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CAMARA DOS DIGNOS PARES.
Discurso do D. Par Duarte Leitão, que devia ter sido consignado na Sessão de 17 de Fevereiro, pag, 221, col. 4.ª, e não o foi pelo motivo ahi indicado.
O Sr. M. Duarte Leitão — Sr. Presidente, não é minha intenção tomar parte na discussão dos assumptos, que pela maior parte se tem tratado nesta Camara, discussão altamente importante, e que tem interessado a todos, tanto pelo modo energico com que tem sido conduzida, como pela grandeza do seu objecto — accusações e defezas de differentes ministerios, as revoltas, suas causas, seu progresso, e a guerra. Eu desejo fallar da paz, e dos meios por que ella se conseguio, e com aquella simplicidade de lingoagem, que me fôr dado empregar para expor com clareza, idéas que eu reputo exactas.
Ainda que seja justo que a Camara espere, que se lhe apresentem todos os documentos relativos ás negociações diplomaticas com as potencias alliadas; ainda que ella só depois de os ter examinado, espere ter uma cabal informação das circumstancias, que precederam, acompanharam, e seguiram a Convenção de 21 de Maio, e possa só então, depois de um maduro exame, fazer a apreciação de cada uma destas circumstancias; todavia, isso não obsta para que a Camara, como se diz no Projecto de Resposta ao discurso do Throno, manifeste desde já o seu sentimento de gratidão, pela maneira como as potencias alliadas prestaram o seu auxilio: é muito justo que a Camara mostre o seu agradecimento ás potencias alliadas, pela execução dessa Convenção. Parece-me, Sr. Presidente, que não haverá fundamento solido para contestar a necessidade desta manifestação; mas como o ministerio, de que eu fiz parte, tem sido aggredido pela sua conducta, tanto na acceitação das condições da mediação como no seu cumprimento, ministerio, que pela sua parte concorreu para se verificarem esses auxilios; tambem me parece que a Camara julgará ser a proposito, que eu desde já dê algumas explicações sobre os factos da mediação, e da intervenção; factos sobre os quaes me parece, que muitas pessoas tem tido confusão de idéas; e seria para mim a maior satisfação se me fosse possivel contribuir, para que este objecto se esclareça (O Sr. C. de Thomar. — Apoiado.) Farei pois por dar estas explicações, e entre ellas, no logar competente, tratarei de vêr se posso dar aquella que me pedio um D. Par. Estas explicações não só são tendentes a mostrar, que é justa a demonstração de reconhecimento, ainda no caso em que se julgue, que as nações alliadas tinham obrigação de prestar esse auxilio em virtude dos tratados; mas tambem que o ministerio fez o seu dever.
De uma parte tem-se dito — que as condições eram duras, excessivas, e offendiam a independencia nacional; e por outra parte julgaram-se insufficientes, e exigiram-se explicações, desenvolvimentos, e addições. Succedeu, Sr. Presidente, o que sempre deve prever aquelle, que recêa dos excessos dos outros, e dos seus proprios — ser o Governo arguido por ambas as partes, que são entre si contrarias. O Ministerio de que eu fui um dos Membros, foi sem duvida alguma tratado com demasiada, e não merecida severidade, e principalmente pelo que pertence ao cumprimento das condições: a impropriedade das expressões excedeo a minha espectação! muitos homens, aos quaes eu sempre respeitei, e aquém agora mesmo respeito, nunca poderam intender, como é que alguns Membros d'aquelle Ministerio julgaram, que a opposição a qualquer Administração não se podia estender ao ponto, a que elles julgavam poder estender-se.
Eu confesso que tive a maior satisfação em ouvir um D. Par, que fallou em segundo logar nesta discussão; confesso que tive a maior satisfação em o ouvir pronunciar-se com a maior energia contra as revoltas, e pronunciar-se com igual energia em favor da conciliação; concordo perfeitamente com a declaração do D. Par; concordo perfeitamente com os principios de que elle declarou estar animado, do que eu nunca duvidei. Tem razão o D. Par; porque, se houver um paiz em que no espaço de onze annos hajam oito ou dez revoltas, não direi que a liberdade fuja para nunca mais voltar; mas em quanto as agitações, e convulsões revolucionarias ameaçarem esse paiz, o povo procurará a pura e verdadeira liberdade, e só encontrará a discordia, e a pobresa. (Apoiados.) Tem razão o nobre Conde, concordo com os seus principios, e só lamentarei, que possamos divergir na apreciação de algumas circumstancias, assim como na escolha de alguns meios. Sr. Presidente, as expressões improprias, com que, segundo disse, foi tractado o Ministerio de que fiz parte, não me hão de fazer desviar nunca do caminho, que sempre tenho seguido, em não abusar da linguagem para fazer invectivas; e só terei muito sentimento se em alguns pontos, em que tenha de tocar, o não poder fazer por maneira, que seja agradavel a todos.
Sr. Presidente, o Protocollo de 21 de Maio teve por objecto decidir, se se tinha dado o caso, em que as Potencias alliadas devessem prestar os auxilios reclamados pela Soberana de Portugal; e decidido isto, como effectivamente foi decidido, regular o modo da intervenção. No Protocollo de 21 de Maio não se ajustou condição alguma; as condições estavam ajustadas, e referem-se no Protocollo como ajustadas pela acceitação da mediação pela Corôa de Portugal; o Protocollo refere as condições, e refere que, tendo sido apresentadas á Junta do Porto pelos agentes inglezes, ella recusára submetter-se; e em consequencia desta recusa decidiu-se, que existia o caso em que se deviam prestar os auxilios reclamados por Sua Magestade Fidelissima, e o modo da intervenção. As condições foram convencionadas em Abril, e não em 21 de Maio. Na convenção de 21 de Maio teve-se em vista fazer effectiva a promessa, que as potencias alliadas tinham feito á Corôa de Portugal, de que, se acceitasse as condições, e a Junta do Porto se não submettesse, havia de ser obrigada a submetter-se pela força das armas. O Protocollo de 21 de Maio não é o que eu tenho aqui mesmo ouvido chamar-lhe. — um tratado de execução successiva: a convenção de 21 de Maio versa sobre um objecto transitorio, e extinguio-se pela sua execução. O Protocollo de 21 de Maio está totalmente extincto, porque está totalmente cumprido (Apoiados.) Sr. Presidente, o Governo inglez, em todo o decurso da guerra civil sempre se prestou a ser mediador; sempre offereceu a sua mediação; mas nos precisos termos de simples mediação. O mediador é conciliador e não juiz; o mediador adoça os ressentimentos; acalma, e congrassa os espiritos; aproxima os animos para os trazer á paz, e ás accommodações; e ainda mesmo que veja, que alguma das partes tem por si a justiça, e o direito, influe para que ceda de algumas pertenções, aliás justas, para conseguir o grande beneficio da paz: esta é a propria idéa de mediação; e sempre o Governo inglez esteve prompto a presta-la sem condições; ellas não eram precisas para esta mediação; nunca o Governo inglez as julgou neces-
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sarias; porque, senão conseguisse o seu fim, tambem não contrahia responsabilidade perante a sua propria nação, e perante o mundo.
Mas em Abril a posição do governo inglez foi outra; o governo inglez em Abril collocou-se em posição differente do que tinha até ahi; então elle offereceu mediação e arbitramento; e arbitramento de tal modo, que o havia de fazer effectivo pela força das armas, se se desse o caso de ser necessario. O governo inglez ficava sendo mediador, arbitro, e garante, e por isso é que julgou não dever prestar esta mediação sem condições, porque incorria tambem em responsabilidade. Os motivos que tinha para offerecer essa mediação em Abril passado, eram em consequencia das reclamações do Governo de Portugal, e pelo interesse especialissimo, que a Grã-Bretanha tinha na pacificação de Portugal, Nação sua antiga alliada, porque interessava na paz e na concordia dos Portuguezes; e porque no estado em que então existiam as cousas em Portugal, não podia haver resultado pratico algum da simples mediação. Já se vê pois, e é evidente, que approvar esta medeação é approvar a intervenção, porque a intervenção não era senão uma consequencia necessaria desta mediação; a intervenção não era senão a consequencia necessaria, quando se désse o caso da não submissão da Junta do Porto; e dando-se a necessidade desta intervenção, segue-se que quem approvou a mediação, approvou ipso facto a intervenção.
