firma Henry Burnay & C.ª em 3 de março ultimo, e que explicitamente se refere a uma operação de prata, contratada na mesma data do supprimento, 20 de fevereiro, operação do que, todavia, o sr. ministro da fazenda ainda nenhum conhecimento deu ás côrtes, e a que nem no seu relatorio, nem nas discussões dá outra camara, fez sequer a mais leve referencia.

Pedi que esse outro contrato fosse, sem demora, remettido ao parlamento: julguei que o paiz tinha direito de saber o que em seu nome se fizera, e que ao sr. ministro da fazenda corria a obrigação de prestar contas dos seus actos. Qual não foi, pois, a minha estranheza quando s. exa., que primeiro declarára - a camara bem o ouviu - que se apressaria a dar ordem para que esse contrato aqui viesse, terminou, hontem, por dizer .. que a direcção geral da thesouraria lhe ponderara que era de interesse publico que elle não fosse conhecido!

Em presença d'esta affirmação, é dever meu não insistir, deixando ao governo a responsabilidade que lhe cabe.

Desde que ao sr. ministro da fazenda pedi a copia de um contrato, - sabendo que esse contrato existe e foi assignado na mesma data era que ao thesouro só fez um
supprimento de 600:000 libras; inferindo, da propria correspondencia que se seguiu, que as duas operações se conjugam entre si, sendo uma manifestamente, condição da outra; e tendo bem na memoria o que foi a operação da prata em 1891 e 1892, operação sobre a qual o illustre director da casa da moeda, hoje ministro das obras publicas, podo amplamente informar os seus collegas no gabinete, - e que o sr. ministro me responde que o interesse do estado não permitte que esse contrato venha á camara, é claro que um dever de reserva se me impõe, tolhendo-me o entrar, por agora, nas apreciações que este assumpto reclama.

Lamento, porém; lamento-o pelo proprio sr. ministro da fazenda.

Porque embora tenha, para mim, a convicção de que s. exa., em qualquer contrato que haja feito, procurou, seguramente, inspirar-se no que entendeu ser de conveniencia publica, é certo que nada invejavel é a situação em que s. exa. se colloca, recusando-se a dar conta de uma operação que, embora realisada nas melhores intenções, tem contra si um grande inimigo - o mysterio em que s. exa. a envolve.

No paiz em que vivemos, num meio politico em que as suspcições a todo o momento se levantam, e numa conjunctura em que, alem de tudo, o sobresalto e a preoccupação mais azedam os espirites, fôra bem preferivel que s. exa. podesse dar larga e cabal informação dos seus actos.

Assim, fica, no tocante ao supprimento que s. exa. obteve para o thesouro, uma interrogação em aberto, a que só mais tarde se poderá encontrar resposta.

Quanto ao fornecimento das 400:000 libras ás praças de Lisboa e Porto, para onde elle foi não sei, porque os documentos respectivos me não chegaram; mas para onde quer que fosse, o que é incontestavel, porque os factos estão patentes, é que d'essa experiencia, se se fez, foi negativo o resultado.

A triste verdade é que os cambios, - que, no dizer do digno par o sr. conde de Lagoaça, se precipitavam num periodo calamitoso durante a administração regeneradora, porque ella não tinha idéas, mas que, sem embargo de tão cruel apreciação, ficaram a 37 l/4 quando saímos do poder, - depois, apesar do todas as idéas salvadoras, que os membros d'este governo annunciaram, apesar dos contratos de supprimento, que foram, a final, o unico e bem precario expediente a que se soccorreram... os cambios foram successivamente descendo, chegando a 34 13/16 em maio, e não attingindo, ainda hoje, a cotação de 36.

(Interrupção do digno par sr. conde de Lagoaça, que não se ouviu.)

O digno par o sr. conde de Lagoaça, exhortando os governos a que tenham idéas, para vencerem as difficuldades da crise cambial, faz-me lembrar um caso que ha tempo se deu n'um acto de licenciatura da universidade de Coimbra.

A esses actos se dava então o nome de exames privados; exames de terror se lhes poderia chamar, inspirados que eram no velho espirito inquisitorial.

Faziam-se n'uma sala pequena, lugubre, quasi sem luz, onde se respirava a custo, como n'uma sala de capitulo de frades austeros, em julgamento sem appellação.

