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SESSÃO N.º 25

EM 10 DE JULHO DE 1908

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Antonio de Azevedo Castello Branco

Secretarios - os Dignos Pares, Luiz de Mello Bandeira Coelho, Marquez de Sousa Holstein

SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta. - Expediente.- É introduzido na sala e presta juramento o Digno Par Sr. Casimiro Barreto Ferraz Sacchetti Taveira.-Alguns Dignos Pares inscritos cedem a palavra em favor do Digno Par Sr. Jacinto Candido, que faz declarações sobre a despesa que lhe fora attribuida na imprensa, relativamente a transportes em caminho de ferro quando Ministro da Marinha.- O Digno Par Sr. Luciano Monteiro pede explicações sobre o ultimo concurso para os legares de corretores de Bolsa e sobre a recente importação de centeio. Responde lhe. o Sr. Ministro das Obras Publicas.- O Digno Par Sr. D. João de Alarcão apresenta, por parte da commissão de fazenda, o parecer sobre o projecto de lei que concede o bronze destinado á estatua de Manuel Fernandes Thomás.- O Digno Par Sr. Teixeira de Sousa requer diversos documentos pelos Ministerios da Marinha e da Fazenda:- O Digno Par Sr. Visconde de Monte-São tambem requer documentos relativos ao Theatro de D. Maria II.

Ordem do dia: discussão do projecto de lei (parecer n.° 17) que fixa o contingente de recrutas para o exercito, armada, guardas municipaes e fiscal.- Usam da palavra os Dignos Pares Srs. Baracho, Arroyo e o Sr. Ministro da Guerra.- O Digno Par Sr. Dias Costa apresenta, por parte das commissões de fazenda e administração publica, o parecer sobre o projecto de lei que manda imprimir á custa do Estado as publicações da Liga Nacional de Instrucção.- É levantada a sessão.

Ás 2 horas e 30 minutos da tarde, o Sr. Presidente abriu a sessão.

Feita a chamada, verificou-se estarem presentes 33 Dignos Pares.

Lida a acta da sessão antecedente, foi approvada sem reclamação.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officio do Ministerio do Reino sobre um pedido de documentos feito pelo Digno Par Sr. Visconde de Monte-São.

Officio do Ministerio do Reino sobre um pedido de documentos feito pelo Digno Par Sr. Francisco José Machado.

Mensagem da Camara dos Senhores Deputados acompanhando um projecto de lei que tem por fim conceder uma pensão ás praças de pret do exercito e armada agraciadas com a Ordem da Torre e Espada.

A commissão de guerra.

Officio do Sr. João de Paiva, membro do grupo português da Conferencia Inter-Parlamentar de Paz pela Arbitragem, informando a Camara de que a mesma conferencia se realizará este anno, de 10 a 12 de setembro, em Berlim.

Officio do Ministerio das Obras Publicas sobre um pedido de documentos feito pelo Digno Par Sr. Sebastião Baracho.

Officio do Ministerio da Fazenda remettendo 120 exemplares da l.ª parte do Relatorio das Propostas de Fazenda, apresentadas á Camara dos Senhores Deputados em 3 do corrente.

Para distribuir.

Officio do Ministerio da Fazenda sobre um pedido de documentos feito pelo Digno Par Sr. Francisco José Machado.

Officio do Digno Par Sr. Moraes Carvalho agradecendo a expressão do sentimento da Camara pela morte de seu irmão.

O Sr. Presidente: - Está nos corredores da Camara o Digno Par Sr. Casimiro Barreto Ferraz Sacchetti Taveira.

Convido os Dignos Pares Srs. Gama Barros e Teixeira de Vasconcellos a introduzirem S. Exa. na sala para prestar juramento.

(Prestou juramento e tomou assento).

O Sr. Presidente: - Estão inscritos da sessão anterior, para falar antes da

ordem do dia, os Dignos Pares Srs. Luciano Monteiro, João Arroyo, Visconde de Monte-São, Alexandre Cabral, Francisco José Machado e Conde de Arnoso.

O Sr. Jacinto Candido: - Eu pedi a palavra para a sessão de hoje por meio de carta particular que dirigi a V. Exa.

O Sr. Presidente : - Eu inscrevo o Digno Par na devida altura.

Recebi uma carta de V. Exa., mas não posso desde já conceder-lhe a palavra, a não ser que os Dignos Pares inscritos permitiam que S. Exa. fale.

O Sr. Luciano Monteiro: - Não tenho duvida em que V. Exa. dê primeiro a palavra ao Digno Par Sr. Jacinto Candido.

O Sr. João Arroyo: - Sabendo que o Digno Par Sr. Jacinto Candido deseja referir-se a uma questão de caracter pessoal, não tenho duvida em ceder a palavra a S. Exa., mas desejo ficar inscrito para depois.

O Sr. Francisco José Machado: - Eu faço identica declaração.

Vozes: - Fale, fale.

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2 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O Sr. Presidente: - Vista a manifestação da Camara, dou agora a palavra ao Digno Par Sr. Jacinto Candido.

O Sr. Jacinto Candido: - Agradeço aos Dignos Pares que estavam inscritos a. gentileza de me concederem a prioridade no uso da palavra, e corresponderei a essa gentileza sendo o mais breve possivel para os não prejudicar.

Desejo ser claro e simples; nem quero irritar-me, nem indignar-me, por que talvez; em parte me coubesse a culpa de renascer agora uma celebre lenda de despesas de caminho de ferro, lenda que eu podia ter desfeito ha cerca de dois annos quando pela vez primeira d'ella tive conhecimento.

Foi o caso que um jornal monarchico e conservador publicara então uma pequena noticia de que eu sendo Ministro, gastara em transportes de caminhos de ferro, com migo e a minha familia, cerca de 5 contos de réis.

Quando soube d'esta noticia, tempos passados sobre a sua publicação, procurei immediatamente o. Sr. Ministro da Marinha (que então, era o Sr. Conselheiro Moreira Junior) para saber na repartição de contabilidade d'aquelle Ministerio o montante das despesas de transporte em caminho de ferro durante a minha gerencia.

O Sr. Moreira Junior mandou-me a respectiva, nota, da qual vi que me dizia respeito a quantia de 186$430 réis, sendo o restante despesas de transporte de officiaes e praças dependentes d'aquelle Ministerio, na totalidade de 4:370$355 réis.

Tenho essa nota aqui presente.

Quis nessa occasião vir a esta Camara esclarecer o assunto e desmentir o boato, mas, como alguns amigos me dissuadissem d'isso, e na verdade ninguem acreditasse tão absurdo boato, não o fiz.

D'ahi viria o resurgir agora a lenda, que me levou a solicitar do Sr. Presidente o uso da palavra a fim de pôr ponto á sua marcha progressiva.

De 5 contos de réis, que primitivamente se dissera, chegou-se a 6 contos de réis e logo a 8 contos de réis, segundo me informaram ; não sei até onde isto irá. Sr. Presidente: não quero estabelecer precedentes, nem ficará para mim estabelecido o de vir nesta tribuna desfazer boatos correntes ou responder a artigos de jornaes; vim hoje porque assim quis e entendi, para pôr ponto aos desvarios da fantasia e da leviandade.

Não procurarei ser mais rigoroso na classificação do facto.

Para meu serviço apenas tomei um salão, uma vez, para ir ao Bussaco com a minha familia, d'ali á Felgueira, por motivo de doença, e de lá voltar para Lisboa, vindo por Espinho com demora de um ou dois dias.

Esta fora a maior despesa feita e sempre julguei, e julgo ainda ao presente, que sendo Ministro, em exercicio de funcções, isto é, não estando com licença, me cabia o direito de ter passagem paga pelo Estado.

Esta doutrina a reputo eu legal e juridica, mas se a esse respeito ha duvidas cumpre que se esclareçam devidamente e por isso peço ao Governo que consulte as estacões officiaes competentes, e que a este respeito se assentem principios claros e definidos.

Se ao Ministro assiste aquelle direito, bem está; se resolverem que não, para mim essa resolução terá effeito retroactivo e pagarei ao Estado os 186$430 réis apurados pela repartição de contabilidade.

Não me confesso nem me reconheço devedor ao Estado; mas não quero ser juiz e parte na mesma causa: as estações competentes que o digam, conforme o seu juizo.

Estas explicações julguei do meu dever dá-las á camara e ao pais.

E bastará.

Novamente agradeço aos Dignos Pares o terem permittido que eu falasse em primeiro logar.

(O Digno Par não reviu.)