Esta mediação foi acceita pelo Governo em Abril passado; mas já antes da acceitação, muitos conselheiros de Sua Magestade, pessoas de maior saber, e dos mais distinctos serviços, tinham sido ouvidas sobre este objecto; e ellas todas concordaram unanimemente em que se acceitasse a mediação; e no Conselho d'Etsado a que V. Em.ª assistio se decidiu igualmente que se acceitasse. Depois de tudo isto, o Ministerio de que eu fiz parte acceitou a medeação com aquellas condições, sem mais declaração nem modificação alguma; isto é, tal qual estava concebida nas instrucções dadas por Lord Palmerston em S de Abril; e então fez-se o protocollo de 28 d'Abril com o Ministro de S. Magestade Britannica, e o Coronel Wilde, no qual se consignou esta acceitação. Mas o Governo, Sr. Presidente, fez mais ainda: não só acceitou estas condições puramente taes como estavam concebidas, mas communicou a Sir H. Seymour, que estava prompto a adoptar quaesquer disposições especiaes, que lhe podessem occorrer a elle Ministro inglez, para na execução fazer, a mais ampla possivel, a amnistia, e tirar de toda a duvida as intenções do Governo a este respeito.
Será por ventura necessario, que eu agora reproduza o quadro lastimoso das calamidades que soffria Portugal? Não por certo, Sr. Presidente, porque todos sentiram essas calamidades, e todos sentem ainda os seus effeitos (Muitos apoiados); até os nossos filhos recordarão tambem com lagrimas os soffrimentos porque nós temos passado! E neste estado calamitoso, o mais urgente dever do Governo era fazer a paz, e procurar por todos os meios conciliar os animos dos portuguezes: estou portanto certo, de que todos os homens imparciaes hão de fazer justiça aos ministros, que, talvez pondo de parte considerações pessoaes, e com uma verdadeira abnegação de tudo que era pessoal, se sacrificaram a ter todos os trabalhos que fossem precisos para contribuir para este fim (Apoiados). Aquelles mesmos que talvez ainda estão apaixonados, hade vir tempo em que hão de lhes fazer justiça, e appello sempre do homem apaixonado para a mesmo homem possuindo toda a lucidez da sua intelligencia.
Sr. Presidente, o Governo portuguez pediu o auxilio das potencias alliadas, em virtude do tractado da quadrupla alliança; reclamou o cumprimento do tractado dessa alliança, mostrando que era applicavel ao estado das cousas em Portugal. Não preciso expor quaes são as disposições desse tractado, seria gastar tempo inutilmente, por isso que todos os D. Pares estão muito certas de qual foi o tractado de 22 de Abril de 1834 concluido com Hespanha, França, e Inglaterra, para a expulsão de D. Miguel, a fim de por este modo se acabar aquella guerra civil. O Governo pois, Sr. Presidente, reclamou os auxilios destas potencias signatarias do dito tractado julgando-o applicavel ás circumstancias em que estavamos. Este objecto é summamente importante; e eu desejaria que todos os portuguezes tivessem conhecimento do que houve nesta questão, e que cada um formasse a sua opinião conforme melhor entendeste, e é por isso que não posso dispensar-me de referir historicamente, o que se passou de principal a este respeito, resumindo o quanto fôr possivel, assim como procuro tambem resumir tudo o mais, quer em relação a factos, quer mesmo era relação a reflexões.
O governo inglez entendeu, que o tractado da quadrupla alliança não era applicavel ás circumstancias em que se achava Portugal; mas mui diversa foi a opinião de grandes estadistas d'inglaterra, taes como Sir Robert Peel, a quem com muita satisfação tenho ouvido fazer a devida justiça nesta Camara (O Sr. C. de Thomar — Apoiado), e igualmente diversa era a Opinião de Lord Aberdeen: ambos pensavam que era applicavel esse tractado. Outra era tambem a opinião decidida do governo francez, a qual era contraria á do governo inglez (Apoiados); e tambem o Sr. Pacheco pensava, que o tractado da quadrupla alliança devia ser applicado ao caso de Portugal. (Apoiados.) O governo hespanhol dizia, que para conseguir-se o grande e tão desejado fim da pacificação de Portugal, era preciso o concurso das, potencias alliadas; que em primeiro logar se deviam por em pratica todas os meios conciliatorios e pacificos, procurando) por todos os meios de persuasão e de conciliação, acabar a guerra de Portugal; mas que se isto não fosse possivel, dizia o Sr. Pacheco, era necessario acaba-la por algum modo; e por isso elle estava prompto a concordar-se com o governo inglez, não intervindo em Portugal sem o consentimento, e accordo do mesmo governo inglez; mas como se poderia dar um caso tal, uma calamidade tamanha e tão extraordinaria, que fosse necessario ao governo hespanhol intervir immediatamente, sem haver tempo de se fazer esse concerto com o governo inglez; então nesse caso, o ultimo, e o mais arriscado, nessa grande catastrofe (parece-me que é até esta a palavra de que usa), havia de intervir mesmo sem esse expresso concerto; porque nesse caso não havia duvida, que o consentimento da Inglaterra era certo, por isso mesmo que esta tinha o maior interesse na pacificação do Paiz na sustentação da dignidade da Corôa, e na sua conservação. Mas dizia ao mesmo tempo o Sr. Pacheco, que declarava perante todo o mundo, que não se entendesse, que o governo hespanhol tinha a menor vista interessada a respeito de Portugal, quando elle não queria ter a menor influencia nos negocios deste Paiz: esta é que foi a declaração cathegorica do governo hespanhol, salvas as circumstancias secundarias, de que me não posso fazer cargo, nem é necessario; mas este é o resumo da deliberação do governo de Hespanha, publicada á face de toda a Europa.
Sr. Presidente, continuando a referir historicamente o que se passou nesta questão, sobre se devia ser applicado o tractado da quadrupla alliança, devo fazer vêr que Lord Palmerston dizia, que ainda que o tractado, segundo a sua letra, não podia applicar-se, com todo segundo o seu espirito podia receber applicação em dois casos, e eram — se D. Miguel estivesse em Portugal, ou se alguma insurreição, proclamando D Miguel, apparecesse para o collocar no Throno — porque então, ainda que segundo a letra do tractado não fosse logo authorisada expressamente a intervenção, com tudo era-o pelo espirito desse mesmo tractado; mas que D. Miguel não estava em Portugal, nem havia neste Paiz uma insurreição digna de alguma menção, levantada em nome delle para o collocar no Throno; que o que elle via disputar em Portugal era uma cousa muito differente, isto é — que se disputava quem havia de ser Ministro, e qual havia de ser o systema da Administração, e nada mais; e que isto não tinha nada absolutamente com a questão de D. Miguel. O governo francez era d'outra opinião, e a expôz com toda a clareza e precisão, de maneira que ninguem póde equivocar-se. Nas instrucções de Mr. Guisot ao Ministro francez em Londres, se contém a declaração expressa da opinião do governo francez a respeito desta questão: nessas instrucções se diz, que o tractado da quadrupla alliança subsistia em direito, porque em direito a posição de Portugal, pelo que toca ao pertendente que contesta a legitimidade da Senhora D. Maria II, era agora a mesma, que ao tempo da conclusão deste tractado (Apoiados repetidos), e applicavel de facto era tambem o tractado, porque tudo quanto se estava passando em Portugal, e a direcção que a insurreição tinha tomado, mostravam bem a necessidade da sua applicação.
Na verdade, o governo francez considerava as proclamações dos generaes miguelistas; os amnistiados de Evora-monte concorrendo á guerra civil; a estada de D. Miguel em Inglaterra; a animação que elle dava d'alli á insurreição; as ordens que mandava para se reunirem os seus sectarios á Junta do Porto, recommendando que o fizessem sem perder de vista o seu principal objecto. (Apoiados.) E que se os miguelistas diziam outra cousa, era com vistas de evitar as consequencias do tractado; era para se servirem da união com a Juntando Porto, como meio para conseguir o seu grande objecto, e preencherem o seu principal dever, como elles entendiam ser, o de collocar D. Miguel no Throno. (Apoiados.)
E tambem Lord Palmerston, era um dos seus despachos dizia — que D Miguel se tinha obrigado pela convenção de Evora-monte, não só a não entrar em Portugal, mas até a não perturbar, de maneira nenhuma, a tranquillidade dos dominios portuguezes; e se pois D. Miguel perturbasse de alguma maneira os dominios portugueses, e violaste a convenção de Evora-monte, então daria motivo para hostilidades aquelles com quem contractou não tornar a entrar em Portugal; mas que havia muita differença entre aquelles dos seus sectarios, que o queriam collocar no Throno, e entre aquelles que o tinham abandonado para se unirem á Junta.
E n'outro despacho diz Lord Palmerston — que o desprêso da convenção de Evora-monte, poria virtualmente D. Miguel em estado de hostilidade com as potencias, com cujos agentes aquella convenção foi concluida.
N'outro despacho dizia — que D. Miguel estava em Londres, e que não podendo as leis inglesas contrariar seus movimentos, elle se poderia transferir para Portugal em qualquer occasião.
