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N.º 24

SESSÃO DE 9 DE MARÇO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. João de Andrade Corvo

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta.- Correspondencia.- Usa da palavra o digno par o sr. conde de Rio Maior a proposito de documentos relativos á compra do palacio de Santa Clara, da ponte sobre o Tejo e de certa ilha na foz do Zaire.- Responde o sr. presidente do conselho.- Ordem do dia: Discussão do projecto de resposta ao discurso da coroa.- Sobre esta materia faliam os dignos pares os srs. Thomás Ribeiro e visconde de Arriaga.

Ás duas horas e meia da tarde, estando presentes 27 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte

Correspondencia

Um officio do ministerio dos negocios estrangeiros, respondendo ao requerimento do digno par Vaz Preto, que lhe foi remettido em 2 do corrente:

1.° Que, havendo n'aquella secretaria um só exemplar das pautas hespanholas, ía ser pedido um outro á legação de Hespanha para ser remettido á camara;

2.° Que o tratado de commercio com a Hespanha em vigor está no Diario do governo n.° 118;

3.° Que todos os documentos de negociações diplomaticas, que precedem o tratado ultimamente celebrado, estão na imprensa para serem presentes ao parlamento.

Ficou a camara inteirada.

Outro da communidade portugueza, residente em Egutpura, provincia de Bombaim, India britannica, remettendo copia da representação que enviou a Sua Magestade El-Rei com relação ao padroado portuguez no Oriente.

Teve o competente destino.

Outro da legação de Hespanha, agradecendo á camara dos dignos pares do reino o producto da subscripção, na importancia de 360$000 réis, a favor das victimas dos terremotos na Andaluzia.

Ficou a camara inteirada.

(Estava presente o sr. presidente do conselho.)

O sr. Conde de Rio Maior: - Pedi a palavra para dirigir uma pergunta ao sr. presidente do conselho, com relação a um requerimento que fiz numa das ultimas sessões.

N'essa sessão, na qual s. exa. não estava presente, pedi eu que fossem publicados no Diario do governo os documentos que s. exa. tinha lido, a proposito de algumas observações que tive a honra de fazer sobre a compra do palacio de Santa Clara.

Ao mesmo tempo pedi tambem uma nota do orçamento das obras que se projectam fazer no mesmo palacio.

Tenho procurado o Diario do governo, a fim de ver se esses documentos vem ahi publicados, mas até hoje o Diario nada tem trazido a tal respeito.

Como está presente o sr. presidente do conselho de ministros, eu pedia a s. exa. que me dissesse se é possivel satisfazer ao meu requerimento.

Desejava tambem chamar a attenção de s. exa. para um outro ponto importante.

Li n'um artigo que foi publicado ha dias em um jornal da capital o seguinte.

(Leu.)

Como o sr. presidente do conselho tem hoje a seu carga a pasta das obras publicas, eu chamo a attenção de s. exa. para este assumpto que é grave, a serem exactas as informações que acabo de ler.

Se effectivamente é verdade que o ferro que assenta sobre os pilares que sustentam a ponte se acha oxydado, em consequencia da falta de pintura, este facto póde comprometter muitas vidas e destruir aquella ponte, que é uma das obras mais monumentaes que ha no paiz. Portanto chamo a attenção do sr. presidente do conselho para este assumpto, a fim de que s. exa. se informe e de as providencias que o caso reclama.

Desejo ainda do sr. presidente do conselho algumas explicações sobre um outro ponto.

Sou informado por uma noticia publicada nos jornaes de que ha uma ilha denominada Bolambena, na foz do Zaire que se pretende vender.

Ouvi já dizer que existem negociações a este respeito.

Receio que haja aqui um negocio similhante ao da ilha das Gallinhas; não obstante é possivel que seja importante a acquisição d'essa ilha.

Chamo, pois, a attenção do governo sobre este ponto, pois, no caso de serem exactas as informações que dizem, que se trata da acquisição d'essa ilha, é necessario que s. exa. nos diga se effectivamente ha alguma cousa.

Desejava que s. exa. o sr. presidente do conselho tivesse a bondade de me responder a estas perguntas.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - Em primeiro logar direi ao digna par que não estava presente, quando s. exa. mostrou desejos de ler os documentos da compra do palacio de Santa Clara. Pensei que se tivesse tomado nota do que tinha lido, e como não leio discursos mais nada sabia.

Em todo o caso eu vou mandar a nota para os srs. tachygraphos, a fim de poder ser publicada.

Emquanto á noticia que o digno par me dá sobre o estado da ponte Maria Pia, s. exa. reconhece que posso não estar informado ainda. Informar-me-hei e mandarei tomar providencias, se forem necessarias.

A respeito da acquisição do uma ilha na foz do Zaire, posso eu dizer ao digno par que não ha negociação nenhuma a tal respeito.

Estimarei ter satisfeito ao digno par com as minhas respostas.

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Conde de Rio Maior: - Sr. presidente, agradeço as respostas do sr. presidente do conselho.

Só me resta a dizer que ficará satisfeito o meu desejo, quanto ao primeiro ponto, com a impressão a que s. exa. se não oppõe dos documentos da compra do palacio de Santa Clara.

Com relação á ponte sobre o Douro, s. exa. prometteu

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informar se e mandará de certo pintar a ponte se julgar necessario.

Quanto ao meu secundo pedido igualmente estou satisfeito com a resposta de s. exa.

Sobre o terceiro ponto, não é menor a minha satisfação, desde que s. exa. diz que não ha negociações algumas. E se n'elle fallei foi em virtude do que disse um jornal.

(S. exa. não reviu.}

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Passa-se á ordem do dia.

Continua com a palavra o sr. Thomás Ribeiro.

O sr. Thomás Ribeiro: - Uma das situações mais difficeis do orador parlamentar é esta, em que me encontro; começando ha dois dias o meu discurso, seguiu-se um dia santificado, e hoje não sei se teria obrigação de repetir tudo quanto dissera.

V. exa. sabe que as discussões sobre, a resposta ao discurso da corôa são sempre discussões politicas, e para se discutir politicamente uma questão é preciso que haja uma tal ou qual paixão, que inspire o orador parlamentar.

Poderia sentil a no sabbado, quando, terminava a oração do sr. Henrique de Macedo e eu me referia ao acabamento do accordo com o partido progressista; porém hoje o meu desejo era obter outro accordo, que me desligasse da obrigação que havia, que contrahi, de vir ainda fallar ao parlamento.

Sr., presidente, imitando o que por parte da opposição se tem feito, em vez de declamar o pouco que tenho a dizer, dil-o-hei conversando com v. exa. e com os meus collegas, emquanto analiso algumas das considerações que foram feitas pelo sr. Henrique de Macedo na sessão de sabbado.

Eu desculpei-me e justifiquei-me de uma arguição que me pareceu ser-me dirigida pessoalmente, em relação ao tempo que tive a honra de ser companheiro de v. exa. nas lides ministeriaes.

Pareceu-me que me tinha sido dirigida directamente; pelas declarações do sr. Henrique de Macedo, vejo que me tinha enganado; no entanto o que está dito, está dito, e folgo de haver tido occasião de dizer publicamente a v. ex. o que naturalmente nunca teria ensejo de lhe dizer em particular.

Sr. presidente como eu já tive desejo de me entender com o partido progressista quando tinha a honra de ser ministro do reino, sobre as questões da camara, municipal de Lisboa, e como ainda hoje supponho que teriamos feito bem se tivessemos entrado n'um accordo a respeito daquella eleição, não quero de modo algum que pareça ter eu actualmente menos sentimentos de cordialidade para com as pessoas com quem desejei tratar e com as quaes estive por algum tempo em relações, ainda que não directas.

Inspirado pôr esse sentimento de. cordialidade, foi que eu disse e pedi que nunca mais se tornasse a1 fallar nos motivos por que tinha terminado o accordo, por me parecer que o partido progressista perde mais em cada novo debate, onde tinha de fallar dos seus motivos.