O Sr. Luciano Monteiro: - Para dois assuntos desejo chamar a attenção do Sr. Ministro das Obras Publicas: sobre o concurso para os logares de corretores de Bolsa, e sobre a execução da lei referente á importação de 2 milhões de kilogrammas de centeio, sem pagamento de direitos.

No Diario do Governo de 4 de janeiro ultimo, foi publicado um annuncio abrindo concurso para os logares de corretores de Bolsa. Dizia-se que o prazo para a apresentação de documentos seria de dois meses, isto é, até as quatro horas da tarde de 3 de março de 1908, e indicavam-se os documentos fundamentaes para a admissão ao referido concurso.

O regulamento respectivo a este assunto preceitua que o jury, ou a commissão destinada s, examina: os documentos dos concorrentes, deverá constituir-se até oito dias depois de findo o prazo marcado, e determina que no Diario do Governo se publiquem os nomes dos candidatos admittidos ás provas oraes.

Até hoje a Folha Official tem guardado a esse respeito mais absoluto silencio.

Portanto, pergunto ao Sr. Ministro das Obras Publicas qual o motivo por que, sendo já decorridos quatro meses depois do prazo indicado no annuncio, se não publicaram ainda os nomes dos candidatos admittidos.

Pergunto mais a S. Exa. qual tem sido o trabalho do jury, qual o numero dos candidatos e, na hypothese de algum não ter apresentado todos os documentos exigidos, se já está excluido e quem foi.

Com respeito á lei que autorizou o Governo a consentir na entrada de 2 milhões de kilogrammas de centeio, livres de direitos, lei que prejudica a Fazenda Publica na quantia de 36 contos de réis, e que tem por fim acudir á situação deploravel em que se encontram algumas classes desfavorecidas, principalmente nos districtos da Guarda e Castello Branco, pergunto ao Sr. Ministro das Obras Publicas se effectivamente já se importaram os 2 milhões de kilogramas de centeio, em que data, quem foram os importadores, quaes as medidas que o Governo tem adoptado para que a miseria publica não sirva de instrumento de ganância aos importadores, e por que preço se está vendendo o centeio.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Calvet de Magalhães): - Ouvi com toda a attenção as considerações feitas pelo Digno Par e, seguindo a ordem por que S. Exa. as formulou, procurarei prestar, e mais cabalmente que possa, os esclarecimentos que sobre o assunto me foram solicitados.

Com respeito ao concurso para provimento de logares de corretores de fundos tenho a declarar o seguinte.

Por despacho de 3 de janeiro do corrente anno foi mandado abrir concurso para logares de corretores de fundos, nos termos do artigo 10.° do regimento do officio de corretor, que autoriza o Governe a abrir concurso para esses logares, sempre que o julgue necessario.

O concurso não é aberto para o provimento de determinada vacatura, mas sim para preenchimento de qualquer vaga que possa occorrer em qualquer praça.

O concurso de que se trata foi annunciado no Diario do Governo de 4 de janeiro do presente anno, findando o prazo para apresentação dos requerimentos em 2 de março ultimo.

Concorreram dois candidatos: Armando José de Almeida Arantes, que juntou ao seu requerimento todos os necessarios documentos, e Arthur Mendes de Carvalho, que não juntou documento comprovativo do exame de lingua inglesa, e que, por isso, não pode ser admittido ás provas praticas.

O jury para essas provas é composto de funccionarios. dois dos quaes pertencem ao Ministerio das Obras Publicas.

Acontece porem que, no corrente anno, tem pesado sobre esses funccio-

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narios tão intenso serviço que não teem podido realizar-se aquellas provas praticas.

Convem todavia ponderar que não só não ha disposição legal que estabeleça prazo para a realização d'essas provas, mas tambem que não lia actualmente vacatura alguma a preencher.

É certo que um dos corretores officiaes da Bolsa do Porto se acha ausente em parte incerta, tendo ficado devedor de quantias importantes por transacções de que se havia incumbido, e que não liquidou, e que, pelo respectivo Tribunal do Commercio, lhe foi aberta fallencia.

Dispondo porem, o artigo 86.° do já referido regimento que cabe exclusivamente aquelle tribunal a applicação das penas aos corretores, incluindo a de destituição, não pode ser demittido aquelle corretor, sem que no Ministerio das Obras Publicas seja conhecida a competente sentença.

Relativamente á questão do centeio tenho a declarar que no dia 2 de junho proximo findo, já votada, mas ainda não publicada a lei sobre a importação extraordinaria d'aquelle cereal, a direcção do Mercado Central mandou percorrer por um delegado seu as regiões do commercio e da cultura do centeio mais importantes do país, a fim de averiguar se em alguns concelhos havia centeio disponivel para a venda, da colheita passada, ou já da colheita d'este anno; onde houvesse falta, quaes as quantidades precisas aproximadamente, até haver centeio novo, preços correntes e preços por que seria preciso vender e quaes as entidades idóneas para se encarregarem da venda e garantirem o pagamento do centeio fornecido.

O delegado do Mercado foi tambem encarregado de percorrer os pontos mais importantes da fronteira do país vizinho, e de averiguar se ali se poderia obter centeio em boas condições e vagon em qualquer estação portuguesa da fronteira e qual o prazo do fornecimento.

No dia 8 de junho foi publicada a lei que incumbia ao Mercado Central fazer a importação e a distribuição do centeio, e, ao mesmo tempo, expedi-lhe ordem para não contrahir sobre o assunto responsabilidade monetaria de qualquer especie, visto que não havia verba orçamental para satisfazer a despesa com a acquisição directa d'aquelle cereal, nem tão pouco a lei publicada havia providenciado a tal respeito.

O Mercado obtinha entretanto as seguintes informações:

1.° Que os negociantes não tinham centeio disponivel, ou só pequenas quantidades que vendiam a preços superiores a 43 réis o litro;

2.° Que o centeio exótico de Hamburgo, de Odessa ou da Romania só se poderia obter na primeira quinzena d'este mês e a preços muito elevados;

3.° Que, em Espanha, por intermedio dos nossos vice-consules, em Salamanca e em Freyeneda, se podia obter centeio a 35 réis o litro sobre vagon na Barca de Alva ou em Villar Formoso.

Nestes termos foram avisadas as respectivas camaras municipaes pelo Mercado Central.

Em cumprimento d'estas instrucções foram importados 660:000 kilogrammas de centeio assim distribuidos:

12 vagons para Almeida 12 vagons para Figueira de Castello Rodrigo.

6 vagons para Villa Nova de Fozcoa.

8 vagons para Torre de Moncorvo.

3 vagons para Villa Flor.

10 vagons para Alijo.

15 vagons para Castello Branco.

D'estes vagons, 44 provieram da offerta indicada pelo Mercado Central, e os restantes de outros negociantes encarregados pelas camaras municipaes.

O Mercado recebeu informações de que em alguns concelhos do districto de Castello Branco seriam precisas cerca de 250 toneladas de centeio, mas para ser vendido a 33 ou 34 réis o litro, o que era impossivel. Em 23 de junho veio o respectivo governador civil insistir pelo fornecimento d'aquelle cereal. Pedidas informações pelo Mercado Central sobre quantidades, preços, e sobre quem assumia a responsabilidade da compra e venda, respondeu aquella autoridade que, relativamente a preço, seria de 33 réis o litro, e não indicava quantidades nem quem se responsabilizava pelas transacções.

No dia 26 de junho, a novas instancias do governador civil, o Mercado Central acceitou a offerta da firma Rodrigues & Commandita, autorizando essa firma a importar 15 vagons de centeio ao preço de 38 réis por litro, posto no mercado de Castello Branco.

Direi finalmente que, apesar de todas as circunstancias que ficam referidas, e da curta vigência do regime de excepção estabelecido pela alludida lei, a sua benéfica influencia foi manifesta.

O Sr. Luciano Monteiro : - Cartas que tenho recebido da Guarda dizem que o preço do centeio continua sendo o mesmo.

O Orador:- O centeio, que chegou aos elevados preços de 900, 1$000 e 1$020 réis por 20 litros, depois da publicação da lei baixou logo a 800 e 860 réis por igual medida.

A offerta do Mercado Central fez depois baixar ainda estes preços para 700 e 760 réis e a 35 e 38 réis o litro.

Isto é, a lei produziu uma baixa de preços que, na peor hypothese, foi de 16 por cento, e na melhor, de 32 por cento dos preços correntes.

Sr. Presidente: parece-me ter dado, como me cumpria, todos os esclarecimentos solicitados pelo Digno Par.

O Sr. B. João de Alarcão: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda relativo ao projecto que autoriza o Governo a fornecer o bronze destinado á estatua de Manuel Fernandes Thomás.

Foi a imprimir.