Houve um agente diplomatico, que argumentou contra a applicação do tractado da quadrupla alliança, dizendo — que admittir a interferencia estrangeira pelo fundamento deste tractado, seria estabelecer um direito perpetuo, para interferir em todas as circumstancias em, um reino, que a Inglaterra era interessada, e estava resolvida a conservar independente. — Mas esta razão, de que com a applicação do tractado. Se estabeleceria um direito perpetuo de interferir em todas as circumstancias, não pareceu muito logica aos governos hespanhol, e francez; e até Lord Palmerston nunca se serviu de tal razão: o que elle unicamente disse, foi — que era do essencial interesse de Inglaterra, obstar em Portugal á influencia dominadora de qualquer outra potencia.
O governo francez considerava, que os factos por mim já apontados, demonstravam a justiça da applicação do tractado. E com effeito parecia, que nada mais era preciso para mostrar a ruptura da convenção de Evora-monte. Se D. Miguel estava em Londres, e d'ahi animava e dirigia a insurreição, e se a união dos miguelistas á Junta não era abandono da causa de D. Miguel, antes um meio de melhor a servir; as declarações, ou protestações nunca podiam prevalecer contra os factos. Esta foi sempre a doutrina do governo inglez, e eu apontarei unicamente um facto notavel, que teve logar em 1826; época certamente muito notavel na nossa historia, por ser o anno em que se estabeleceu a Carta Constitucional (Apoiados.)
Em 1826 os miguelistas já então, como sempre, quizeram destruir a Carta Constitucional (Apoiados); rebelaram-se, e depois tiveram que fugir para Hespanha; e o governo hespanhol desse tempo, prestou-lhes auxilios, munições, armamentos, e tudo quanto lhes foi necessario. Então, e na presença desses factos, o governo inglez entendeu, que devia mandar uma expedição a Portugal, para que essas tramas dos miguelistas, auxiliados pela Hespanha, não nos privassem da nossa Constituição, e por consequencia da nossa liberdade. Sr. Presidente, estou persuadido, de que uma das melhores peças que todos os portuguezes devem estudar, é o discurso que Mr. Canning fez no Parlamento, na occasião em que mandou para Portugal a expedição commandada por Sir William Cliton: este discurso vem no Courier desse tempo, e creio que em todos os outros jornaes. Nesse discurso, depois de Mr. Canning expor, que a Inglaterra tinha só em vista a paz e prosperidade de Portugal, não sómente pela antiga alliança, mas até pelas sympathias de um e outro povo; depois de dizer á face do Parlamento, e de todo o mundo, que em quanto houvesse em Inglaterra um braço que se podesse levantar, nunca Portugal deixaria de ter o seu auxilio para defender a sua independencia; mostrou que todas as declarações feitas pelo governo hespanhol, contrarias aos seus actos, não podiam embaraçar a conducta de Inglaterra; porque, o governo hespanhol dizia, que não pertendia de maneira alguma influir nos negocios de Portugal; mas entretanto armava e auxiliava os miguelistas.
A Inglaterra e todo o mundo vio, qual era a verdadeira conducta do governo hespanhol a respeito dos negocios de Portugal. Na Camara dos Communs, onde foi pronunciado esse discurso, houve um Deputado que contrariou opinião do governo, e foi Mr. Hume; e creio que é o mesmo Mr. Hume que ultimamente se distinguiu tanto nos debates do Parlamento inglez, relativo aos nossos negocios. (Vozes — É o mesmo.) Naquella época disse Mr. Hume, que não devia vir a expedição a Portugal, importando lhe pouco que os rebeldes vencessem (Apoiados.) As razões em que fundava a sua opposição ao governo, eram: primeiro, porque o governo hespanhol dizia, que não tinha intenção de influir nos negocios de Portugal, nem de atacar o Reino, e que esta declaração daquelle governo devia ter toda a força, não obstante o que dizia Mr. Canning. Disse mais (o declarou que dava a sua opinião sobre a questão aberta e ousadamente), que sentia existissem taes Tractados, quaes aquelles a que se havia referido Mr. Canning; e que tinha pena de que jámais se tivesse concluido algum Tractado, pelo qual a Inglaterra se suppozesse estar obrigada aprestar auxilios a Portugal em occasião, em que nós lhe não podiamos prestar compensação alguma. E com esta profunda dialecta, e com o estilo que lhe é familiar, produziu tão grande impressão na Camara, que todos se pozeram a rir. (Vozes — Muito bem. Muito bem.)
Não obstante porém ser a opinião do governo francez a que acabei de referir; comtudo, depois que Lord Palmerston ellaborou as suas instrucções, e as mandou não só para Portugal, mas tambem para as côrtes alliadas, e foram por conseguinte presentes ao governo francez; Mr. Guisot as achou justas e rasoaveis; e como Lord Palmerston dizia, que todo o portuguez amante do seu paiz devia com ellas ficar satisfeito, então disse Mr. Guizot a Lord Normanby, que não era necessario continuar mais a suscitar a questão da execução do Tractado da Quadrupla Alliança, visto que as condições apresentadas pelo governo inglez eram justas e rasoaveis.
Sr. Presidente, tenho exposto historicamente o que me pareceu necessario, sobre o que se passou a respeito da applicação do Tractado da Quadrupla Alliança. Mas não desejo se diga, que estando a fallar neste objecto quiz unicamente referir o que se tinha passado, sem tambem expor a minha opinião. Eu pois o vou fazer nos termos mais breves que me fôr possivel.
Em primeiro logar digo, Sr. Presidente, que não tracto aqui da colligação entre os miguelistas e liberaes, formada para as eleições, ou para que por meios constitucionaes se oppozessem a qual quer governo. Eu não tracto deste objecto, que é alheio ao meu proposito, ainda que já se tenha aqui fallado nisto; eu não tracto da colligação formada para se oppôr ao Governo por meios constitucionaes, nem do proveito que d'ahi possa vir ao progresso das doutrinas liberaes, fallo unicamente da união e liga da insurreição miguelista com os liberaes; e devo dizer que estou muito persuadido (e Deos me livre que deixasse de acreditar), que os illustres chefes liberaes estavam convencidos da boa fé e sinceridade das declarações dos chefes miguelistas, e que é impossivel que annuissem á união, se não acreditassem nessa sinceridade; tanto mais quanto é certo que elles haviam de ser suas victimas. Ora, posto isto e bem estabelecido, digo que a minha opinião é a de Sir Robert Peel, de Lord Aberdeen, de Mr. Guizot, e do Sr. Pacheco. Eu não acredito, Sr. Presidente, na sinceridade dessas declarações; não creio na repentina e quasi miraculosa conversão desses miguelistas, que correram ás guerra civil e á desolação da patria (Apoiados) para fazer a reforma da Carta. (O Sr. V. de Laborim — Muito bem.) Não duvido que elles quizessem a reforma da Carta, principalmente de certo artigo que lá está, reforma operada pela intelligencia das bayonetas de Evora-monte; mas esta não era de certo a reforma, que queriam os illustres chefes liberaes que lá estavam. (O Sr. M. de P. de Lima — Apoiado.) Ainda que acreditasse, não entregaria eu logo o commando dos soldados da liberdade, dos soldados do Senhor D. Pedro, a estes respeitaveis neophitos, por mais respeitaveis que fossem.
Sr. Presidente, pondo de parte a applicação do Tractado da Quadrupla Alliança, devo declarar, que o governo hespanhol nunca teve intenção de usar do direito de intervenção nos negocios portuguezes, sem o accordo de Inglaterra. O governo hespanhol tinha perfeito conhecimento dos perigos, que corria a Hespanha com o estado de cousas em Portugal; o governo hespanhol, torno a dizer, tinha perfeito conhecimento dos perigos que corria a Hespanha com a guerra civil de Portugal; via muito bem, que a tranquillidade publica em Hespanha era ameaçada com a insurreição de Portugal; e conhecia os males que lhe haviam de resultar do complemento de uma revolução, ou demagogica, ou miguelista, ou composta de um e outro elemento; salva depois a ruptura pela guerra immediata. O governo hespanhol conhecia isto, e tambem sabia, que a intervenção, dada esta circumstancia de perigo imminente para a Hespanha, era conforme ás declarações que por muitas vezes tem feito o governo inglez; e era conforme tambem aos factos muitas vezes por elle praticados, ás declarações feitas muitas vezes no decurso da guerra da revolução de França, ás declarações feitas no congresso de Verona, em que se tractou da intervenção da França na peninsula, declarando o Representante britannico Lord Wellington — que não se póde intervir nos negados interiores de outro paiz, excepto quando elles affectam os interesses essenciaes da outra nação.