Tratei de apontar chronologicamente o pretexto unico invocavel para este acabamento. E como eu, sendo relator do projecto das reformas politicas disse, um dia, a quem me perguntava se era serio ou não o accordo, que pela minha parte e fallando em nome do partido à que tenho a honra de pertencer, entendia que, uma vez o accordo feito, não haveria regenerador algum que o rompesse e que, se o rompesse o partido, eu d'elle me desviaria, declaro que me satisfaz e agrada a certeza ele que por parte d'aquelles com quem tenho sempre militado, não houve um só acto menos correcto, não houve uma só discrepancia que podesse dar causa ao acabamento do accordo.

Isto é bem que se diga e se deixe registado, porque o partido regenerador tem sido por vezes magoado, direi mesmo offendido, nos seus brios politicos, e tem direito a que uma vez por outra se lhe faça justiça no parlamento, na imprensa e no paiz, compensando-lhe assim os muitos e generosos sacrificios que tem feito e faz sempre em face da causa publica.

Mesmo quando taes sacrificios se traduzem em prejuizos que podem considerar-se individuaes, o protesto de que se julga preterido não passa de queixume; nunca se traduz em revolta.

E a proposito, visto que estou fallando de eventualidades que têem trazido uma ou outra vez amarguras ao partido regenerador, note o digno par que não foi sem sobresalto e sem pena que eu lhe ouvi pronunciar da sua cadeira, que tão dignamente occupa, algumas palavras contra o partido regenerador, accusando-o de que pretendera infamar, ou molestar na sua honra, um dos membros mais conspicuos do partido progressista.

Refiro me ao sr. Barros Gomes, que foi ministro da fazenda na ultima situação progressista.

Tratava-se, sr., presidente, de apreciar quem se parecera mais em Portugal com o ministro das finanças da Italia, com o sr. Magliani.

Por acaso um digno par, que não vejo agora presente, o sr. Carlos Bento, tinha lembrado que as questões financeiras se deviam neutralisar nas discussões politicas, e lembrara isto a proposito do que ha pouco ainda se passara no parlamento italiano a respeito d'aquelle ministro.

Impessoalmente fallava o sr. Carlos Bento, e não queria attribuir o que disse do sr. Magliani a nenhum dos nossos, actuaes ou antigos ministros da fazenda.

Pois a proposito d'isto lembrou-se o sr. Henrique de Macedo de dizer que de modo nenhum se podiam applicar ao sr. Hintze Ribeiro as considerações de benevolencia que resultavam do discurso do sr. Carlos Bento, porque o sr. Hintze Ribeiro tinha sido sempre um ministro essencialmente politico desde que entrou no ministerio, e que mesmo como ministro das obras publicas tinha feito constantemente politica.

Agora nós, acrescentou o digno par, quando subimos ao poder, fomos procurar o homem que estava, pela sua posição especial, nas circumstancias do sr. Magliani.

Esse sim, que era apenas um alto funccionario de um dos primeiros estabelecimentos bancarios do paiz, e comquanto fosse membro do partido progressista, não tinha ainda entrado activamente na politica e não podia nem devia ser suspeito a ninguem.

Estas, se não foram as palavras de s. exa., foram as suas considerações, só mais nitidamente formuladas.

E s. exa. acrescentou,, que aquelle cavalheiro, aquelle ex-ministro, tinha sido maltratado pelo partido regenerador que o atacára na sua reputação, sem mesmo poupar as cinzas dos seus ascendentes.

Eu protesto contra a responsabilidade que se nos quer impor por quaesquer factos que se relacionem com essa occorrencia. (Apoiados.}

Protesto por mim e em nome dó todo o meu partido. (Apoiados.}

Não foi do partido regenerador que partiram essas accusações.

Que nos queixassemos nós do modo por que nos tratou o partido progressista, comprehendia-se; todos sabem como no seu advento ao poder elle tratou b partido regenerador; que o partido progressista nos fizesse esta accusação estava bem longe de esperal-o.

Não era regenerador o jornal a que s. exa. se referiu; não era, mas demos que fosse! responde ou póde responder um partido por tudo, quanto possa dizer cada um dos seus jornaes? (Apoiados.}

Já declarei que me honrava de pertencer, desde que entrei na vida publica, ao partido regenerador; mas não tomo a responsabilidade de todos os actos e palavras de quantos são ou dizem ser regeneradores.

Quanto a mim, sr. presidente, ninguem dirá com justiça

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que eu, quer na imprensa, quer na tribuna parlamentar, mesmo em conversas particulares, tenha lançado sobre o caracter e a honra dos meus adversarios o menor desfavor.

Por isso eu reconheço, e apraz-me dizel-o agora, que aquelle cavalheiro, o sr. Barros Gomes, empenhou todos os seus esforços em resolver, como entendia ser melhor, a questão do fazenda; (O sr. Henrique de Macedo: - Apoiado) mas não poderá negar me ninguem que elle fez sempre politica, e politica aggressiva, e apreciações apaixonadas e demasiado severas, contra os homens do partido regenerador que antes d'elle tinham gerido os negocios publicos.

No que vou dizer não ha, pois, mais que apreciações politicas a respeito de um homem publico a cujo caracter faço justiça, e em resposta ao juizo critico do digno par.

Era, porventura, o ex-ministro progressista, o Magliani de Portugal? Era-o, porventura, o sr. Barros Gomes, que acceitando a pasta da fazenda entrava no governo só desejoso de merecer o apoio collectivo dos partidos, estranho absolutamente a preoccupações politicas?

Não sei se está aqui presente algum dos muitos que assistiram a uma celebre sessão da camara dos senhores deputados, sessão em que aquelle illustre homem de estado leu o relatorio que precedia as suas propostas de fazenda; se está, poderá affirmar commigo que nenhum dos ministros de então se mostrou mais aggressivo contra o partido regenerador, e contra os homens que tinham estado á frente do governo, do que o sr. Barros Gomes.

Quem lhe inspirou este procedimento, se a auctoridade da sua consciencia de homem publico, que muita vez impõe sacrificios dolorosos, se as conveniencias do seu partido, se o programma intransigente do governo de que s. exa. fazia parte, não sei; o que nos dizem é que elle vinha despreoccupado da politica; o que nos dizem é que vinha do seu gabinete, no banco, onde tão dignamente e tão longe de paixões politicas gerira os interesses d'aquelle estabelecimento; mas o que sei é que parecia vir dos combates accesos e febris das facções intransigentes.

Eu era então o unico dos ministros demissionarios que tinha logar na camara dos senhores deputados, e para lá entrar foi preciso que um circulo, onde não tinha nem parente nem adherente, me elegesse em eleição supplementar; tão renhida tinha sido a lucta, e tão accintemente se tratara de affastar do parlamento o candidato unico, que pertencera ao gabinete, sobre o qual se iam lançar tantas suspeitas e tão graves accusações.

Ao circulo de Niza devo attenções e favores que nunca esquecerei. (Apoiados.)

Apenas como referencia lembro aquella epocha eleitoral. Quando essas eleições se discutiram, eu não discuti. Seria mal apropriado agora o ensejo para o fazer.

Combatido violenta ou vigorosamente um dos circulos de Traz-os-Montes, a verdade é que,, se não fose o circulo de Niza, eu não podia de nenhuma fórma entrar na camara.

Lembro-me perfeitamente que se tinha annunciado a leitura do relatorio do sr. ministro da fazenda de então, tinha-se esperado, como convem nas occasiões solemnes; as galerias estavam cheias; os réclames tinham sido bastante eloquentes; chegava-se ao fim da sessão, accendiam-se os lustres, e n'um silencio profundo e ancioso ouvimos ler um relatorio de finanças que era verdadeiramente um libello famoso lançado contra o partido regenerador, e especialmente contra o governo demissionario.

Sr. presidente, por ventura procedeu assim na Italia o sr. Magliani, ao tomar conta da gerencia financeira d'aquelle paiz?

Um acto politico de tão violenta significação denuncia o homem destinado a ser o nosso Magliani? Talvez o venha a ser, oxalá que o seja, affirmo, porém, que o não foi.

Ainda hontem estive a ler este relatorio famoso, e dispenso me de o ler á camara porque elle deve estar na memoria de muita gente.

Não digo que fez mal, entenda-se bem, se julgava ter havido malversações da parte dos cavalheiros que tinham gerido os negocios publicos.