O Sr. Teixeira de Sousa : - Envio para a mesa os seguintes requerimentos :

Requeiro que, pelo Ministerio da Marinha e Ultramar, sejam enviados a esta Camara com a maior urgencia:

1.° Nota das existências de dinheiro nos cofres ultramarinos á data de 28 de fevereiro de 1903;

2.° Importâncias pertencentes ao fundo do caminho de ferro de Malange, em deposito nos cofres ultramarinos e na Caixa Geral de Depositos á mesma data de 28 de fevereiro de 1903;

3.° Existencia, á mesma data, no Deposito, para as colonias, no Banco de Portugal e na mesma data;

4.° Total das despesas ultramarinas no anno de 1901-1902 e nos annos seguintes;

5.° Receita do caminho de ferro de Mormugão no anno de 1900-1901 e seguintes e data do contrato com a Southern Marathe;

6.° Nota dos officiaes superiores do exercito requisitados para exercerem commissões de serviço nas colonias, com excepção das de governador, datas em que foram requisitados, vencimento, subsidios, gratificações, etc., a partir de 1 de janeiro de 1905;

7.° Nota da importancia cobrada por multas applicadas á casa francesa Forges & Chantiers, em razão do contrato para a construcção dos cruzadores S. Gabriel e S. Rafael. - 10 de julho de 1908.= Teixeira de Sousa.

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, sejam remettidos a esta Camara, com a maior urgencia:

1.° Nota das quantias inscritas nos orçamentos geraes do Estado para "despesas geraes das provincias ultramarinas", desde 1895-1896 até 1907-1908;

2.° Nota dos supprimentos feitos pelo Ministerio da Fazenda ao da Marinha e Ultramar nos referidos annos economicos, desde 1895-1896 a 1907-1908;

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4 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

3.° Importâncias de creditos extraordinarios e especiaes abertos a favor do Ministerio da Marinha e Ultramar, para despesas d'este Ministerio, quaesquer que forem, exceptuando as que disserem respeito ao fundo de remissão de recrutas, desde 1890-1896 a 1907-1908, e exercicios em que foram mandados escriturar;

4.° Nota da divida fluctuante externa, em 28 de fevereiro, taxa maior e menor de juro e garantias, nas seguintes datas: 28 de fevereiro de 1903, 28 de março de 1904, 20 de março de 1906 e 18 de maio do mesmo anno;

5.° Nota. por meses, das despesas feitas com artigos de expediente para a Secretaria de Estado dos Negocios da Fazenda, desde 1895-1896 a 1907-1908;

6.° Nota, por meses, das despesas de transporte pagos em caminhos de ferro a empregados do Ministerio da Fazenda, desde 1890-1896 a 1907-1908;

7.° Nota da receita do imposto de consumo cobrado nas barreiras de Lisboa nos annos decorridos desde 1902-1903 a 1907-1908;

8.° Nota das despesas, a titulo de serões, feita no Ministerio da Fazenda nos annos decorridos desde 1895-1896 a 1904-1905;

9.° Nota do que foi apurado como divida do Estado á Casa Real pelo arrendamento de bens do usufruto da Coroa, a fim de ser dada execução á lei de 12 de junho de 1901, e como base dos decretos abrindo creditos especiaes para os exercicios de 1901-1902 e seguintes. - 9 de julho de 1908. = Teixeira de Sousa.

Foram expedidos.

O Sr. Visconde de Monte-São: - Mando para a mesa o seguinte requerimento :

Requeiro que, pela Direcção Geral de Instrucção Publica e Superior, do Ministerio do Reino, sejam enviados a esta Camara, com a maior urgencia, os documentos seguintes:

1.° Copia do officio do commissario do Governo junto do Theatro de D. Maria II, enviado em 24 de setembro de 1907 ao Governo Civil de Lisboa, avisando-o de que não deverá visar os cartazes de espectaculo d'aquelle theatro sem que á empresa apresente até o dia 31 de cada mês o recibo que mostre ter ella pago ao cofre de subsidios dos actores todas as quantias que, por lei, é obrigada a entregar-lhe.

§ 2.° Copia do requerimento a Sua Majestade em que a empresa de D. Maria reclama contra a exigencia do commissario do Governo. Tem a data de 26 de setembro do mesmo anno, e foi enviado, como manda a lei, por intermedio do mesmo commissario.

Com este requerimento deve vir a informação do commissario do Governo, citando a lei que o autorizara a representar ao governo civil.

3.° Copia do officio e despacho do Ministerio do Reino de 11 de dezembro de 1907, pelo qual o Ministro do Reino dispensa a empresa de apresentar o recibo do cofre de subsidios, para alcançar o visto dos cartazes.

4.° Copia do officio de 14 da dezembro do mesmo anno, em que o commissario de D. Maria communica á empresa o deferimento, dado pelo Governo, ao recurso por ella interposto.

5.° Officio que do governo civil devia ter sido dirigido ao commissario do Governo junto do theatro, era 31 de dezembro, estranhando que o commissario não tivesse communicado ao mesmo governo civil o despacho do Governo favoravel á empresa, dispensando-a da apresentação do recibo do cofre atrás citado. A remessa d'este officio foi communicada verbalmente á empresa, na occasião de serem visados os cartazes, á vista da referida dispensa.

6.° Copia do officio de 2 de janeiro de 1908. em que a empresa communica ao director geral de instrucção publica todo o succedido, a fim de que o mesmo director tomasse as convenientes providencias.

Sala das sessões, em 10 de julho de 1908. = 0 Par do Reino, Visconde de Monte-Sao.

Foi expedido.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o projecto de lei n.° 12, a que diz respeito o parecer n.° 17.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

PARECER N.° 17

Senhores. - Foi presente ás vossas commissões de guerra, de marinha e de administração publica o projecto de lei n.° 12, vindo da Camara dos Senhores Deputados, que fixa o contingente de recrutas para o exercito, armada e guardas municipaes e fiscal, no anno de 1908, em 16:900 recrutas, sendo 15:200 destinados ao serviço activo do exercito, 800 á armada, 500 ás guardas municipaes e 400 á guarda fiscal.

Tendo as vossas commissões apreciado devidamente quanto diz respeito não só á proporção, como ás condições da encorporação no exercito dos contingentes destinados ás guardas municipaes e fiscal e da transferencia das praças para as mencionadas guardas até o numero necessario para o preenchimento do referido contingente, preferindo-se as que voluntariamente sé offerecerem, são as mesmas commissões inteiramente concordes em que o projecto de lei alludido merece a vossa approvação para ser convertido em lei.

Sala das sessões das commissões, em 22 de junho de 1908. = Francisco Maria da Cunha = Sebastião Baracho (com declarações)= Julio de Vilhena = Conde de Tarouca = Luis de Mello Bandeira Coelho = Teixeira de Vasconcellos = F. J. Machado = Marino J. Franzini = João de Alarcão = Conde do Bomfim = Gama Barros = Pereira de Miranda = F. Beirão = Conde do Cartaxo = F. F. Dias Costa, relator.

PROPOSIÇÃO DE LEI N.° 12

Artigo 1.° O contingente para o exercito, armada, guardas municipaes e fiscal é fixado no anno de 1908 em 16:900 recrutas, sendo 15:200 destinados ao serviço activo do exercito, 800 á armada, 500 ás guardas municipaes e 400 á guarda fiscal.

Art. 2.° O contingente de 900 recrutas destinados ao serviço das guardas municipaes e fiscal será previamente encorporado no exercito, sendo as praças que se acharem nas condições exigidas para aquelle serviço transferidas para as mencionadas guardas até o numero necessario para o preenchimento do referido contingente, preferindo-se as que voluntariamente se offerecerem.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 16 de junho de 1908 = Libanio Antonio Fialho Gomes, Presidente = Amandio Eduardo da Motta Veiga = Antonio Augusto Pereira Cardoso.

N.° 6

Senhores. - Ás vossas commissões de guerra, de marinha e administração publica foi apresentada a proposta de lei n.° 3-G, de iniciativa do Governo, que fixa o contingente para o exercito, armada, guardas municipaes e fiscal, no anno de 1908, em 16:900 recrutas, sendo 15:200 destinados ao serviço activo do exercito, 800 á armada, 500 ás guardas municipaes e 400 á guarda fiscal.

Os contingentes destinados ás guardas municipaes e fiscal serão previamente encorporados no exercito, sendo as praças que se acharem nas condições exigidas para aquelle serviço transferidas para as mencionadas guardas até o numero necessario para o preenchimento do referido contingente, preferindo-se as que voluntariamente se offerecerem.

