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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 87

horas revermos os nossos discursos, principalmente quando fallamos dois ou tres quartos de hora seguidos e ás vezes ainda mais, como eu, nas occasiões em que tenho a honra de tomar parte nos debates d'esta camara. Discursos proferidos por tão largo espaço de tempo não é possivel reverem-se sem um trabalho de duas, tres e mais horas, e este grande incommodo é necessario que se remedeie procurando-se remover as causas a que são devidos este e outros inconvenientes. Assim parecia-me que o assumpto a que me refiro devia merecer a especial attenção da mesa, a fim de que d'elle se occupe, com a urgencia que o caso pede, dando á repartição tachygraphica uma melhor organisação, de modo que possa corresponder, quanto seja possivel, aos nossos desejos.

Agora, sr. presidente, aproveito este ensejo para dar uma explicação sobre o que eu disse na sessão de hontem. Eu disse que, tendo entrado n'esta camara com conhecimento do caso, entendia que esta camara não tinha outra cousa a fazer senão esperar a organisação do novo gabinete, e pedir todas as explicações que julgasse convenientes a respeito dos acontecimentos que ultimamente occorreram. Mas este proposito do meu espirito foi quebrado pelas considerações feitas pelo sr. Fontes Pereira de Mello, que sinto não ver agora presente. O digno par apresentou uma moção de ordem, segundo as praxes parlamentares, para que v. exa. suspendesse os nossos trabalhos, e nós nos reunissemos aqui todos os dias, emquanto não estivesse presente o editor responsavel d'aquelles acontecimentos, para dar as explicações que lhe fossem pedidas. Mas vendo depois entrar n'esta casa o illustre presidente da situação decaída, e havendo uma grande anciedade no publico, perguntei a s. exa. se o facto praticado na vespera tinha influido no espirito do chefe do estado, não o deixando, desaffrontado no pleno exercicio da sua prerogativa real para exercer as attribuições que a constituição lhe confere. N'este caso pareceu-me que o mais curial era apresentar á camara as considerações que apresentei, e pedir ao sr. duque de Loulé que formulasse, pelo modo que lhe fosse possivel, uma resposta explicita a este respeito. O nobre presidente do ministerio da situação decaida não deu uma resposta clara e explicita á minha pergunta; isto é, se s. exa. e o governo de que fazia parte, e Sua Magestade El-Rei haviam estado debaixo da influencia de qualquer coacção.

Se a resposta do nobre duque fosse mais explicita e concebida em termos claros, eu sem demonstração nenhuma politica teria immediatamente proposto que esta camara se constituisse em sessão permanente, e em seguida submetteria á approvação da mesma camara uma proposta de respeitosa mensagem a Sua Magestade, na qual, seguindo-se todos os tramites constitucionaes marcados na carta, se participasse a El-Rei que a camara dos dignos pares se achava reunida como sentinella e guarda da constituição do estado e das prerogativas da corôa.