O governo hespanhol bem sabia, que naquelle perigo, que corria a Hespanha, a justiça da sua intervenção era conforme a estas declarações; e tambem sabia que era conforme aos factos; porque, o governo inglez tem interferido effectivamente, e tem confirmado muitas vezes pelos seus factos esta doutrina, na França, nas Colonias hespanholas, na Belgica, e no Oriente. Igualmente sabia o governo hespanhol, que era tal caso, a intervenção era conforme ás doutrinas de todos os governos da Europa; porque seja qual fôr o modo porque se expliquem, todos concordam em que teem direito de intervir, quando a necessidade da sua segurança, ou os seus essenciaes interesses, exigem a intervenção nos negocios interiores do outro paiz. E elles são sempre os juizes desta necessidade; de modo, que a doutrina no fundo é a mesma, e a unica differença está, em que alguns governos teem sido mais reservados do que outros na applicação. Tudo isto sabia muito bem o Sr. Pacheco; mas tambem via que a respeito da pacificação de Portugal, a Inglaterra tinha o mais especial interesse, que a ninguem importava mais que se pacificasse este Reino, e que por tanto o accordo era certo. Que ainda nesse caso, em que a Hespanha fosse obrigada a intervir só por si por não haver tempo para se concertarem os dous governos, era tal intervenção approvada pelo governo inglez.
E com isto combina perfeitamente o que no Parlamento disse um dos Ministros Britannicos, creio que foi Lord Jonh Russell — que estando a Hespanha deliberada a interferir, não podia a Inglaterra deixar de accordar-se com ella, porque não era possivel, que jamais a Inglaterra viesse em auxilio da Junta do Porto contra a Casa de Bragança. Eis aqui, Sr. Presidente, a que se reduz tudo quanto o governo hespanhol declarou; mas depois, tendo presentes como teve o governo francez, as instrucções de Lord Palmerston de 5 da Abril para a mediação; o Sr. Pacheco achou as condições justas e rasoaveis, concordou em tudo com o governo inglez, e recommendou ao Governo de Portugal, que acceitasse a mediação com aquellas condições, e esta mesma recommendação, fez o governo francez.
Sr. Presidente, á vista destas recommendações do governo francez e hespanhol, para se acceitarem as condições da medição, e no estado lastimoso em que estava o Paiz, e em que o primeiro dever e o mais urgente, era pôr termo á guerra civil; haverá quem possa affirmar, que o Ministerio não cumpriu o seu dever?!
Sr. Presidente, sinto muito não vêr naquelle banco o nobre Par, que fallou em um destes dias passados, porque julgava necessario fazer algumas observações, não sobre muitos pontos que S. Ex.ª tocou, mas sobre um ou dous, porque são relativos ao objecto de que estou tractando. Como o não vejo, abster-me-hei de dizer tudo o que poderia: comtudo, sempre farei alguma breve reflexão. Disse S. Ex.ª, que o Protocollo foi approvado pela Junta do Porto, e que as addições eram, só para garantia. E não obstante, pouco depois dizer S. Ex.ª, que os artigos foram impostos, o que a Junta não teve outro remedio senão acceita-los, penso que a sua tenção era mostrar, que, tendo sido rejeitados os artigos das addições, a Junta não teve outro remedio se não acceder. Ora, se a Junta do Porto approvou as condições, e as achou justas e razoaveis, eu concordo neste ponto com a Junta; mas não concordo com ella na necessidade desses desenvolvimentos, e dessas addições. Não tenho por objecto examinar agora esses desenvolvimentos e addições, nem o julgo necessario; mas o que digo é, que não concordo na necessidade dessas addições, não obstante o D. Par ter dito, que a Junta queria as addições como necessaria garantia; porque, sempre julguei, e ainda agora julgo, sufficiente garantia, além da Real Palavra, aquella que era dada pelas Potencias alliadas. Todavia não duvidarei affirmar, que essas addições eram muito boa garantia; porque — que melhor garantia se poderia dar á revolta do que entregar todo o governo á revolta? (Riso). E esta asserção do D. Par fez-me vacillar sobre uma opinião que eu tinha, de que era exacto o que o Coronel Wilde referira a respeito da coacção, em que estava a Junta do Porto, porque o Coronel Wilde havia informado mais de uma vez, que a Junta do Porto estava em coacção; e es-
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tando eu inteiramente persuadido de que isto era exacto, as expressões do D. Par fizeram-me vacillar na minha opinião, que eu acreditava honrosa para a intelligencia dos membros da Junta; porque, pensava eu, que se não estivessem co-actos, como dizia o Coronel Wilde, não dariam com a sua recusa occasião ao que se seguiu.
Disse o D. Par, que a respeito da expedição que elle commandára, posto não soubesse qual seria o seu resultado, comtudo esperava entrar em Lisboa. Não me compete a mim, nem seria proprio agora fazer juizo algum sobre operações militares; mas o que posso asseverar á Camara é, que nesse tempo ouvi dizer a alguns Chefes militares (não me recordo agora dos nomes), que commandavam as tropas em Lisboa, que se o nobre Conde desembarcasse, antes de vir direitamente a Lisboa, havia de procurar organisar-se; havia de fazer alguma marcha lateral, procurando organisar-se em algum posto fortificado antes de marchar sobre a Capital. Sr. Presidente, o nobre Conde disse, que elle sómente queria vir livrar a Rainha da coacção em que estava. Nesse tempo era eu um dos Ministros de Sua Magestade, e declaro muito explicitamente — que nem eu, nem os outros meus collegas tinhamos Sua Magestade em coacção. O nobre Conde desejava, que a Rainha livremente escolhesse os seus Ministros; mas a minha opinião é, que com a chegada de S. Ex.ª a esta Capital, nomeio da carnagem dos portuguezes, nas ruas de Lisboa, correndo o sangue dos cidadãos, não era a melhor occasião essa, para fazer que Sua Magestade Nomeasse livremente os seus Ministros. (Vozes — Muito bem. Muito bem.) Tambem o nobre Conde fallou em sangue portuguez derramado pelas forças alliadas; mas a mim nunca me constou, que sangue algum portuguez fosse derramado pelas bailas inglezas. Sr. Presidente, se em differentes occasiões a Inglaterra tem feito a Portugal serviços de maxima importancia, foi sem duvida alguma esta occasião uma dellas. Concorreu para livrar o seu antigo alliado de tantas calamidades, e poz um dique á devastação, que assolava este nosso bello paiz!... (Apoiados). Este grande serviço nunca jámais nós esqueceremos; nunca o esquecerão nossos filhos! Lord Palmerston conservou intactas as tradições de Inglaterra a respeito de Portugal; Lord Palmerston mostrou ser o mesmo homem, que ha vinte annos no Parlamento se assignalou em favor da Carta Constitucional, e seus leaes defensores da Ilha Terceira; Lord Palmerston é aquelle, que assignou o Tractado da Quadrupla Alliança; e aquelle que ainda ha pouco se arriscou a ser demittido do Ministerio por causa de Portugal; e antes se expoz a esse risco, do que deixar de prestar poderoso auxilio á Causa da Rainha! (Apoiados).
Sr. Presidente, diz-se — nós haviamos de vencer, á insurreição havia de triumphar senão fosse o auxilio das Potencias alliadas! A victoria! Quereria alguem a victoria com a completa ruina do nosso paiz?! E não se lembram já do tempo em que os sectarios do usurpador diziam, que appellavam para quando os soldados de D. Pedro, esses defensores da liberdade, se dilacerassem uns aos outros? Quereriam que Roma se destruísse pela sua propria mão secundum vota Parthorum? Quereria alguem a victoria para exterminação? A victoria para Dictadura de sangue? Que bellos hymnos do victoria! Havia de entoar-se Io triumphe sobre os tumulos dos pais, e dos irmãos?
Sr. Presidente, não se creia que quanto acabo de dizer seja uma amplificação oratoria: não é de certo, porque eu sei, e todos nós sabemos, que nos dous campos contrarios militavam filhos do mesmo pai e da mesma mãi!... Que faziam aquellas espadas desembainhadas nos campos de Pharsalia? Cujus latus ille mucro petebat? Apontar-se-ia contra o peito do amigo, do irmão, e talvez do pai? E não se deveria lançar mão de todos os meios, fazerem-se todos os sacrificios para se evitarem estes horrores? E não deveremos dar graças, em primeiro logar á Divina Providencia, e em segundo ás Potencias alliadas, que concorreram para o grande bem da pacificação?
Sr. Presidente, agora desejo examinar uma arguição, que se tem feito, dizendo-se, que as condições são offensivas da independencia nacional. Confesso, Sr. Presidente, que nunca entendi haver nestas condições a menor offensa da independencia nacional, Ou da independencia da Corôa; confesso que esta foi sempre a minha opinião, a qual é fundada na doutrina de todos os publicistas, e na pratica de todos os Governos; e tambem entendo, que talvez as pessoas que tem feito esta arguição, senão tivessem dado ao trabalho de examinar com madureza e sangue frio esta questão.