Ahi tinha o licenciando de prestar as suas provas, de responder ás perguntas que os seus inquiridores lhe traziam preparadas adrede, como instrumentos de supplicio.

E tão arduas eram as provas, que. junto do licenciando se sentava o lente de prima, que se presumia ser o mais sabedor, para nos momentos de maior angustia lhe valer.

Couta um dos que passaram por tão severo exame que, n'uma occasião em que um dos lentes, com premeditada crueldade, o illaqueava por todos os lados, com perguntas e argumentos que o adstringiam como n'um circulo de ferro, e a que elle, afflicto não encontrava resposta de

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prompto, sentiu um corpo estranho debruçar-se sobre elle, e uma voz segredar-lhe ao ouvido:

"Coragem! Coragem!"

Era o lente de prima que, n'aquelle momento supremo. o exhortava a ter idéas!

Voltando, porém, ás considerações que fazia, quando o digno par me interrompeu:- quaes são as conclusões a que se chega?

Por virtude dos supprimentos contratados, sobremaneira se elevou a divida fluctuante externa, precisamente a que nos é mais difficil solver.

D'isso; e dos supprimentos feitos pelo banco de Portugal, tem este governo vivido, sem attentar no futuro.

Ó sr. Conde de Lagoaça: - Foi uma pena que v. exa. saísse do ministerio.

O Orador: - O que não valeu, de certo, a pena, creia o digno par, foi malsinar o credito da nação, investindo, em tudo e por tudo, contra os ministros que estavam, para depois seguirem os ministros, que vieram, por um caminho, que, assim, leva fatalmente ao descalabro e á ruina.

Qual foi a situação que deixámos em 7 de fevereiro, sei eu bem;-o que não sei, nem vislumbro, é o que este governo haja feito para a melhorar.

Sei que, em 7 de fevereiro, estava a divida fluctuante interna em 30:914 contos de réis e a externa em 2:930; - mas que já em 30 de junho se tinha elevado a 32:555 no paiz, a 4:083 no estrangeiro, o que representava um augmento de 3:344 contos; - e que de então para cá se tem avolumado em cerca de 1:000 contos de réis por mez a divida interna, afóra o que haja crescido a divida externa, o que por emquanto desconhecemos.

Sei mais que, por sobre todo este augmento, vendeu ainda o governo, a seu arbitrio, sem lei que a isso o auctorisasse, por 1:386 contos de réis effectivos, inscripções pertencentes ao estado, do valor nominal de 4:207 contos, e que ordenou a venda de titulos de divida externa; do valor nominal de 1.420:000 libras.

Sei que, em 7 de fevereiro, era de 17:474 contos de réis o debito do thesouro ao banco de Portugal, pela sua conta corrente, e de 57:669 o total das notas em circulação ... e que hoje o credito do thesouro por essa conta - credito que eu, pelo contrato de 9 de fevereiro de 1890, conseguira elevar a 21:000 contos, sem encargo de juro, e de que deixei livres 3:526 contos, alem de um deposito de 1:297 contos para os encargos da divida publica - está esgotado, é que já em 62:214 contos está a importancia das notas em circulação, quasi, portanto, a attingir o seu limite de 63:000 contos, e numa assustadora progressão de subida.

Sei que, em 7 de fevereiro, estavam os nossos fundos de 3 por cento a 23 1/2 em Londres, e hoje se cotam apenas a 21 7/8; era de 191 francos a cotação do nosso 4 3/2 em Paris, e hoje a mais não passa de 169.

Sei que deixámos os cambios a 37 1/4 sobre Londres, a 760 em Paris, e que, sem embargo das providencias que este governo annunciou, queixando-se da inercia do ministerio passado, peioraram de então para cá, estando hoje ainda abaixo de 36 sobre Londres, tendo já descido a 34 13/16, e custando-nos a 796 réis por 3 francos, sobre Paris, tendo já chegado a 825 réis.

Sei que a administração regeneradora: abriu um credito, em conta Corrente, de 5.000:000 de francos no Crédit Lyonnais, de que deixou livres, em 7 de fevereiro, 3 1/2 milhões; obteve e valorisou para o thesouro 72:718 obrigações da companhia real dos caminhos de ferro, que não existiam, e libertou a emissão dos 9:000 contos de réis em obrigações dos tabacos, que estavam em hypotheca no banco de Portugal.

O que tem feito este governo?

Melhorou a situação financeira do paiz?