O sr. Barros e Sá: - Malversações, não, apreciações.

O Orador (continuando}: - As apreciações que se faziam eram destinadas a lançar o maior desfavor sobre os homens que tinham dirigido os negocios publicos.

O sr. Barros e Sã: - Entre malversações e apreciações ha muita differença.

O Orador (continuando}: - Emfim, eu respeito os escrupulos do digno par, e s. exa. sabe que não desejo de fórma alguma lançar desfavor sobre o sr. Barros Gomes.

Não disse positivamente que nos accusou de malversações, disse que, se elle julgava que as haviam commettido, comprira com o seu dever.

O que se quiz provar é que se não póde apresentar como um Magliani este cavalheiro, este ministro, que a respeito de finanças leu ao parlamento um relatorio de fazenda que é um libello politico.

Esta é a verdade. Digo-a contristado, porque não tenho nenhum sentimento de antipathia contra o sr. Barros Gomes e este havia já esquecido o seu libello. A culpa foi do digno par, que me quiz apresentar como isento de paixões partidarias o sr. Barros Gomes em contraposição ao sr. Hintze Ribeiro.

Era do meu dever fazer justiça, restabelecendo a verdade dos factos.

É sempre mau converter em questões pessoaes as questões de principios.

Deixemo-nos de fazer apreciações de individuos. Se queremos um Magliani, se o não é o sr. Hintze, se o não é o sr. Barros Gomes, qualquer d'elles o póde vir a ser; se nenhum da dois podo isentar-se de suspeitas partidarias procuremos sempre, procuremos por toda a parte e neutralisemos algumas das nossas questões de administração, para as quaes são poucos os esforços de toda a gente que tenha vontade de ver caminhar com proveito os negocios publicos d'este paiz.

Sr. presidente, hoje é raro dirigir elogios aos homens que estão á testa dos negocios publicos.

Póde toda a gente dizer mal d'esses homens, o que não póde é pronunciar algumas palavras em seu louvor.

Entretanto, a proposito do que acabo de dizer, permitta-me v. exa. que eu louve o sr. presidente do conselho pelos desejos que manifestou na ultima crise ministerial de que se formasse um ministerio de conciliação.

É verdade que, quando estas cousas se dizem; quando as diz algum membro do governo, e principalmente o sr. presidente do conselho; vem a opposição lembrar que, se s. exa. queria o ministerio de conciliação, era porque lhe faltavam já os elementos constitucionaes para governar, visto como por mais de uma vez declamou que nunca sairia do governo senão quando lhe faltassem esses elementos.

E d'aqui a intimação da saída dos ministros.

Esta deducção não me parece que seja a mais logica.

Se o sr. presidente do conselho encontrasse nos elementos constitucionaes meio de poder levar-se a effeito a constituição de um gabinete de conciliação, isto é, se os partidos que actualmente se hostilisam reconhecessem a necessidade dessa conciliação e fornecessem os elementos necessarios á formação do ministerio conciliador, s. exa. tinha meio de aconselhar a corôa no sentido das indicações constitucionaes. Como não achou essa corrente de opiniões que procurava, manteve-se no governo como era do seu dever.

Pois bem; que este pensamento adiado possa ainda algum dia traduzir-se em realidade, porque com estas declarações de guerra e intransigencias quem perde a demanda e quem paga as custas é sempre o paiz.

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E passemos a outro assumpto.

Sr. presidente, o digno par, continuando a formular as suas considerações, lembrou-se de que era precisa uma reforma politica que deixasse de tal sorte equilibrados os partidos que não podesse haver, para o facto da governação, predominio de uns sobre os outros.

Deixem-me dizer com franqueza que, por mais que procurasse achar a possibilidade d'este invento, examinando os artigos da nossa constituição e de outras constituições estrangeiras, não achei meio de poder regular, como por um chronometro, a rotação dos partidos ou as epochas da sua entrada e saída do poder.

Se tanto fosse possivel, e se fosse, como parece, conveniente, eu arbitraria que a duração dos ministerios fosse regulada por dias, e mesmo por horas, como o serviço das sentinellas.

Falla-se na preponderancia de partidos e attribue-se á carta a culpa d'essa preponderancia; erro; reformada ou não reformada a carta nada tem para isso. Consultem os partidos a sua consciencia e acharão em si os defeitos que procuram nas instituições.

Toda a gente sabe porque e como saiu o partido progressista do poder.

Para que é procurar no mysterio o que se realisou á luz do dia?

Tudo se passou distante, da esphera do poder moderador, que deu ao governo de então todo o apoio que lhe pedira e todos os meios de acção constitucional que podia dar-lhe e de que o governo se julgou carecido.

O proprio governo demissionario o confessou.

Não desejo nunca invocar os actos do monarcha, e se fallei agora nos do poder moderador foi como referencia historica, e tambem porque o digno par se não esqueceu de recorrer a elles, lançando o desfavor que póde sobre o governo ácerca de umas cartas particulares do soberano, dirigidas não sei a que monarcha estrangeiro.

Eu ignorava este facto, porque havia já muito tempo que estava fóra dos negocios publicos, nem n'essa occasião era deputado, porque o continuar na camara era impossivel, visto como a todas as horas eram as mesmas insinuações, referencias, aggravos, suspeitas, lançadas contra o partido a que me honro de pertencer.

Requeri uma e muitas vezes que formulassem a accusação criminal e intentassem contra nós o respectivo processo; esses requerimentos não tiveram deferimento; convinha mais a insinuação; peguei no meu chapéu e retirei-me para não enfadar tão nobres e leaes senhores.

Mas, o que eu sei é que o Rei de Portugal tem por vezes escripto cartas a soberanos estrangeiros, pedindo a vida de subditos desta nação, condemnados lá por fóra, e aos quaes nem sempre podem acudir aquelles que por lá representam os nossos governos e o nosso paiz.

O que eu sei é que o Rei de Portugal acode solicita e paternalmente a todos os cidadãos portuguezes que sabe condemnados á morte em qualquer paiz do mundo, e, por isso, honra lhe seja e abençoadas as suas cartas piedosas, paternaes, nobilissimas. (Apoiados.)

Sr. presidente, consinta que eu diga que os partidos, ás vezes o regenerador e ás vezes o progressista, desvairam; e digo a verdade. Estou persuadido de que errou profundamente o partido progressista no seu ultimo ministerio. Errou no seu plano e no seu procedimento.

Fez renascer um systema de intransigencia que, ha trinta annos, tinha sido prescripto da governação de Portugal.

Os funccionarios publicos tremiam todos nos seus logares, e viamos todos com espanto as listas de demissões e transferencias que pejavam os Diarios d'aquella epocha.

Fez-se n'aquella occasião o que nunca se fez em Portugal. Na sua febre demissionaria demittiram até um juiz de direito, primeiro substituto, e que estava em exercicio!

Isto nunca se fez desde que ha liberdade n'este paiz, desde que se reconheceu a independedcia do poder judicial.

Ora, sr. presidente, quando se vae n'este caminho precipitado, não admira nada que depois de termos demittido tudo nos demittamos tambem.

É preciso que os governos não exagerem as suas faculdades.

Somos um paiz pequeno, onde todos nos conhecemos.

É preciso que quem governe o faça humanamente, paternalmente, de modo que se não possam evocar praticas antigas de represalias, quando uns partidos succedem aos outros.

Passo a outra materia e continuarei seguindo a argumentação do digno par a quem respondo.

O sr. Henrique de Macedo, que eu supponho fallar aqui em nome do partido progressista, disse-nos no sabbado que não sabia, nem podia dizer, se sim ou não, o partido a que s. exa. pertence discutiria as reformas politicas, ou se absteria da sua discussão.

O sr. Henrique de Macedo: - Eu não disse que não sabia; disse que, emquanto o meu chefe, por quem tenho todo o respeito politico pessoal, não entendesse conveniente dar quaesquer explicações na camara em que tem assento, eu não podia fazel-o n'esta casa.

O Orador: - O que é natural, o que se espera, aquillo de que ninguem duvidou ainda, é que todos discutam as reformas politicas.

Desde que se fazem notar estas reservas e cautelas, tenho direito de acreditar que tem ainda duvidas o partido progressista sobre se ha de discutir ou não as reformas politicas!

