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Ultramar, objecto que eu reputo da maior urgencia. Por esta occasião direi que na Ilha de S. Thomé e Principe, tem existido certos individuos que frequentemente reunem em si a authoridade militar, civil, e fiscal, o que produz os mais graves resultados. É pois preciso evitar que isto continue a occorrer, devendo o Governo, para esse fim, tomar as necessarias providencias.
Foi approvado o Parecer, e por consequencia a generalidade da Proposição, passando-se á sua especialidade.
Proposição de Lei N.° 89.
Art.º 1.º Ficam isentas dos Direitos de Tonelagem nos Portos do Archipelago de Cabo Verde tanto as embarcações nacionaes como as estrangeiras.
§ unico. Esta isenção não comprehende o pagamento aos Guardas que as embarcações devem receber a bordo, segundo o Regulamento das Alfandegas, nem os emolumentos que legalmente competirem aos Empregados encarregados do serviço de fiscalisação e de saude.
Art.° 2.* Fica revogada toda a Legislação em contrario.
(Com a assignatura da Presidencia da Camara.)
Approvada plenamente a Proposição.
O Sr. V. de Laborim — Sr. Presidente, peço á Mesa que se digne fazer avisar o Sr. Presidente do Conselho de Ministros, de que eu desejo interpellar S. Ex.ª sobre um facto em extremo escandaloso, praticado em 20 do corrente, e que vejo narrado em tres jornaes intitulados — Rainha e Carta — Pobres do Porto — e Jornal do Povo; e alem de nelles o vêr exposto, tenho em meu poder uma carta, em que se me pede levante eu a minha debil voz ácêrca de um facto tal. Eu faltaria ao meu dever se o não fizesse; e por isso peço a V. Ex.ª que, em vista do meu pedido,.seja o Sr. Ministro avisado, de que o quero interpellar sobre o referido assumpto.
O Sr. Presidente — Seria bom que V. Ex.ª por escripto mandasse para a Mesa o objecto da sua interpellação.
O Sr. Fonseca Magalhães — O motivo enunciado pelo D. Par para a sua interpellação parece-me de grande importancia, e que deve ser conhecido desta Camara. Segundo vejo, ella versa sobre um facto referido em um ou dois Jornaes do Porto; facto que se diz acontecido na Villa da Feira. Está presente o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, que talvez tenha noticia delle, e poderá informar-nos de providencias já tomadas pelo Governo. Eu tambem li o artigo de um desses Jornaes: nelle se conta, não sei com que exactidão, que nos ultimos dias do carnaval presenciara aquella Villa um espectaculo horroroso, em que os objectos mais sagrados da Religião que professamos foram por escarneo apresentados nas ruas: por exemplo; o passo da Paixão do Redemptor, denominado Ecce homo: isto com outras mascaradas em que havia uma decorada com o manto da Virgem! (Sensação.) O facto ainda mais aggravante se torna, porque se affirma que nelle tomaram parte algumas Authoridades da Villa! (Signaes de surpresa.) Se isto é assim, espero que o Governo nos declare se algumas ordens tem dado para punir os culpados em um attentado tão extraordinario, que não sei que possa citar-se outro similhante. Parece-me, repito, que não deveriamos deixar de manifestar o horror que nos causa este acontecimento, se elle teve logar, como se affirma (Apoiados), e que é indicador da mais abjecta corrupção dos costumes publicos. Assim não é possivel que exista Sociedade com ordem, nem Governo de natureza alguma (Apoiados). É justo que desde já sejamos, se é possivel, informados da occorrencia: não mostro este desejo porque pretenda tolher a palavra ao D. Par, mas sim porque julgo urgentes quaesquer esclarecimentos, que o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros possa dar.
O Sr. V. de Laborim — Eu começo por dar o parabens a mim, e á Camara por vêr o interesse, que se deu á minha Proposta, e por ter proporcionado aos D. Pares uma occasião de mostrarem o seu zêlo: todavia convém dizer as razões, que tive para querer proceder de um modo differente daquelle, que o D. Par pretende.