Pelo contrario, aggravou-a, A divida fluctuante cresceaos 1:000 contos de réis por mez; o credito do governo, pela conta corrente com o banco de Portugal, está esgotado; o limite da circulação fiduciaria attingido; os fundos desceram nas suas cotações; os cambios subiram nos encargos que nos trazem.

Para obviar a tudo isto, que novos recursos tem o governo angariado?

Nenhuns.

Levantou, em condições taes, que de algumas nem sequer se anima a informar-nos, um supprimento a curto praso, vencivel d'aqui a poucos dias, quando temos o coupon de outubro a pagar, o que o colloca n'uma situação de absoluta dependencia para a reforma que tem de pedir.

E mais nada.

Reduziu as despezas, fez economias que avultassem, na rectificação que emprehendeu do orçamento, a exemplo do que nós fizemos em 1893?

Nenhumas.

Sobrecarregou o orçamento com despezas ainda maiores.

Augmentou as receitas do estado, com quaesquer medidas suas?

Tambem não.

Das medidas que nós adoptámos vê-se o resultado nas contas de exercicio; a contribuição industrial, a contribuição de registo, os impostos de sêllo e o de consumo produzem hoje centenares do contos de réis a mais.

D'este governo, o que ha, o que se apura?

Até agora, absolutamente nada.

Dir-se-ha que nós estivemos quatro annos no poder, e que ha pouco mais de seis mezes se constituiu este gabinete; que, pois, é necessario dar tempo a que o seu plano de governo fructifique.

Mas qual é o plano do governo?

O plano do governo ó, pelo que eu conheço até agora, acudir ás despezas internas com emprestimos internos, como o das classes inactivas, na importancia de 4:500 contos, o das empreitadas, em mais de 4:400 contos, e o do augmento da circulação fiduciaria, de que o estado receberá 6:000.

Só n'isto, cerca de 15:000 contos de réis!

Para os encargos da divida publica, e para os pagamentos no estrangeiro, as grandes operações.

Ligado ao projecto da conversão, um grande emprestimo destinado, não só a consolidar toda a divida fluctuante externa, mas ainda a propria divida fluctuante interna, como se nós podessemos contrahir mais compromissos em oiro, para com elle s pagarmos bilhetes do thesouro, que só vencem juros e nos são exigiveis em papel!

Para isto pensava o governo em levantar um emprestimo externo, no montante de 36:639 contos, que a tanto subiu, em 30 de junho ultimo, a nossa divida fluctuante dentro e fóra do paiz!

Outro emprestimo sobre as pretendidas receitas do monopolio de assucar de beterraba: esse, approximadamente, de 9:000 contos de réis.

Ainda outro emprestimo sobre o projectado arrendamento das linhas ferreas do, Minho e Douro e do Sul e Sueste, que foi computado em 10:000 contos de réis.

Mais um, de 4:500 contos, sobre o producto de novas concessões á companhia dos phosphoros.

E, finalmente, a grande operação sobre os tabacos, que já ouvi calcular em 60:000 contos!

Ao todo, por estas operações, mais de 120:000 contos de réis!

E o plano era realisar, por meio de todos estes emprestimos, um largo stock de oiro com que a nação vivesse, durante alguns annos, vida folgada, pagando, com capital dos emprestimos, o juro dos mesmos emprestimos, e deixando que o desenvolvimento das riquezas naturaes do paiz o habilitassem a, mais tarde, fazer face á enorme accumulação de encargos, que de tantas e tão variadas operações nos adviriam!

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APPENDICE Á SESSÃO N.° 21 DE 25 DE AGOSTO DE 1897 248-BB

Quem não vê, sr. presidente, a que extremo de perdição nos conduziria um plano assim traçado?

Quem não vê que, montando os novos encargos d'essa operações, só em juro e amortisação annual, pelo meno a 7:800 contos de réis, em oiro, e sendo progressiva, ma lenta, a expansão das forças productoras e economicas d paiz, a poucos passos nos veriamos com a bancarrota á porta; e que, quanto mais dessas operações fizéssemos mais rapida e fatalmente levariamos a nação á ruina?!

Porque todos, felizmente, comprehenderam isto, o resultado foi que essas projectadas operações, successivamente as temos visto cair, uma a uma: - primeiro, a do arrenda mento dos caminhos de ferro; depois a da conversão; logo após a dos phosphoros; agora a da betarraba; e, para finalisar, tenho fé em que ainda, para salvação d'este paiz havemos de ver posta de parte e abandonada a operação dos tabacos!

