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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
SESSÃO N.º 24
EM 6 DE JULHO DE 1908
Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Antonio de Azevedo Castello Branco
Secretarios - os Dignos Pares: Luiz de Mello Bandeira Coelho, Marquez de Sousa Holstein
Leitura e approvação da acta. - Expediente.- Tomam posse os novos Dignos Pares Francisco Simões de Almeida Margiochi o Visconde de Algés.- Cedem da palavra alguns Dignos Pares, para d'ella usar o Digno Par Teixeira de Sousa, que falou sobre uma noticia que a seu respeito em materia de adeantamentos á Familia Real publicara o Diario de Noticias. - Toma posse o Digno Par Carlos Barbosa du Bocage.
Ordem do dia: É posta em discussão a proposta de lei n.° 13, sobre isenção de direitos do material de guerra. Fala sobre o assunto e envia um requerimento o Digno Par Sebastião Baracho. Responde o Sr. Ministro da Guerra, que apresenta uma proposta de accumulação, bem como o Sr. Ministro da Marinha. É approvado aquelle diploma e posta em discussão a proposta n.° 14, sobre promoções no exercito.- O Digno Par Francisco José Machado apresenta uma substituição e o Digno Par Sebastião Baracho uma proposta, que justifica, e sobre a qual usa ainda da palavra o Digno Par Francisco José Machado. Responde o Sr. Ministro da Guerra, tornando a falar o Digno Par Sebastião Baracho. O parecer e approvado sem prejuizo das propostas que são enviadas á commissão de guerra. - O Digno Par Jacinto Candido pede providencias acêrca do preço do centeio. Responde o Sr. Ministro da Guerra.- Encerra se a sessão, designando se a seguinte.
Ás 2 horas e 25 minutos da tarde, verificando-se a presença de 20 Dignos Pares, o Sr. Presidente declara aberta a sessão.
Lê-se a acta, que é approvada sem reclamação.
Foi o seguinte o expediente:
Officio do Ministerio da Marinha, sobre um pedido de documentos do Digno Par Sr. Francisco José Machado.
Para a secretaria.
Officio do Ministerio da Guerra sobre um pedido de documentos do Digno Par Sr. Sebastião Baracho.
Para a secretaria.
O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra aos Dignos Pares inscritos, vão ser introduzidos na sala, para prestarem juramento dois Dignos Pares que se acham no edificio da Camara.
Convido os Dignos Pares Srs. Pimentel Pinto e Marquez de Sousa Holstein a introduzirem na sala o Sr. Francisco Simões de Almeida Margiochi.
É introduzido na sala, presta juramento e vae tomar assento aquelle Digno Par.
O Sr. Presidente: - Achando-se tambem no corredor o Digno Par Sr. Visconde de Algés, convido os Dignos Pares Sr. José da Silveira Vianna e Campos Henriques a introduzirem S. Exa. na sala.
É introduzido na sala, presta juramento e toma, assento o Digno Par Sr. Visconde de Algés.
O Sr. Presidente. - O Sr. Teixeira de Sousa declarou-me que desejava usar da palavra para negocio urgente e o Sr. Baracho, que se acha inscrito já, communicou que desistia da palavra na sua altura para que o Sr. Teixeira de Sousa pudesse falar. Vou dar a palavra ao Sr. Luciano Monteiro.
O Sr. Luciano Monteiro: - Visto que o Sr. Teixeira de Sousa deseja usar da palavra para tratar de negocio urgente, eu cedo da palavra em favor de S. Exa., reservando-me para, na proximo sessão, interrogar o Sr. Ministro das Obras Publicos, tanto mais quanto S. Exa., de acordo commigo, virá aqui nesse dia.
O Sr. Arroyo: - Com muito prazer cedo a palavra em favor do Sr. Teixeira de Sousa.
O Sr. Baracho: - Tambem cedo a palavra em favor do Sr. Teixeira de Sousa.
O Sr. Teixeira de Sousa: - Começo por agradecer aos meus collegas Srs. general Dantas Baracho, Luciano Monteiro e João Arroyo o terem desistido da palavra a meu favor. Ha semanas declarei aqui que a materia adeantamentos á Familia Real me dera os maiores desgostos da minha vida ministerial; que nunca o Rei D. Carlos directamente, ou por pessoa da sua casa, commigo trocara uma palavra sobre adeantamentos feitos ou a fazer á Casa Real ou á sua pessoa; que para a recepção do Rei de Inglaterra e do Rei de Espanha fizera, em virtude de resolução do Governo, abonos extraordinarios, o ainda para as cavallariças reaes e para completar o mobiliário do Paçô de Belem, a iam de receber os reaes hospedes; que, logo no primeiro dia em que as Côrtes se constituiram, pedi em proposta de lei um credito para legalizar todos os abonos, o qual foi votado na lei de 24 de novembro de 1904; que, em fim, se alguma quantia autorizada em despacho meu não coubesse na legalização autorizada, ella seria bem pequena.
Vem hoje o Diario de Noticias com
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uma lista dos chamados adeantamentos á Casa Real, que o importante jornal diz ter obtido de fonte fidedigna. Não estranho esse facto da precoce publicação, pois que na epoca presente já nada ha que possa fazer estranheza, desde que todo o mundo parece empenhado em fazer o gachis. Não sei nem quero saber se a lista, que vem por nomes, datas e importâncias, é errada no que diz respeito a outros homens publicos que foram Ministros da Fazenda; mas sei e affirmo peremptoriamente que carece de exactidão no que diz respeito ás minhas responsabilidades. Não repudio as que tiver, mas somente as que me pertencerem.
Honro-me de me ter empenhado na defesa dos dinheiros publicos, quer reduzindo as despesas, como Ministro da Marinha e da Fazenda, quer aumentando as receitas, como fiz com o contrato dos tabacos. As minhas grandes dificuldades politicas vêem da gerencia da pasta da Fazenda.
No Ministerio da Fazenda encontrar-se-hão numerosos vestígios da minha acção, mas esses não serão remettidos á commissão de inquerito. Pois muito ha que enviar, não pelo que diz respeito ás responsabilidades dos Ministros, mas sobre assuntos que muito têem interessado ao país. Entrarei no assunto.
Depois de porfiada resistencia, durante meses, cedi ás ultimas instancias do meu chefe e amigo querido Hintze Ribeiro. Resistira sempre, dando-lhe como razão que os meus principios de administração encontrariam difficuldades, que eu queria evitar.
Entrei para a Fazenda em fins de fevereiro de 1903. Dois ou tres dias depois era annunciada a visita do Rei de Inglaterra e não tardou que fosse annunciada a proximo visita do Rei de Espanha. Foi uma dolorosa surpresa. Não havia um Paçô para os receber, os coches estavam deteriorados, os estábulos em ruinas, não havia uma carruagem decente, não havia cavallos, arreios, fardas de criados, e a Casa Real não tinha, meios para fazer as despesas extraordinarias da hospedagem, que estavam fora das suas obrigações.
O Governo resolveu fazer os abonos necessarios para completar as installações do Paçô de Belem, para as recepções dos Chefes de Estado estrangeiros, para as respectivas despesas de representação e para a restauração das cavallariças reaes. Assim se procedeu. O Rei de Inglaterra entrou em Lisboa em 2 de abril de 1903; e o Rei de Espanha, depois de ter adiado a sua vinda mais de uma vez, chegou a 10 de dezembro do mesmo anno. Fizeram-se os abonos.
Mas pela primeira vez em Portugal, logo no dia em que se constituiu a Camara dos Senhores Deputados, em 4 de janeiro de 1904, ali levei, com previa resolução do Conselho de Ministros, e incluido na lei de receita e de despesa, um pedido de credito, concebido nos seguintes termos:
"São abertos no Ministerio da Fazenda creditos especiaes para as despesas abaixo mencionadas e que serão escrituradas nos respectivos exercicios:
Despesas para a recepção de Sua Majestade o Rei de Inglaterra e de Sua Majestade o Rei de Espanha 222:913$325
Despesa com a preparação das equipagens de gala 77:670$409
302:683$834
Só uma parte das despesas com a restauração dos estábulos é que não foi incluida no decreto, por não estar definitivamente apurada.
Esta proposta de lei tornou-se na lei de 24 de novembro de 1904. Não obstante isto, apparecem agora como tendo sido enviadas á commissão de inquerito quantias que dizem adeantadas e não legalizadas, umas, talvez, por não designarem a applicação, outras por conterem as palavras a liquidar opportunamente; sem se lembrarem de que a liquidação podia ser feita pelo pagamento ou pela legalização. A verdade é que todas as quantias abonadas até 31 de dezembro de 3903, quaesquer que fossem os dizeres dos despachos, foram incluidas no credito votado, com excepção das pequenas despesas de 100 libras e de 1:980 francos, de que falarei. Ninguem, como o Ministro que pediu o credito, sabe o seu alcance e fins.
Ninguem poderá comprehender que vencendo eu as naturaes dificuldades para abrir um credito em que figurava a Casa Real, para pela legalização se cobrir das minhas responsabilidades, as não incluisse todas. E todas foram incluidas, as quantias abonadas, como adeantamento ou não, até 31 de dezembro de 1903. Cito dois testemunhos: o de Hintze Ribeiro e o do Sr. José Luciano. Hintze Ribeiro dizia na Camara dos Pares, em 21 de novembro de 1906:
"São despesas de representação do país, as quaes não cabem propriamente na dotação da Familia Real, que está computada para o seu viver, para o exercicio augusto das suas funções, e não para despesas extraordinarias, como são as visitas dos Soberanos estrangeiros e a sua consequente retribuição. Em toda a parte essas despesas pertencem ao Estado e não aos Soberanos. O Ministerio regenerador, acrescentava, no orçamento para 1904-1900 deu o exemplo de inscrever as despesas d'essa natureza, a fim de que o Parlamento pudesse legaliza-las. Mão se tinha feito isso até então? A culpa era dos Governos e não da Coroa".
O Sr. José Luciano dizia:
"Quanto ás despesas feitas com as viagens regias e com a recepção de Soberanos estrangeiros, essas despesas entraram no orçamento de 1904-1905, da iniciativa do Ministerio regenerador e que foi approvado na gerencia do Ministerio progressista".
Essas despesas eram evidentemente as feitas pela Casa Real, á qual haviam sido abonados os necessarios supprimentos.
Feita a lei, foi mais tarde aberto o credito. Como é sabido, os creditos são abertos no Ministerio da Fazenda, a favor do Ministerio que faz a despesa ou que pretende faze-la. Esta circunstancia somente não é mencionada quando os creditos são abertos para despesas do Ministerio da Fazenda, o que era o caso do credito pedido na lei de receita e de despesa.
Tratava se das despesas feitas pelo Ministerio da Fazenda em abonos extraordinarios á Casa Real, embora comprehendesse tambem alguns supprimentos feitos ao Ministerio do Reino para festejos. Ninguem comprehenderia que o Ministro da Fazenda pedisse um credito para legalizar responsabilidades alheias, deixando por legalizar as suas proprias responsabilidades.
Pois, em 24 de dezembro de 1904, foi aberto, á sombra da lei de 24 de novembro de 1904, em que se autorizavam os creditos especiaes a que já me referi, na importancia de réis 182:583$834, de despesas que o mesmo Ministerio fizera com as recepções dos dois Soberanos, ficando do credito autorizado na lei apenas 42:329$491 réis, que estava, muito aquém dos abonos feitos á Casa Real para as despesas que já mencionei.
Não comprelhendi nunca esta inversão do destino do credito, o que explico pelo empenho que o Ministerio do Reino mostra sempre em ter legalizadas as suas despesas.
É possivel que nisto esteja, em parte, o motivo por que apparece para ser enviado á commissão de inquerito, como adeantamentos, o que fora abonado para despesas de recepção e representação, conforme as notas apresentadas.
Vou dar exemplos obtidos da confusão feita, para mostrar como deve ser
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cuidado o apuramento de quantias adeantadas, não só pelas responsabilidades dos Ministros, mas para que se não attribua á Casa Real o que ella, porventura, não deve.
Falo por mim, mas creio bem que todos os Ministros que me precederam ou seguiram podem justifica r o seu procedimento.
São todos homens de bem, que têem por si uma forte razão moral, qual é a já evidentemente demonstrada desde 1855, a insufficiencia da dotação real, ou porque é, na verdade, insufficiente, ou por carecer de boa administração.
O primeiro adeantamento que, conforme a nota do Diario de Noticias, fiz foi de 10 contos de réis, em 11 de março de 1903.
Chamam lhe adeantamento por contei1 a palavra adeantamento.
Adeantamento ou supprimento são expressões equivalentes e, no caso presente, significam o abono á conta de um credito que se ha de pedir, para então se fazer a liquidação.
Esse dinheiro foi abonado para a recepção do Rei de Inglaterra, representando metade da quantia que foi requisitada para esse fim e como foi de costume abonar para a recepção de todos os Chefes de Estado que vieram a Lisboa.
Tenho commigo o documento comprovativo de que esse abono está da seguinte maneira escriturado na administração da Casa Real:
1903, março 14 - Recepção do Rei de Inglaterra, despacho de 11 do corrente - 10 contos de réis.
Não foi adeantamento á conta da dotação do Rei: foi o primeiro abono para a recepção do Rei de Inglaterra.
A Thesouraria tem completo conhecimento do que eu affirmo.