O facto a que alludi é de tal natureza, e envolve taes Funccionarios, que eu intendi ser mais proprio interrogar-se o Sr. Ministro da Repartição respectiva ácêrca da sua veracidade, e depois estigmatisa-lo, se elle tivesse existido; porque, sendo esse facto dos mais escandalosos e infames, eu entro em dúvida, de que elle se podesse praticar, e debaixo deste ponto de vista limitei-me a pedir a presença do Sr. Presidente do Conselho, para que S. Ex.ª informasse com exactidão, o que já tivesse colhido a tal respeito.
O Sr. C. de Thomar — O facto a que se alludiu é sem dúvida nenhuma horroroso e infame, como lhe chamou o D. Par. Eu tambem lhe chamo não só horroroso e infame, mas eminentemente immoral e irreligioso; mas é por isso mesmo que se torna inacreditavel, attentas as pessoas a quem é attribuido. Todavia é necessario que esse facto se demonstre, porque demonstrado elle já se vê, que eu sou o primeiro a exigir que se faça cahir sobre seus auctores todo o rigor das Leis (Apoiados). O Governo deve não só dimittir mas fazer proceder contra esses Empregados, se por ventura forem criminosos; mas é certo que muitas vezes apparecem publicados pela Imprensa factos que parecem trazer o cunho da realidade, e de ordinario nem ao menos teem passado pelo pensamento dos individuos, que se diz terem-nos commettido. O objecto porém é grave, devemos por conseguinte marchar com pausa e regularidade; isto é, pela maneira lembrada pelo D. Par o Sr. V. de Laborim.
É muito provavel que o Sr. Ministro do Reino já lenha esclarecimentos ácêrca do occorrido na Villa da Feira, e que sobre isso já tenha tambem tomado as necessarias providencias. Achando-se presente o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeires, S, Ex.ª fa-lo-ha seguramente «ciente do que se passou nesta Casa, a fim de que na primeira Sessão nos venha informar; e concluo dizendo, que verificado o crime, é preciso que se apresente um castigo forte e de primeira ordem, para que se não repitam factos de uma natureza tal, com escandalo da Moral e da Religião. (Apoiados.)
O Sr. C. de Lavradio — Eu não sei se o facto é exacto ou não, porque não tive conhecimento nenhum delle: pedi portanto a palavra para fazer uma unica observação.
Se existio esse facto extraordinario, esse sacrilégio praticado pelas proprias Authoridades, devemo-nos apressar a pedir sobre elle explicações ao Governo, que talvez não tenha ainda todos os esclarecimentos, porque aquelles que lhos deviam dar são os proprios que praticaram o facto: todavia, desejaria que desde já o Governo nos dissesse o que sabia a este respeito.
O D. Par o Sr. V. de Laborim quer,.que este negocio tenha o andamento ordinario; mas eu não posso deixar de louvar muito o zêlo do D. Par o Sr. Fonseca Magalhães, que deseja desde já as explicações que o Governo nos poder dar.
Acha-se presente um Sr. Ministro a quem este facto ha de ter causado a mesma indignação, que a toda esta Camara causou: peço pois a S. Ex.ª, que nos diga se o Governo tem algum conhecimento deste facto, e se elle existio quaes foram as providencias que tomou sobre um tão escandaloso acontecimento.
O Sr. V. de Laborim — Levanto-me unicamente para lembrar ao D. Par, que eu não apresentei este negocio como um negocio ordinario, e a prova está em que eu principei por dizer que elle era escandaloso. (O Sr. C. de Lavradio — Apoiado.) Pois bem, acceitarei o seu apoiado.
O facto escandaloso, que se diz acontecido na Villa da Feira por occasião do carnaval, a ser verdadeiro, é um facto summamente horroroso, e as suas circumstancias são taes, que me parece inacreditavel: dizendo eu isto. permitta-me S. Ex.ª dizer-lhe, que não são estes os termos, por que se apresenta um facto ordinario, e julguei este meu 'enunciado bastante para exigir a presença do Sr. Ministro do Reino, a fim de ser interpellado, e reservei para então, o que o D. Par apresenta agora.