Offende-se a soberania, quando se cede algum dos seus direitos, ou quando se transfere simplesmente o exercicio de algum delles a uma outra Potencia, ou mesmo quando este exercicio se torna dependente da vontade do alliado; mas não se offende a Soberania, quando em certo e determinado caso se faz uma restricção a esse exercicio, ou em beneficio do alliado, ou por conveniencia que assim o exija; e neste caso restringe-se o livre exercicio da soberania como em qualquer outra promessa. Todos os Publicistas, tractando das Allianças desiguaes, fazem differença entre aquellas que são feitas com diminuição da soberania — cum imminutione imperii — e aquellas que se fazem sem diminuição da soberania — sine imminutione imperii. — Muitas vezes uma Nação poderosa faz uma alliança, em que parece haver desigualdade em favor da Nação mais fraca; mas porque lhe convêm aos seus interesses auxilia-la, e defende-la contra as outras Nações, obriga-se a prestações mais fortes: outras vezes a Nação mais fraca não póde obter os auxilios sem se obrigar a algum onus; e isto póde fazer sem diminuir, ou offender a soberania. Se em uma alliança, uma das partes contractantes se obrigar anão fazer guerra a nenhuma Nação sem o consentimento da outra, sem duvida alguma a soberania ficará offendida; e a este proposito todos mencionam o notavel tractado dos Carthaginezes com os Romanos. Se porém em uma alliança qualquer das Nações contractantes, se obrigar a não fazer a guerra a certo e determinado povo, sem o consentimento do seu alliado: não ha nessa alliança offensa alguma da soberania. Muitas vezes alguns Governos, fazendo allianças, teem estipulado que na guerra não poderá um delles nomear Commandante das suas forças, se não escolhendo-o entre os subditos do outro Governo; e nisto nunca se considerou haver offensa dos direitos da soberania, não obstante que o direito de nomear os Commandantes das forças, é um dos direitos da soberania. Eis-aqui a doutrina geralmente ensinada por todos os Publicistas, approvada, e praticada por todos os Governos; e desejaria vêr, se desde Grocio até ao Sr. Silvestre Pinheiro, algum publicista dizia o contrario, ou cousa differente do que acabo de expor á Camara.
O Senhor D. Pedro, no tractado da quadrupla alliança, obrigou-se expressamente a dar amnistia; e depois daquella estipulação do tractado, depois daquella promessa, já não era livre ao Senhor D. Pedro, fossem quaesquer que fossem as circumstancias, deixar de dar a amnistia; e ainda ninguem disse que elle offendeu a independencia nacional, ou a dignidade da Corôa, porque se obrigou a exercer um acto, que immediatamente depende dos direitos da soberania Mas diz-se — a amnistia não devia ser tão ampla — e eu declaro que sempre foi minha opinião, em todas as occasiões, que as guerras civis não podiam terminar, fosse porque modo fosse, sem que immediatamente se desse a amnistia. (O Sr. C. de Lavradio — Apoiado.) A respeito do caso de que se tracta, da guerra civil de Portugal, por muitas vezes emitti essa opinião, e sempre entendi, que a condição promettida da amnistia devia ter toda a amplitude. Offereceram-se casos, em que ella não era applicavel, e não duvidei com os meus collegas fazer, por medidas especiaes, extensão dessa amnistia, aquelles a quem se julgava não poder ter applicação, e para prova disto apresentarei dous factos: o primeiro, é de alguns miguelistas que se tinham unido á insurreição, e vieram de Setubal, os quaes devendo pelo facto de se unirem á insurreição, gosar da amnistia, todavia não gosavam della, porque estavam implicados em factos de conspiração miguelista, dos quaes havia processo; mas acontecia, que aquelles homens vinham de Setubal, e vendo eu que apesar da amnistia de 28 de Abril, na fórma das condições da mediação, elles estavam comprehendidos em processos politicos, a que se não referia esse Decreto, e por tanto podiam ser presos; publicou-se uma medida especial por um novo Decreto, o qual comprehendeu expressamente os miguelistas por factos anteriores a 6 de Outubro. (O Sr. V. de Fonte Arcada — Fez muito bem.) Tambem eu assentei que tinha feito bem.
O outro facto, Sr. Presidente, refere-se a outros Officiaes tambem de Setubal. Os Ministros das Potencias alliadas, quando foram dispersadas as forças que estavam em Setubal, escreveram ao Governo: eu podia lêr os documentos, porque até me parece os tenho aqui, mas para não tomar tempo á Camara abstenho-me disso, persuadido como estou, de que ella me acreditará (Muitos apoiados): se apparecer porém alguma duvida, então os lerei. Mas dizia eu: os Ministros das Potencias alliadas escreveram ao Governo, dizendo-lhe que entre os Officiaes que tinham vindo de Setubal, se deviam fazer differentes cathegorias, por quanto uns gosavam sem duvida nenhuma da amnistia, e outros não tinham direito a ella, e se deviam considerar como refugiados politicos, tendo direito a todas as considerações que como taes lhes deviam competir. Mas que fez o Governo, Sr. Presidente? O Governo disse, que não sabia se gosavam ou não da amnistia, porque não lhe tinham sido presentes os documentos sobre os factos acontecidos; que talvez esses mesmos tivessem direito a gosar della; mas para tirar todas as duvidas, e por sua unica deliberação, o Governo publicou um Decreto em que necessariamente ficavam comprehendidos. Sr. Presidente, parece-me que estes dous factos provam bem o espirito e intenção em que estava o Governo, que só queria conseguir a paz e a conciliação, assegurando a todos o mesmo beneficio, para pôr fim a todas as discordias, e fazendo assim, por um acto seu especial, mais do que estava estipulado.
Mas argue-se o Governo porque a amnistia era ampla de mais, e ia ainda além das estipulações, por se ter feito mais do que nestas se continha: Habes confitentem reum. Aqui tem o réo a confessar, mas confessando de tal modo, que não ha sem duvida ostentação nem de crime nem de virtude; porque o meu coração diz-me, que todos os que estão nesta Camara haviam, em igualdade de circumstancias, fazer o mesmo que eu fiz. (Vozes — Muito bem. Muito bem.) Declaro porém a verdade, Sr. Presidente, e é — que nós não tivemos nisso o menor merecimento; todas estas inspirações nos tinham de mais alto (Apoiados); todos estes actos de beneficencia, de humanidade, e de conciliação, não eram nossos (Apoiados repelidos); nós eramos tão sómente meros instrumentos (Apoiados); era a Rainha, que nunca achou limites á sua Clemencia; era a Rainha, cuja beneficencia para com os portuguezes Lhe dictava todos estes actos, e sugeria muito mais do que tudo quanto nós podessemos lembrar: (Apoiados repetidos). Sr. Presidente, se neste objecto se fez mais do que era de obrigação, outros actos houve em que se fez só precisamente aquillo, que se devia fazer, dando-se intelligencia á primeira condição da mediação, precisamente tal qual a requer a sua letra, e o seu espirito; e entretanto o Ministerio tambem foi arguido, quando é certo que sómente fez o que devia, e aquillo a que era obrigado: fallo a respeito dos Juizes. Não terei talvez tão depressa occasião opportuna de fallar neste ponto, e por isso aproveito esta para declarar, que é principalmente minha a culpa (posto que todos os Ministros sejam responsaveis porque todos concordaram comigo), em que os Juizes fossem mandados logo immediatamente para os logares, que occupavam quando foram demittidos. Procurei em todas as restituições dispensar, quanto podesse, quaesquer formalidades, desejando facilitar aos Juizes a entrada nos logares, e prevenir quaesquer incommodos, ou delongas; e por isso uma participação bastava, para que se lhes fizesse immediata applicação do Decreto. Bem sabia eu que alguns se tinham levantado, e haviam sido agentes da insurreição nas mesmas terras em que eram Juizes, e que portanto era conveniente que elles não continuassem a exercer ahi jurisdicção; mas o acto da restituição não se póde confundir com o acto da transferencia. O acto da restituição é uma consequencia immediata, e impreterivel do Decreto de amnistia; o acto da transferencia só póde ter logar observadas as formalidades, que estão estabelecidas nas Leis em vigor. Nem se póde dizer, que esses Juizes poderiam ficar no quadro da Magistratura, simplesmente até que fossem mandados para outros logares; porque isto seria não cumprir o Decreto, nem segundo a sua letra, nem segundo o seu espirito Restituir os Juizes aos seus logares, é colloca-los nos mesmos logares em que estavam: — será restituído ao estado em que antes era, dizem as nossas Leis quando fallam da restituição in integrum. Mas a transferencia não a podia o Governo fazer só por si, sem que precedesse o processo legal; e é por isso que eu mandei logo differentes Portarias ao Supremo Tribunal de Justiça, para consultar sobre a transferencia desses Juizes. Já eu no Tribunal votei pela transferencia de um dos reintegrados, e é provavel, que se assistisse a algumas outras Consultas votasse do mesmo modo.