Está, pois, indevidamente, esse abono de 10 contos de réis na nota dos adeantamentos.
Circunstancias identicas se dão com o despacho de 11 de setembro de 1903, relativo a 3:5OO$000 réis, que figura na referida lista da adeantamentos, mas erradamente. Tratava-se não de adeantamento á conta da dotação do Rei, mas de supprimento para despesas de representação, ligadas ás visitas reaes.
As palavras adeantamento a liquidar opportunamente visavam o credito para a legalização.
Tenho commigo documento comprovativo de que esse abono está escriturado na administração da fazenda da Casa Real da seguinte maneira:
1903, setembro 15 - Para despesas de representação - 3:5OO$000 réis. Estava, evidentemente, comprehendido na legalização feita pela lei de 24 de novembro de 1904.
O mesmo digo em relação ao abono de 5OO$OOO réis, feito por despacho de 19 de setembro, que mandou entregar á Casa Real essa quantia, sem designação do fim, mas tambem sem incluir a palavra adeantamento, o que deve representar complemento de pagamento.
Na nota do Diario de Noticias figura o adeantamento de 1:980 francos, feito por despacho de 7 de julho de 1903. Esse despacho está lançado sobre um officio do Ministerio dos Estrangeiros, acompanhando uma nota do nosso Ministro em Paris com a nota das despesas que ali fizera por occasião da passagem por Paris dá Rainha Senhora D. Amélia.
Não pode por maneira nenhuma ser considerado adeantamento á Casa Real, quando a despesa de representação foi feita pela legação portuguesa em Paris. E nunca assim foram consideradas essas despesas.
Como adeantamento figuram ainda 100 libras mandadas entregar em Londres á British & Foreing Sailors Society.
Não foi um adeantamento, mas evidentemente despesa geral do país, embora o recibo fosse passado a favor do Rei de Portugal.
Restam os abonos de 1:500 libras e 800 libras, por despachos respectivamente de 2 de junho e 18 de dezembro de 1903.
Esses despachos mandam lançar as importâncias a credito e conta do Rei D. Carlos, a liquidar opportunamente. Nunca o Rei D. Carlos me solicitou, directamente ou por intermedio de qualquer pessoa da sua casa, qualquer abono illegal ou legal.
Estas quantias correspondiam a notas de despesas de representação diversas, que o Rei dava como feitas, para fazer reposições na administração que fazia de bens que não eram seus e que estavam no estrangeiro.
Esta circunstancia é que levou a redigir os despachos por maneira que os abonos fossem feitos a credito ou conta do Rei D. Carlos, visto que á sua ordem o dinheiro fora entregue. Mas verificando-se que, na verdade, se tratava de diversas despesas inherentes á recepção dos Reis de Inglaterra e de Espanha e a representação, foram incluidas no credito votado pelo Parla mento, e que abrange os abonos feitos até 31 de dezembro de 1903.
Resta um só abono não comprehendido no credito: é o de 1:350 libras feito em 11 de março de 1904, que da mesma maneira o Rei D. Carlos me não pedia directamente nem por intermedio de pessoa de sua casa, e apresentado como correspondendo a despesas extraordinarias de representação. Como fora mandado, pagar no estrangeiro, mandei que fosse lançado o credito de conta do Rei D. Carlos, a liquidar opportunamente. Sai t do Governo em 28 do mesmo mês. É o unico abono sem legalização. Se tivesse usado da expressão para despesas extraordinarias ou outra equivalente - não figuraria na lista dos adeantamentos. E, todavia, o abono foi feito por me ser apresentado como correspondendo a despesas de representação feias. E quando fosse um adeantamento, rã de seis dias da dotação, quando ia Caixa Geral dos Depositos podia levantar um adeantamento correspondente a cento e vinte dias. Falo assim, cito estes exemplos, não para tomar melhor posição do que os outros Ministros, que, antes ou depois de mim, estiveram no Governo, mas para mostrar como é preciso, antes de os trazer ao publico, o maior cuidado na escolha dos documentos. O que se dá em relação a mim, certamente se terá dado com outros homens publicos que geriam a pasta da Fazenda. E só para isto é que hoje venho á questão.
Fala ainda a nota do Diario de Noticias de dois adeantamentos feitos ao Senhor Infante D. Affonso: um de 3 contos de réis, outro de 800$000 réis. Já não é a primeira vez que no Parlamento d'isto se fala. Ainda ha dias a isso se referiu na Camara dos Senhores Deputados, intervindo no debate, o meu querido amigo Mello Barreto, a quem eu mandei dar pelo telephone, por me achar doente, alguns esclarecimentos, de que o Sr. Mello Barreto se serviu. Mas por minha culpa, embora sem essa intenção, não eram inteiramente exactos.
Em 9 de junho de 1903 fiz ao Senhor Infante D. Affonso um adeantamento de 3 contos de réis, a reembolsar por prestações mensaes no anno próximo. Não me recordava de que, attendendo a representações que me foram feitas, tinha lançado, em 1 de julho de 1903, um despacho suspendendo até nova ordem o reembolso.
Era um despacho provisorio, que apenas suspendia o reembolso em 1 de julho de 1903. De então para cá qualquer Ministro o podia revogar.
Mas suppondo, como é natural, que tal despacho não fosse presente aos Ministros que se seguiram, o mesmo se não pode dizer do Governo transacto, que logo á entrada tratou dos adeantamentos. O Senhor Infante recebeu 3 contos de réis com a obrigação de fazer o reembolso dentro de um anno. Se em 1906 o Governo transacto revogasse o despacho de 1 de julho, o adeantamento estaria pago integralmente em junho de 1907; se fizesse a revogação entre maio de 1906 e junho de 1907,
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estava agora inteiramente reembolsado. O despacho inicial declara a maneira do reembolso : por desconto mensal, em doze meses. Se o proprio Governo actual declarar sem effeito o despacho de 1 de julho de 1903, o adeantamento é rapidamente pago, sem intervenção do Parlamento.
A segunda rectificação refere-se a um adeantamento de 800$000 réis, feito em março de 1906, quando pela segunda vez fui Ministro da Fazenda; mas d'elle não tinha notas nem me lembrava. D'ahi a informação que dei ao Sr. Mello Barreto. Não me recordo das circunstancias em que fiz este pequeno adeantamento, que, não chegando a um mês de dotação e vencimentos, é facilmente reembolsável.
O Diario de Noticias não dá a lista dos adeantamentos á Rainha Senhora D. Maria Pia, que diz ainda não inteiramente organizada. É doloroso para mim ter de referir-me a uma Senhora, nas circunstancias da avó de El-Rei, mas occasiões ha em que cada um tem de dizer da sua justiça e defender-se perante o Pais e perante a Historia. Ninguem ignora que a situação da casa da Rainha Senhora D. Maria Pia é difficil, pela falta de recursos, devido a diversas circunstancias que me abstenho de referir. A despeito de conhecer as difficuldades do viver da Rainha repugnava-me o cobri-las á custa do Thesouro.
Custou-me isso os maiores desgostos. A uma solicitação para um abono extraordinario, certamente muito justificado, em 19 de março de 1903, respondi ao mordomo-mor da Senhora D. Maria Pia:
"Ilmo. Exmo. Sr. - Confirmo o que a V. Exa. disse verbalmente. As circunstancias do Thesouro Publico são muito precarias, não permittindo que se façam desembolsos do que não seja inteiramente indispensavel e legal. Todos nós devemos comprehender que, se não tivermos o maior cuidado, em breve se nos deparará uma situação grave e difficil, cujas consequencias são fáceis de prever. Estou bem certo de que, se V. Exa. expuser estas circunstancias a Sua Majestade a Rainha Senhora D. Maria Pia, será a primeira a reconhecer que, para evitar grandes sacrificios e desgostos no futuro, devemos, emquanto é tempo, despender parcimoniosamente os dinheiros publicos. = A Teixeira de Sousa-".
O Sr. Presidente: - Tenho a prevenir o Digno Par de que deu a hora de se passar á ordem do dia.
O Orador: - Peço a V. Exa. que se digne consultar a Camara sobre se me permitte continuar no uso da palavra.
Vozes : - Fale, fale. (Consultada a Camara, resolve affirmativamente),
O Orador : - Agradeço á Camara a sua resolução, a que corresponderei resumindo tanto quanto possivel as considerações que ainda tenho a fazer.
Em 14 de agosto de 1903 foi-me pedido um abono de 1 conto de réis, que fiz, mas queixando-me immediatamente da coacção que taes pedidos faziam no meu espirito, em que deixaram o mais profundo desgosto.
A Rainha Senhora D. Maria Pia reconhecendo a justiça de taes considerações, mandou restituir a quantia recebida, que entreguei no cofre geral do Ministerio, contra um recibo que tenho commigo e é do teor seguinte:
"No cofre geral d'este Ministerio entregou o Sr. Conselheiro Antonio Teixeira de Sousa a quantia de um conto de réis, que por ordem de Sua Majestade a Rainha Senhora D. Maria Pia foi mandada restituir ao cofre do Ministerio da Fazenda para amortização por uma só vez de igual quantia que pelo Duque de Loulé, em nome da mesma Augusta Senhora, havia recebido do mesmo cofre em 14 do corrente, cujo recibo lhe foi entregue nesta data. Cofre geral do Ministerio da Fazenda, 22 de agosto de 1903.= Pelo Thesoureiro Geral, Augusto Matoso da Cunha".
Não fiz abono nenhum aquella Senhora? Em 12 de março de 1904 fiz o abono extraordinario de 6 contos de réis. Este abono foi feito quando a Administração da Casa da Rainha Senhora D. Maria Pia, precisando de pagar letras vencidas, allegava que lhe faltava exactamente o que despendera em duas festas que, em cumprimento do programma traçado pelo Governo, offerecera, uma ao Rei de Inglaterra, no Paço da Ajuda, outra no Paçô de Belem, ao Rei de Espanha. Era justo. O Thesouro tinha pago as despesas feitas pela Casa Real com a recepção dos dois Soberanos; o mesmo se tinha feito em relação á camara municipal.
Não se comprehende a excepção feita para a despesa realizada pela Casa da Rainha Senhora D. Maria Pia.
Fez se o abono com este legitimo fundamento. As palavras - adeantamento a liquidar opportunamente significavam que mais tarde se faria a legalização. Tenho a confirmação d'isto tudo em documentos emanados da Administração da Casa da Rainha. O abono para cada uma das festas foi igual ao que os Governos costumam fazer para os jantares de gala.
De resto, mandei pagar uma despesa da Rainha Senhora D. Maria Pia na importancia de 882$565 réis, a liquidar opportunamente em conta da sua dotação, Em que circunstancias? Não me recordo. Nem era de estranhar isto. Por maiores que sejam os cuidados de quem atravessa a rua em noite de tempestade, lá vem um pingo de chuva, que, se o não molha, attesta a sua passagem pelo aguaceiro.
Todas estas considerações as faço para me justificar do que disse ha dias e para pedir que haja o maior cuidado na apreciação dos creditos do Thesouro sobre a Casa Real.
De resto, desde que ninguem é nem pode ser accusado de metter dinheiro na sua propria algibeira, todos estamos á vontade para fazer a demonstração da honestidade de proceder no passado, embora venha o convencimento de que, por honra de todos, não mais se deverão repetir estes factos.
(S. Exa. não reviu).
(O Digno Par foi cumprimentado por vários Dignes Pares).
O Sr. Presidente: - Encontrando-se nos corredores da Camara o Digno Par Sr. Carlos Roma du Bocage, que veio para prestar juramento e tomar assento, convido para introduzirem S. Exa. na sala os Dignos Pares Srs. Marquez de Sousa Holstein e Pimentel Pinto.
Entra na sala., presta juramento e toma assento o Digno Par Sr. Carlos Roma du Bocage.
O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia.
ORDEM DO DIA
É lido na mesa o parecer n.º 15 sobre a proposição de lei n.° 13, que é do teor seguinte:
PARECER N.° 15
Senhores. - Estudaram as vossas commissões de guerra e de fazenda, com o interesse que lhes merece, o projecto de lei n.° 13, vindo da Camara dos Senhores Deputados, e que tem por fim isentar de direitos de importação todo o material de guerra adquirido no estrangeiro para o serviço do exercito e da armada.
Não é novo o principio da isenção de direitos para material importado do estrangeiro, quando se destine a melhoramentos importantes ou indispensaveis a realizar no país, e é este um dos casos em que as vossas commissões reunidas de guerra e de fazenda não duvidam de mais uma vez aconselhar que semelhante beneficio se conceda.
Sendo os elementos de defesa nacional da maxima importancia, justo será que o Estado concorra, dentro das suas forças, com os meios proporcionaes á parcimonia do seu orçamento, para a
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acquisição do que de mais aperfeiçoado existe no estrangeiro para o indicado fira.
Não é, decerto, dos mais sympathicos o principio da remissão dos recrutas; mas não é tambem menos certo ser este, por emquanto, um meio de supprir a exiguidade dos recursos financeiros do país, para dotar o exercito com o material indispensavel.
Pelas razões expostas, e que tão bem justificadas se apresentam no relatorio que precede o projecto do Governo, são as vossas commissões de parecer que o mesmo projecto deve ser approvado e convertido em lei.