O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, is da Marinha....
O Sr. C. de Lavradio — O meu nobre amigo não me intendeu bem. Eu não disse que S. Ex.ª havia apresentado o facto como um facto ordinario, mas sim que queria que se seguisse o processo ordinario.
Não me satisfez a explicação, que acabou de dar o Sr. Ministro da Corôa; porque, tendo-se commettido este sacrilégio numa Villa deste Paiz ha mais de quinze dias, e tendo sido commettido pelas proprias Authoridades, parece-me impossivel que o Sr. Ministro do Reino o não soubesse, e que sabendo-o, não desse conhecimento delle aos seus Collegas!
O Sr. Fonseca Magalhães — Sr. Presidente, eu adiantei-me um tanto nas observações que fiz, e tive o infortunio de desagradar ao meu nobre amigo o D. Par o Sr. V. de Laborim.
Eu desejava que fossemos informados do facto a que se fizera allusão; e agora avaliando-o pelas proprias expressões de S. Ex.ª acho mais que provavel que elle seja verdadeiro, se não em todas as suas circumstancias, ao menos em bastantes circumstancias para apparecer odiosissimo! E considerando quão grande tem sido a demora na publicação delle, duvido que o Governo tenha recebido participações em tempo opportuno de tão notavel occorrencia; porque se as tivesse recebido houvera feito publicas as suas ordens, na folha official. Nesta incerteza é que eu julguei a proposito requerer desde já alguns esclarecimentos. O D. Par, alem dos dois Jornaes que mencionou, teve tambem uma carta em que o facto se refere: quem não ha de ver que ha alguma probabilidade de exactidão nessa noticia? Mas seja como fôr, nada se perde em manifestarmos a indignação que ella nos causa Pela publicidade que aqui se dá a este acontecimento, sobre cuja exactidão não podemos com tudo jurar, ao menos se faz ver quanto horror elle causa. Se é certo que Authoridades Publicas tiveram parte nelle, está explicado o motivo de demora em ser communicado, e nunca o seria, sendo assim. Diz-se acontecido na Villa da Feira em o dia 20: ha hoje noticias de París de 22! É notavel 5
O Sr. C. de Thomar — Sr. Presidente, em que o facto que se praticou é horroroso, estamos nós todos conformes; e em que se deve proceder com todo o rigor das Leis sobre quem o praticou, tambem nós todos estamos conformes; mas não creio que o estejamos sobre a veracidade de tudo quanto se publica pela Imprensa. (Apoiados).
Todos os D. Pares, ou quasi todos, sabem que na Villa da Feira existe hoje uma grande intriga entre homens, que foram unidos em politica, mas que estão agora desunidos: considere-se que nesses dous Periódicos, a que o D. Par se referiu, apenas apparece uma correspondencia, que faz menção desse facto; e quando assim fallo persuado-me, que não devo ser taxado de suspeito, porque estou tomando a defeza de homens cuja politica em os ultimos tempos não está de accôrdo com a minha. A circumstancia do facto ter acontecido ha quinze dias, prova o contrario daquillo que pretendiam provar os D. Pares; porque tendo vindo cartas desses sitios, e algumas até para varios D. Pares, em nenhuma se faz menção de similhante facto; e o apparecer agora sómente em dois Jornaes a correspondencia a que se allude, faz-me acreditar que nelles haja, pelo menos, alguma exaggeração.