Permitta-me o digno par que lhe diga que fiquei assombrado com esta noticia, porque, a dizer a verdade, desde que a nação, por meio dos seus antigos eleitos, declarou a necessidade d'essas reformas, desde que, por meio dos seus eleitores, deu poderes sufficientes para que taes reformas se effectuassem, este incidente nunca podia occorrer-me.

Fez-se uma eleição, e apparecem munidos de poderes especiaes os representantes da nação para fazerem as reformas politicas, mas mettem na algibeira essas procurações e poderes especiaes, e absteem-se de entrar na reformação da lei fundamental.

Que hão de dizer aos seus constituintes?

Que desculpas dão áquelles cujos votos solicitaram, áquelles de quem receberam procurações com poderes especiaes?

Que deixaram correr á revelia a sua causa, subordinando ao seu capricho individual o seu dever de deputados. Parece-me serio este ponto.

Não tenho a honra de ser presidente do conselho, nem ministro.

Se o fosse, sentia enormemente que não tomassem parte na discussão das reformas politicas os deputados opposicionistas, mas o meu sentimento não me obrigaria a deixar de caminhar até ao fim no cumprimento do meu dever.

Sr. presidente, não dou conselhos aos meus adversarios; elles é que mos podem dar, e eu devo acceital-os.

Direi sempre, comtudo, que tendo-se notado por vezes na camara dos senhores deputados, e nas cadeiras da opposição, uma ou mais tentativas de retirada, tentativas que a sensatez do maior numero tem feito neutralisar, cumpre aos directores do partido pôr de parte, e por uma vez, esse expediente anormal e extremo.

Estejam onde devem estar áquelles que acceitaram o mandato para vir discutir e votar as reformas politicas. E saibam que não se podem abster.

As abstenções conhece-as a historia parlamentar. As abstenções têem tido logar na vespera de grandes revoluções; e, quando assim não é, são o suicidio do partido que se abstem.

O sr. presidente do conselho tem em volta de si um par-

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tido numeroso, um partido que adhere a todos os preceitos da sua politica, que os perfilha e defende, que o acompanha a todo o transe e que o segue como a seu unico chefe; porque sabe que o seu chefe o leva sempre pelo caminho da honra aos fins que julga mais proveitosos á causa publica.

Por consequencia, o sr. presidente do conselho, entrando ou tendo entrado num caminho em que não póde retrogradar, ha de ir até ao fim, é indispensavel que vá.

Está nisso empenhado o compromisso do governo e a fé inquebrantavel do seu partido. Sejam quaes forem as declarações do sr. Braamcamp, não póde haver hesitações para o governo.

Se o partido progressista, que votou a necessidade de reforma e de uma certa reforma, se abstiver agora de discutir e votar essa mesma reforma, a ninguem prejudica senão a si proprio.

O sr. Henrique de Macedo fallou tambem na lei eleitoral e de modo agradavel para quantos n'ella collaboraram: governo e opposição; e disse tambem s. exa. que as ultimas eleições foram as mais livres que tem havido.

Ora, a estes pontos, comquanto eu estime muito as disposições essenciaes da lei que é de iniciativa do partido regenerador, tenho a observar:

Que a lei eleitoral não está ainda experimentada; nós não tivemos eleições; ou, pelo menos, não tivemos lucta eleitoral; sendo certo, quanto ao modo por que o acto eleitoral correu, que tão longe foi a lealdade e abnegação do partido regenerador que até circulos houve onde propoz e protegeu candidaturas progressistas, sendo ali as influencias quasi todas regeneradoras.

N'estas circumstancias não, se póde dizer que esta eleição foi ou deixou de ser livre; não houve eleição, houve accordo eleitoral; não se póde dizer por emquanto se a lei é boa ou má, porque ainda não está experimentada.

A mim parece-me que não está tão completa como deve estar, e que o que devia adoptar-se era o escrutinio de lista, com largas circumscripções.

(Apoiado do sr. Henrique de Macedo.)

N'este sentido a propuz, e parece-me que assim daria melhor resultado; isto não quer dizer que eu rejeitaria a modificação que se adoptou, se ella fosse condição essencial para o accordo, quer dizer que me parecia mais conveniente, mais logico o systema da lei italiana que o da lei hespanhola.

Sr. presidente, que estamos nós vendo na republica franceza? Estamos a ver que hoje, e já desde o tempo do sr. Gambetta, o que se pede é o escrutinio de lista, e a França não póde ser suspeita de retrograda.

Os governos, quer queiram, quer não queiram, hão de se convencer de que não é facil governar com o systema dos circulos singulares, que fazem o eleito escravo do eleitor e o governo escravo dos eleitos. É preciso crear deputados da nação, e o deputado do circulo uninominal difficilmente o será.

Com o regimen antigo é difficil governar, porque, como muito bem disse o digno par, ha exigencias que perseguem os governos, que não é facil deixar de attender.

O escrutinio de lista obriga á organisação dos partidos. Enganam se os que julgam que n'esse systema a auctoridade tem mais preponderancia.

Tambem s. exa. se referiu ao codigo administrativo de 1878, e lamentou que não tivesse havido ainda alguem que o revogasse.

Repetirei aqui, e a proposito d'este desejo do digno par e meu amigo, o que muitas vezes tenho referido.

Dizia nos ultimos tempos da sua vida o sr. José Estevão, cuja memoria eu sempre respeito e acato, que o baralho politico em Portugal estava muito mal enaipado.

Aqui está mais uma prova.

O digno par manifesta as suas .saudades pelo codigo de 1842, e pede a revogação do codigo de 1878.

Sr. presidente, é preciso enaipar o nosso baralho politico.

Ha muitos conservadores que estão no partido progressista, e muitos progressistas nos partidos conservadores. As denominações já não dizem nada.

O codigo de 1878 tem defeitos, mas é um codigo largamente descentralisador, liberal, digno do grande ministro que o referendou.

E aqui estou eu agora mais progressista do que o digno par!

Desejo sim que se regulamentem muitas das suas disposições. No mesmo codigo ha remedio para isso; o mesmo codigo manda fazer os necessarios regulamentos.

Eu desejo que ás camaras municipaes se peça cuidado especial na applicação das suas receitas. A verdade, porém, é que já durante o pouco, tempo de vigencia d'este codigo, periodo de primeiro ensaio, as camaras municipaes e juntas geraes de districto têem feito o que nunca fizeram antes d'elle ser lei do estado.

O que é preciso, e eu devo-o dizer ao digno par, é apresentar algumas, não muitas, leis complementares d'este codigo, regulando de alguma fórma as prerogativas dos corpos administrativos, não para lhes cortar attribuições, mas para as precaver contra excessos.

Na camara dos senhores deputados encontra s. exa. uma proposta de lei que attende em grande parte estes perigos, e que não póde ser discutida, porque saiu do governo o ministro que a tinha apresentado, e provavelmente o seu successor não teve desejos de se conformar com ella.

Portanto, quero antes o codigo de 1878 com os seus defeitos, do que o de 1842 com a sua concentração.

Dizia um estadista illustre a quem se fazia o reparo de que todas as suas medidas eram descentralisadoras: "Trabalho só para me tornar inutil e desnecessario."

N'isto ia certamente, na modestia d'este dizer, o maior elogio ao seu procedimento.

D'antes o partido progressista era o apostolo das maximas descentralisações, hoje pede em brados a revogação do codigo administrativo de 1878 e chora de saudade pelo de 1842.

Pois deixemos as saudades a quem as tem e prosigamos n'este apreciar sem nexo as variadissimas ponderações do digno par.

E pois que s. exa. se referiu a uma opinião do illustre relator do parecer que se discute, a proposito de dictaduras, tambem eu direi duas palavras sobre um ponto da doutrina em que não posso concordar com s. exa.

Sr. presidente, sem intenção de sobre tal assumpto levantar questão, direi que, salvo o respeito que devo e consagro ás opiniões, sempre fundamentadas e esclarecidas, do meu digno amigo, o sr. Mártens Ferrão, no ponto a que vou referir-me tenho diversa opinião.