Sala das sessões das commissões, em 22 de junho de 1908.= Francisco Maria da Cunha = Sebastião Baracho (com declarações). = F. F. Dias Costa = F. J. Machado = Conde de Tarouca = Marino J. Franzini = Conde do Bomfim = Moraes Carvalho = Pereira de Miranda = F. Beirão = Luciano Monteiro = J. de Alarcão = Conde de Bertiandos = Alexandre Cabral = Luiz de Mello bandeira Coelho, Relator
PROPOSIÇÃO DE LEI N.° 13
Artigo 1.° É isento do pagamento de direitos de importação todo o material de guerra adquirido no estrangeiro para o serviço do exercito ou da armada.
§ unico. A doutrina d'este artigo é applicavel ás importações feitas anteriormente á promulgação da presente lei, cujos direitos ainda não estejam pagos.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Palacio das Côrtes, em 16 de junho de 1908.= Libanio Antonio Fialho Gomes, Presidente. = Amandio Eduardo da Motta Veiga - Antonio Augusto Pereira Cardoso.
N.º 9
Senhores.- Á vossa commissão de guerra foi presente a proposta de lei n.° 1-E, relativa á importação de material de guerra, pago pelo fundo da remissão de recrutas.
Estudou-a a commissão com o maior interesse e tão plenamente justificada a considera com as razões apontadas no relatorio que a precede, que poderia, em rigor, dispensar-se de as reforçar com quaesquer outras considerações.
Todos sabem, por certo, quanto é pouco sympathico o principio das remissões para quem quer que se dedique ao estudo das cousas militares; mas tambem para ninguem é hoje um segredo que, se tal principio ainda até agora não foi banido da nossa legislação militar, é tão somente porque de outra forma não pode, por emquanto, conciliar-se a modestia de recursos financeiros do nosso país com a necessidade impreterivel de dotar o exercito com o material de guerra de que elle tanto carece.
Nessa unica ideia se inspirou, por certo, a doutrina do § 6.° do artigo 2õ.° da carta de lei de 13 de maio de 1896 quando, ao consignar o destino a dar ao producto das remissões proveniente das praças do exercito e da armada, exclusivamente mandou applicá-lo "ás despesas: com a instrucção da 2.ª reserva, com os serviços de recrutamento, feitos pelas autoridades militares e com a compra de material de guerra".
Tudo, pois, quanto seja desviar esta receita do fim expresso que lhe fixou a citada carta de lei é, sem duvida, não só falsear a intenção que a inspirou, mas tambem destruir em parte o unico fundamento que justifica a continuação da existencia do principio das remissões.
Ora é precisamente o que actualmente succede, visto como, sempre que uma lei especial não isente de direitos de importação qualquer material de guerra a importar do estrangeiro, pago pelo fundo das remissões, para o pagamento d'aquelles direitos continuará a ser desviada uma parte do referido fundo, o que de modo nenhum se justifica.
Desde que, pois, as circunstancias financeiras não são ainda, infelizmente, tão desafogadas que permitiam supprimir de vez o principio das remissões, forçoso se torna então que, ao menos, a receita por elle criada tenha applicação integral aos unicos fins que exigem a sua conservação e nunca a quaesquer outros, como agora succede.
A esse justissimo objectivo visa a presente proposta, cujo artigo 1.° foi, de acordo com o Governo, ligeiramente alterado na sua redacção.
Entende pois a commissão que ella deve ser convertida no seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É isento do pagamento dê direitos de importação todo o material de guerra adquirido no estrangeiro para o serviço do exercito ou da armada e pago pelo fundo da remissão de recrutas.
§ unico. A doutrina d'este artigo é applicavel ás importações feitas anteriormente á promulgação da presente lei, cujos direitos ainda não estejam pagos.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da Camara dos Senhores Deputados, 22 de maio de 1908. = A. Rodrigues Ribeiro - José Mathias Nunes = José Joaquim Mendes Leal = João Soares Branco - João de Sousa Tavares = Antonio Augusto Pereira Cardoso = Roberto da Cunha Baptista = Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, relator.
A vossa commissão de fazenda concorda com o parecer da commissão de guerra acêrca da proposta de lei n.° 1-E.
Embora em principio as isenções de direitos sejam contrarias ao espirito e á letra da nossa legislação pautai, militam na verdade razões muito especiaes em favor da excepção que a proposta consigna.
O material de guerra constitue, quer pelas especialidades de fabrico, quer pela sua natureza e destino, uma materia pautai merecedora de regime especial.
A influencia da proposta nas receitas e despesas publicas pode definir-se da seguinte forma.
Sob o ponto de vista orçamental a sua influencia nos actuaes calculos de receitas é pouco sensivel, por estarem em termos de fiança os direitos liquidados da maior parte das importações feitas durante mais de tres annos, e serena as receitas orçamentaes calculadas normalmente sobre a base das receitas cobradas durante os ultimos tres annos.
Quanto ás despesas, a isenção concedida corresponde a aumentar as disponibilidades do fundo de remissões que forem applicadas á compra de material para o exercito e para a armada na importancia do montante dos respectivos direitos.
Tendo em vista que uma parte consideravel do fundo de remissões é absorvida pelos encargos do emprestimo para o armamento, e despesas com a instrucção da 2.ª reserva e serviços do recrutamento, conclue se que a verba disponivel para compra de material de guerra não é grande e por isso não convem reduzi-la, onerando-a ainda com o pagamento de pesados direitos.
A somma em divida por termos de fiança ou- deposito a que se refere o § unico provem principalmente de importações de material de artilharia e á providencia nelle consignada se applicam as razões já expostas.
Sala das sessões da commissão em 23 de maio de 1908. = Conde de Penha Garcia = Alberto Navarro = D. Luis de Castro = Conde de Castro e Solla = José Ascensão Guimarães = Carlos Ferreira = José Maria de Oliveira Mattos = José Cabral Correia do Amaral.
N.° 1-E
Senhores.- Em mais de uma lei se tem consignado o principio da isenção de direitos para material importado do estrangeiro, quando esse material se destine a melhoramentos importantes a realizar no país. Uma tal isenção, representando um auxilio do Estado ás empresas, corporações ou individuos,
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6 ANNAES BA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
que se teem proposto realizar esses melhoramentos, mal se comprehende que não seja applicada ás importações feitas pelo proprio Estado, e muito especialmente ás de material de guerra e outras acquisições feitas no estrangeiro para serviço do exercito o da armada.
A nosso ver os elementos da defesa nacional não são de importancia inferior á dos melhoramentos para que se tem concedico um tal beneficio.
Acresce ainda a circunstancia de que, pela carta de lei de 30 de junho de 1903, foi concedida isenção identica á proposta. E, para que do fundo de remissão de recrutas se possa tirara maxima utilidade, necessario se torna que uma parte d'elle não seja absorvida pelo pagamento de direitos de importação. A proposta de lei, que nós entendemos dever submeter ao vosso exame, não é mais do que a parte de uma outra já approvada pela camara dos Senhores Deputados, em sessão de 29 de agosto de 1905, mas que não chegou a ser apreciada pela Camara dos Dignos Pares.
Eis as razoes justificativas do que vos propomos, e pelas quaes confiadamente esperamos que dareis a vossa approvação á seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° É isento do pagamento de direitos de importação todo o material de guerra adquirido no estrangeiro, e bem assim as acquisições feitas para serviço do exercito ou da armada e pagas pelo fundo da remissão de recrutas.
§ unico. A doutrina d'este artigo é applicavel ás importações feitas anteriormente á promulgação da presente lei, cujos direitos ainda não estejam pagos.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria de Estado dos Negocios da Guerra, em 11 de maio de 1908.= Manuel Afonso de Espregueira = Sebastião Custodio de Sousa Telles.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
O Sr. Sebastião Baracho: - Começo por mandar para a mesa um requerimento, que passo a ler:
REQUERIMENTO
Requeiro que, pelo archivo d'esta Camara, me seja enviada copia dos valores das joias e preciosidades da Coroa, constantes de um documento datado de 29 de março de 1871,e assinado pelo Conde da Ponte, ao tempo vedor da fazenda da Casa Real. = Sebastião Baracho.
Posto isto, informarei a Camara de que já recebi 13 dos 21 documentos que requeri pelo Ministerio da Guerra. Tendo notado, em sessões anteriores, a demora que havia, por aquelle Ministerio, em me fornecerem os documentos que legitimara ente reclamava, entendo, por dever de lealdade, fazer a declaração que deixo exarada.
Quanto ao projecto em debate, não me merece reparos, que me inhibam de lhe dar a minha approvação.
Apenas sou mais radical do ene o Sr. Relator do parecer, por isso que elle não acha dos mais sympathicos o principio da remissão de recrutas, e eu considero-o fundamentalmente antipathico.
E, feita esta affirmação, folgaria com que o Sr. Ministro, ou o Sr. Relator do projecto, me indicassem a cifra dos direitos ainda não pagos pela importação de material de guerra - pagamento cuja isenção está garantida pelo projecto em discussão.
(S. Exa. não reviu).
O Sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles): - Sr. Presidenta: aproveitando o uso da palavra, mando para a mesa uma proposta para que o Digno Par que acaba de prestar juramento, o Sr. Carlos Bocage, possa accumular, querendo, as suas funcções de Par com as do cargo que exerce no Ministerio da Guerra.
Agora passo a responder ao Digno Par o Sr. Dantas Baracho, a quem começo por dizer que os documentos que ficaram ainda pendentes no meu Ministerio serão enviados a S. Exa. logo que estejam prontos.
Pode S. Exa. estar certo de que eu já dei as ordens necessarias para que esses mesmos documentos sejam expedidos o mais rapidamente possivel.
Como o Digno Par o Sr. Dantas Baracho declarou que votava o projecto sem, observação alguma, estranhavel seria que eu pronunciasse quaesquer palavras em defesa do mesmo projecto. Limitar-me-hei, portanto, a responder a duas ligeiras observações feitas pelo Digno Par.
Estou de acordo com S. Exa. no que respeito á questão das remissões de recrutas, admitindo-as só como um meio de dar recursos ao exercito em circunstancias difficeis como aquellas que atravessamos.
Effectivamente só naquellas circunstancias, e com a condição de que a receita produzida seja exclusivamente applicada em beneficio do exercito, é que eu posso transigir com o principio das remissões.
Já vê o Digno Par que o meu modo de pensar neste assunto é conforme com o de S. Exa.
Quanto ao que V. Exa. me perguntou, sobre a importancia das fianças que existia ainda no Ministerio da Fazenda sem serem pagas, não posso precisar neste momento a quantia exacta, mas parece me que é aproximadamente de 80 contos do réis, nos ultimos tres annos, no que diz respeito a material de guerra, não só importado pelas com missões, mas por outra qualquer forma, o qual, em virtude de uma alteração que a proposta do Governo soffreu na outra Casa do Parlamento, ficou tambem isento de direitos.
É isto o que posso informar a S. Exa. em virtude de uma conversa que tive, antes da proposta ter sido apresentada ao Parlamento, com o Sr. Ministro da Fazenda.
(S. Exa. não reviu).
O Sr. Ministro da Marinha (Augusto de Castilho): - Pedi a palavra para. mandar para a mesa uma proposta para que o Digno Par Sr. Carlos Barbosa du Bocage possa accumular, querendo, as suas funcções parlamentares com as que exerce no Ministerio dependente da minha pasta.
O Sr. Presidente: - Não havendo mais nenhum Digno Par inscrito sobre o parecer que está em discussão, vae ler-se para se votar.
Leu-se na mesa e posto á votação foi approvado.
O Sr. Presidente : - Vão ler se as propostas mandadas para a mesa pelos Srs. Ministros da Guerra e da Marinha.
Lidas na mesa e postas á votação foram approvadas as seguintes propostas:
Senhores.- Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do 1.° Acto Addicional á Carta Constitucional da Monarchia, o Governo pede a Camara dos Dignos Pares do Reino permissão para que o Digno Par do Reino Carlos Roma du Bocage, coronel do estado maior de engenharia, commandante da escola pratica da arma e vogal da 2.ª secção de estudos do Conselho General do Exercito do Supremo Conselho de Defesa Nacional, accumule querendo, o exercicio das suas funcções legislativas com, os das suas commissões. = Sebastião Custodio de Sousa Telles.
Senhores.- Em conformidade do disposto no artigo 3.° do Primeiro Acto Addicional á Carta Constitucional da Monarchia, e Governo pede á Camara dos Dignos Pares do Reino permissão para que possa acumular, querendo, o exercicio das suas funcções legislativas com as da commissão que exerce, dependente d'este Ministerio, o Digno Par Sr. Caries Roma du Bocage.
Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, em 6 de julho de 1908. = Augusto de Castilho.
O Sr. Presidente: - O requerimento do Digno Par Sr. Baracho será enviado juntamente com o expediente.
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SESSÃO N.° 24 DE 6 DE JULHO DE 1908 7
Vae ler-se o parecer n.° 16.
Leu-se na mesa e é do teor seguinte:
PARECER N.° 16
Senhores. - Tendo as vossas commissões de guerra e fazenda examinado attentamente o projecto de lei n.° 14, vindo da camara dos Senhores Deputados, em que se regala não só a promoção ao posto de alferes da administração militar, como a entrada, nos seus respectivos quadros, dos officiaes em disponibilidade, vêem ellas apresentar-vos o resultado do seu consciencioso exame.