Agora, Sr. Presidente, estou chegado ao ponto de fazer a declaração, que me pediu o D. Paro Sr. C. de Thomar. Declaro á Camara, que ao tempo da acceitação da mediação, o Governo não entendeu que as potencias alliadas, Inglaterra, França, e Hespanha, quizessem ter ingerencia alguma na Administração interior deste Paiz, depois da reunião das Côrtes, nem mesmo antes dessa reunião, salvo nos casos expressamente declarados nas condições. Declaro tambem, que o Governo não tinha motivo algum pessoal de indisposição contra os Srs. Cabraes, e tanto, que um destes Srs. era seu Ministro diplomatico na Côrte de Madrid. E fossem quaesquer que fossem, ou tivessem sido as opiniões de alguns membros do Ministerio, relativamente a alguns actos da sua Administração passada; nunca em caso nenhum o Ministerio concorreria para se coarctar, mesmo temporariamente, o livre exercicio da grerogativa real, na nomeação dos Ministros da Corôa, a não ser no caso de tão urgente necessidade; e o que digo a respeito da 4.ª condição, applico-o a todas as outras. Sr. Presidente, a intenção do governo inglez era conseguir a pacificação deste Paiz, e conservar a dignidade da Corôa.
Ao governo inglez representava-se o partido dos Srs. Cabraes, notado, como uma facção, pelos insurgentes, e que estes empregavam os nomes dos Srs. Cabraes para animar a revolta. Disto tinha sido informado o governo inglez; e este governo que tinha de intervir com a força, se fosse necessario, quantos menos obstaculos tivesse, menos sacrificios faria para a prompta pacificação do Paiz. Lord Palmerston diz em um dos despachos de 5 d'Abril (ha mais de um dessa data) — que no presente estado de cousas em Portugal, é mais facil dizer quem não convem que seja Ministro, do que dizer quem o deve ser; que se deve formar uma Administração, que concorra para facilitar a conciliação dos portuguezes; e que já que não é possivel achar homens de uma confiança geral, ao menos se devem remover dessa Administração aquelles, que mais possam excitar a sua desconfiança — dizia pois Lord Palmerston no seu despacho — que no presente estado de cousas (isto é, em Abril passado) não convinha que nem os homens do partido dos Srs. Cabraes, nem os membros da Junta do Porto formassem a Administração. N'outro despacho diz Lord Palmerston — que elle não queria, nem se arrogava o direito, nem a competencia, de julgar de fórma nenhuma os acontecimentos, que tinham dado occasião á insurreição, e á guerra civil. O Governo portuguez, entendeu pois, que a exclusão pronunciada pelo artigo 4.º, foi unicamente procedida do principio politico — remover o obstaculo á mais facil pacificação — e não de julgamento, ou opinião alguma dos governos inglez, francez, e hespanhol, sobre o merecimento, ou desmerecimento da Administração dos Srs. Cabraes.
Sendo pois isto assim como tenho exposto, para que o dizer-se, que alguem foi condemnado nos Parlamentos estrangeiros? Não dará isso motivo a que se responda, que ninguem foi lá condemnado, e que se nesses Parlamentos houve alguma condemnação, não foi mais do que a que resulta, da approvação que deram á conducta dos governos, que tinham condemnado a insurreição a submetter-se? É assim, Sr. Presidente, que o Governo entendeu o 4.° artigo do Protocollo; e não me parece que lhe possa dar a interpretação extensiva, que por muitas vezes se lhe tem dado. Que alguem dissesse, que não approvava os actos de um ou outro Ministerio, isso não levo eu a mal; mas que se quizesse fazer extensivo esse artigo a muitas pessoas, que nunca podiam ser comprehendidas na sua disposição, e ainda mais torna-lo extensivo a qualquer systema de administração; é o que não póde admittir-se. Um systema de administração condemnado. - Tem-se dito e repetido isto; mas o que é certo é, que o principio que regulou a confecção desse artigo 4.°, foi um principio politico para aquella occasião — no presente estado de cousas — são estas ias palavras de Lord Palmerston; e accrescentou que não se arrogava o direito de julgar dos acontecimentos, que tinham dado causa á insurreição: dizer-se por tanto, que o 4.º artigo exclue qualquer systema de administração, oppõe-se sem duvida a taes declarações; oppõe-se tambem aos principios de interpretação, que regulam em taes casos. Ninguem ignora, Sr. Presidente, que quando se tracta de materias tão delicadas, só se póde seguir á risca o que está expresso na letra, o nos termos formaes da convenção. Quando se restringe de algum modo o exereicio dos direitos da Soberania de algumas das Nações contractantes, nunca póde ter logar a interpretação extensiva. (Apoiados).
Se acaso estivesse agora nesta Camara o D. Par o Sr. Tavares de Almeida, que foi meu collega no Ministerio, eu sem duvida poderia deixar de fallar em um objecto, que seria esclarecido por elle muito melhor do que por mim, a respeito do cumprimento das condições do Protocollo. Teem-se dito, Sr. Presidente, que essas condições não estão cumpridas; e além do que se tem dito nesta Camara, existe tambem uma representação feita ás Potencias alliadas sobre o mesmo objecto; representação que tem por fim obter que as Potencias alliadas, como garantes das condições, conheçam da justiça daquellas queixas; representação de cuja authenticidade senão póde duvidar, e que mesmo foi assignada por alguns Membros desta Camara. Vou pois fallar sobre alguns pontos que nella se tractam; e só o farei a respeito daquelles que se referem aos actos do Ministerio, de que eu tive a honra de fazer parte, porque em quanto aos outros, julgo que é absolutamente desnecessario que me occupe delles.
Esta representação é concebida em termos improprios, e insolitos: fallarei della, mas não imitarei o seu estylo (Apoiados). O meu fim é examinar o que nella se diz, relativamente aos actos do nosso Ministerio, e em especial ao Decreto de 12 de Agosto sobre as eleições. — Não pertendo entrar agora no exame das irregularidades, que se dizem ter havido nas eleições, o que é uma das principaes queixas desta representação. Não discuto se nos recenseamentos foi excluido quem o não devia ser; se foi recenseado quem não estava habilitado; se um mesmo eleitor foi recenseado em mais de uma Freguezia; não examino tambem, se nas eleições houveram fraudes, e violencias, ou se o que se tem dito a este respeito é declamação vaga; se ha factos provados, ou se ha sómente asserções genericas. Este exame é alheio do meu proposito.
Mas, Sr. Presidente, o Decreto de 12 de Agosto, do qual eu tinha a persuação de que era talvez o melhor que se havia feito sobre eleições, em conformidade com a Carta, sem interpor o meu juizo ácerca do de 27 de Julho, porque este não é feito em conformidade com ella; foi violentamente atacado. Com satisfação acreditava, que o Decreto tinha agradado a todos; mas esta representação veio descubrir não só defeitos e erros naquelle Decreto, mas até intenções nos Ministros de abrir as portas ás fraudes, e vicios nas eleições, empregando expressões de que logo terei occasião de dar leitura á Camara. Esta reclamação, Sr. Presidente, absolve na verdade o Decreto de 12 de Agosto de não infringir a Carta Constitucional, em quanto a serem indirectas as eleições, e a serem por Provincias os Collegios eleitoraes. Estas questões, se os Collegios eleitoraes não devem ser por Provincias, e se as eleições devem ser directas ou indirectas, não são para ser agora tractadas; ha opiniões de uma e outra parte; e nós as tractaremos um dia se Deos nos der saude. Quando redigimos este Decreto (e um D. Par que me ouve concorreu para a sua redacção), eu disse e concordamos todos em que não era possivel, fosse qual fosse a nossa opinião, alterar o ponto da eleição indirecta, e dos Collegios eleitoraes por Provincias, porque essa era a disposição da Carta. A respeito dos Collegios eleitoraes, tinha sido esta sempre a intelligencia que se tinha dado á Carta, em todos os Decretos publicados desde o seu estabelecimento sobre eleições, e nós não deviamos separar-nos desta pratica, porque o uso constante de praticar a lei, é o melhor interprete da mesma lei. Ás providencias que os Decretos anteriores continham, nós accrescentamos aquellas, que nos pareceram necessarias para melhor garantir o livre exercicio do direito eleitoral. Quando eu julgava que o nosso trabalho tinha merecido algum apreço, appareceu esta reclamação em que se diz, que todas as medidas foram calculadas, e se dispozeram de antemão, para destruir as maiorias eleitoraes! E para demonstrar esta asserção começa a examinar as faltas, e omissões cavillosas do Decreto de 12 de Agosto.
Diz-se em primeiro logar, Sr Presidente, que o Governo não incumbiu os recenseamentos a quem devia, pois as Camaras Municipaes nem Corpos Electivos se podem chamar, porque tendo sido dissolvidas pelo Ministerio Palmella em 1846, restituiu-as depois da reacção de 6 de Outubro o Ministerio Saldanha, e não o voto popular. Portanto, a primeira arguição é — que o Decreto de 12 de Agosto não encarregou os recenseamentos aos corpos administrativos, que a elles deviam proceder.