S. exa. disse, que se estivesse na camara dos senhores deputados teria proposto uma disposição analoga á da constituição belga a respeito de dictaduras.

Sr. presidente, é só para declarar que me parece que aos dignos pares cabia tambem o direito de fazer essa proposta que s. exa. entende só se poder fazer na camara dos senhores deputados.

Já o disse a proposito da necessidade das reformas politicas na sessão passada.

Parece-me que esta doutrina importa o cerceamento das attribuições dos dignos pares, que para a feitura das leis têem iguaes direitos aos da outra camara legislativa.

Digo isto simplesmente para manifestar a minha opinião.

E nada mais.

Sr. presidente, agora emquanto á dictadura, como ella foi posta de parte pelo sr. Henrique de Macedo, tambem não me occuparei d'ella.

Estimava mais que o governo a não tivesse feito, e n'esta parte estou de accordo com o sr. Mártens Ferrão;

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havemos de apreciar os actos da dictadura, as rasões que a motivaram, e urgencia do respectivo decretamento, quando aqui vier á discussão o bill de indenmidade.

Nós — poder legislativo — somos um poder mimoso; nós attribuimos tudo quanto é mau aos governos e nada a nós mesmos.

As camaras legislativas fazem só tudo o que é bom.

Se ha demonios, estão nas cadeiras do poder; os santos e impeccaveis somos nós.

Á sombra da nossa irresponsabilidade legal escondemos todas as mais responsabilidades, e com a propria canonisação nos dispomos a passar á eternidade sem medo ao purgatorio das censuras, a não ser as da propria consciencia;

É verdade que, se as propostas más são do governo, as leis são nossas; é verdade que se os tratados que o governo negoceia são perniciosos, só de nós dependem os seus ruins effeitos, porque os approvâmos; é verdade que, se o governo governa mal, é porque nós o mantemos com as nossas votações.

Tudo isto é verdade e não o é menos que muita vez usamos de uma faculdade que inventámos, — de illudir as propostas do governo, de protahir a sua resolução, de procurar-lhes todos os impedimentos, de fazer o que em phrase parlamentar se chama hoje obstruccionismo.

Estes meios é que não estão nas leis nem nos principios. O poder legislativo tem obrigação de discutir, de votar— de legislar.

Impugne ou applauda, mas discuta; approve ou rejeite, mas vote; este é o seu direito e é tambem o seu dever.

Os abusos do parlamento desculpam os do poder executivo.

Quantas vezes as dictaduras são feitas pelos parlamentos, ainda que isto pareça um absurdo constitucional!

Forme-se um jury que não seja composto nem por ministros, nem por pares, nem por deputados, e elle que julgue quem é culpado da maior parte das dictaduras.

Tambem não entro na questão de fazenda, visto que fica adiada.

Porém, como a ella se refere o projecto de resposta que discutimos, direi a respeito d’ella duas palavras.

Quando se formou a situação regeneradora em que o sr. presidente do conselho acceitou para si a pasta da fazenda, a intenção de s. exa. era fazer o que prometteu.

S. exa. tomou conta da pasta da fazenda com a decidida intenção de conseguir o equilibrio entre a receita e a despeza. E este era um dos pontos capitães do nosso programma.

S. exa. fez n’essa intenção tudo quanto lhe foi possivel, chegando quasi a conseguir o resultado do seu desejo.

Appareceu porem aquella celebre Salamancada de que fallou com tantissimo desfavor o sr. Henrique de Macedo; appareceu tambem o porto de Leixões de que s. exa. não fallou, e muitas outras despezas a que o governo se viu forçado, e o desequilibrio reappareceu.

Governar não consiste exclusivamente em equilibrar a fazenda publica. Governar está em conhecer as necessidades publicas, e em lhes applicar os remedios de que ellas carecem.

O sr. presidente do conselho luctou quanto podia contra a. invasão crescente das despezas extraordinarias; posso dar d’isso testemunho, mas ficou vencido pela sua imperiosa urgencia.

O que então se não póde fazer, é preciso que se faça mas esse desideratum não se consegue sem o consenso de todos, firmado na convicção profunda de uma necessidade impreterivel e no sentimento sagrado de um patriotismo sinsero.

O sr. Hintze Ribeiro, que sinto não ver presente, ganhou nessa questão que o digno par apellida Salamancada mais do que em nenhum outro combate, as suas esporas de cavalleiro; não só porque a questão era em si muito difilcilmas porque teve de arcar com a impopularidade d’ella na maior parte do paiz.

A pugna era arriscada e desagradavel e s. exa. mostrou n’ella até onde chegavam os seus grandes recursos.

Ses. exa. teve a infelicidade de perder já as sympathias do Porto, visto como o digno par o sr. Henrique de Macedo attribuiu á impopularidade do nobre ministro o resultado da sua ultima eleição na cidade invicta, por haver obtido apenas ser eleito pela minoria, eu, lamentando a ephemeridade, que já não estranho, da gratidão dos povos, queria dizer ao nobre ministro que a tivesse como providencial. Aos homens, destinados a desempenhar papeis importantes nos conselhos das nações, estes desenganos são proveitosos.

Se o saber e o estudo criam os fructos, só a experiencia os amadurece. E se o Porto lhe quiz dar uma demonstração de desagrado, o que não acredito, porque eu já tive a honra de ser governador civil do Porto, e faço justiça aos sentimentos dos seus habitantes, mas se foi intencional o que fez, lamento-o ao ver como foi precoce a sua ingratidão para com o ministro, a quem modernamente deve mais serviços.

Quanto ao desfavor que das phrases intencionaes do sr. Henrique de Macedo resulta ao sr. Hintze Ribeiro ha só um reparo a fazer e é que os deputados da minoria são tão deputados como os da maioria, têem os mesmos poderes, os mesmos direitos, a mesma dignidade.

Não se lembrou tambem o digno par de que a maior parte dos deputados pela minoria são os seus amigos politicos, e que molestando o sr. ministro da fazenda ia molestar os seus amigos. É sina do partido progressista bater-se a si proprio.

Sr. presidente, terminemos com as questões de casa. Desejo dizer agora duas palavras a respeito da conferencia de Berlim, que tambem tem sido assumpto largamente discutido e que, no meu entender, perdeu já a maior parte da curiosidade que inspirava.

Está presente o sr. Antonio de Serpa que teve de sustentar-se em duello muito longo e difficil na conferencia de Berlim.

Assim o refere a imprensa, estrangeira.

É de esperar que s. exa., já inscripto para fallar, nos de informações sobre algumas cousas que por lá se passaram e que até agora ainda não sabemos, porque o governo não póde habilitar-nos com os documentos necessarios para bem se apreciar aquella campanha diplomatica.

Sr. presidente, não ha nada tão difficil como representar dignamente um paiz que não tem atraz de si nem os exercitos, nem as peças de artilheria, nem as esquadras, que podem ter a Allemanha, a Inglaterra e a França.

Nós carecemos de estar dignamente em toda a parte, mas tambem sabemos, e esta consciencia é tremenda, que não temos ao pé de nós a força que, se não substituo o direito, faz com que elle se mantenha e seja respeitado.

Portanto, mesmo que nós não fossemos largamente compensados dos nossos trabalhos na conferencia de Berlim, que no meu entender fomos, não devemos sair do nosso paiz e das nossas peculiares circumstancias para procurar o ponto de vista de onde devamos julgar os homens que trabalharam briosamente ali para sustentarem os nossos direitos, e melhor ainda a nossa dignidade que tanto se pretendeu macular.

Mas não foi só a nossa dignidade que se manteve; bastantes e importantes vantagens nos trouxe a conferencia de Berlim.

Uma d’ellas foi o termos sido admittidos no congresso das nações, d’onde ha muito tempo andavamos afastados; darmo-nos a conhecer vantajosamente a quem quasi já nos não conhecia e sairmos estimados por todos.

Sr. presidente, quando fallo no congresso das nações não posso esquecer-me de que falta em Lisboa, e é uma ingra-

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tidão flagrante, uma estatua numa das suas melhores praças

Essa estatua deve ser a do sr. duque de Palmella. (Apoiados.)