Tende o projecto do Governo a obviar a uma excepção que, pela legislação em vigor, se nota na promoção a tenentes no quadro do corpo dos officiaes da administração militar, para o que entendeu remodelar o artigo 53.° da carta de lei de 12 de junho de 1901, beneficiando assim a classe dos aspirantes.
Tem tambem o mesmo projecto de lei outro fim não menos justo, o qual consiste em regular a entrada no quadro, dos officiaes que regressam do ultramar, por forma a não paralysarem a promoção para os respectivos quadros.
Apreciadas escrupulosamente pelas vossas commissões reunidas de guerra e de fazenda tão justas quanto equitativas disposições, consignadas no mencionado projecto, são ellas de parecer que merece a vossa approvação, para ser convertido em lei.
Sala das sessões das commissões, em 22 de junho de 1908. = Francisco Maria da Cunha = Luiz de Mello Bandeira Coelho = Conde de Tarouca = Sebastião Baracho (com declarações)= F. F. Dias Costa-Marino J. Franzini = J. de Alarcão = Conde de Bertiandos = Conde do Bomfim = F. J. Machado, relator.
PROPOSIÇÃO DE LEI N.° 14
Artigo 1.° Serão promovidos a alferes para o corpo de officiaes de administração militar os aspirantes a official do mesmo serviço que tenham completado dois annos de serviço effectivo neste posto, sendo considerados supranumerarios quando, extraordinariamente, não haja vacatura no respectivo quadro.
§ 1.° As vacaturas do quadro dos subalternos do corpo de officiaes de administração militar serão providas: dois terços pelos individuos habilitados com o respectivo curso da Escola do Exercito e o terço restante pelos candidatos devidamente classificados por concurso estabelecido em regulamento especial.
§ 2.° Para a entrada no quadro dos subalternos do corpo de officiaes da administração militar ter-se-ha em consideração que, por cada dois alferes supranumerarios, deverá tambem ser promovido a alferes o candidato a quem, pela classificação obtida no concurso, compita a promoção, o qual contará a antiguidade da data em que foram promovidos esses alferes.
§ 3.° Não havendo aspirantes a official para preencher as vacaturas do quadro, ficarão em aberto as ditas vacaturas, sendo, porem, preenchidas as do terço a que teem direito os individuos habilitados em concurso.
§ 4.° Os aspirantes a official da administração militar que, por doença, não completem no devido prazo os dois annos de serviço effectivo a que são obrigados não serão promovidos antes de os completarem, mas, quando o forem, contarão a antiguidade da data em que houverem sido promovidos os aspirantes do seu curso.
§ 5.° O serviço effectivo, a que se refere este artigo, será prestado nos estabelecimentos do serviço da administração militar e nos corpos de tropa das diversas armas.
Art. 2.° As condições para a matricula no curso de administração militar serão as seguintes:
1.° Ter menos de vinte e quatro annos de idade no dia 12 de outubro;
2.° Ter praça em qualquer corpo do exercito;
3.° Ter bom comportamento;
4.° Ter a devida licença, do Ministerio da Guerra;
5.° Ter approvação nas cinco primeiras classes do Real Collegio Militar ou o curso geral dos lyceus do reino;
6.° Ter approvação nas seguintes disciplinas do Instituto Industrial e Commercial de Lisboa ou Porto, ou nas equivalentes de outros estabelecimentos de instrucção superior:
a) Economia politica; legislação industrial ;
b) Chimica experimental (geral, industrial e analytica);
c) Technologia industrial e geral;
d) Merceologia (estudo e verificação de mercadorias);
e) Contabilidade geral e operações commerciaes.
§ unico. Poderão ser admittidos ao concurso para a matricula no curso de administração militar individuos da classe civil nas mesmas circunstancias e condições em que o sejam nos cursos das differentes armas ou de engenharia civil e de minas.
Art. 3.° Aos actuaes aspirantes de administração militar é garantida a sua promoção ao posto de alferes, nos termos da carta de lei de 12 de junho de 1901, caso este posto lhes pertença antes do prazo fixado no artigo 1.° da presente lei, sendo-lhes applicaveis as disposições do § 4.° do mesmo artigo se, por qualquer motivo, não completarem, no referido prazo, os dois annos de serviço effectivo a que são obrigados.
Art, 4.° A antiguidade dos segundos capitães de artilharia, para os effeitos do disposto na ultima parte do artigo 6.° da carta de lei de 24 de dezembro de 1906, será determinada pela data do decreto da promoção a este posto.
Art. 5.° A entrada no quadro dos officiaes que se achem em disponibilidade effectuar-se-ha pela seguinte ordem:
1.° Os que tenham sido preteridos na promoção por falta de aptidão physica;
2.° Os que tenham estado na inactividade por doença;
3.° Os que tenham estado na situação de addidos, preferindo entre estes os que tenham vindo do ultramar.
§ 1.° Os officiaes a que se refere o n.° 3.° d'este artigo entrarão no quadro das suas respectivas armas ou serviços pela forma seguinte : por cada duas vacaturas que occorrerem nos respectivos quadros, a primeira será preenchida por um d'estes officiaes, e a segunda pela promoção de individuo de posto immediatamente inferior que a ella tiver direito nos termos da lei.
§ 2.° Em cada uma d'estas classes preferirá o que ha mais tempo se acha na disponibilidade.
Art. 6.° Ficam revogadas as disposições dos artigos õ3.°e seus paragraphos e 102.° e § unico da carta de lei de 12 de junho de 1901, as disposições do artigo 7.° da carta de lei de 13 de setembro de 1897, e alteradas as disposições do § unico do artigo 4.° da carta de lei de 24 de dezembro de 1906.
Palacio das Côrtes, em 16 de junho de 1908. = Libanio Antonio Fialho Gomes, Presidente = Amandio Eduardo da Motta Veiga = Antonio Augusto Pereira Cardoso.
N.º 10
Senhores.- A vossa commissão de guerra, tendo examinado escrupulosamente a proposta de lei n.° 1-D, pela qual o Governo entende regular a promoção ao posto de alferes da administração militar, e ainda a entrada, nos seus respectivos quadros, dos oficiaes na situação de disponibilidade, tem a honra de submetter á vossa esclarecida opinião o resultado do seu exame.
Pela legislação em vigor, são promovidos a alferes para o quadro das suas respectivas armas os primeiros sargentos cadetes que concluirem os cursos das armas de engenharia e artilharia da Escola do Exercito, e a aspirantes a officiaes os primeiros sargentos cadetes que concluirem os cursos das armas de infantaria e cavallaria, ascendendo a alferes das mesmas armas,
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8 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
depois de um anno de serviço effectivo § não paralysar a promoção regular nos n'aquelle posto. A promoção a tenente, regulada por diuturnidade variavel, conforme as armas, é concedida a todos os officiaes habilitados com os respectivos cursos, no fim de igual numero de annos, a partir da sua matricula em curso superior.
Não se encontram porem em identicas condições os alumnos que concluirem o curso de administração militar. Promovidos a aspirantes a official quando terminem o respectivo curso, e a alferes por antiguidade, attingem naturalmente o posto de tenente depois de um numero variavel de annos a partir da matricula em curso superior, resultando por consequencia desigualdades, não só entre os officiaes que entram neste quadro, das ainda entre estes e os seus camaradas das diversas armas.
Os artigos 1.° e 2.° do projecto são destinados a acabar com estas desigualdades e ainda a facilitar o recrutamento d'esta importante classe de officiaes.
Assim, levando em consideração a duração do curso secundario, as habilitações especiaes nos institutos, a duração do curso da Escola do Exercito, a permanencia no posto de aspirante, a diuturnidade no posto de alferes e ainda a eliminação do anno de serviço e do posto de segundo sargento para os candidatos á matricula na escola, conclue-se que estes, como todos os alumnos que concluem os cursos da Escola do Exercito, chegam a tenentes depois do mesmo numero de annos de trabalhos escolares e de effectivo serviço.
Tambem a vossa commissão entende que é de toda a justiça garantir aos actuaes aspirantes da administração militar a sua promoção ao posto de alferes, nos termos da legislação vigente, se esta lhes pertencer antes do prazo agora fixado, e ainda a garantia da sua antiguidade se a promoção lhe pertencer sem o tempo de serviço effectivo, ficando, porém, esta dependente da prestação d'este serviço.
Ainda á commissão se afigura como uma providencia de indiscutível equidade fixar a antiguidade dos segundos capitães de artilharia, para os effeitos da diuturnidade, desde a data da promoção a este posto; pois contando-se a todos os tenentes e capitães de todas as armas e serviços a permanencia nestes postos para os citados effeitos, não é justo deixar de contar-se a estes officiaes, cuja situação, apesar das differentes providencias legislativas que teem sido promulgadas, está ainda longe de ser igual á das outras armas.
A proposta visa tambem especialmente a regular a entrada nos quadros dos officiaes regressados do ultramar.
É esta uma providencia inadiável para não paralysar a promoção regular nos quadros das differentes armas e serviços, consequencia do grande numero de officiaes que, regressados do ultramar, esperam na disponibilidade a sua situação effectiva.
Taes são, senhores, os termos da proposta com as alterações que a vossa commissão, de acordo com o Governo, entendeu justo e opportuno introduzir-lhe.
Nestes termos julgamos que deverá merecer a vossa approvação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° Serão promovidos a alferes para o corpo de officiaes de administração militar os aspirantes a official do mesmo serviço, que tenham completado dois annos de serviço effectivo neste posto, sendo considerados supranumerarios quando, extraordinariamente, não haja vacatura no respectivo quadro.
§ 1.° As vacaturas do quadro dos subalternos do corpo de officiaes de administração militar serão providas: dois terços pelos individuos habilitados com o respectivo curso da Escola do Exercito e o terço restante pelos candidatos devidamente classificados por concurso estabelecido em regulamento especial.
§ 2.° Para a entrada no quadro dos subalternos do corpo de officiaes da administração militar ter se-ha em consideração que, por ;cada dois alferes supranumerarios, deverá tambem ser promovido a alferes o candidato a quem, pela classificação obtida no concurso, compita a promoção, o qual contará a antiguidade da data em que foram promovidos esses alferes.
§ 3.° Não havendo aspirantes a official para preencher as vacaturas do quadro, ficarão em aberto as ditas vacaturas, sendo, porem, preenchidas as do terço a que teem direito es individuos habilitados em concurso.
§ 4.° Os aspirantes a official da administração militar que, por doença, não completem no devido prazo os dois annos de serviço effectivo a que são obrigados não serão promovidos antes de os completarem, mas, quando o forem, contarão a antiguidade da data em que houverem sido promovidos os aspirantes do seu curso.
§ 5.° O serviço effectivo, a que se refere este artigo, será prestado nos estabelecimentos do serviço da administração militar e nos corpos de tropa das diversas armas.
Art. 2.° As condições para a matricula no curso de administração militar serão as seguintes:
l.° Ter menos do vinte e quatro annos de idade no dia 12 de outubro;
2.° Ter praça em qualquer corpo do exercito;
3.° Ter bom comportamento;
4.° Ter a devida licença do Ministerio da Guerra:
5.° Ter approvação nas cinco primeiras classes do Real Collegio Militar ou o curso geral dos lyceus do reino;
6.° Ter approvação nas seguintes disciplinas do Instituto Industrial e Commercial de Lisboa ou Porto, ou nas equivalentes de outros estabelecimentos de instrucção superior:
a) Economia politica; legislação industrial;
b) Chimica experimental (geral, industrial e analytica);
c) Technologia industrial e geral;
d) Merceologia (estudo e verificação de mercadorias);
e) Contabilidade geral e operações commerciaes.
§ unico. Poderão ser admittidos ao concurso para a matricula no curso de administração militar individuos da classe civil nas mesmas circunstancias e condições em que o sejam nos cursos das differentes armas ou de engenharia civil e de minas.
Art. 3.° Aos actuaes aspirantes de administração militar é garantida a sua promoção ao posto de alferes, nos termos da carta de lei de 12 de junho de 1901, caso este posto lhes pertença antes do prazo fixado no artigo 1.° da presente lei, sendo-lhes applicaveis as disposições do § 4.° do mesmo artigo se, por qualquer motivo, não completarem, no referido prazo, os dois de serviço effectivo a que são obrigados.
Art. 4.° A antiguidade dos segundos capitães de artilharia, para os effeitos do disposto na ultima parte do artigo 6.° da carta de lei de 24 de dezembro de 1906, será determinada pela data do decreto da promoção a este posto.
Art. 5.° Â entrada no quadro dos officiaes que se achem em disponibilidade effectuar se-ha pela seguinte ordem:
I.° Os que tenham sido preteridos na promoção por falta do aptidão physica;
2.° Os que tenham estado na inactividade por doença;
3.° Os que tenham estado na situação de addidos, preferindo entre estes os que tenham vindo do ultramar.
§ 1.° Os officiaes a que se refere o n.° 3.° d'este artigo entrarão nos quadros das suas respectivas armas ou serviços pela forma seguinte: por cada ditas vacaturas que Decorrerem nos respectivos quadros, a primeira será preenchida por um d'esses officiaes, e a segunda pela promoção do individuo de posto immediatamente inferior que a ella tiver direito nos termos da lei.
§ 2.° Em cada uma d'estas classes preferirá o que ha mais tempo se achar na disponibilidade.