As vossas commissões, depois de uma reflectida apreciação, estão inteiramente de acordo com a proposta do

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Governo, e propõem a sua approvação nos termos seguintes:

Projecto de lei

Artigo 1.° O contingente para o exercito, armada, guardas municipaes e fiscal é fixado no anno de 1908 em 16:900 recrutas, sendo 15:200 destinados ao serviço activo do exercito, 800 á armada, 500 ás guardas municipaes e 400 á guarda fiscal.

Art. 2.° O contingente de 1:200 recrutas destinados ao serviço das guardas municipaes e fiscal será previamente encorporado no exercito, sendo as praças que se acharem nas condições exigidas para aquelle serviço transferidas para as mencionadas guardas até o numero necessario para o preenchimento do referido contingente, preferindo-se as que voluntariamente se offerecerem.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 29 de maio de 1908.- Mathias Nunes = Antonio Rodrigues Nogueira = Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho = Francisco Xavier Correia Mendes = José Joaquim Mendes Leal = João de Sousa Tavares - João José Sinel de Cordes = Roberto da Cunha Baptista = Thomaz de Aquino de Almeida Garrett = Manuel Antonio Moreira Junior = Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos = Ernesto Jardim de Vilhena = João do Canto e Castro Silva Antunes = Joaquim Anselmo da Matta Oliveira = Vicente de Moura Coutinho de Almeida d'Eça = Antonio Hintze Ribeiro = Conde de Penha Garcia = Duarte Gustavo Reboredo de Sampaio e Mello = José Caeiro da Matta = Francisco Cabral Metello = Paulo Cancella = Visconde da Torre = Eduardo Burnay = Antonio Augusto Pereira Cardoso, relator.

Proposta de lei n.° 3-G

Artigo 1.° O contingente para o exercito, armada, guardas municipaes e fiscal é fixado no anno de 1908 em 16:900 recrutas, sendo 15:200 destinados ao serviço activo do exercito, 800 á armada, 500 ás guardas municipaes e 400 á guarda fiscal. Art.° 2.° O contingente de 900 recrutas destinados ao serviço das guardas municipaes e fiscal será previamente encorporado no exercito, sendo as praças que se acharem nas condições exigidas para aquelle serviço transferidas para as mencionadas guardas até o numero necessario para o preenchimento do referido contingente, preferindo-se as que voluntariamente se offerecerem.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios da Guerra, em 18 de maio de 1908.

= Francisco Joaquim Ferreira do Amaral = Sebastião Custodio de Sousa Telles = Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha.

O Sr. Sebastião Baracho: - A questão militar é o assunto preferentemente tratado, neste momento, entre os povos civilizados, mormente na Europa, na Ásia e na America. A sua base primordial é o serviço obrigatorio, que tem tanto de sympathico na theoria, quanto é, frequentemente, antipathico na pratica. Concorrem para isso as dispensas de especie varia, effectivadas geralmente em proveito de nepotes e de afilhados, e a acção avariada dos caciques, os quaes libertam, do serviço militar os seus protegidos, com prejuizo manifesto dos desvalidos e proletarios.

Quando se discutiu a fixação da força publica, referi-me ao que se passava na Russia, em que, para um milhão e duzentos mil mancebos recenseados, se apuram apenas quatrocentos e setenta mil recrutas.

Em taes condições, pode-se reputar como tendo estabelecido efficazmente o serviço militar obrigatorio o imperio moscovita?

Só por simples ficção se pode admittir a affirmativa em caso tal.

Na Duma foram, recentemente, discutidas, com muita proficiencia, as questões militares. O Temps de 23 de junho ultimo dá no seu artigo editorial noticia circunstanciada dos debates parlamentares, em que se põem em relevo as deficiências orgânicas da defesa nacional naquelle vasto país.

O nefasto nepotismo em materia de recrutamento provocou, na Russia, a reacção popular, quando da guerra russo-japonesa.

Outro tanto tinha succedido já em Espanha, e em Italia, quando da guerra de Cuba. e da italiano-abexim.

Em Inglaterra, foi preciso interessar, na guerra do Transvaal, os filhos de poderosos e de dirigentes, muitos dos quaes pagaram com a vida a sua dedicação á causa metropolitana.

Só por este modo foi readquirido' o apoio da opinião publica, assaz abalada, por motivos diversos, sem exclusão das prevaricações nos fornecimentos, levadas a efteito por subditos britannicos, cujo avaro mercantilismo supplantava os sentimentos patrioticos.

Como é sabido, não existe em Inglaterra, serviço militar obrigatorio, que está legislado, com mais ou menos propriedade, nas outras nações que citei.

Na pratica, conforme notei já o serviço obrigatorio não passa, em regra, de um sonho, e de um bom sonho: ao invés da paz eterna que, segundo o autorizado conceito do marechal Moltke, é um sonho, e um mau sonho.

O projecto que se discute está vacinado, como o da fixação da força publica, pelo vírus da inconstitucionalidade. Segundo o artigo 7.° do 3.° Acto Addicional, de 3 de abril de 1896, já devia estar constituido em lei.

Debalde me esforço, sempre que se me offerece opportunidade, em lembrar ao Governo o caminho a seguir, perante a Carta caduca e obsoleta e seus appendices e addicionaes. Não vale a pena insistir, nesta occasião, em doutrinas cujo repudio, por parte de rotativos e consortes, é de longa data autenticado.

Lavrado por mim mais um protesto contra tal exorbitância, seja-me licito recordar que o Sr. Ministro da Guerra não se dignou fazer referencia alguma concernentemente ao meu velho alvitre de transformar a guarda municipal em guarda civil.

De novo insisto por essa transformação, que se impõe a todos os respeitos, attenta a tensão de relações existente entre essa corporação e o povo da capital.

E este melindroso estado de cousas não foi, por certo, attenuado com o apparecimento no Diario do Governo do dia 8, do relatorio da syndicancia effectuada pelo general Sr. Leopoldo de Gouveia, acêrca das sangrentas occorrencias eleitoraes do dia 5 de abril, as quaes tiveram por theatro as assembleias de Alcantara e de S. Domingos. Vezes, por assim dizer, sem conto instei por que apparecesse a lume essa peça do processo dos fáceis e gafados costumes hodiernos, senão do proprio e desconjuntado regime.

Comprehende-se a demora na sua gestação, e bem assim no seu apparecimento. É positivamente fantástico o que se lê em semelhante documento, cujo pretencioso estão e impertinentes apreciações destoam, em absoluto, das praxes correntiamente empregadas na elaboração de trabalhos d'estes, e de que destaco o seguinte trecho, positivamente lapidar:

Como militar que sou, membro d'esse exercito glorioso que é hoje e será sempre o mais seguro penhor da integridade da patria, todo o meu empenho consistiria em predispor benevolamente o espirito de V. Exa. e o de todos aquelles que lançam gravissimas accusações sobre uma corporação que ao exercito pertence, e á qual, no tempo de paz, cabe a missão árdua e espinhosa da policia municipal; não me compete, porém, advogar a causa, mas inquirir dos seus fundamentos, não attenuar responsabilidades, como defensor, mas apurá-las e reconhecê-las como juiz austero, que professa acima de tudo o culto da verdade e da justiça.

Desde que a policia militar e civil se conduziu pela forma cruelmente pre-

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1 Veja-se adeante o documento n.° 1.

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6 ANNAES DA CAMARA DOS DIGXOS PARES DO REINO

toriana, por todos conhecida, não havia meio hábil em predispor benevolamente a favor d'ella o espirito fosse de quem fosse, e, nesse objectivo, desempenhar as rectas funcções de juiz austero. A austeridade de juiz era incompativel com a benevolencia de narrador de tão repugnantes e abomináveis feitos policiaes, como foram os do sangrento dia 5 de abril.

Foi por isso que o syndicante, longe de relatar simplesmente., como lhe cumpria, se afundou em commentarios impróprios da imparcialidade indispensavel á missão que lhe estava incumbida. Não foi um investigador, foi um critico apaixonado, um foliculario, fustigando sofisticamente, a esmo, em proveito de malfeitores reconhecidos: a cidade de Lisboa e seus habitantes, as victimas da crueldade policial, a imprensa, o partido republicano, os eleitores que se não deixavam espoliar servilmente, e tutti quanti.

Não o acompanharei nesta senda dolorosa. A critica da syndicancia reside na sua leitura. O exercito, a quem o syndicante procurou divinizar, só tem a sentir, por certo, que tão mal o irmanasse.

Demonstra-o exuberantemente a sua attitude correcta e digna, suasoria e suave, quando em 6 e 7 de abril fez a policia da cidade, substituindo, nesse mister, os profissionaes, militares e civis, que antecedentemente tinham naufragado no sangue que derramaram copiosa e barbaramente, sem que uma beliscadura os attingisse, na execranda aventura em que foram autores descaroaveis.