Tivemos muitos generaes illustres a quem devemos muito esforço, muita dedicação, muita heroicidade; que foram verdadeiros benemeritos nas nossas luctas liberaes; pagaram-se já algumas dividas, muitas estão em aberto e deve-se ainda aquella que a todas tem preferencia: uma estatua ao sr. duque de Palmella. (Apoiados.)

Não quero lisonjear com estas palavras, dictadas pela consciencia, o digno par que hoje representa aquelle grande vulto da nossa epopeia liberal.

Não mantenho mesmo com s. exa. tantas e tão intimas relações que se possa attribuir a lisonja o que n’este momento me occoreu.

É uma verdade que a justiça manda que se diga.

Mais do que todos os que mais trabalharam na conquista da liberdade, trabalhou o sr. duque de Palmella; a elle mais que a ninguem (não fallo do senhor D. Pedro) devemos esta casa e n’ella os nossos logares.

Ao passar diante das estatuas que já condecoram muitas praças de Lisboa, é difficil responder aos conhecedores da nossa historia, que perguntarem: o monumento do homem que mais trabalhou por nós, já nos congressos das nações, já nas tristezas da emigração, já nos preparativos da victoria, já na discussões parlamentares, já nos conselhos da corôa? Do homem que mais trabalhou e mais se arriscou?

E note-se que o grande liberal começou por ser maltratado dos liberaes de 1820.

Quando s. exa. veiu com o Senhor D. João VI do Brasil para portugal, o augusto e soberano congresso não o deixou desempenhar em Lisboa; mandou-o afastar para d’aqui vinte leguas, desconfiando do seu liberalismo.

Pois este homem deve lembrar-se á gratidão do partido liberal, como o primeiro de entre os primeiros.(Apoiados)

Isto veiu a proposito do congresso das nações, onde o nobre duque fez sempre respeitar o nome portuguez.

Dizem que nós recommendámos ou solicitámos a conferencia de Berlim, e que não sabiamos o que se ia passar n’essa conferencia.

Sr. presidente, não comprehendo. Não sei se nós convidámos, ou fomos convidados.

Se nós convidámos, não podia ser para outra cousa se não para obtermos o que pretendiamos obter pelo tratado que haviamos, inutilmente, assignado com a Inglaterra: para que os nossos direitos na Zaire fossem reconhecidos pelas nações; se fomos convidados, deviamos ir, mesmo quando nos quizessem fazer mysterio do verdadeiro fim da conferencia; indo, saberiamos.

Em todo o caso, o que sabiamos é que se iam discutir questões que interessavam á Africa.

Tanto bastava para convir a nossa presença.

Ora, se nós convidámos, fomos de certo persuadidos de que lá se trataria da nossa questão, que nem para outra cousa podiamos convidar; se depois a conferencia poz de parte o assumpto para que fizessemos o convite, claro está, fomos illudidos pelas nações nossas convidadas, o que só a ella ficaria mal.

Como, pois, se casam estas duas affirmações de que convidámos e não sabiamos o que se ia passar na conferencia?

Fomos, é o facto; ora ter ido á conferencia e obtermos lá o reconhecimento dos nossos direitos é já ter ganho quanto desejâmos. Sairmos, de lá deixando a covicção de que temos cumprido liberalmente os deveres de uma nação colonial, é ter lá feito quanto deviamos.

Agora, quanto ao novo estado do Congo, estou certo de que, depois de havermos ratificado o respectivo tratado em que o reconhecemos, o nosso dever é respcital-o. Antes, porém, fallemos d’elle um momento, que eu desejo antes de tudo saber o que elle significava.

As raias do novo estado foram traçadas ao largo e ad libitum. Não lhe posso chamar o parto da montanha, porque para ratinho é grande, mas para estado é demasiado phantastico.

O estado do Congo representa tradicções? Não me consta, e não advinho quaes. Representa descobertas? N’esse caso deve ser nosso, porque eu não quiz avulomar documentos que tinha á mão e trazei os á camara, mas tenho um mappa muito antigo da Africa que traz os lagos interiores della, de que Stanley tanto nos falla, e o curso de todos os seus rios.

Este mappa tinha uma pecha: os seus dizeres são em latim, e eu curei as feridas na cabeça do sr. ministro da fazenda que pelos latins do seu relatorio contra si as iras da camara. (Riso)

Ainda tem outra pecha o velho mappa; é a de ter sido feito com ajuda dos nossos missionarios africanos: portanto, continuemos; aquelle estado não representa nem tradições nem descobertas.
Representará porventura um foco de civilização no interior africano.

Póde ser; mas o certo é que para o civilisador é suspeituoso inicio ser escravisador de negros, malsinador da honra, da nobreza e da dignidade dos estados vizinhos.

Realmente para foco de civilisação começar por isto, não me parece digna estreia.

Será o principio já proclamado de liberdade do commercio?

Mas os chamados tratados que elle fez, o sr, Stanley e todos os seus officiaes ás ordens, com os regulos das margens do Zaire, o que eu vejo é estabelecido o monopolio, não só de culturas mas de transito e commercio, ficando-se na impossibilidade de lá ir commerciar sem licença, hoje, da associação internacional, n’esse tempo do comité de não sei que estados.

A minha admiração cresce á proporção que vou observando a creação d’este estado e meditando nas rasões que a dictaram ou aconselharam.

A Inglaterra inculcava sempre que nós não acabavamos com a escravatura; tinha essa desconfiança, ou, pelo menos, em todos os seus actos a revelava e em todas as sua hesitações para comnosco a allegava ou deixava adivinhar. As outras nações acreditavam isto e a Internacional do Congo, apoiada n’esta grande auctoridade, desenvolveu contra nós uma propaganda teimosa na impernsa e nos comicios de todas as nações de Europa.

N’este meio tempo era ella, a Associação, hoje estado, encontrada em flagante delicto de escravatura; mostrava-se que havia subrepticiante furtado uns poucos de negros de Lourenço Marques, tendo escravisado muita gente em Moçambique e no interior de Africa; que tinha enganado os regulos, seus vizinhos, ameaçando-se de mais a mais de, os seus zanzibaristas, lhes queimar as aldeias.
Pois bem, assim convicta dos seus crimes, ousára fazer propaganda contra nós na Italia, na Allemanha, na Inglaterra, na Escossia, na França, em toda parte. E nós ermos as victimas de uma errada opinião largamente alimentada pela Inglaterra.

Por fim cria-se um estado para a benemerita gente da Internacional, em nome da civilisação!!

Francamente, não comprehendo.

Eu não venho aqui argumentar com as nações. O facto era inevitavel, fosse porque fosse, que não pelo merecimento dos beneficiados, e está hoje consummado; vim apresentar as minhas duvidas, a quem m’as póde desvanecer.

Creio que, atraz do que se vê, alguma cousa ha que se não vê.

Na conferencia de Berlim uns diplomatas humanitarios,

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e que não tinham ainda interesses nenhuns na Africa, inventaram votos platonicos e sentimentaes.

O sr. Mártens Ferrão, a proposito da creação d’este novo estado, lembrou-se do tratado de Zurich. A diplomacia de facto vê se forçada ás vezes a adiar difficuldades, creando formulas que se não podem traduzir em factos.

Acontecerá isto com o novo estado do Congo? Será elle apenas um estado platonico ou sentimental?

Uma potencia naval, que não tem navios! Sendo um estado sertanejo retalhado de tribus guerreiras, que não tem soldados! Um estado de gabinete! Sem fórma definida, sem leis fundamentares! Sem nada; um estado!

Nós cedemos, na o a Stanley, que nos tem calumniado bastante, não ao estado do Congo, que não está ainda reconhecido, mas á boa amisade da Allemanha, da França e da Inglaterra, uma parte dos nossos territorios.

Fizemos bem.

Era preciso, essencial, que se reconhecesse o nosso direito. Reconheceu-se. Afóra isso, mais um palmo de terra, menos um palmo de terra, não fará nem a nossa riqueza nem a nossa desgraça; e nós cumprimos como deviamos os nossos deveres de gente culta.

Agora a ingenuidade do telegrapho, que nos annunciou haver partido Stanley para o Congo na qualidade de governador geral!

Póde alguem comprehender que haja visos de seriedade n’esta apresentação de um governador geral no estado livre do Congo?