Art. 6.° Ficam revogadas as disposi-
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coes dos artigos 53.° e seus paragraphos ] e 102.° e § unico da carta de lei de i 12 de junho de 1901, as disposições do artigo 7.° da carta de lei de 13 de setembro" de 1897, e alteradas as disposições do § unico do artigo 4.° da carta de lei de 24 de dezembro de 1906.
Sala das sessões da commissão de guerra, 23 de maio de 1908.= José Mathias Nunes = Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho = Antonio Augusto Pereira Cardoso = João de Sousa Tavares = João Soares Branco = Antonio Rodrigues Nogueira = João José Sinel de Cordes = Roberto da Cunha Baptista = José Joaquim Mendes Leal, relator.
Senhores.- A vossa commissão de fazenda examinou a proposta de lei n.° 8-D, chegando á conclusão de que a sua influencia sobre as despesas do Estado só se pode determinar por uma forma aproximada, por depender de factos de natureza variavel. As disposições dos artigos 1.° e 3.° darão um insignificante aumento de despesa resultante da promoção dos actuaes aspirantes da administração militar que beneficiam do regime transitorio.
Para o futuro haverá compensações entre a diminuição de encargos provenientes da demora na promoção d'aquelles que pelo regime actual seriam promovidos antes do prazo de dois annos e o aumento de despesa resultante da promoção d'aquelles que no regime actual só o seriam depois d'aquelle prazo.
A disposição do artigo 4.° produzirá um aumento de despesa que só d'aqui a nove annos se tornará effectivo e que, em vista do numero limitado dos segundos capitães, se irá reduzindo sob a influencia das promoções.
A repercussão orçamental do artigo 5.° d'este projecto depende do numero de officiaes que se encontrarem na situação do n.° 3.° d'este artigo, numero que é muito variavel, e do maior ou menor numero de vagas que vão ocorrendo.
No momento actual o effeito variavel d'esta disposição é para os despesas do corpo de almoxarifes de engenharia e artilharia, onde existem em disponibilidade bastantes officiaes regressados do ultramar, que, em virtude das regras do § 1.° do artigo 6.°, se conservarão por mais tempo nessa situação.
Pelas razões, porem, brilhantemente expostas no parecer da commissão de guerra, e apesar do projecto trazer um ligeiro aumento nas despesas publicas, a vossa commissão de fazenda concorda com o parecer da commissão de guerra.
Sala das sessões da commissão, em 6 de junho de 1908. = Conde de Penha Garcia = Alberto Navarro = D. Luis de Castro - Conde de Castro e Solla = José de Ascensão Guimarães =1 Carlos Ferreira = José Maria de Oliveira Mattos - José Cabral Correia do Amaral.
N.º 1-D
Senhores. - A carta de lei de 12 de junho de 1901 regula a promoção a tenente, por diuturnidade variavel, conforme as armas, de modo que todos os officiaes, habilitados com os respectivos cursos, attingem o posto de tenente iro fim de igual numero de annos a partir da data da sua matricula em curso superior.
Uma excepção, porem, se nota, para os aspirantes da administração militar. Pelo estabelecido no artigo 53.° da citada carta de lei, tem resultado serem alguns promovidos a alferes com quatro e mais annos de aspirantes, e portanto promovidos a tenentes, dez ou mais annos depois da sua matricula na Escola do Exercito; isto é, dois annos, pelo menos, mais tarde que os officiaes das diferentes armas em identicas condições.
Segundo a nova redacção proposta para o artigo 53.° acima citado, elles serão promovidos a tenentes oito annos depois da sua matricula na Escola do Exercito, ficando assim nas mesmas condições de promoção dos camaradas das differentes armas do exercito habilitados com os respectivos cursos.
Outro justo fim vista tambem esta proposta, qual é de regular a entrada no quadro, dos officiaes regressados do ultramar por forma a não paralisar a promoção para os respectivos quadros.
Afiguram-se nos tão justas e equitativas as disposições da presente proposta de lei, que julgamos merecerá a vossa approvação.
Proposta de lei
Artigo 1.°
O artigo 53.° da carta de lei de 12 de junho de 1901, passa a ter a seguinte redacção:
Artigo 53.° Serão promovidos a alferes para o corpo de officiaes de administração militar os aspirantes a official do mesmo serviço que tenham completado dois annos de serviço effectivo neste posto, sendo considerados supranumerarios quando, extraordinariamente, não haja vacatura no respectivo quadro.
§ 1.° As vacaturas do quadro dos subalternos do corpo de officiaes de administração militar serão providas: dois terços pelos individuos habilitados com o respectivo curso da Escola do Exercito e o terço restante pelos candidatos devidamente classificados por concurso estabelecido em regulamento especial.
§ 2.° Para a entrada no quadro dos subalternos do corpo de officiaes da administração militar ter-se-ha em consideração que, por cada dois alferes
supranumerarios, deverá tambem ser promovido a alferes o candidato a quem, pela classificação obtida no concurso, compita a promoção, o qual contará a antiguidade da data em que foram promovidos esses alferes.
§ 3.° Não havendo aspirantes a official para preencher as vacaturas do quadro, ficarão em aberto as ditas vacaturas, sendo, porém, preenchidas as do terço a que têem direito os individuos habilitados em concurso.
§ 4.° Os aspirantes a official da administração militar que, por doença, não completem no devido prazo os dois annos de serviço effectivo a que são obrigados, não serão promovidos antes de os completarem, mas, quando o forem, contarão a antiguidade da data em que houverem sido promovidos os aspirantes do seu curso.
§ 5.° O serviço effectivo, a que se refere este artigo, será prestado nos estabelecimentos do serviço da administração militar e nos corpos de tropa das diversas armas.
Art. 2.°
Ao artigo 101.° da citada carta de lei de 12 de junho de 1901 é additado o seguinte:
§ unico. Quando, porem, haja officiaes na situação de disponibilidade regressados do ultramar e que devam entrar no quadro por terem o respectivo posto garantido, nos termos do decreto de 14 de novembro de 1901, por cada duas vacaturas que occorram nos respectivos quadros e que, por lei, lhes compitam, a primeira será preenchida por um d'estes officiaes e a segunda por promoção para os mesmos quadros.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria de Estado dos Negocios da Guerra, em 11 de maio de 1908. = Sebastião Custodio de Sousa Talles.
O Sr. Francisco José Machado:- De acordo com o Governo, mando para a mesa uma substituição ao artigo 3.° do projecto, que passo a ler.
Os officiaes promovidos e a promover nos termos da carta de lei de 24 de dezembro de 1906 ficam sendo capitães para todos os effeitos desde a data da promoção, salvo no que- diz respeito a vencimentos o serviço na metropole e no ultramar, que continuam a ser regulados pela citada carta de lei de 24 de dezembro de 1906, sendo considerados supranumerarios no quadro dos capitães da arma de artilharia. - F. J. Machado.
O Sr. Presidente: - Vão ler-se a substituição mandada para a mesa pelo Digno Par Sr. Francisco Machado.
Leu-se na mesa, foi admittida e ficou em discussão juntamente com o parecer.
O Sr. Sebastião Baracho:- Em logar de se deitarem remendos na lei de promoções de 12 de junho de 1901,
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10 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
melhor teria sido remodelá-la completamente.
Reconheceram ainda, na penultima sessão, a necessidade d'esse remodelamento os Srs. Ministro da Guerra e Dias Costa. Eu reconheço a ha muito tempo; e, commigo, o exercito, na sua grande parte.
Mas como só de remendos se" trata, eu proponho que mais um lhe seja deitado, que circunstancias de ordem varia tornam indispensavel. Consta elle de uma proposta, cujo estudo desejo que seja feito pela commissão de guerra, juntamente com o da substituição ha pouco apresentada pelo Sr. Relator. Nesses termos o requeiro, em conformidade com o artigo 30.° do regimento.
A proposta é do teor seguinte.:
PEOPOSTA
Art. ... Os officiaes do exercito activo, tia situação de addidos, teem promoção, emquanto tiverem posto inferior a coronel, a par dos immediatamente mais modernos do seu quadro, logo que possuam as condições geraes e satisfaçam ás provas especiaes de aptidão, nos postos em que ellas são exigidas.
& 1.° Exceptuam-se os officiaes addidos, por estarem com licença illimitada, os quaes não têem accesso alem do posto de capitão.
§ 2 ° Os coroneis que ainda não tenham optado e que, á data da publicação d'esta lei, se encontrarem em serviço estranho ao do Ministerio da Guerra, podem, dentro do prazo de 90 dias, usar do direito de opção, em conformidade com o artigo 198.°, e seus paragraphos, do decreto com forca de lei de 7 de setembro de 1899.
§ 3.° Fica por este modo modificado o artigo 13.° da carta de lei de 12 de junho de 1901.
Art. ... A promoção dos officiaes ao serviço de Ministerios estranhos ao da Guerra continuará a ser regulada pelas disposições contidas nos artigos 196.° e seguintes do decreto com força de lei de 7 de setembro de 1899.
§ unico. Fica por esta maneira alterado o artigo 111.° da lei de 12 de junho de 1901.= Sebastião Baracho.
A proposta está por si justificada. O que se passou com a discussão dos ultimos dias o comprova.
Não tenho a menor duvida de que o artigo 73.° da lei de 12 de junho de 1901, da qual eu fui relator nesta Camara, não é mais do que a confirmação do estatuido no artigo 23.° da lei organica da Escola do Exercito, de 23 de agosto de 1894, e do preceituado no artigo 198.° e seus §§ 1.° e 2.° do decreto com força de lei de 7 de setembro de 1899. Eu sempre assim o entendi.
Desde, porem, que as estações publicas interpretam essas leis por modo indubitavelmente contraditório, é indispensavel que tenha termo tão nociva anomalia.
É logicamente inadiável a adopção de providencias attinentes a que voltem a ter execução, na pratica, as doutrinas ha longo tempo sustentadas, quasi sem discrepâncias, concernentemente aos coroneis, cujo afastamento do serviço do Ministerio da Guerra muito os desmilitariza, mormente aos que fizeram carreira, a começar dos postos subalternos, em commissões estranhas a este Ministerio. A minha proposta consolida praticamente esta preconizada doutrina, e harmoniza a applicação das tres leis a que me tenho referido.
Quando, em sentido militarizador, se adoptaram para os coroneis medidas d'essa natureza, foram ellas ampliadas tambem aos generaes. Para com estes, porem, manteve-se sempre e mantem-se esse dispositivo. Para com os coroneis fraquejou se, interpretando, destoantemente do espirito e letra das leis de 23 de agosto de 1894 e de 7 de setembro de 1899, o artigo 73.° da lei de 12 de junho de 1901, que lhes era harmónico.
Não pode ser. Repugna tão flagrante excepção.
De resto, não é, por certo, com coroneis desmilitarizados que se hão de obter generaes familiarizados com os preceitos profissionaes militares.
Mas ha mais. A excepção ainda se torna mais odiosa, pelo facto de os tenentes-coronéis, lentes da Escola do Exercito, terem de deixar de exercer o magisterio naquelle estabelecimento de ensino, logo que sejam promovidos a coroneis, emquanto que os tenentes-coronéis, em serviço estranho ao do Ministerio da Guerra, podem continuar nesse serviço, no posto de coronel.
Desmilitariza os primeiros o contacto com a Escola do Exercito, que é um instituto militar dependente do Ministerio da Guerra, e não desmilitariza os segundos a frequencia mais prolongada nos cargos de caracter retintamente civil, em Ministerios que não sejam aquelle.
A disparidade inconcebivel n a interpretação das tres citadas leis produz estes deploráveis resultados, discordantes com o que se praticou já. e contraditórios com a autorizada opinião dos que mais de perto cooperaram na elaboração do artigo 73.° da lei de 12 de junho de 1901.
Alem d'estas reflexões, em todo o ponto ponderosas, mais duas ha tambem a considerar na questão sujeita. Ei-las:
1.ª Útil é verificar mais uma vez se os alardes ministeriaes, referentes á aceitação da collaboração opposicionista na feitura das leis, não passam effectivamente de um mytho.
2.ª Tendo sido apresentada já, pelo Sr. Relator, uma emenda, cuja approvaçao, a qual muito desejo, determinaria a regressão do parecer em debate á outra casa do Parlamento, a minha proposta não demora, em taes circunstancias, sequer um minuto, o andamento normal do projecto que se discute. Bom, é registá-lo.
Cumpre-me todavia consignar em boa verdade que, ainda mesmo quando essa proposta não tivesse sido exhibida, eu não deixaria de apresentar a da minha iniciativa, tal é a importancia do assunto que ella visa a normalizar.
A favor d'ella, da minha proposta, militam, pois, todos os requisitos, sem esquecer, por ultimo, que na sua redacção reproduzi as textuaes palavras- emquanto tiverem posto inferior a coronel - em pregadas no artigo 198.° do decreto com força de lei de 7 de setembro de 1899, da responsabilidade directa do Sr. Ministro da Guerra.
Quer isto simplesmente dizer que S. Exa. é o principal collaborador da emenda, que eu procuro introduzir no parecer em controversia.