Disse-se, que se queria estabelecer um processo extraordinario: não sei que processo extraordinario seja esse; mas o que sei é, que a maneira mais regular de tractar este objecto é aquella por que o tractou o D. Par o Sr. V. de Laborim, pedindo que o Sr. Ministro do Reino fosse avisado, de que S. Eu, o pretendia interpellar sobre esse facto, a fim de que tendo informações a tal respeito, desse dellas o devido conhecimento á Camara, e não as tendo as obtivesse das Authoridades. Que de extraordinario tem este processo?! O que eu desejo e, que esta Camara, que tantas provas tem dado da sua imparcialidade, se não precipite agora dando como real aquillo, que póde não passar de uma inexactidão de Jornaes; porque eu não posso acreditar, que individuos cujos nomes alli são mencionados praticassem um facto tal, salvo se estão alienados: então o remedio é sabido (Riso).
O Sr. V. de Laborim — Pouco direi, porque estou inteiramente prevenido pelo D. Par o Sr. C. de Thomar. Eu não pretendi fazer processo algum extraordinario, mencionei o facto, e disse — que era digno de ser stygmatisado, quando fosse Verdadeiro: por conseguinte, tractei de procurar o meio de chegar á verdade, e não me quiz precipitar com juizo algum sobre elle antecipado.
Agora em quanto ao meu nobre amigo o Sr. Fonseca Magalhães, direi a S. Ex.ª, que póde ficar descançado de que em nada me incommodaram as suas expressões: pelo contrario muito me lisonjearam.
O Sr. Presidente — Dous caminhos ha a seguir: ou o D. Par o Sr. V. de Laborim mandar o seu Requerimento para a Mesa, pedindo nelle, que o Sr. Ministro do Reino compareça na Camara para responder á interpellação que S. Ex.ª lhe pertende dirigir; o» satisfazer-se com a resposta do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, de que avisará o seu Collega o Sr. Ministro do Reino, do que a tal respeito se passara.
O Sr. V. de Laborim — Eu acceito a segunda alternativa; porque, achando-se presente o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, S. Ex.ª certamente communicará ao seu Collega o Sr. Ministro do Reino, do que se passou hoje nesta Camara relativamente ao facto, a que me referi.
O Sr. Silva Carvalho — Vou mandar para a Mesa uma Representação assignada por dezeseis Parochos desta Capital, em que pedem a esta Camara lhes interprete o §. unico do artigo 8.* da Lei de 22 de Junho de *1846.
Remettida á Commissão de Legislação.
O Sr. Presidente — Tenho a communicar á Camara, que nos vemos no mesmo estado em que já por vezes nos temos visto; isto é, sem trabalhos de que nos possamos occupar. Nas Commissões, e principalmente nas de Petições e de Legislação existem objectos de importancia, que é de esperar com brevidade se apresentem com os seus Pareceres: como porém ámanhã a Camara funcciona constituida em Tribunal de Justiça, julgava eu que seria melhor haver Sessão Quarta feira para se lerem os Pareceres que as Commissões apresentem; e o dia de trabalhos de Commissões, que devia ser aquelle, ficar transferido para outro.
Assim se resolveu.
O Sr. B. da Vargem da Ordem — Pedi a palavra para declarar, em referencia ao que V. Ex.ª acabou de dizer, que na Commissão de Petições apenas existe um unico Requerimento do D. Par o Sr. C. de Farrobo na qualidade de particular, cujo Requerimento foi remettido aquella Commissão na Quinta feira. No Sabbado reuniu-se ella, e brevemente ha de dar sobre o mesmo Requerimento o seu p Tecer: por conseguinte parece me, que não ha motivo para se increpar a Commissão de Petições
O Sr. Presidente — Eu não increpei ninguem: disse sómente que em algumas Commissões existiam trabalhos, que brevemente era de esperar seriam apresentados com os seus Pareceres.
Amanhã reune-se a Camara em Tribunal de Justiça, e na Quarta feira haverá Sessão, sendo a Ordem do dia a leitura dos Pareceres que as Commissões apresentarem. Está fechada a Sessão — Eram tres horas e meia.
Repartição da Redacção das Sessões da Camara, em 9 de Março de 1849. = O Sub-Director da Secretaria, Chefe da dita Repartição
José Joaquim Ribeiro e Silva.