Tenho fé, sr. presidente, em que, desvendado e esclarecido o assumpto, a nitida comprehensão dos interesse do estado nos libertará de um tal expediente, que só ser viria para, durante largos annos, no continente e no ultramar, fazer de uma industria productiva e rica o monopolio de uma companhia, pondo, no emtanto, o thesouro á mercê de operações ainda mal esboçadas e definidas, preso em algemas que não mais o deixariam desaffrontado na lucta que o opprime.

Mas, posto de lado o plano do governo, manifestamente condemnado já, o que ha a fazer, sr. presidente?

No meu entender, o sr. ministro da fazenda tem, primeiro do que tudo, uma missão a cumprir: - é tentar a conversão da divida publica.

Sem ella, a experiencia o mostra, mal podemes antever a consolidação do nosso credito no estrangeiro, a prompto e regular cotação dos titulos que emittirmos, a franca admissão, nos outros mercados, das transacções que houvermos de realisar.

Estabeleceu a lei de 1893 um regulamento de divida, que nos desembaraçou das reclamações que mais instantemente sobrevieram ao decreto de 1892.

Foi um passo importante, esse que demos, regularisando de momento a nossa situação para com os credores.

Na conversão, na substituição dos actuaes titulos de juro reduzido por outros, que melhor exprimam a verdade do que se deve e do que se paga, e que mais se accommodem ás circumstancias do presente, está toda a vantagem de uma situação definida.

Para a conversão, porém, não é a proposta do sr. ministro da fazenda que póde servir; tal como se acha formulada, não póde o parlamento votal-a.

Não ha logar a ambages em assumpto de si tão grave. Pertence á junta do credito, onde todos são portuguezes, o serviço da divida publica; deixemol-o ahi ficar. Passal-o para o banco de Portugal, porque? Porque póde ter lá fóra agencias commettidas a estrangeiros?

Fallemos claro e franco, se queremos a conversão. Intervenção de estranhos no serviço da nossa divida, nem de perto nem de longe, nem directa nem indirectamente, a admittimos. Estamos promptos a pagar o que pudermos, mas por mãos de portuguezes; de outra fórma, não.

Mas tambem não precisámos de alliar a conversão a um emprestimo em oiro para consolidar divida fluctuante que recebemos em papel, e que só em papel temos de pagar. Para este caso a operação é outra; nada tem com a conversão da divida externa.

Posto isto, aproveite o sr. ministro da fazenda o interregno parlamentar, envidando os possiveis esforços para chegar a uma conversão.

Mostre aos nossos credores quanto é grande a desproporção entre o nominal da nossa divida e o que por ella effectivamente recebemos.

Já no meu relatorio de fazenda de 1894 eu dizia o que hoje o sr. ministro da fazenda mais desenvolve e confirma:

Fizemos, de 1869 até ao presente, sete operações em consolidados de 3 por cento. D'essas sete operações de emprestimo, foi de 182:867 contos de réis a importancia nominal; e todavia o thesouro só recebeu por ellas 84:543 contos. O producto effectivo de cada titulo de réis 100$000 de divida fundada variou entre 32$5OO réis em 1869 e 50$625 réis em 1883. O juro foi, comtudo, pago, durante muitos annos, sobre o nominal da divida; ainda agora, reduzido a um terço e reportado ao que o thesouro recebeu, representa approximadamente o que pelos seus titulos recebem os portadores da renda franceza ou ingleza, que aliás é paga por inteiro.

O mesmo, guardadas as devidas proporções, e exceptuadas as obrigações dos tabacos, cujo serviço é integral, se dá com os nossos titulos amortisaveis.

Não admira, pois, que sendo tão grande a desproporção entre o preço da emissão e o valor nominal dos titulos das differentes operações de credito que se realisaram, e tendo d'ahi resultado um elevadissimo encargo para o thesouro, que certamente em muito contribuiu para lhe aggravar as difficuldades com que tem lucta do, não possa hoje o nosso paiz, nas apertadas condições financeiras em que se encontra, pagar aos portadores d'esses titulos mais do que actualmente paga, mais do que aos seus credores pagam, em condições de bem maior desafogo e prosperidade, a Inglaterra e a França.