E definida por esta forma, e sob a mais verídica feição, a collaboração do Sr. Ministro da Guerra na minha proposta, seja-me licito declarar que estou de acordo com a doutrina do projecto acêrca da promoção dos officiaes subalternos da administração militar, e cuja adopção determina a revogação do artigo 53.° da lei de 12 de junho de 1901, ampliando a esses officiaes a legislação vigente, nas differentes armas do exercito. É, portanto, justo o que se pratica.
Pelo mesmo benévolo e equitativo prisma, aprecio a substituição apresentada pelo Sr. Relator ao artigo 4.°, e cujo estudo mais conscienciosamente se verificará no seio da commissão, a que ella, sem duvida, tem de ser submettida.
O péssimo estado da promoção dos subalternos de artilharia deriva de antigas e injustificaveis complacencias, pelas quaes foram admittidos a fazer o curso d'aquella arma muito maior numero de candidatos do que os necessarios para o preenchimento das necessidades normaes.
É imprescindível que se não reincida em erros d'e8sa natureza e se attenuem, tanto quanto ser possa, os embaraços derivantes do relaxismo de antiga data.
Nessa orientação, defendi, em 1906, a criação dos segundos capitães. Agora dou tambem o meu apoio ao projecto em debate, porque elle mitiga, até certo ponto, as agruras de que são alvo os subalternos de artilharia.
Sem estimulo, sempre bem cabido, não pode o Estado esperar bom serviço dos seus funccionarios, que, em semelhantes condições, teem sobeja desculpa pelos desfallecimentos em que possam incorrer.
Remediar, ou pelo menos minorar, uma situação d'estas, é dever dos poderes publicos.
Os beneficios produzidos por providencias d'esta indole são de obvia intuição.
Não me demoro, pois, a encarecê-las.
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SESSÃO N.° 24 DE 6 DE JULHO DE 1908 11
Estão no espirito de todos os caracteres generosos, illustrados e rectos.
O artigo 5.° do parecer é relativo á entrada no quadro, dos officiaes em disponibilidade, e substitue o artigo 102.° e seu § unico da lei de 12 de junho de 1901.
Do confronto dos dois artigos resulta que as alterações agora feitas reduzem-se a regularizar o ingresso no quadro, dos officiaes disponíveis, e a regular-se para esse fim as preferencias.
É de suppor que essa regularização obedeça ás indicações aconselhadas pela experiencia: e, em tal caso, limitar-me-hei a notar que, se o artigo 102.° merece que se dê um rasgão na lei de 1901, melhor se patenteia, para identico efteito, o artigo 73.° da mesma lei, alvejado pela minha proposta.
E o juizo que exprimo, com respeito ao artigo 102.°, tem estricta applicação ao artigo 53.° da mesma lei, igualmente substituido por outro, neste projecto.
O parecer em debate abrange variadas questões, no intuito, ao que parece, de melhorar um ou outro serviço, e de attender a lídimas aspirações de differentes servidores do Estado.
Ainda sob este duplo aspecto, a minha proposta é digna de ser considerada. Nella residem recomendações, mais attendiveis do que as que derivam da proposta de lei, cuja analyse acabo de fazer o mais succintamente que me foi possivel.
Não o julgará assim a Camara?
Pela minha parte, não me causará abalo qualquer resolução injusta que possa adoptar-se.
Nem, por isso, deixarei de proseguir na crença de que é preferivel succumbir tendo razão, do que triunfar contra a justiça.
(S. Exa. não reviu).
O Sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta do Digno Par Sr. Baracho.
Leu-se na mesa e foi admittida á discussão juntamente com o parecer.
O Sr. Francisco José Machado: - Sr. Presidente: é para mim consolador ter de responder ao meu querido amigo e Par do Reino o Sr. General Baracho. S. Exa. é um illustre militar, e procura sempre que fala mostrar as suas altas faculdades de trabalho e de saber.
S. Exa. declarou que concordava com o projecto, e uma vez que o não combateu, eu, como relator, nada tinha a dizer, mas uso da palavra em homenagem ao Digno Par, que muito considero e respeito.
O projecto refere-se, como S. Exa. disse, á promoção dos officiaes de administração militar, cuja corporação tem a desempenhar uma das funcções mais importantes do exercito.
Em todos os exercitos, e principalmente no allemão, no francês e japonês, é considerado o serviço da administração militar como o mais importante dos auxiliares da força armada.
É claro e evidente que o soldado necessita de uma boa e regular alimentação, para que se lhe possa exigir toda a actividade e energia. O exercito só pode pensar em combater o inimigo, outros devem tratar de lhe fornecer a alimentação, o vestuário, o calçado e munições. Se elle tiver de se preoccupar com outras cousas, pode faltar ao seu fim essencial.
O soldado mal alimentado, mal vestido, mal calcado, falto de munições, tornar-se-ha um ser inutil, e até prejudicial.
É á administração militar a quem incumbe o serviço das subsistências, tanto na paz, como na guerra, e certamente é de uma boa organização d'estes serviços administrativos que depende o bom êxito de uma campanha.
A historia militar está cheia de ensinamentos, e mostra-nos que grandes desastres teem soffrido os exercitos por causa da irregularidade dos serviços administrativos.
A França reconheceu estes principios na guerra de 1870, e tanto que organizou logo depois uma escola especial em Vincennes, destinada á habilitação dos officiaes da administração militar, para os seus 19 corpos d'exercito.
As forças combatentes não podem estar a cuidar dos fornecimentos que lhes são precisos corno: comida, calçado, fato, munições, rações para o seu gado, etc., etc.
A Espanha, não obstante não poder citar-se como modelo em organização militar, ainda assim julgou tão importante este serviço que ha muito que tem um curso de administração militar na escola especial d'Avila.
Na guerra russo-japonesa viu-se a enorme difficuldade com que as tropas russas eram alimentadas, e a rapidez prodigiosa com que os japoneses effectuavam os seus fornecimentos. Bem depressa se viram os resultados d'esta desigualdade.
O exercito russo, farto de soffrer privações, tornara-se insubordinado, e em breve se deixou aniquilar pelo seu adversario.
A rendição de Porto-Arthur, foi attribuida á fome dos soldados, e não á força dos sitiantes.
Nas campanhas napoleonicas de Italia, o general Massena esteve em risco de perder-se com as tropas do seu commando, por lhe escassearem os mantimentos, e só o grande prestigio d'esse general o póde salvar, logrando durante muito tempo conservar submissos os seus soldados famintos.
Os grandes desastres de Massena em Portugal, em 1810, podem attribuir-se em grande parte ás defficiencias da alimentação das suas tropas.
Quando, depois da batalha do Bussaco, esbarrou com as linhas de Torres Vedras, que desconhecia, retirou-se para Santarem, e pode dizer-se que não póde mais conter a disciplina das suas forças.
Nunca mais houve disciplina, nem ordem, nem subordinação. Cada soldado tinha a faculdade de entrar e sair do seu acampamento, quando e como muito bem lhe conviesse, sem que os seus officiaes pudessem jamais contê-los nos limites da obediencia, porque, com o pretexto de irem buscar mantimentos, faziam excursões longinquas pelo interior do país, que devastavam, e chegaram a ir até as margens do Mondego e desde o Zezere até ao mar, queimando tudo, roubando todas as povoações que invadiam, e até assassinando os desgraçados habitantes que lhes caiam nas mãos.
Foi este infame procedimento que começou a exasperar cada vez mais os infelizes povos que se tinham refugiado nas montanhas, e a quem a miseria e a fome obrigavam a virem de quando em quando ao centro das suas povoações para se proverem de alimentos para si e suas familias.
Semelhante estado de cousas foi uma das principaes causas da ruina e aniquilamento do credito francês, porque os paisanos, para desafrontarem os seus concidadãos das crueldades a que os submettiam, não perdiam a occasião de assassinar tambem os seus oppressores quando os encontravam desgarrados pelos montes, ou quando os achavam fatigados pelos trabalhos do dia, ou alojados á noite nas povoações desertas.
Foi por este modo que o exercito francês se alimentou durante os ultimos meses de 1810. Para apanhar algum gado, era-lhe necessario enviar destacamentos de dois e tres dias de marcha de 400 e 500 homens, porquê se fossem de menor força corriam o risco de serem apanhados pelos paisanos, desesperados por se verem despojados dos parcos animaes que ainda lhes restava.
No mês de dezembro de 1810, devia-se ao exercito sete meses de soldo e pret.
Até os medicamentos faltavam, sendo necessario andar por toda a parte procurando panos para fazer fios e outros meios de curativo. A penuria do exercito francês chegou a tal ponto que até para escrever as participações officiaes e as ordens do dia foi necessario empregar as- folhas brancas dos livros achados nas differentes bibliothecas, abandonadas pelos habitantes, ou moradores das casas conventuaes.
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12 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Por estes factos se mostra a imperiosa necessidade de cuidar com tempo e vagar, durante a paz, dos serviços da administração militar, para que durante a guerra, que Deus afaste, esteja tudo a postos para se não darem os factos tão lamentaveis e de tão perniciosos resultados como os que se dão quando os diversos serviços não estão convenientemente organizados.
Li num jornal qualquer que, quando em 1900 as nações europeas tiveram de mandar tropas para a China, a Allemanha nomeou 600 homens de administração militar para o serviço de subsistencias da sua expedição e que os jornaes franceses, apreciando o facto, lamentavam que as suas tropas não fossem tão bem soccorridas, do que lhe resultou maior percentagem na mortalidade.
Sr. Presidente: entre nós os serviços de administração militar teem sido descurados.
Em 1863 foi criado, pelo decreto de 11 de dezembro, artigo 14.°, o quadro dos officiaes da administração militar que ficou assim constituido:
Coronel 1
Tenentes coroneis 8
Majores 30
Capitães 52
91
Estes officiaes eram destinados aos seguintes serviços (artigo 18.° do referido decreto):
Secretaria geral e 1.ª divisão 42
Delegações na 2.ª divisão militar 6
Idem na 3.ª divisão militar 6
Idem na 4.ª divisão militar 6
Idem na 5.ª divisão militar 4
Idem na Madeira 3
No commando de engenharia 3
No commando de artilharia 8
Na padaria militar 1
Na repartição de contabilidade 22
101
Dizia o referido decreto que o quadro seria aumentado com um alferes por cada vaga que se desse no antigo, quadro por quarteis mestres.
Quando esta classe ficasse extincta, o quadro da administração militar ficava assim constituido :
Coroneis 1
Tenentes-coronéis 8
Majores 10
Officiaes 30
Subalternos 84
Somma 133
Successivamente foram criados serviços, mas o quadro não foi aumentado com o numero correspondente de officiaes.
Esses serviços são:
Officiaes
Deposito central de fardamentos 12
(a) Manutenção militar 10
Companhia de subsistencias 3
Escolas praticas 4
Escola do Exercito 1
Collegio Militar 1
Serviço de torpedos fixos 1
Delegações nos Açores 4
Somma 36
(a) Abatendo 1 que estava na padaria militar 1
Somma 133
Successivamente foram criados serviços, mas o quadro não foi aumentado
Ficam 35
Visto que foram criados serviços a mais, devia o quadro ser aumentado com 35 officiaes, para o serviço se poder fazer com a devida regularidade para não ser necessario obrigar os officiaes a um trabalho fatigante de 11 horas por dia na direcção, o que chega a ser deshumano.
A administração militar não tem merecido dos diversos Ministros os mesmos cuidados que as outras armas.
Vejamos: pela lei de 1901 estabeleceu se a promoção a tenentes nas diversas armas por diuturnidade de serviço, de modo que es officiaes de todas as armas ascendessem a este posto decorridos o mesmo numero de annos depois da matricula nos cursos superiores.
Assim é que são promovidos a tenentes :
Na engenharia, depois de um anno de alferes.
Na artilharia, depois de dois annos de alferes.
Na cavallaria e infantaria, depois de quatro annos de alferes.
No quadro dos medicos, depois de um anno de alferes.
No quadro dos veterinários, depois de tres annos de alferes.
Nos quadros, depois de cinco annos de serviços
A administração militar, porem, não teve este beneficio, não obstante ter hoje um curso professado na Escola do Exercito, e se exigir aos que o frequentam muitas cadeiras de preparatorios e muitas habilitações.
Os officiaes da administração militar foram agrupados para a sua promoção a tenentes com outras classes a quem se não exige curso algum.
Para tornar mais frisante a injustiça que se fez aos officiaes da administração militar, veio o decreto de 30 de junho de 1903 - Ordem do Exercito n.° 8 - que concedeu aos alferes almoxarifes a vantagem de serem promovidos a tenentes depois de quatro annos de serviço no posto de alferes.
Exigem-se hoje para o curso da administração militar, e como preparatorio, as seguintes habilitações:
Curso geral dos lyceus ;
Sete cadeiras no Instituto Industrial e Commercial, e alem d'isso, um anno na Escola do Exercito e dois annos de tirocinio, segundo o decreto que estamos discutindo.
É da maior justiça que se dê a estes officiaes as vantagens que gozam os seus camaradas das outras armas, visto que se lhes exige tão grande numero de habilitações.
Mas para que se veja o desamor com que tem sido tratada esta classe, basta ver que os aspirantes da administração militar teem 700 réis diarios, ao passo que os da arma de infantaria ganham 800 réis.
Qual o motivo para esta desigualdade?
Uns e outros teem na Escola do Exercito, como para os sargentos graduados cadetes, o mesmo pret, e depois de promovidos a alferes vão ter o mesmo soldo; por que motivo não deverão ter como aspirantes a officiaes o mesmo vencimento?