Agora ficam irresponsabilizados, ou pouco menos, por quem, em logar de fazer justiça, preferiu cultivar o retinto facciosismo, inherente a sectarios dementados.

De resto, o Sr. Presidente do Conselho, na nota officiosa que facultou aos jornaes do dia 6 de abril, patenteou os mesmos sentimentos. Não me causou, portanto, a minima surpresa esta nova edição de irresponsabilizar delinquentes, á custa dos mais elementares preceitos da honestidade, da rectidão e da justiça.

Uma unica nota ainda vou ferir, e muito succintamente. Se ha* quem alimente a esperança de que o apparecimento, a publico, nesta occasião, da descaridosa, vexatoria e injusta syndicancia possa constituir um derivativo ás attenções que incidem, sobre a protervia dos adiantamentos, se ha, repito, quem alimente essa esperança, vive num completo engano.

O effeito repulsivo, produzido pela syndicancia, veio apenas avolumar a magua dimanante da instructiva controversia dos adiantamentos, com todas as suas nefastas consequencias.

Não podem, quiçá com ellas as instituições vigentes, ameaçadas de sossobrarem sob o seu peso esmagadoramente liquidatário.

Em materia de derivativo á Alcibiades, o que ha de real é o processo intentado pelo presidente ca mesa eleitoral de Alcantara, o Sr. Carvalho Pessoa, ao general syndicante.

Nunca se viu isto cá!
Pois viu-se agora.
Ora ahi está...

Assim se dizia na opereta famosa. Assim tem que se dizer na tragedia, e referentemente ao processo em que vae ser réu um graduado do exercito, que exorbitou affixadamente das suas funções, com prejuizo de terceiros, e com menoscabo da corporação de que faz parte. Faltava-nos isso!...

Posto isto, consignarei que a promoção do Sr. Vasconcellos Porto a coronel está julgada.

Está abaixo da do Sr. Espregueira, o qual, pelo menos, não era Ministro, quando foi improvisado general, nem teve de abrir caminho, conduzindo, por expedientes vários, a terem destino passivo dois generaes procedentes de infantaria, e diversos coroneis e tenentes-coroneis da mesma arma.

Desde, porem, que recebi da Secretaria da Guerra parte dos esclarecimentos que d'ali reclamei acêrca d'esta questão, e que, por ter feito uso da palavra duas vezes, não pude na sessão de 3 do mês corrente responder ao Digno Par Sr. Dias Costa, per a isso se oppor o nosso regimento, referir-me-hei ainda hoje a esse indigesto assunto.

Do discurso do Sr. Dias Costa apenas ha a fixar estes pontos:

O seu reparo por eu ter proferido a palavra sinecura;

A sua original interpretação do artigo 175.° da reforma do exercito de 7 de setembro de 1899;

E as suas louvaminheiras palavras acêrca da gerencia do Sr. Porte, como Ministro da Guerra.

Vamos por partes:

Sinecura ou prebenda diz-se da quem tem emprego rendoso e de pouco trabalho.

Eu, porventura, abusando linguisticamente, empreguei esta palavra, dando-lhe a accepção que melhor expressada fica pelo termo significativo de accumulador orçamentivero.

Neste, como noutros pontos, o Sr. Porto é typico. Manteve-se tumultuariamente como addido, sendo Ministro. Só assim podia conservar os Ioga ré s que perdia entrando no quadro, tanto na Companhia dos Caminhos de Ferro do Norte e Leste3 como no Ministerio da Marinha e na Escola do Exercito. D'este desistiu, precisamente, quando estava em accelerado andamento para se engendrar coronel, com prejuizo de terceiros e da moralidade no poder.

Antecipou por alguns meses, poucos, que lhe fosse applicado o artigo 23.° do decreto organico da Escola do Exercito de 23 de agosto de 1894, o qual não permite que os lentes militares d'aquelle estabelecimento tenham posto superior ao de tenente-coronel. Deu ao Diabo o que a Deus não podia ser aceito.

Contra os insaciáveis accumuladores insurjo-me de longa data. Haja em vista o meu requerimento formulado a esse respeito pelo Ministerio do Reino, constante dos Annaes de 4 de maio derradeiro, e que é d'este teor:

(Documento requerido em 1 de outubro de 1906, repetido em 7 de janeiro de 1907, e não satisfeito): - Relação nominal de todos os empregados civis e militares que, em contravenção dos §§ 5.°, 6.° e 7.° do artigo 1.° da lei de salvação publica de 26 de fevereiro de 1892, accumulam funcções ou serviços num ou em vários Ministerios, havendo nesta enumeração a considerar o seguinte:
a) Designação de todos os logares exercidos por cada acumulador; desde quando cada um d'estes exercita cada logar ou serviço; data e fundamento dos respectivos despachos; e se todos estes tinham, segundo o disposto no § 33.° do artigo 1.° da lei de meios de 30 de junho de 1891, o visto do Tribunal de Contas;

b) Menção de s nomes dos despachantes.

c) Indicação do que produz, em moeda corrente, cada serviço ou commissão; e totalidade do que aufere cada accumulante.

(Identicas informações peço por cada um dos outros seis Ministerios).

Desnecessario seria dizer que, ainda até hoje, nenhum Ministerio me informou sobre tão candente assunto.

Succede com elle o mesmo que acontece com os adeantados e adeantadores de categoria varia: - silencio em toda a linha.

A falta de documentos officiaes, o Paiz de junho de 1906 pode suppri-los, até certo ponto. Nenhum dos alvejados reclamou contra as affirmações d'aquelle jornal.

Foi elle precisamente que, em successivos artigos, sob a epigraphe - Os grandes comilões - me informou concernentemente aos cargos exercitados pelo Sr. Vasconcellos Porto.

Vários outros privilegiados e sugadores passaram por aquelle caleidoscópio, que tenho á mão.

Fica, pois, pelo que deixo exposto, explicado o que me dispertou o emprego da palavra sinecura.

Que me desculpem os médios accumuladores orçamentaes, os insaciáveis e pantagruélicos orçamentivoros, de que os differentes Ministerios se não dignam fornecer-me os nomes...

Dito isto5 passarei a occupar-me da in-

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SESSÃO N.° 25 DE 10 DE JULHO DE 1908 7

terpretação do artigo 175.° da reforma do exercito de 7 de setembro de 1899, assim concebido:

Artigo 175.° Todos os officiaes combatentes e não combatentes, empregados em serviço dependente do Ministerio da Guerra e nas guardas municipaes, exercendo 03 cargos de Ministro de Estado, ajudantes de campo, e officiaes ás ordens effectivos de Sua Majestade e Altezas, e de addidos militares juntos ás nossas legações no estrangeiro, são contados nos quadros das armas e serviços a que pertencem.

É positivamente adorável o reparo do Sr. Dias Costa, relativamente a não haver vaga no quadro, para Ministros nelle entrarem!...

Em tal caso, aguardariam na disponibilidade as vacaturas que no quadro lhes dessem ingresso. E, pelo facto de entrarem na disponibilidade, perderiam as nutrientes commissões, exercidas em qualquer Ministerio.

Mas era isso exactamente o que não se queria.

A dourada bagagem accumulativa do Sr. Porto só podia salvar-se com a situação de addido.

É assim se fez, com infracção das leis, consoante o reconheceu o proprio Sr. Conselheiro Sebastião Telles, e com a contravenção inilludivel dos mais elementares preceitos de probidade politica e de moralidade na administração publica.

E - circunstancia para ponderar - o Sr. Vasconcellos Porto, que não deu execução, na parte que lhe era respeitante, ao artigo 175.°, cumpriu-o com relação ao seu collega na pasta da Marinha, o Digno Par Sr. Ayres de Ornellas.

Basta passar a vista pelo Almanach do Exercito, referente a 31 de julho de 1907, da responsabilidade do Sr. Porto, para ali encontrar, como addido, este official, emquanto que o Sr. Ornellas lá figura, sendo Ministro da Marinha e Ultramar, no quadro do serviço do estado maior, a que pertence.

Convem informar que este almanach, o unico publicado durante a gerencia do Sr. Vasconcellos Porto, só foi distribuido em novembro de 1907, em plena ditadura, quando em Côrtes não podia ser chamado á autoria o Sr. Porto, pelos feitos que ficam indigitados.

Mais me agradaria, por certo, ter de me dirigir directamente ao Sr. Vasconcellos Porto para lhe apreciar os actos.

Na impossibilidade, porem, da sua presença para tal fim, nem por isso deixarei de cumprir o meu dever, commentando os mirabolantes acontecimentos que se deram, e que bem o merecem.