Sr. Presidente, o Decreto de 12 de Agosto mandou fazer o recenseamento pelos corpos municipaes que existissem legalmente, ao tempo em que esse recenseamento para a eleição de Deputados se fizesse; e para que se esclareça este objecto direi, que o Decreto do Ministerio do Reino, datado de 27 de Junho, mandou proceder logo á revisão do recenseamento para a eleição das Camaras Municipaes, e proceder immediatamente a esta eleição, antes de chegar a época determinada pelo Codigo Administrativo, que era em Novembro, alterando assim o mesmo Codigo: esta é a disposição principal do Decreto de 27 de Junho; e o Sr. C. de Lavradio era Ministro neste tempo, e sabe muito bem que isto é exacto. O Decreto de 12 de Outubro disse — que aquella
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principal disposição era nulla e contra a lei. Que era contra a lei não tem duvida alguma, e portanto este Decreto de 12 de Outubro annullou, não só a revisão dos recenseamentos, mas todos os actos que em consequencia dessa revisão tivessem tido logar; e mandou proceder á eleição das Camaras Municipaes no tempo legal, dispensando a revisão do recenseamento, que deveria começar em Julho e acabar em Outubro, e determinando que estas eleições municipaes se fizessem pelo recenseamento permanente, que existia ao tempo da ultima eleição legal; mas esta eleição, que se mandou fazer pelo Decreto de 12 de Outubro, não teve logar em consequencia da guerra civil.
Tambem aquelle Decreto authorisou os Governadores Civis a dissolver as Camaras Municipaes, ou Commissões interinas existentes, como fosse conveniente ao serviço. Haviam muitas nomeadas durante o Ministerio do Sr. D. de Palmella, e não entro na questão se estavam ou não na conformidade da lei: o certo é que o Decreto de 12 de Outubro authorisou os Governadores Civis a mandá-las dissolver, e a nomear novas Commissões interinas na conformidade do Codigo administrativo, artigo 108.º, que diz — se nome em as Commissões interinas d'entre os que serviram nas Vereações anteriores — e em algumas terras os Governadores Civis nomearam com effeito algumas Commissões interinas, como entenderam conveniente.
Ora, Sr. Presidente, á vista do que acabo de expor, quem ha de dizer que o Decreto de 12 d'Agosto não incumbiu o recenseamento a quem devia incumbir? Pois não o encarregou aos corpos legaes? Não é positivo no Codigo administrativo, que os Corpos Municipaes continuem legalmente no exercicio das suas funcções, em quanto não são substituidos? (Apoiados.) O Decreto mandou fazer os recenseamentos pelos corpos constituidos, segundo as disposições da lei; e por outro lado, o Sr. Tavares de Almeida, pelo Ministerio do Reino a seu cargo, mandou pelo Decreto (parece-me que de 30 de Julho de 47), que a revisão para se fazerem as eleições das Camaras Municipaes, tivesse logar nos prazos mais curtos, que era possivel. Tal era a intenção do Governo, de que as eleições para as Camaras Municipaes se fizessem o mais depressa possivel; mas que se o recenseamento para a eleição dos Deputados não podesse ser feito pelas Camaras novamente eleitas, se fizesse pelos Corpos Municipaes legaes, que então existissem; porque de outro modo, demorar os recenseamentos, as eleições dos Deputados, e a reunião das Côrtes no dia 2 de Janeiro, isso é o que não faria o Ministerio que referendou o Decreto de 12 de Agosto, porque nesse caso dir-se-hia, e com razão, que elle faltava ao cumprimento do Protocollo, e ao da Carta Constitucional que devia ser observada, a qual diz que — as Côrtes se reunirão no dia 2 de Janeiro — ao mesmo tempo, que segundo as condições da mediação, as Côrtes se deveriam reunir sem demora. Se o Ministerio não procedesse, como procedeu, com razão deveria ser arguido por ter faltado ás condições da mediação: verdade é, que uns diriam que haviam motivos para essa demora, e outros diriam, que se procuravam subterfugios para demorar a reunião das Côrtes; mas no que todos haviam de concordar era, em que a Carta Constitucional não se observava. Parece-me que tenho demonstrado, que a primeira arguição feita ao Decreto de 12 de Agosto não tem fundamento algum; e igualmente estou persuadido, de que a Camara ha de achar a mesma falta de fundamento nas outras arguições.
Diz a representação — que o Decreto de 12 de Agosto tem a omissão cavilosa, e lacuna calculada de não mandar especificar nos recenseamentos as habilitações do recenseado, e apontar os indicios par onde se possa averiguar a sua idoneidade. O recenseamento deve conter a declaração das condições necessarias para ser eleitor e eligivel; resulta de varias disposições do titulo 2.° do Decreto de 12 de Agosto, que o processo de recenseamento não póde formar-se sem a declaração destas qualificações; mas quando á vista do Decreto de 12 de Agosto podesse haver alguma duvida (que não ha), o Decreto de 22 de Setembro deve considerar-se como interpretação authentica desse Decreto, por quanto não só mandou muito expressamente, que se declarassem essas habilitações para votar e ser votado; mas até mandou nomear commissões para verificarem, se nos recenseamentos estavam declaradas essas condições essenciaes, fazendo addiccionar os recenseamentos quando tivesse havido omissão. Além disto, o mesmo Decreto de 12 de Agosto, em um dos seus artigos determina, que na casa da Camara os recenseamentos originaes estejam patentes a todos, para que possam tirar as certidões que julgarem convenientes. Diz a representação — o Ministerio queria franquear o passo ás fraudes eleitoraes, e por isso é que publicou o Decreto com esta omissão cavilosa. Mas o que é certo é, que a mesma omissão se encontra não só em todos os Decretos sobre eleições, feitos conforme a Carta Constitucional, mas tambem na Lei de 9 d'Abril de 1838, feita pelas Côrtes constituintes, de que eram membros alguns dos Srs. que assignaram esta representação. E as Côrtes constituintes quereriam franquear o passo ás fraudes eleitoraes, com esta omissão cavilosa, e lacuna calculada?! (apoiados).
Sr. Presidente, diz mais a representação — que se o Ministerio quizesse uma eleição verdadeira, teria dado aos Cidadãos lezados pelas decisões do Concelho de Districto, recurso para as Relações como dava o Decreto de 27 de Julho de 1846. Mas é certo, que as operações dos recenseamentos são consideradas pelas Leis portuguesas, como operações administrativas (Apoiados), e com especialidade o são as operações relativas aos lançamentos dos impostos. Ora, que as questões d'Estado devam ser tractadas devidamente, e nos termos regulares pelos Tribunaes, não ha duvida nenhuma; e que as decisões dos Tribunaes, passadas em julgado, devem ter toda a força perante as Authoridades administrativas, tambem não ha duvida nenhuma; mas seria esse motivo bastante, para entregar aos Tribunaes o poder de annullar os actos administrativos; para confundir as jurisdicções; para introduzir um processo novo; uma Instancia na Relação sem primeira Instancia Judicial; e fazer tres ou quatro Instancias, appellando-se do Concelho de Districto para a Relação? É o que o Decreto de 12 de Agosto não podia fazer: esta innovação pode-la-hia fazer o Decreto de 27 de Julho de 1846, que mandou fazer as eleições para se reformar a Carta, e a foi logo reformando; mas não a podia fazer o Decreto de 12 de Agosto. Não quero dizer que obrassem mal os que referendaram o Decreto de 27 de Julho, mas sim que elle era contrario á Carta.
Eu bem sei, Sr. Presidente, que os sabios redactores deste Decreto tinham perfeito conhecimento das disposições da Lei franceza a este respeito; e posto que SS. EE. entendam melhor do que eu a Lei franceza, comtudo sempre direi, que ha uma notavel exageração no Decreto de 27 de Julho; porque, na Lei franceza dá-se acção perante a Relação, mas sómente ao proprio interessado que é excluido, mas nunca a terceiro, o que é expresso na mesma Lei. Além disto, o Poder Judicial em França não conhece da legalidade, ou illegalidade da radiação pela legalidade ou illegalidade da reducção das contribuições. Se um dia se fizer uma Lei sobre eleições, talvez que eu seja de opinião de se adoptarem algumas disposições da Lei franceza a este respeito; nunca com a amplitude do Decreto de 27 de Julho (apoiados).