Isto não é de molde a dar o estimulo que necessita um individuo que se dedica á carreira das armas.
Não ha nada que mais desalente nem provoque desgosto do que estas desigualdades que se dão entre os officiaes das differentes armas.
Parece-me conveniente que, para a boa execução e unidade de orientação dos serviços administrativos, deviam todos estar subordinados á mesma entidade superior, que é naturalmente o director da administração militar.
Existem actualmente a Manutenção Militar e o Deposito Central de Fardamentos, que estão fora da alçada do director da administração militar; ha um conselho de administração dos dois estabelecimentos, que é quem superintende no serviço dos mesmos.
Nesse conselho apenas a administração militar é representada por um official que desempenha o papel de secretario, por ser o menos graduado.
Não se comprehende que, sendo a Manutenção Militar e o Deposito de Fardamentos os unicos estabelecimentos administrativos militares existentes no país elles estejam fora da alçada do director da administração militar.
Parece coherente que as forças da administração militar tenham durante a paz a pratica, o tirocinio de todos os serviços que terão de desempenhar durante a guerra, para que nessa occasião não haja hesitações e duvidas que muito prejudiciaes podem ser para os bons resultados que se deseja obter, e para que as forças combatentes sejam a tempo soccorridas do necessario para o seu regular funccionamento. Tam-
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bem é indispensavel adquirir os for nos de campanha. Necessitava-se de uma padaria completa de campanha Este material deve adquirir-se durante a paz, para se poder ministrar ao pessoal a instrucção indispensavel.
Sr. Presidente: antes de começar a discussão, mandei para a mesa uma substituição ao artigo 4.° do projecto de acordo com o Governo, substituição que é, como a camara já ouviu ler, i seguinte:
"Os officiaes promovidos e a promover nos termos da carta de lei de 2^ de dezembro de 1906 ficam sendo capitães para todos os effeitos desde i data da promoção, salvo no que diz respeito a vencimentos e serviço na metropole e no ultramar, que continuam a ser regulados pela citada carta de lei de 24 de dezembro de 1906 sendo considerados supranumerarios no quadro dos capitães da arma de artilharia. = .F. J. Machado".
D'aqui a pouco justificarei esta substituição.
Sr. Presidente: concordo com quasi todas as emendas que o Digno Par e meu amigo Sr. Baracho mandou para a mesa, e entendo que ellas devem ser remettidas á commissão para serem estudadas, porque á simples leitura não se pode comprehender o seu alcance. Parecia-me que seria melhor recommendar ao Sr. Ministro da Guerra este assunto. Como é uma medida de altíssimo alcance para o exercito, parecia-me melhor pedir ao Sr. Ministro da Guerra que organizasse uma lei de promoções e traze-la ao Parlamento, porque ahi mais facilmente podiam ser abrangidos os principios da proposta que o Sr. Baracho mandou para a mesa, e, porventura, outras que se reconhecesse de vantagem util e indispensavel para o exercito.
Sr. Presidente: é minha opinião que a proposta do Digno Par teria cabimento numa nova lei de promoções, em que fossem attendidos todos os principios tendentes a regularizar as desigualdades que existem entre a promoção dos officiaes de arma para arma. Sr. Presidente: vou agora occupar-me de justificar a minha proposta.
Tem ella por fim tornar mais harmónica a situação dos segundos capitães de artilharia promovidos em conformidade da carta de lei de 24 de dezembro de 1906.
Foi um mau remendo, com que se pretendeu acudir á situação precaria d'esses officiaes.
É mester que entre os officiaes de todas as armas reine a mais perfeita harmonia e boa camaradagem, e que umas se não considerem superiores ás
outras, porque todas teem deveres importantes a cumprir, e todas são necessarias e indispensaveis.
Mas para que uma boa harmonia exista, para que não appareçam rivalidades ou antagonismos, que a diversidade de condições poderia originar, necessario é que da nova legislação militar sejam expungidas disposições que criam dês igualdades inadmissiveis.
Sr. Presidente: A situação dos officiaes de artilharia, comparada com dos seus camaradas das outras armas é deveras lamentosa.
O remendo que se deitou com a cria cão dos segundos capitães nada remedeia. É apenas um respiro momentaneo. que nada remedeia para o futuro da sua carreira. O mal vem de longe Quando foi da reforma de 1884, viu-se logo que a arma de artilharia tinha ficado muito prejudicada, porque a proporcionalidade dos capitães para os officiaes superiores d'esta arma era a mais fraca.
No relatorio da commissão fez-se no tar essa deficiencia, mas objectou-se que os limites financeiros a que a ré ferida commissão tinha de cingir-se não permittia maiores larguezas.
O quadro dos officiaes superiores que essa reforma estabeleceu foi de:
Coroneis 15
Tenentes coroneis 15
Majores 15
Depois, mais tarde, o numero de majores foi elevado a 18. Mas de 1884 para cá teem sido criados muitos serviços onde foram collocados muitos officiaes superiores, taes como o campo entrincheirado, a fabrica da pólvora sem fumo, a remodelação da escola pratica da arma, a criação de maior numero de unidades, etc., etc., mas o numero de officiaes superiores ficou o mesmo que lhe deu a organização de 1884, com excepção de mais tres majores que foram criados depois.
Alem d'isso permittiu-se a entrada na Escola do Exercito a maior numero de alumnos do que os necessarios, e d'ahi a situação lastimosa em que se encontram os seus officiaes.
De todas estas razões que tenho enumerado, resulta o atraso da promoção dos officiaes de artilharia, e principalmente dos capitães e coroneis, e portanto a reflexão em todos os outros postos.
Assim, estudando a promoção dos officiaes de artilharia, e comparando-a com a das outras armas, eu accentuo que:
O Sr. Manuel Raphael Gorjão, que é actualmente general de divisão, ultimo posto do exercito, e actual commandante da 4.ª divisão militar, foi promovido a alferes era 1871, general de brigada em 1900, general de divisão em 1906; gastou de alferes a general de brigada 29 annos, e a general de divisão 35 annos.
O Sr. Avellar Machado foi promovido a alferes em 1873, a general de brigada em 1903; gastou a percorrer estes postos 30 annos.
Estes dois generaes pertenceram á arma de engenharia.
Vamos agora fazer a comparação d'estes officiaes com os dois coroneis mais antigos da arma de artilharia.
O coronel de artilharia Paulino Correia é alferes de 1868, 3 annos antes do general Gorjão, que está ha 2 annos general de divisão e ha 8 general de brigada. O Sr. Paulino Correia tem 40 annos de official, e está coronel ha 11 annos, com risco de não sair general por ser attingido pelo limite de idade. O Sr. Avellar Machado está ha õ annos general de brigada, tendo sido promovido a alferes ò annos depois do coronel Paulino Correia.
Emquanto que os Srs. Raphael Gorjão e Avellar Machado gastaram, o primeiro 29 annos para percorrer a carreira de alferes a general de brigada e o segundo 30 annos para alcançar os mesmos postos, o Sr. Paulino Correia tem 40 annos de official e ainda está coronel, arriscando-se a não sair general, não obstante ser um official de reconhecido merito.
Vamos agora ver o que succede ao segundo coronel de artilharia o Sr. Joaquim Augusto Teixeira de Sequeira. Saiu alferes em 1869, saiu coronel em, 1899.
É alferes dois annos antes do Sr. General Gorjão, e quatro annos antes do Sr. Avellar Machado.
Tem 39 annos de official, e está tambem em risco de não chegar a general. Pode isto continuar?
Estas enormes desigualdades na promoção dos officiaes, aggravadas com a lei dos limites de idade, produz um grande desanimo e uma grande falta de estimulo, e um desgosto profundo que não podem ser de vantagem para as instituições militares.
Nada que mais possa ferir a dignidade do official brioso, do que ver que os seus camaradas, que concluíram os ursos muitos annos depois d'elle, se avantajaram muitos annos na promoção e attingiram postos a que elle não pode chegar.
Era necessario providenciar de modo a attenuar estas desigualdades e estas deprimentes injustiças.
Sr. Presidente: ouviu V. Exa. e ouviu a Camara a exposição que acabo de fazer, fundada em documentos officiaes sem possivel contestação.
Ha mais e mais pungente quadro.
Vou agora referir-me á misérrima situação em que se encontram os capitães de artilharia para que a criação
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dos segundos capitães foi um triste remendo e que apenas de momento veio dar algum alivio a estes pobres officiaes, mas que nada remedeia no estado geral da questão.
A Camara vae ver.
O tenente de artilharia Oscar Cibrão Garção saiu alferes em 1896; tem portanto 12 annos de official e 22 de serviço. Está n.° 99 para capitão verdadeiro. Este official saiu tenente era 1897; tem portanto 12 annos de official e 11 annos de tenente.
Na arma de engenharia os tenentes de 1898 estão todos capitães.
Na arma de cavallaria os tenentes de 1897, 1898, 1899, 1900 e alguns de 1901 estão tambem capitães.
Quando terá probabilidades de sair capitão o tenente Garção?
Vejamos.
Promoção dos alferes de artilharia:
Em 1890 foram promovidos, tenentes a capitães 7
Em 1891 5
Em 1892 4
Em 1893 2
Em 1894 4
Em 1895 4
Em 1896 9
Em 1897 8
Em 1898 4
Em 1899 3
Em 1900 13
Em 1901 18
Em 1902 5
Em 1903 11
Em 1904 7
Em 1905 O
Em 1906 19
Em 1907 8
O que dá de media 7 por anno.
Deve notar-se que em alguns annos a promoção foi exagerada, devido á lei dos quintos e á ida para a Africa de alguns officiaes.
É muito natural que isto se não repita. Será difficil apparecer outro anno em que sejam promovidos 18 tenentes a capitães, como succedeu em 1901, e 19, como succedeu em 1906.
Mas eu não quero alterar estes dados, e supponho que a media da promoção continua a ser 7 por anno.
Pois bem, ou antes: pois mal! O tenente Garção. que está n.° 99 para capitão, terá que esperar ainda quatorze annos, na hypothese mais favoravel, para ser promovido a capitão. E como elle tem já doze annos de official,- só sairá capitão depois de vinte e seis annos de subalterno. Não é um bonito futuro que este official tem deante de si?
Tendo elle actualmente trinta e nove annos de idade, vem a sair capitão, na hypothese mais favoravel, aos cincoenta e tres annos. Em virtude da lei dos limites de idade, este official vem a ser attingido no posto de capitão.
O que acontece com este official ha de Acontecer com os tenentes de artilharia Cesar Augusto Bettenconrt, Jayme Augusto Macieira, Adriano da Costa Macedo, Fernando de Almeida e Brito, Jorge Vanzeler, Francisco Xavier do Amaral e outros.
Emquanto estes officiaes hão de levar, pelo menos, vinte e cinco annos para passarem de tenentes a capitães, nas outras armas levam dez, nove, oito e sete annos, como está acontecendo.
Ha segundos capitães de artilharia que são alferes de 1891, 1892 e 1893, e não sabem ainda quando serão capitães a valer.
Emquanto isto succede nesta arma, ha na cavallaria e infantaria capitães, que vieram da classe dos práticos, e que eram primeiros sargentos em 1895.
Alguns d'estes sargentos que estão hoje capitães foram promovidos a alferes em 1896 e capitães em 1907, gastando portanto onze annos para chegar de alferes a capitães.
Veja V. Exa., Sr. Presidente, a miseravel situação em que se encontram os officiaes da arma de artilharia, que se vêem sem futuro condigno ao trabalhoso curso que fizeram e ao serviço de responsabilidade que têem de desempenhar.
A comparação dos officiaes de artilharia com os das outras armas é pungentissima, e invade-os um desanimo impossivel de supportar.
Já expus a situação d'estes officiaes em comparação com as armas de cavallaria; vou agora mostrar o que succede com a arma de engenharia.
O Sr. Luis Teixeira Beltrão, official de engenharia, saiu alferes em 1898 e capitão em 1908.
Passou de alferes a capitão em dez annos.
O Sr. Antonio Hintze Ribeiro, official de artilharia, saiu alferes em 1898 e está ainda n.° 47 para capitão.
Na hypothese mais favoravel, faltar-lhe ha ainda sete annos para ser promovido a capitão, e isto attendendo ás medias que ha pouco expus.
Para que não fique duvida alguma no espirito da Camara sobre a desgraçada situação em que se encontram os officiaes de artilharia em comparação com os seus camaradas das outras armas, vou ainda mostrar a sua situação em comparação com os officiaes do estado maior.
O Sr. Garcia Guerreiro, oficial do estado maior, foi promovido a tenente em 18[]9 e a tenente coronel em 1906.
Gastou portanto a passar de alferes a tenente coronel dezassete annos.
O Sr. Manuel Rodrigues Ermitão, tambem official do estado maior, foi promovido a tenente em 1889 e a tenente coronel em 1907.
Gastou, portanto, a passar de alferes a tenente coronel dezoito annos.
Os tenentes de artilharia de 1885, quatro anãos antes dos officiaes de estado maior que acabo de mencionar, estão ainda capitães e estarão por muito tempo, porque o Sr. Massano de Amorim, capitão de artilharia e tenente de 1885, é ainda o n.° 18 para major.