De resto, vacaturas de tenentes-coroneis não faltaram. Houve nem menos de 5, conforme a relação que tenho presente l. O que faltou foi vontade de as preencher, ou antes de o Sr. Porto preencher uma d'ellas com a sua propria pessoa.

Já vê o Digno Par o Sr. Dias Costa que o procedimento do Sr. Vasconcellos Porto não é susceptível de attenuantes, de especie alguma.

Com relação á gerencia do Sr. Porto, como Ministro, celebrado pelo Digno Par, sem outra especialização que não fosse a relativa, ao derramamento da instrucção, já disse o bastante para se poder avaliar, imparcialmente, quanto ella tem de desgraçada. Não deixo, porem, de reconhecer que ella foi, em verdade, copiosa, concernentemente aos exercicios de quadros, o que não diminue, na mais minima parcela, o estrondoso mallogro da mobilização da 4.ª divisão militar -operação esta que deveria representar a pedra de toque no ramo da instrucção com largos horizontes, e que o Sr. Conselheiro Sebastião Telles louvavelmente condemnou, pela forma inconveniente como se procurou levá-la a effeito. Um completo desastre!

Igualmente se manifestou contrario o Sr. Ministro da Guerra a que o Sr. Porto não tivesse dado cumprimento, saindo do quadro da sua arma, ao artigo 175.° do decreto com força de lei de 7 de setembro de 1899.

E certo que o Summario, correspondente á sessão de 3 do mês em decurso, não regista este importante facto, que recordo agora, precisamente por se ter dado essa omissão, que não é a unica, e que me obriga a versar mais uma vez este fastidioso assunto, cujo julgamento, de novo o recordo, está feito, em todo o ponto.

Recapitulando, pois, o que em sessões anteriores expus, tenho a consignar:

Que, perante a carência absoluta de fundamento para se fazer coronel, o Sr. Vasconcellos Porto pretendeu supprir pela quantidade o que lhe faltava na qualidade, para a ascensão aquelle posto;

Que, nessas condições, dois decretos, datados de 7, appareceram a publico em 9 de novembro de 1907: - um; de manhã, no Diario do Governo, com a rubrica do Sr. João Franco e a que nem o Sr. Sebastião Telles, nem o Sr. Dias Costa, sequer alludiram, tão falso elle é; e o outro, de tarde, na Ordem do Exercito, da responsabilidade immediata do Sr. Vasconcellos Porto, não menos falso do que o anterior, e repudiado indirectamente pelo Sr. Ministro da Guerra;

Que, pelo primeiro decreto, a promoção do Sr. Porto era baseada no artigo 73.° da lei de 12 de junho de 1901, emquanto que, pelo segundo, a legislação invocada era a que consta do § 2.° do artigo 196.° do decreto com força de lei de 7 de setembro de 1899:

Que na mesma Ordem do Exercito, e sob a epigraphe de Addidos, o Sr. Porto, o qual se promovera a si proprio, pelo citado artigo 196.°, promove simultaneamente a coronel, nos termos dos artigos 73.° e 110.° da carta de lei de 12 de junho de 1901, o tenente-coronel do estado maior, em serviço no Ministerio dos Negocios Estrangeiros, Sr. Azevedo Meira;

Que, segundo o testemunho explicito do Sr. Ministro da Guerra, é esta a legislação idónea que devia ser applicada ao Sr. Vasconcellos Porto; mas, como o não foi, é evidente que a promoção do Sr. Porto é irrita e nulla, a despeito de o Sr. Ministro ter preferido batalhar asperrimamente contra a lógica, do que prestar aberto culto a esta verdade, indubitavelmente axiomática;

Que, todavia, o Sr. Ministro da Guerra declarou que, ainda quando a promoção do Sr. Porto não tivesse sido legal, já hoje lhe pertenceria, a elle, o posto a que ascendeu, mesmo consoante a sua interpretação, o que eu contesto;

Que é sufficiente para isso recordar que ella foi realizada á sombra de uma legislação revogada, conforme as explicitas declarações do proprio Sr. Ministro;

Que, para se chegar, pelo beneficio dos quintos, a este deploravel resultado, a este beco sem saída, tiveram de ter destino passivo, conforme o mappa que elaborei e tenho presente: - 2 generaes de infantaria, 16 coroneis e 2 tenentes-coroneis da mesma arma, ao todo 20, não merecendo esta hecatombe uma unica palavra ao Sr. Sebastião Telles 1.

Que, devendo o Sr. Vasconcellos Porto estar no quadro, na sua qualidade de Ministro, não tinha, em tal situação, de ser impulsionado, como o foi, pelo tenente-coronel quê lhe era immediatamente inferior na escala, o Sr. Serpa Pimentel;

Que attenta a circunstancia de a lista dos coroneis ser commum para o ascenso ao generalato, resulta do alludido impulso uma embrulhada, essencialmente nociva a terceiros;

Que demais o Sr. Vasconcellos Porto, mantendo-se, illegalmente, sendo Ministro, na situação de addido, conservou as commissões que exerce no Ministerio da Marinha e na Companhia dos Caminhos de Ferro do Norte e Leste, e que voltou a exercitar logo que deixou os Conselhos da Coroa.

Recapitulada muito perfunctoriamente a escandalizadora epopeia do Sr.

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1 Veja-se adeante o documento n.° 2.

1 Veja-se no final d'este Summario o documento n.° 3.

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8 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Vasconcellos Porto, cuja defesa - por parte do Sr. Ministro da Guerra - mais accentuou os condemnaveis artificios com que foi urdida a sua irrita e nulla promoção, notarei que o Sr. Ministro não estava bem informado, quando, na penultima sessão, celebrou o desinteresse pecuniario do Sr. Espregueira, como general civil é claro.

O Sr. Espregueira vence soldo como general de divisão reformado, isto é, 180$000 réis mensaes, quando exerce, no Ministerio das Obras Publicas o seu logar de inspector, cujo ordenado, se a memoria me não falha é de réis 120$000. Alem d'isso, cobra as gratificações e ajudas de custo inherentes ao cargo.

Se como inspector tiver de se aposentar, assiste-lhe o direito de optar pelo soldo de reformado, isto é, de continuar a recebê-lo.

É de todos os tempos o conceito de Nicolau Tolentino:

Dinheiro, invicto dinheiro,
Só em ti é que eu me fundo;
Tens o direito, da força,
És o tyranno do mundo.

Obedecendo a esse preceito, o Sr. Espregueira apresentou as suas medidas fazendarias, cuja inopportunidade não admitte a mais pequena duvida.

São ellas, demais, amoldadas pela rotina mais accentuada, e cheias de armadilhas e alçapões proprios de um país em plena decadencia.

Assim, não vacilla o Sr. Espregueira em impor pesados direitos de mercê a todos os dignitarios da Ordem da Torre e Espada e aos agraciados com a grancruz e o grande officialato da Ordem de Avis, até hoje isentos de pagamento de direitos da mercê.

Quando em novembro de 1906 foram aumentados os vencimentos dos officiaes do exercito e da armada, apenas foram excluidos d'essa medida equitativa os generaes de terra e mar.

Citei então o facto, sem formular, e muito propositadamente, segundo está nos meus habitos, reclamação ou pedido algum a favor dos excluidos. Ha poucos dias, pus em. relevo, como justo e platónico desabafo, a circunstancia de os coroneis e os generaes serem mais mal retribuidos que outros funccionarios, como os juizes da Relação, com muito menos tempo de serviço.

Esta situação nada invejável seria fundamentalmente aggravada, se chegasse a ser convertida em lei a medida de Fazenda do Sr. Espregueira, tributando as ordens militares da Torre e Espada e de Avis. Esta, especialmente, é imposta aos officiaes. Não lhes é facultativa.

Em taes condições, representa um imposto a que unicamente o Sr. Espregueira seria susceptível de lançar a rede varredora.

E pratica-se semelhante extorsão, na constância da pretensa liquidação dos adeantamentos illegaes á Real fazenda, das obras dos Paços Reaes, dos comboios extraordinarios, dos adeantamentos a nepotes e afilhados, e da impunidade de adeantadores e de adeantados, os quaes, ao que parece, são aos cardumes.

O Sr. Espregueira é, na verdade, sui generis. Elle, cuja metamorfose em general, com grossos = proventos, só é excedida, sob a sua feição escandalosa, pela promoção do Sr. Porto a coronel; elle que não pagou direitos de mercê pelos graus da Ordem de Avis. a qual lhe não pertencia, pretende fazê-los pagar aos outros, a quem de jus ella pertence.