Procure o sr. ministro da fazenda convencer os portadores da nossa divida externa de que, nas actuaes circumstancias, hoje mais do que nunca, é para todos de beneficio uma conversão feita em condições de poder ser por nós devidamente cumprida.

O supprimento, que a lei de 1893 concedeu aos credores externos pelo excedente a 11:400 contos de réis nas receitas aduaneiras, baixou consideravelmente no economico que ha pouco findou; attingiu apenas 228 contos de réis, quando em 1893-1894 fôra de 401 contos, em 1894-1895 de 564 contos, em 1895-1896 de 1:246 contos de réis.

Porquê?

Porque o aggravamento do agio do oiro fez retrahir o commercio de importação, como a difficuldade de occorrer no estrangeiro a elevados pagamentos em oiro, dada a tensão nas relações entre o nosso mercado e os de fóra, determinou a elevação d'aquelle agio.

O que mostra que, persistindo este precario estado de cousas, com elle soffrerão os proprios interesses dos que são credores de Portugal.

Ao passo que, realisada a conversão, restabelecida a normalidade do nosso viver financeiro, assegurado o nosso credito no estrangeiro, a influencia benéfica, assim exercida em toda a ordem de transacções, melhorando a situação cambial, desopprimirá o thesouro, facilitando e garantindo o regular pagamento aos seus credores.

Uma cousa, porém, salta aos olhos de todos: - é que se não Louver boa vontade de parto a parte, entre os credores e o estado, para se chegar a um resultado que seja, ao mesmo tempo, proveitoso e exequivel, inutil será a conversão.

Peior do que não se fazer, será fazer-se em termos de se não poder cumprir.

Pelo caminho por que as cousas vão, tornando-nos os mercados externos mais tensa a nossa situação, nem só nós perdemos com isso.

É impossivel que os nossos credores não vejam que póde chegar um momento em que o governo portuguez laja de declarar francamente: que com oiro não paga quem oiro não tem; que pôde, sim, pagar a todos por qual, sem differença nas deducções, mas na moeda que no paiz é corrente, solvendo a uns como a outros os juros que annualmente lhes possa satisfazer; mas sem desigualdade na especie de pagamento.

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248-CC APPENDIOE Á SESSÃO N.º 21 DE 25 DE AGOSTO DE 1897

Para que esse momento não chegue, melhor é que a conversão se faça a tempo.

Um conselho dou, porém, sinceramente ao sr. ministro da fazenda, que me é dictado por absoluta convicção minha: - é que, se quer a conversão, ponha de parte o projecto dos tabacos.

Quando nós, em 1893, tratámos de effectuar um regulamento da divida publica, encontrámo-nos na collisão de: ou manter como estava, por completo, o serviço das obrigações dos tabacos, pagando menos aos demais credores externos; ou nivellar com estes os portadores d'aquellas obrigações, o que estabeleceria para todos um regimen igual.

Não nos habilitaram as informações, que colhemos, a reduzir tambem o encargo annual do juro e amortisação, em oiro, das obrigações dos tabacos, pelo garantia especial que estas tinham.

O que estava ficou.

Mas, creia o sr. ministro da fazenda, tudo tem limites. Julgar que se póde fazer novas e largas concessões a uma companhia, cujos titulos, garantidos pelo estado, são já de si privilegiados, e têem pagamento integral de juro e amortisação, ao mesmo tempo que se trata de obter dos demais credores externos que acceitem uma conversão, que para os seus titulos estabelece um regimen definitivo de consideravel reducção nos encargos que foram n'elles inscriptos sob a responsabilidade do thesouro portuguez, é illusão perigosa.

Creia s. exa. que, assim, não terá força para levar a cabo a missão que lhe incumbe, tão flagrante seria a desigualdade de tratamento para com os credores da nação.

Ponha o sr. ministro da fazenda de parte o projecto dos tabacos e tente a conversão, como obra nacional, portugueza, imposta pelas circumstancias, sem retaliações entre os partidos, appellando para a boa vontade de todos, - e creia que, assim, terá por si o concurso de todos os que verdadeiramente se interessam pelo futuro d'este paiz, e que, para o levantamento do nosso credito, como para a defeza dos nossos interesses mais vitaes, lhe não faltará o apoio do partido regenerador, a que pertenço.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi cumprimentado e abraçado por muitos dignos pares que se achavam presentes.)

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