Governador geral é uma auctoridade delegada. Delegada por quem? Por que soberano? Por que nação? Por que republica? Não podemos saber. Emfim, talvez seja delegado de si mesmo, porque de seculos a seculos apparecera no mundo estas creações espontaneas. Aquella do Congo presta-se a concepções das maiores excentricidades.

Sr. presidente, eu pouco mais quero dizer, e quanto ao que já disse sobre o Congo não fiz senão interrogações ou supposições.

Mas, sr. presidente, estudando se a questão do Congo,. Encontram-se symptomas de uma doença grave de que Portugal deve tratar se, e a minha obrigação é denunciar esses symtomas aos poderes publicos, para que os possam tomar na séria consideração que merecem; não é mortal, mas póde fazer-nos arrastar uma existencia difficil, se de vez não cuidarmos d’ella.

Porque será, sr. presidente, que tendo nós cumprido sempre honradamente os tratados que fazemos com as outras nações, e muitas vezes contra os nossos proprios interesses, ha de o mundo acreditar que os não cumprirmos? Por que rasão sendo convictos d tensores da liberdade humana ha de o mundo acreditar que somos negreiros?

D’onde vem isto? Donde vem?

Se os que são encontrados em flagrante crime de escravatura, vão ser apostolos contra nós; merecem credito e nós não! Porque é isto?

A Inglaterra sabe bem os sacrificios que temos feito para cumprir as nossas estipulações; para que ha de ella fazer acreditar que somos negreiros, que somos indignos de ter possessões na Africa, e de cooperar com as outras nações
da Europa na civilisação d’aquelle continente?

O mundo anda perfeitamente enganado a nosso respeito; é, pois, necessario que nós, que somos uma nação pequena, sejamos uma nação digna.

É a unica maneira de subsistirmos perante os grandes potentados.

Por isso eu pediria ao governo que fizesse publicações com dados positivos do que temos feito e do que somos capazes de fazer; que espalhasse largamente as suas memorias pelas nações da Europa, a fim de não collocarmos os nossos representantes debaixo de uma tempestade de suspeitas, quando não seja de accusações directas; é preciso e é urgente fazer-se luz nesta questão tenebrosa que nos traz por lá ha tanto tempo malsinados e mal reputados, quando tão outro é o conceito que merecemos.

A missão do governo é esta.

É preciso que se faça saber a toda a gente o que nós somos, e tambem o que têem sido para nós.

O digno par e meu amigo o sr. Mártens Ferrão, relator do projecto, queixou-se do abandono em que agora nos deixou a Inglaterra, e recordou o tratado de 1662, tratado que desde logo estabeleceu a protecção reciproca das duas nações em todas as partes onde fosse precisa.

Vou dizer á camara algumas palavras a este respeito, mesmo porque é uma questão que muita gente não conhece: por isso, bom é vulgarisal-a.

O tratado de 1662 só estabeleceu obrigações e encargos para o nosso paiz. O tratado de 1662 entregava á Inglaterra duas chaves de oiro; uma de Africa, em Tanger, e outra da India, em Bombaim.

Antonio de Mello, de Castro, que foi o governador encarregado de dar posse de Bombaim á Inglaterra, esteve tres annos, como v. exa. muito bem sabe, sem dar cumprira: ento áquella missão. Esta historia não é bem conhecida. Muita gente acredita que Antonio de Mello de Castro era já governador da India e não queria dar áquella posse. Não é verdade; Antonio de Mello de Castro estava em Portugal; foi nomeado, para ir dar posse de Bombaim á Inglaterra em virtude do tratado de 1662, governador da india, e não viso rei, porque não havia bastantes naus portuguezas que o levassem n’aquella occasião ao seu destino.

Teve de ir em navios inglezes, os quaes foram postos á nossa disposição para que se effectuasse sem demora a entrega de Bombaim.

V. exa., sr. presidente, sabe muito bem, como os deveres da Inglaterra começaram desde logo a ser cumpridos.

Isto é, quando estava para só lhe dar posse d’aquella importante cidade, começou pela falta absoluta do cumprimento de tudo aquillo a que se tinha obrigado para comnosco.

Isto já lá vae ha muito tempo; nem eu quero hoje fallar das cousas modernas, é a historia velha que estou recordando.

A Inglaterra não esperou que se dessem rasões ou se buscassem pretextos para nos abandonar.

Quando a frota que levava o governador da India chegava á ilha de Anjoanne, appareceu ahi um navio portuguez que vinha da, India para a Africa, e esse navio participou que os hollandezes estavam sitiando Cochim.

Antonio de Mello de Castro pediu ao conde de Maleburgo, commandante inglez d’aquella frota, que fosse em soccorro da nossa possessão. Recusou-se.

Foram para Bombaim, que era o seu objectivo.

Ahi pediu novamente soccorro ao general Abraham Schypman, a quem se devia conferir a posse desejada o igualmente se recusou.

Foi por isto que Antonio de Mello esteve tres annos sem dar a posse aos inglezes, porque bem via que elles faltavam flagrantemente a tudo o que haviam promettido.

Portanto o abandono da Inglaterra, a fundarmo-nos nas estipulações d’aquelle tratado, vem de longe; muito de longe.

Um padre, é bom que de vez em quando se diga bem de algum padre; um padre, Manuel Godinho, veiu da India °a Portugal por terra, e escreveu a historia da sua difficil e aventurosa viagem.

Eu tenho uma segunda edição desta obra, e diz a academia real das sciencias, que foi quem a edictou, que ainda hoje se não sabe o motivo d’aquella viagem por terra.

Sr. presidente, para saber o motivo d’esta viagem basta recorrer aos archivos da secretaria do estado da india.

Ahi se encontram as instrucções que lhe deu secretamente o governador Antonio de Mello para vir a Portugal

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fallar com El-Rei, pois bem sabia o governador, que os despachos por elle enviados para a metropole, quasi sempre então por navios inglezes, eram primeiro sabidos pela Inglaterra, do que pela nossa côrte, e por consequencia era preciso um homem de inteira confiança que viesse expressamente e a occultas fallar com o monarcha.

Quando elle chegou a Portugal, estava entregue Bombaim, e realisada a prophecia de Antonio de Mello, que escrevera a El-Rei:

«Senhor, digo a Vossa Magestade que acabou a india no dia em que os inglezes tomaram posse de Bombaim.»

Sr. presidente, nós fumos sempre abandonados. Essa é a sorte dos pequenos estados, triste sorte, porém fatal.

E por isso que elles têem de olhar muito por si mais do que as nações grandes.

Nós temos sido abandonados, pela rasão incontestavel da logica social. É por isso que aproveito este ensejo para dizer e pedir que nunca estejamos presos a uma só nação. Nós precisámos de todas e hoje muito mais. O estar ligado por laços diplomaticos a uma nação exclusivamente, é acceitar o seu protectorado; é affastar de nós as outras nações; é delegarmos ipso facto, e ás vezes inconscientemente, a gerencia dos nossos negocios; é deixarem suspeitar que os nossos compromissos foram monopolio concedido e que nos sujeitámos a uma eterna tutoria. Este estado é degradante sobre ser muito inconveniente.

Portanto, venha ao menos, d’estas accusações de que acabamos de ser victimas, este proveito.

Sejamos amigos da Inglaterra, façamos por ella o que podermos fazer, mas não sejamos só amigos d’ella; e sobretudo façamos poucos tratados e governemo-nos como podermos.

Eu não quero fallar do abandono tradicional de que temos sido victimas, e que a nossa historia regista, porque não pareça que me insurjo contra as nossas relações com a Inglaterra, o que não é verdade nem está nas minhas in tenções; refiro factos para provar que se descançarmos inteiramente sobre os nossos alliados cairemos de decepção em decepção.

Abandonados fomos nós na convenção de Cintra, celebrada após victorias successivas, onde os nossos navios e, as mais ricas jóias de Portugal foram entregues, como roupa de francezes, aos nossos inimigos e invasores, sem que n’aquella convenção houvesse a assistencia ou a assignatura de um official portuguez;

Nós fomos abandonados na Inglaterra, na propria Inglaterra, á penuria quasi completa, onde sob os cuidados paternaes do sr. duque de Palmella se arranjaram emfim os celebres barracões de Plymouth para os nossos pobres emigrados.