Sr. Presidente: parece-me ter mostrado, de uma maneira inilludivel, a deprimencia em que se encontram os officiaes de artilharia de todas as patentes, em relação aos seus camaradas das outras armas.
A maneira de attenuar um pouco estas flagrantes desigualdades seria o aumento dos quadros dos officiaes inferiores, o que plenamente se justificava pelo acrescimo de serviços desde a ultima fixação dó* quadro dos officiaes d'esta arma.
O quadro devia ser:
Coroneis 20
Tenentes coroneis 20
Majores 20
O quadro do generalato tambem necessitava ser aumentado.
Pela reforma de 1884, tinhamos:
Generaes de divisão 9
Generaes de brigada 24
Quando foi da criação dos limites de idade reduziu-se o quadro a
Generaes de divisão 6
Generaes de brigada 20
Foi quando se aumentou o numero de commissões para generaes e tanto que temos muitas brigadas comandadas por coroneis, por se reduzir o quadro do generalato.
Sr. Presidente: é minha opinião que tudo quanto se fizer para nivelar, tanto quanto possivel, as promoções dos officiaes de diversas armas é um serviço prestado ao exercito e ao Pais.
Faço votos por que se consiga este desideratum, que é a aspiração legitima de todos os officiaes do nosso exercito, que tantos serviços teem prestado ao Pais em todos os tempos e em todas as occasiões que tem sido preciso appellar par/t o seu esforço e para o seu patriotismo.
Tenho dito.
O Sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles): - Sr. Presidente: começo por dizer que concordo em que tanto a substituição do artigo 4.° apresentada pelo Sr. Francisco José Machado como a proposta do Sr. Dantas Baracho vão á commissão de guerra.
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SESSÃO N° 24 DE 6 DE JULHO DE 1908 l5
Sr. Presidente: em muito breves palavras vou responder a algumas considerações feitas pelo Digno Par e que me dizem respeito directamente. Em defesa do projecto nada tenho a dizer, visto que S. Exa. não o atacou, e mesmo que o tivesse atacado, o illustre relator, que acaba de falar, brilhantemente o defenderia e desnecessario seria eu acrescentar mais alguma cousa.
Passo, pois, a responder ás considerações feitas pelo Digno Par.
Estranhou S. Exa. que eu não tivesse agora nesta occasião apresentado ao Parlamento uma proposta de lei, regularizando as promoções dos officiaes das diversas armas.
Entendo que S. Exa. tem razão, pois que eu já aqui disse que era de absoluta necessidade modificar a lei das promoções por forma a evitar as confusões que- actualmente se dão. Tendo, portanto, dito isto e não tendo agora apresentado a respectiva proposta modificando aquella lei, é de todo o ponto justa a estranheza do Digno Par. A razão que houve, porem, para eu não apresentar ás Camaras uma tal proposta foi a de eu estar convencido que a proposta de modificação da lei de promoções viria melhor depois de estar reformada a organização do exercito, trabalho que está em estudo no Supremo Conselho de Defesa Nacional.
Ainda, Sr. Presidente, um motivo de ordem geral e politico me levou a firmar-me na disposição de não propor agora alterações ou modificações na lei de promoções. Como todos nós sabemos, é especial a situação do Governo de que estou fazendo parte. É um Governo de acalmação, constituido por elementos dos partidos progressista e regenerador. Por conseguinte não era opportuno, ou pelo menos conveniente neste momento, fazer-se a modificação na lei de promoções, porque, alem de não estar isso nas intenções do actual Governo, viria esse assunto causar, de certo, discussões irritantes que seriam prejudiciaes.
Ainda ha outro motivo bastante ponderoso, qual é o de ser a lei de promoções de 1901 feita por um Governo regenerador e aqui largamente combatido por mim. Não devia, pois, agora num Governo formado, como já disse, com elementos d'aquelle partido, vir propor modificações ao que por elle tinha sido feito e naturalmente regressar á legislação de 1899, que é da minha responsabilidade.
Entendo que foi melhor tomar a orientação que tomei, do que provocar aqui discussões, não direi politicas, mas que poderiam tomar o caracter de irritantes, entre os dois partidos representados no Ministerio.
Apenas apresentei, portanto, duas ou tres alterações para remediar dois ou tres inconvenientes mais importantes.
Que propõe o Digno Par Sr. Dantas Baracho?
Que se modifique a lei de 190f no que diz respeito aos addidos, pelo preceituado para o mesmo assunto pela legislação de 1899. Ora como esta legislação é da minha responsabilidade...
O Sr. Sebastião Baracho: - Tambem eu fui o relator da lei de 1901, e sou eu que proponho agora a sua modificação.
O Orador: - Mas V. Exa., com pena de todos os seus ex-partidarios, e minha tambem, está hoje desligado do partido regenerador.
Concordo em que o assunto seja estudado pela respectiva commissão, onde eu expenderei as minhas ideias, e chegando-se a acordo duvida alguma terei em obtemperar aos desejos do Digno Par.
Tenho dito.
(O Digno Par não reviu).
O Sr. Sebastião Baracho: - Desde que o Sr. Ministro da Guerra concorda em que a substituição apresentada pelo Sr. relator e a minha proposta vão á commissão de guerra, para ali serem apreciadas, pouco mais tenho a fazer do que registar este facto, com que estou plenamente conforme.
Não receie, porem, o Sr. Ministro que da adopção da minha proposta possam advir transtornos á acalmação que tanto preconiza. O projecto em debate elimina os artigos ò3.° e 302.° da lei de promoções de 12 de junho de 1901, sem que a apetecida acalmação fosse no minimo ponto perturbada.
Como é pois que a minha proposta, alvejando o artigo 73.° da mesma lei, pode produzir contrariedades, que os outros dois artigos não originaram?
Não é crivel.
Demais, o Digno Par o Sr. Pimentel Pinto, que referendou a lei de 1901, interpreta, consoante o consignou já, o alludido artigo 73.° do mesmo modo que eu o entendo e o considera a minha, proposta.
É, portanto, .da maxima evidencia que ella, attentas as circunstancias occorrentes, longe de contrariar, consolida a pacificação, tão querida do Sr. Ministro da Guerra, cuja opinião ha materia ainda ha pouco o assegurou- é identica á do Sr. Pimentel Pinto e á minha, e está em perfeita harmonia com o preceituado no artigo 198.° e seus paragraphos do decreto com forca de lei de 7 de setembro de 1899, de sua referenda ministerial. Convem recordá-lo mais uma vez. Da narrativa que perfunctoriamente
acabo de fazer, se conclue que, sendo o acordo, no assunto explanado, unanime em theoria, é da maxima utilidade traduzi-lo, pela pratica, em proveito dos salubres principios sustentados na minha proposta.
A este respeito não são licitas duas opiniões.
(S. Exa. não reviu}.
O Sr. Presidente: - Em conformidade com o regimento, estando esgotada a inscrição, vae votar-se o parecer.
Os Dignos Pares que approvam a proposição de lei que acaba de ler-se, queiram levantar se.
Foi approvado o parecer sem prejuizo das propostas que vão á commissão respectiva.
O Sr. Presidente: - Como faltam ainda alguns minutos para o encerramento da sessão, vou dar a palavra ao Digno Par Sr. Jacinto Candido, que a pediu para tratar de um negocio urgente.
O Sr. Jacinto Candido : - Pedi a palavra para um negocio urgente, na supposição de que estivesse presente o Sr. Presidente do Conselho ou o Sr. Ministro das Obras Publicas.
O assunto, para que desejava chamar a attenção do Governo, representado pelo Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino, é grave, diz respeito á alimentação publica e pode ser origem de graves acontecimentos de. ordem publica, pelo menos numa região da Beira Baixa.
Sr. Presidente: nós votámos aqui uma lei respeitante á importação do centeio, para acudir á crise alimentar de algumas regiões do país, e o que é certo é que nesta região da Beira Baixa, de onde venho e para onde fui restabelecer-me de incommodos de saude, eu soube e é publico, geral e notório, que o preço do centeio nunca diminuiu abaixo de 700 réis os 16 litros, o que é extraordinariamente caro para a bolsa do pobre lavrador.
Actualmente na propria colheita, colheita miseravel e desgraçada como não ha memoria na região, o centeio continua a vender se a 750 réis os 16 litros, e não só o centeio novo, mas o centeio velho, e não ha centeio.
Nós votámos aqui uma lei autorizando a importação de centeio livre de direitos, para exercer uma acção benéfica no preço d'aquelle cereal e favorecer as classes consumidoras.
O que porem não se comprehende nem se admitte é, em virtude da execução d'essa lei, estar o povo a comprar centeio, na epoca da colheita a 750 réis o alqueire.
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16 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Note a Camara e registe o Governo, representado pelo Sr. Ministro da Guerra para o communicar ao Sr. Ministro das Obras Publicas e transmittir ao Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino, que ao lado das circunstancias que eu acabo de expor, ha a de que foi um anno agricola desgraçadissimo naquella região e os proprietarios que costumam dar trabalhos e prover á sustentação e alimentação das classes pobres, fornecer emfim ensejo para ganharem os meios de subsistencia e sustento de suas familias, não o puderam fazer este anno com a largueza dos annos anteriores, por lhe faltarem os indispensaveis recursos.
É necessario, é indispensavel que o Governo abra trabalhos publicos, pois a abertura d'esses trabalhos se recommenda pela economia e boa administração. Urge acudir a estradas começadas e não concluidas, que não se continuando serão estragadas completamente pela invernia, inutilizando-se d'esta forma todo o dispêndio feito.
Sobre estes dois pontos eu desejava chamar a atenção do Governo e quero pedir severas contas ao Sr. Presidente do Conselho, do modo como a lei relativa á importação de centeio está sendo executada, visto que as consequencias e os resultados são precisamente contrarios aquelles que nós esperavamos. Com relação ao outro ponto, desejava perguntar ao Governo se está ou não disposto a abrir trabalhos e a continuar as obras, o que é de boa administração, proporcionando assim aos trabalhadores os meios da sua sustentação e a de suas familias, e ainda se vá e ou não providenciar no sentido de que naquella provincia não falte pão, para os pobres não morrerem de fome.
É isto o que eu peco ao Sr. Ministro da Guerra que transmitia aos seus collegas do Reino e das Obras Publicas. Em uma das proximos sessões desejo que S. Exas. venham aqui para trocarmos explicações, ouvindo d'elles declarações terminantes e claras.
Não me satisfaço com respostas macavenquicas.
Diga S. Exa. isto ao Sr. Presidente do Conselho, pois que do que careço é de uma resposta clara e positiva porque o assunto é gravissimo.
Estou falando em nome dos interesses do país, que se prendem com a alimentação dos povos, que, pelo facto de serem pobres e trabalhadores e não fazerem parte dos arruaceiros da capital, teem tambem razão de serem ouvidos.
(O Digno par não reviu).
O Sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles):- Eu peai a palavra para dizer ao Digno Par que communicarei aos Srs. Presidente do Conselho e Ministro das Obras Publicas as considerações que S. Exa. fez e o desejo que apresentou de em uma das proximos sessões dirigir-lhes algumas perguntas.
Como o Digno Par sabe, os assuntos a que se referiu não correm pela minha pasta, para eu responder por forma a satisfazer os desejos de S. Exa., mas a maneira como o Governo tem procedido deve ser garantia de que não descurará esse assunto. A prova é que se importou o centeio e têem-se aberto trabalhos publicos.
O Sr. Jacinto Candido: - Aprova que o tem descurado é que se continua a vender o centeio a 750 réis o alqueire.
O Orador.: - Isso quer dizer que se deve importar mais ou tomar outras providencias.
O Sr. Jacinto Candido : - O que se deve dizer é que os assambarcadores, á sombra d'essa lei, estão enchendo as algibeiras e abusando de uma necessidade publica.
O Orador: - S. Exa. sabe que esta questão de abrir trabalhos é muito boa, mas depende de que o Governo o possa fazer, depende da sua utilidade e das suas condições.
Não quero tratar da questão com o Digno Par, mas quero simplesmente dizer a S. Exa. que o Governo procederá como melhor se lhe afigurar e tem a mesma boa vontade que o Digno Par tem de que o assunto se resolva.
(O Digno Par não reviu).
O Sr. Presidente: - A proximo sessão é na sexta feira. A ordem do dia é a continuação da que estava dada para hoje.
Eram 5 horas e meia da tarde.
Dignos Pares presentes na sessão
de 8 de julho de 1908
Exmos Srs.: Antonio de Azevedo Castello Branco, Eduardo de Serpa Pimentel: Marquez Barão de Alvito; Marquezes: de Ávila e de Bolama, de Sousa Holstein; Condes: de Arnoso, do Bomfim, de Castello de Paiva, de Figueiró, de Sabugosa, de Villa Real; de Villar Secco: Viscondes: de Algés, de Monte-São; Alexandre Cabral, Costa e Silva, Teixeira de Sousa, Campos Henriques, Carlos Roma du Bocage, Eduardo José Coelho, Fernando Larcher, Veiga Beirão, Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco Simões de Almeida Margiochi, Ressano Garcia, Baptista de Andrade, Jacinto Candido, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Vasconcellos Gusmão, José de Alpoim, Silveira Vianna, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Pimentel Pinto. Poças Falcão, Bandeira Coelho, Sebastião Telles e Sebastião Dantas Baracho.
O Redactor,
F. ALVES PEREIRA.