Como pois nos accusam de não querermos eleição verdadeira, por isso que não concedemos aos cidadãos lesados recurso para as Relações, vou mostrar qual é a disposição da Lei de 9 de Abril de 1838 no artigo 22.° Diz este artigo, que das decisões das Camaras haverá recurso para a Camara dos Srs. Deputados. E nem deu recurso para o Concelho de Districto! Se pois as Côrtes Constituintes não deram recurso para as Relações, não quereriam ellas uma eleição verdadeira? A organisação das Mesas eleitoraes, não só é tal e qual vem em os Decretos que se tem publicado; mas acha-se no Decreto de 12 de Agosto a mesma organisação, que se encontra no artigo 40.º da Lei de 9 de Abril de 1838, que diz (leu-o).
Argue-se mais na representação, que — se o Ministerio quizesse a eleição verdadeira, não deixaria ficar as listas de um dia para o outro no escrutinio. Mas, Sr. Presidente, esta é a disposição do artigo 51.º da Lei de 9 de Abril de 1838. A respeito das listas viciadas, o Decreto de 12 de Agosto no artigo 105.° §. 1.º diz, que todos os documentos, que disserem respeito a qualquer reclamação, sejam appensos ás actas; e n'outro artigo diz, que nas actas se mencionarão os votos annullados e os motivos porque o foram. Não fallou em reclamações collectivas, assim como não fallou a Lei de 9 de Abril de 1838, nem os outros Decretos que conforme a Carta se tinham publicado.
Agora passarei a outro ponto, no qual a acrimonia, e virulencia das invectivas excede ainda o que se diz nos outros pontos; por quanto, diz a Representação — que se o Ministerio quizesse uma eleição verdadeira, não limitaria ás Assembléas Eleitoraes, a prohibição de entrar nellas gente armada, porque esta limitação aleivosa hão de interpreta-la os sicarios, e os soldados, como se o Ministerio lhes dissesse que não entrassem dentro, mas que se podiam postar nas avenidas, e ahi aterrar, ferir, espancar, e assassinar os Eleitores. É claro que isto se refere não só á fôrça publica armada, mas a quaesquer outros individuos; porque, não só se falla de gente armada, mas de sicarios, o que de certo se não refere aos soldados; e tendo a mesma Representação apresentado como modelo o Decreto de 27 de Julho de 1846, esqueceu-se aqui o historiador da sua historia, porque no Decreto de 27 de Julho no artigo 97.º, só se falla de força publica, força armada, que se requisita á Authoridade competente. Ora, prohibir que fóra das Igreja apparecessem individuos com armas defezas pelas nossas Leis, isso não era necessario; e em quanto á fôrça publica, a disposição do Decreto de 12 de Agosto é a mesma que a dos Decretos anteriores, e a da Lei de 9 d’Abril de 1838, a qual no artigo 68.º diz unicamente que — ninguem poderá entrar armado nas Assembléas Eleitoraes, quando o de 12 de Agosto accrescenta mais — que se alguem entrar armado, seja expulso. Sem razão fomos invectivados e injuriados, os Ministros que publicámos aquelle Decreto; e estou persuadido que algumas das pessoas que assignaram a Representação o fizeram sem reflexão; porque eu sou amigo de alguns; sei de certo que nunca quereriam injuriar-me; e que por isso irreflectidamente a assignaram (O Sr. C. de Mello — Nós não assignámos de cruz, este objecto foi lido, discutido em mais de uma Sessão, e depois é que o approvámos e assignámos. — O Sr. C. de Rio Maior — É verdade. — O Sr. V. de Fonte Arcada — É exacto.)
Accusa-se e injuria-se o Ministerio, porque fez o mesmo que as Côrtes Constituintes; e quereriam ellas que se aterrassem os Eleitores, e se fizessem violencias? E como é que o Decreto de 12 de Agosto deu causa á anarchia na Jurisprudencia Eleitoral? Se ha anarchia, a anarchia já existia. (Apoiado.) E todavia é com taes argumentos, com taes invectivas, que se reclamou contra o Decreto de 12 de Agosto!
Ha mais algum ponto, que eu tocarei breve e succintamente; e primeiro que tudo, admira como se diz naquella reclamação, que as Potencias alliadas tinham reconhecido o direito da revolta! (Riso.) Que impressão póde causar nas Potencias alliadas uma Representação, em que se diz que ellas, pela intervenção, tinham reconhecido o direito da revolta? Que impressão póde fazer uma reclamação, em que se attribue ao Governo o que só está sujeito ás decisões do Poder Judicial? Diz-se que ha processos por crimes, que são comprehendidos na Amnistia; mas se ha esses processos, porque se não interpõem os recursos competentes? E porque se imputa ao Governo o que só depende dos Juizes? Se unica e simplesmente se tivesse asseverado, que no Decreto de 12 de Agosto havia alguns erros, talvez eu não fallasse nisto, porque nós não pertendiamos saber mais do que as Côrtes de 1837; mas taes injurias e imputações, custa a crer que se fizessem, quando ellas revertem directa e immediatamente contra quem fez a Lei de 9 de Abril de 1838! Agora farei uma reflexão sobre o pensamento desta reclamação, em quanto se suppõe que as Potencias garantes, tem competencia para conhecer das irregularidades das eleições, e julgar se são validas ou não: devo fallar neste ponto, porque versa sobre a intelligencia da 3.ª condição da mediação.
Sr. Presidente, as Potencias alliadas são garantes das condições da mediação; os garantes tem direito de intervir, para que se cumpra a promessa que debaixo da sua garantia se fez; tem direito de intervir por todos os meios, e até mesmo pela força, isto deduz-se da natureza da garantia; mas tambem é da natureza desta, que se deve limitar sómente ao que é expresso na promessa feita, não devendo nenhuma Potencia, debaixo do pretexto de garantia, ingerir-se nos negocios de seus visinhos. (Apoiados e vozes — Muito bem. Muito bem.) Os garantes tem direito de intervir, e para isso devem tomar conhecimento da justiça de qualquer reclamação
Eu não estranharia que se fizesse reclamação, se houvesse motivos fundados, é da natureza das cousas; o que estranho é que se fizesse esta da maneira por que se fez. Ora, Sr. Presidente, se tal é a natureza da garantia, é tambem certo, como eu já toquei ha pouco, que em materias de Governo, quando se tracta de coactar por alguma maneira, ainda que temporariamente, o exercicio dos direitos da soberania, toda a interpretação ampliativa é totalmente inadmissivel. (Apoiados.) Poderia citar muitos publicistas que estabelecem esta doutrina, e que é conforme á pratica de todos os governos em todos os tempos; mas é desnecessario, porque é uma materia sabida e incontroversa, que nunca a ampliação se póde fazer, e que se devem seguir rigorosamente os termos formões, claros, e expressos. Sr. Presidente, dizer que a reunião das Côrtes se ha de verificar logo, que tenham logar as eleições e sem demora (termos formaes e claros), não é dizer que os factos que se possam allegar, ou imaginar contra a regularidade das eleições, possam ser julgados pelos garantes. (Muitos apoiados.) Que as eleições devem ser livres o evidente, entende-se sempre que o devem ser; mas dizer, que a reunião das Côrtes ha de ter logar logo depois das eleições, intendendo-se que estas devem ser livres, porque sempre assim se deve intender; não é dizer que as queixas contra a legalidade das eleições hajam de ser julgadas por governos estrangeiros, (Numerosos apoiados, e vozes — Muito bem. Muito bem), e isto sem uma declaração expressa; mas esta declaração seria uma offensa directa contra os direitos da soberania. (Muitos apoiados.) E qual seria a consequencia desta absurda intelligencia? Um processo indeterminado; porque, se os governos estrangeiros tivessem direito de julgar estas eleições, pelo mesmo motivo teriam direito da julgar todas as outras, até que umas lhes agradassem (Numerosos apoiados); e se umas eleições se fizessem a favor dos reclamantes, os contrarios teriam tambem direito de reclamar; ficaria tudo sempre dependente da politica estrangeira. e haveria um processo indefinido e absurdo de eleições. (Apoiados.) E como se podia exercer esse direito? Exerceu alguem já o direito de julgar sem ouvir ambas as partes, e apresentarem-se-lhe os documentos e os factos? Como era possivel, que perante as Potencias alliadas se formasse este processo monstruoso? O que se quiz dizer naquella condição, e que é a unica e verdadeira intelligencia, é que as eleições haviam de fazer-se segundo as formalidades estabelecidas nas Leis deste paiz (Apoiados); e as Leis deste paiz determinam quem é o Juiz, que ha de conhecer da legalidade das eleições. (Muitos apoiados.) Mas querer que as Potencias estrangeiras conheçam do direito e do facto; que julguem mesmo, se a Lei é boa ou má; é uma pertenção inaudita. (O Sr. V. de Laborim — até é vergonhoso dizer-se ial. Vozes — Muito bem. Muito bem.) Sr. Presidente, estou muito cançado (Vozes — Deu a hora), se alguma cousa tiver ainda a dizer, como póde ser, di-lo-hei na discussão em especial, tendo occasião para isso. (Apoiados; e vozes repetidas — Muito bem. Muito bem.)