Na occasião em que a Rainha a Senhora Dona Maria II entrava em Londres como prima d’El-Rei da Gran-Bretanha e como minha nossa, e reconhecida pelo gabinete inglez presidido por Wellington, fez tudo quanto póde para annullar o seu direito e reconhecer o governo do Senhor D. Miguel de Bragança.

Nós fomos abandonados, peior ainda, fomos metralhados quando quizemos ir á ilha Terceira, uma terra portugueza.

Os navios inglezes commandados por Walpole fizeram fogo contra as embarcações que levavam os nossos emigrados, embarcações que não tinham uma peça de artilheria, obrigando-nos a retirar e a desembarcar em França.

Nós sabemos muito bem como nos achamos isolados na tristissima questão da Charles et George, o navio negreiro que nós, os negreiros, apprehendiamos cumprindo o nosso dever e os tratados firmados com a Inglaterra.

Avisada do que nos acontecia, respondia-nos a nossa antiga alliada. «Avinde-vos como poderdes que eu não quero intrometter-me no conflicto».

E tudo isto é preciso dizer-se com magoado sentimento, porque fatalmente succedeu, e facilmente nos esquecem as lições de tradicção.

Podia historiar ainda outros factos, e fazer mesmo a historia das nossas leis humanitarias, das quaes cabe a v. exa., sr. presidente, uma honrosa parte; podia tambem mostrar que antes da Inglaterra pensar em ser philantropa, já nós tinhamos usado humanidade para com os escravos; podia apontar-lhes as nossas leis já do seculo XVII , que crearam fundos para a remissão dos captivos, isto quando em parte nenhuma se pensava em tal assumpto; podia indicar-lhes todas as leis do marquez de Pombal, as do sr. marquez de Sá, os actos de v. exa.; podia emfim apresentar-lhes todos os factos que formam paginas brilhantissimas da nossa historia.

A escravatura foi, nos velhos tempos, de todos os paizes; as palavras de desfavor que se lancem a um paiz, por um facto tão odioso, podem applicar-se a todos.

A Igreja, inclusivamente, teve os seus escravos; Esparta, a republica, teve-os de duas especies: os ilotas, que trabalhavam no campo e os servos familiares que trabalhavam em casa; ninguem póde dizer que não protegeu mais ou menos directamente a escravatura. O que é verdade, porém, é que, depois já de nós iniciarmos a nossa legislação humanitaria, embarcavam por mandado de Cromwell ou dos seus agentes mil moças irlandezas que eram depois vendidas como escravas na Jamaica; o que é verdade é que quando se fazia o tratado de Utrecht a Inglaterra negociava para si o monopolio do transporte de 144:000 escravos (peças da india), a 33 1/2 piastras por caboça; o que é verdade é que no seculo XVIII lançaram os navios-inglezes 600:000 escravos na Jamaica; o que e verdade é que nesse seculo, durante largos annos, os inglezes tiravam 30:000 negros da Africa, dos quaes 20:000 eram vendidos nas praças onde se Commerciava em carne humana, e 10:000 eram destinados ás suas possessões.

Em 1838, vinte o uma das possessões ultramarinas da Inglaterra, conservavam ainda escravos e o regimen da escravatura.

E somos nós os negreiros!

Ora, sr.. presidente, é preciso que nós nos defendamos e digamos isto ao mundo. E mesmo nós é preciso que o não esqueçamos.

Vieram por fim as leis abolicionistas da Inglaterra.

Estou desejoso de terminar; sinto que não me sobra o tempo para ler á camara um documento curioso que trago aqui.

Tem-se fallado immensamente da philantropia ingleza, e eu faço justiça ás intenções da Inglaterra, e ao seu desejo de acabar com a escravatura. Mas o facto é que ella foi contrariada pelos seus agentes nos seus humanos designios; em logar de extinguir a escravatura fez uma escravatura. de nova especie, sem pensar que a fazia.

Tenho aqui um documento que é insuspeito á propria Inglaterra. É o relatorio do sr. Thorpe, de um regedor das justiças de Serra Leoa e juiz do vice-almirantado inglez.

Eu podia-lel-o á camara, e transcrevel-o no meu discurso, mas nem isso farei.

Este digno funccionario inglez diz no seu relatorio, dirigido a Welberforce, o apostolo da emigração africana, que elle e a Inglaterra estão enganados se pensam que têem feito algum bem á humanidade com as suas leis e propaganda. O que se faz, diz elle, é tomar aos navios estrangeiros os negros que vão a bordo e com os negros os navios, ás vezes, sem direito para o fazerem, e levar esses negros para Serra Leoa onde ficam mais escravos ainda do que em terra alguma seriam.

Sr. presidente, aqui está, é insuspeito o documento, porque é de um juiz inglez.

Estou cansado, v. exa. e a camara tambem o devem estar, e; portanto termino aqui as minhas reflexões, pedindo sinceramente ao governo que empenhe todo o seu valimento, que é muito, em fazer publicar pelos respectivos ministerios todos os dados e factos em ordem a que

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nos escutem e a que sejamos respeitados como devemos ser nos paizes estrangeiros, onde não deve continuar a acreditar-se que somos os maiores negreiros da Europa, quando a verdade é que cumprimos escrupulosamente todos os tratados que temos firmado especialmente com a Inglaterra.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos dignos pares.}

O sr. Visconde da Arriaga: — Enceta o seu discurso declarando que exclusivamente se occuparia n’elle da questão do Zaire e da conferencia de Berlim.

Propõe-se em seguida demonstrar quanto maior proveito nos adviera d’esta, que de outras conferencias anteriormente celebradas. Recorda algumas, em garantia de tal affirmativa, das quaes sairamos menos airosamente, e peior compartilhados.

Quanto á de Berlim, julga que a idéa da sua realisação procedera dos factos e não dos homens, isto é, do trajecto da África por Levingston e Stanley, bem como das necessidades commerciaes de varias nações. Redundara elle, todavia, em vantagem nossa e tal que entre Cabinda e Molembo nos foi dada Landana, onde estrio quinze casas francezas. A isto acresço que, sendo a carta constitucional o inventario dos haveres das nações, deduz-se da leitura da nossa, ao individual o que no ultramar possuimos, serem hoje ali maiores os nossos dominios do que n’ella se indica. Sobra ainda que por meio d’essa conferencia nos foi revalidada a posse de terrenos, a qual por outras nações nos fóra sempre contestada.

O orador, em palavras encomiasticas, levanta depois o merecimento do sr. Andrade Corvo, pelas acertadas medidas que- s. exa., quando ministro, havia tomado, e d’onde agora estava resultando a evidente prosperidade de algumas das nossas possessões ultramarinas.

Fecha por ultimo referindo-se ás suas viagens e mencionando certa estatua allegorica á concordia, que vira em Roma, no museu de Pitt, e da qual busca tirar ensinamento para a união dos partidos.

(O discurso de s. exa. a seu tempo será publicado.) O sr. Presidente: — Deu a hora. A seguinte sessão será amanhã, e continua a mesma ordem do dia.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e cinco minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 9 de março de 1885

Exmos. srs.: João de Andrade Corvo; Duque de Palmella; Marquezes, de Sabugosa, de Vallada, de Vianna; Condes, de Alte, do Bomfim, de Cabral, de Castro, da Fonte Nova, de Linhares, de Margaride, da Praia e de Monforte, da Ribeira Grande, de Rio Maior, de Sieuve de Menezes; Viscondes, de Almeidinha, de Alves de Sá, da Arriaga, do Asseca, da Azarujinha, de Bivar, de S. Januario, de Seisal, de Soares Franco; Barão de Santos; Aguiar, Sousa Pinto, Barros e Sá, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Telles de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Palmeirim, Bernardo de Serpa, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Costa e Silva, Henrique de Macedo, Jeronymo Maldonado, Mártens Ferrão, Gusmão, Gomes Lages, Ponte Horta, Mello Gouveia, Costa Cardoso, Mexia Salema, Vaz Preto, Thomás Ribeiro, Thomás de Carvalho, Marino Franziu!.

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