O sr. duque de Loulé foi conciso de mais para que me auctorisasse a dizer isto. S. exa. fez apenas uma relação dos factos que se deram, ou antes uma exposição succinta d'elles; e n'estas circumstancias não seria eu que tomasse sobre mim a responsabilidade de um passo que, aliás, qualifico de impolitico, e não só de impolitico, mas tambem de imprudente (porque se póde ser impolitico sem ser imprudente), visto que a prudencia é uma das primeiras condições do homem publico. Por consequencia dei o meu voto á proposta do sr. Fontes, proposta que constitue uma resolução da camara, resolução pela qual decidiu, conforme todas as praxes, que continuasse a haver sessão até que se apresente-o novo gabinete. Isto não quer dizer de fórma nenhuma que a camara não possa tomar outra resolução, se circumstancias excepcionaes a obrigassem a isso para apreciar quaesquer outras questões politicas, modificando absolutamente as idéas que determinaram a resolução tomada; mas esse facto não se deu, e se se d'esse não seria novo. Longe de mim querer, como membro d'esta camara, e mesmo como homem publico, arriscar uma opinião antecipada sobre os factos. Em mais de uma occasião eu, que não sou parlamentar velho, tenho podido pronunciar a minha opinião sobre factos tão graves e de tanta importancia como é fecharem-se as portas do parlamento aos membros d'elle. Eu tenho encontrado essas portas fechadas mais de uma vez em consequencia de um decreto de dissolução ou de adiamento. Estimaria muito, e seria esse conselho que eu daria sobre os impulsos de uma convicção intima e profunda a quem praticasse com o governo, fizesse parte d'elle, ou houvesse de fazer, ou a quem tivesse de o formar, que na crise actual se não fechassem as portas do parlamento, porque a crise é gravissima não só pelos factos que se deram e que deslocaram o systema constitucional, mas sobretudo pelas condições desgraçadas das nossas finanças, pelo abatimento moral do espirito publico, e tambem desgraçadamente pela crise gravissima que o paiz está atravessando. N'estas condições a publicidade é uma arma de defeza politica, e uma grande rasão de satisfação á consciencia publica sobresaltada, e eu desejaria que o debate se levantasse franca e desassombradamente, quaesquer que fossem as tempestades que se podessem formar, qualquer que fosse a sombra ou nuvem que despontasse no horisonte da nossa politica; tempestades, sombra e nuvem que eu não vejo, mas que a minha consciencia sobresaltada póde prever tambem, e que eu desejo que não se dê. Nesta conjunctura, pois, peço ao digno par que modere os seus receios quanto a ser esta uma das ultimas vezes que poderá esta camara funccionar. Acredite que não ha poder nenhum que resista quando se tapa a bôca aos representantes da nação, porque para nós todos, homens publicos, que temos uma carreira politica de maior ou menor responsabilidade, que temos pratica dos negocios do estado, ou mesmo participação official n'elles, quando ha o firme proposito, ou antes a ardentissima necessidades de fazer valer os nossos direitos, havemos de empregar todos os esforços para manifestarmos as nossas opiniões, e defendermos os bons principios sustentando os nossos direitos. Os homens publicos nas crises angustiosas da politica têem mais de um tribunal, têem mais de um meio, mais ou menos proficuo e mais ou menos efficaz, mas sempre conducente a favor das suas convicções, e producente a favor dos interesses da patria e da causa publica, combatendo toda a especie de despotismo e advogando o progresso do paiz e a conservação das suas tradições liberaes.

N'este intuito não me acobarda a idéa de não poder fallar hoje ou ámanhã. Conservo no peito o fogo vivo e sagrado, e sempre que o impulso da minha convicção me levar a defender a causa publica, quando encontrar estas portas fechadas por uma dissolução ou por uma reforma, aproveitar-me-hei de todos estes meios a que me referi para combater, repito, toda a casta de despotismo e advogar a causa da liberdade e o progresso do meu paiz.

N'estes termos pois peço que se mantenha a resolução tomada hontem pela camara, que nos reservemos o direito de apreciar, em occasião opportuna, aqui (creio eu) ou n'esse vasto campo da tribuna da imprensa, os acontecimentos politicos, esforçando-nos para que a liberdade constitucional se mantenha e as condições da vida social a todos sejam patentes.

São estes os meus desejos.

(O orador não reviu o seu discurso.)

O sr. Marquez de Sabugosa: - O que eu estou vendo é que a camara está discutindo, e que alguns dignos pares dizem que votámos para não se poder discutir. Dizem s. exas. que a minha proposta vem contrariar uma deliberação já tomada pela camara, mas são os proprios dignos pares que estão dando uma prova em contrario.

Se a camara approvar a minha proposta, não toma uma resolução absurda ou contradictoria como a alguem parece, mas não é de certo o digno par, a quem alludo, que lhe deu esta significação.