Pode haver manifestação cê mais revoltante impudor? Não causa a minima surpresa esta sua maneira de proceder.

Está-lhe na tradição.

(8. Exa. & não reviu),

O Sr. Dias Costa: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda e administração publica relativo ao projecto de lei que manda imprimir á custa do Estado as publicações feitas pela Liga Nacional de Instrucção.

Foi a imprimir,

O Sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles):- Vou responder, se bem que resumidadamente, ás considerações que o Digno Par Sr. Sebastião Baracho acaba de fazer, a proposito do projecto em ordem do dia.

S. Exa. reportou-se a assuntos militares, e não só disse qual a opinião que lhe era suggerida pela leitura da proposta em debate, como reproduziu argumentos apresentados em uma das sessões anteriores.

Alludiu o Digno Par ao serviço obrigatorio, mostrando-se, como é natural, e como não podia deixar de ser, favoravel ao preceito que obriga todos os cidadãos a alistarem-se nas fileiras do exercito.

Todos applaudem, todos reconhecem a excellencia de um tal principio, que, afinal, é essencialmente theorico, e que, em absoluto, se não cumpre em parte alguma.

A igualdade no serviço militar não existe.

O serviço pessoal obrigatorio amolda-se ás condições especiaes de cada país.

Na Russia, para um contingente de 1:200:000 homens, só se apuram 460:000. Na Allemanha dá-se caso identico, e o mesmo acontece em França e na Italia.

Avançou o Digno Par uma verdade quando disse que o serviço obrigatorio não importa ou significa uma panaceia que cure todos os males da organização militar.

Esse principio, se em theoria é excellente, encontra na pratica inconvenientes de certa ordem.

Se toda a gente condemna as remissões a dinheiro, condemnaveis são as dispensas, as isenções e outros meios a que se recorre para se não estar ao serviço activo do exercito.

Eu, pelo que respeita ao ponto restricto de que se trata, prefiro que entre nós se mantenha o actual estado de cousas, que tende, ao menos, a desaggravar de algum modo as nossas circunstancias financeiras.

Quanto á tardia discussão do projecto em ordem do dia, convem lembrar que se deve isso á circunstancia de se ter inaugurado a sessão legislativa muito aquém do prazo que a Constituição marca. Foi, porem, apresentado dentro do prazo legal, e se está ainda dependente de approvação é por motivos que de todos são conhecidos.

O Sr. Sebastião Baracho: - Eu não disse que não tinha sido apresentado no prazo legal.

Disse que não tinha sido approvado dentro do anno economico.

O Orador: - O Digno Par, em uma das sessões anteriores, quando se discutia aqui a fixação da força do exercito, emittiu a opinião de que seria de toda a vantagem que a nossa guarda municipal fosse transformada, e ficasse com uma organização igual á guarda civil em Espanha, e á da gendarmerie em França.

Queria S. Exa. que a guarda municipal constituisse um corpo de policia, não só para Lisboa, .como para todas as povoações do país.

à ideia é boa, e tem encontrado applauso por parte dos que se interessam nestes assuntos ; mas convem lembrar que essa nova ordem de cousas tem o inconveniente de exigir maior dispêndio, que, aliás, se não compadece com os nossos minguados recursos, ou com as actuaes circunstancias financeiras.

Imagina-se que transformada a guarda municipal em corpo de policia para todo o país, ella acabava em Lisboa.

Não é assim.

A gendarmerie francesa existe nas provincias, mas em Paris ha a guarda republicana.

Se nós déssemos á nossa guarda municipal a feição que possue a gendarmerie francesa, mister seria que em Lisboa tivessemos mais policia a pé e a cavallo, o que aumentava consideravelmente a despesa.

Eis a razão por que, sendo boa a ideia, ella não pode, pelos motivos expostos, levar-se á pratica.

Referiu-se em seguida o Digno Par

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SESSÃO N.° 25 DE 10 DE JULHO DE 1907 9

á syndicancia feita por um official do nosso exercito, aos acontecimentos de 5 e 6 de abril.

A este respeito pouco tenho que dizer, porque é assunto que não corre pela minha pasta.

Ha um ponto, porem, que directamente me respeita, e esse é a nomeação do official encarregado da syndicancia.

Entendi que não podia deixar de incumbir esse encargo a um official general, visto que uma das autoridades que tinha responsabilidades nos acontecimentos de abril era o commandante da guarda municipal.

Sendo o commandante d'esse corpo um coronel antigo, não podia ser syndicado, discutido ou apreciado o seu procedimento por um oficial, de patente inferior.

A syndicancia fez-se a instancias do Ministerio do Reino, e foi do titular da respectiva pasta que o official d'ella encarregado recebeu instrucções.

Ultimada a syndicancia, foi publicado o relatorio, cujas primeiras palavras receberam do Digno Par Sr. Sebastião Baracho uma interpretação que pode ser a precisamente contraria á que ellas pretendem significam.

Pode porventura censurar-se que esse official syndicante, depois de imparcialmente julgar dos factos, viesse dizer que a guarda municipal se encontrava em condições de satisfazer aos fins a que era destinada?

Disse o Digno Par que a syndicancia, concebida em termos taes, preparava a impunidade da guarda municipal.

Não me parece que assim seja.

Pois ha de condemnar-se o procedimento da força publica, sem se avaliarem as circunstancias que a forçaram a determinados actos?

Não pode ser.

Pois então não teve a syndicancia a acompanha-la o depoimento de cento e tantas testemunhas?

E depois urge dizer que uma syndicancia não equivale a um julgamento.

O syndicante não absolve nem condemna. Aponta os factos, e é á justiça que compete avaliá-los, para lhes applicar a pena adequada.

É uma preparação para o julgamento, e nada mais.

É notório que nos acontecimentos de 5 e 6 de abril houve mortes e ferimentos.

Não se pode deixar de deplorar o derramamento de sangue, ainda quando se morra em defesa da patria; mas forçoso e indispensavel é convir em que a força publica não pode deixar de desaggravar-se, quando é atacada.

Allega-se que não houve ferimentos entre os soldados da guarda municipal; mas averiguou-se que elles foram alvo de tiros e pedradas, que, por acaso, não acertaram.

Pois então, porque morrem um ou dois homens, ha de a força publica quedar-se impassível perante as arremettidas de uma multidão notavelmente aggressiva ?

Se os populares que estavam junto á Igreja de S. Domingos não reincidissem nos seus ataques, não se produziria uma nova descarga por parte da guarda municipal.

Como pode pôr-se em duvida a imparcialidade da syndicancia, quando se aponta que as responsabilidades não estão só de um lado?

O assunto, como disse e repito, em nada intende com a pasta que actualmente me está confiada; mas, cedendo a um antigo habito, expresso, sem a menor repugnancia, a minha opinião individual sobre os factos mencionados. Á justiça compete agora fazer o seu julgamento, e castigar aquelles que tenham delinquido.

A seguir, o Digno Par queixou-se da falta de documentos por S. Exa. requisitados ao Ministerio da Guerra.

A este respeito direi que tenho enviado aquelles que tem sido possivel preparar, e que diligencio remetter os restantes.

Tenho recommendado que sejam sempre attendidas as requisições de documentos feitas pelos representantes da nação.

Pelo que toca aos chamados adeantamentos, não existem no meu Ministerio documentos a tal respeito.

Só tenho conhecimento d'aquelles que são feitos pela Caixa Geral de Depositos, e nos precisos termos da lei de 1892.

Quanto aos outros adeantamentos, aquelles de que tanto se tem falado nos ultimos tempos, não desejo antecipar a discussão que, naturalmente, se ha de realizar nesta Camara.

O Sr. Sebastião Baracho: - Peço a V. Exa. que repita essa declaração.

O Orador: - Disse eu que não antecipo de maneira alguma a discussão dos adeantamentos, porque d'elles, naturalmente,- se ha de occupar esta Camara.

O Sr. José de Alpoim: - V. Exa. disse que a questão dos adeantamentos ha de vir a esta Camara?

O Orador: - Decerto que, vindo á outra Camara, ha de vir a esta.

O Sr. José de Alpoim:-Isso não é razão.

Bem é que fique consignada a declaração de V. Exa.

O Orador: - Que declaração ?

O Sr. José de Alpoim: - De que virá á Camara a questão dos adeantamentos.

O Orador: - O Digno Par engana-se redondamente se quer attribuir ás minhas palavras outro sentido que não seja o que lhe dei e dou.

O meu intuito é dizer que, vindo á Camara o projecto da lista civil, naturalmente se discutirá a questão dos adeantamentos, como se tem feito na outra casa do Parlamento.

E quero accentuar ainda que falo em meu nome, e não em nome do Governo.

Tratou depois o Digno Par da promoção do Sr. Vasconcellos Porto.

Entendo que não vale muito a pena insistir neste ponto, porque, a meu juizo, essa promoção foi feita em conformidade com a lei vigente.

Embora a citação da lei não fosse a que pareça mais genuina ou autentica, o certo é que, em virtude de um conjunto de circunstancias, a promoção do Sr. Vasconcellos Porto não teria deixado de se fazer.

O Sr. Sebastião Baracho: - Em tempo proprio e conforme a lei, o que não se fez. Até V. Exa. o reconhece pelo que está dizendo.

O Orador: - Quanto á questão do Sr. Espregueira, eu até já tenho vergonha de me referir a esta questão.

O Sr. João Arroyo: - Porque é que tem vergonha?

O Orador: - Porque receio fatigar a Camara com uma questão que já é velha.

O Sr. José de Alpoim: - É nova este anno.

O Orador: - Eu retiro-me a 1899, quando o Digno Par cá estava.. .

Que pena tenho de que não esteja ainda!

Em 1899 o Sr. Espregueira não teve vantagem alguma de vencimento com a reforma do Ministerio da Guerra.

O Sr. Sebastião Baracho: - Teve, teve. Está muito bem alimentado.

O Orador: - Mas não fui eu.

O Sr. Sebastião Baracho : - Foi V. Exa. quem preparou isso.

O Orador: - Foi a reforma de 1901 que lhe aumentou o vencimento, e isso não podia eu prever.

O Digno Par Sr. Baracho terminou o seu discurso referindo-se ás condecorações.

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10 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Pode S. Exa. estar certo de que eu hei de faiar com o meu collega da Fazenda; e acrescentarei que a minha opinião concorda com a do Digno Par.

Tenho dito.

O Sr. João Arroyo : - Sr. Presidente: pedi a palavra, não para me referir nesta altura da sessão á questão dos adeantamentos nem ao dialogo do Sr. Ministro da Guerra com o Digno Par Sr. Alpoim.

Parece que o Sr. Conselheiro Sebastião Telles se agastou um pouco com aquelle Digno Par.

S. Exa. não comprehendeu as palavras do Sr. Alpoim ou fingiu não as comprehender.

Mas deixemos isso, que já passou. Pedi a palavra para tratar de outro assunto - o que foi versado entre o Digno Par Sr. Baracho e o Sr. Ministro da Guerra.

Sr. Presidente: no momento presente da sociedade portuguesa, em que das cadeiras do poder se grita todos 'os dias a necessidade de proceder-se á acalmação dos espiritos e dos temperamentos, que possa conduzir a uma vida de normalidade funcional, não posso deixar de tomar a palavra para abordar a parte em que o Sr. Ministro da Guerra, no seu discurso, se occupou da syndicancia sobre os acontecimentos de abril. A esse respeito tinha o Digno Par Sr. Baracho feito considerações" sensatas e verdadeiras.

Não censuro o Sr. Ministro da Guerra por S. Exa. ter procurado desculpar o general syndicante, visto ser essa a attitude propria de um Ministro em relação aos seus subordinados.

A syndicancia é da responsabilidade do Governo, e a escolha do syndicante devia ter sido da iniciativa do Sr. Ministro da Guerra.

Tambem nada tenho que replicar ás palavras do Sr. Ministro da Guerra relativamente á categoria do syndicante.

Porem, nada d'isso altera a verdade, justeza, ou justiça que possam haver ou deixar de haver nas considerações do Sr. Conselheiro Sebastião Telles. Quando vi que S. Exa. ia referir-se a uma syndicancia que entende com os acontecimentos que mais teem provocado, já não digo a attenção da curiosidade publica, mas o espanto da capital, imaginei que, embora com sacrificio, acabaria por collocar-se ao lado do Sr. Baracho.

Mas o Sr. Ministro da Guerra respondeu com muito mais calor do que aquelle que S. Exa. costuma pôr nas suas orações parlamentares.

Pediu que a acção da justiça recaísse implacavel sobre todos os culpados, quaesquer que fossem, e a sua voz elevou-se então indignada e nervosa.

Apoiado! Eu tambem quero a maxima imparcialidade. Apoiado! Mas é preciso ver se o caminho seguido é o mais proprio e conveniente para conseguirmos esse fim.

Não vou collocar o Sr. Ministro da Guerra em opposição com o que disse o Sr. Baracho. Vou confrontar as palavras de S. Exa. com o texto da syndicancia d'esse official general, que não tenho a honra de conhecer, mas a quem presto a homenagem a que tenham direito as suas qualidades pessoaes.

No momento, porem, em que se tratava de occorrencias que originaram 14 mortes e quasi 100 ferimentos, exigia-se uma syndicancia, não para julgar, mas para inquirir, e para isso é preciso imparcialidade, não partidarismo; espirito de independencia e não de proselytismo; um investigador dos factos e não um defensor dos syndicados; um apuramento do que se julgasse ser a verdade, e não uma cousa que pode considerar-se o estandarte de um partido, o programma de uma ideia, o desenvolvimento de uma theoria; não uma cousa que, por forma alguma, pode representar a determinação de um estado de espirito de imparcialidade e de justiça.

Sim, eu estou de acordo com o Sr. Ministro da Guerra na independencia que o julgamento deve ter, mas não estou de acordo com a existencia do partidarismo da syndicancia; estou de acordo em que se deve fazer justiça igual, mas não em que um official general procure provar que se tentava denegrir a integridade do exercito português, que ninguem atacou, é ainda, por cima, venha offender os legitimos direitos politicos dos cidadãos e até da imprensa.

Sr. Presidente: ninguem, desde os arraiaes mais conservadores até aos mais avançados, tem negado o elogio, o encómio, a apotheose devidos em geral ao exercito português.

Seria injustiça; mais ainda, seria ingratidão.

Mas vejamos, Sr. Presidenta, vejamos como se apresenta o syndicante.

Imagina V. Exa. que elle vem relatar ao Governo como os factos se passaram ?

Não, senhor.

O syndicante - caso unico em qualquer circunstancia! - prefacia o relatorio dos acontecimentos com uma longa exposição de caracter geral, theorico, sobre quê?

Sobre as glorias do exercito português, que ninguem discutiu, sobre o prestigio da forca armada portuguesa, que ninguem ainda poz em duvida.

Começa por estes termos:

Como militar que sou membro d'esse exercito glorioso que é hoje e será sempre mais seguro penhor de integridade da Patria, todo o meu empenho consistirá em predispor benevolamente o espirito de V. Exa.

Predispor?

Então o Sr. General Gouveia foi nomeado syndicante para predispor em favor de quê, ou de quem?

O Sr. General Gouveia foi nomeado syndicante para criar uma atmosphera de favor?

Predispor é dispor a favor.

Predispor!

Quem o encarregou de tal? Quem o encarregou de fazer o elogio, aliás escusado, do exercito português? Quem lhe deu a missão de procurar collocar aquelles que atacaram os abusos da força em õ de abril na posição de pretenderem denegrir o brilho do exercito ?

Pois então é justiça, é imparcialidade começar um syndicante por dizer que o seu primeiro empenho vae ser predispor benevolamente o espirito de S. Exa. e de todos aquelles que lançam gravissimas accusações contra determinada força do exercito?!

Então elle vinha illudir S. Exa.?

Então elle vinha procurar alterar a normalidade do espirito de S. Exa.? modificar, de alguma maneira, a disposição de espirito de todos aquelles que tivessem de julgar?

Se fez isto, então esse official provou que não tinha a serenidade precisa para inquirir imparcialmente.

Mas continua o syndicante:

"Tem-se falado muito na educação da policia; a educação do povo é que devia ser cuidada por outros processos que não os empregados pelos jornalistas e oradores avançados, que nas columnas das gazetas, ou na tribuna dos comicios, procuram adular as massas populares, lisonjeando-lhes os defeitos, explorando, como mercadores da politica, as invejas e despeitos, excitando ao odio e ás represálias, sem repararem, no ardor do seu empenho, que podem ser tambem victimas da irritação que provocam, como o mineiro inconsciente que, ao cavar mais fundo no bloco do minerio, não prevê o desmoronamento que o ameaça "

Sr. Presidente: eu não estou aqui como representante nem como procurador official da imprensa portuguesa, mas protesto energicamente, vehementemente, contra isto de lançar sobre uma nobre, instituição as mais injustas censuras, de attribuir-lhe intenções que ella não tem, de denegrir a reputação, a fama e a gloria do exercito português.

Protesto contra este facto, que não é de um imparcial, de um justo, de um tranquillo syndicante, mas simplesmente de um partidario, de um proselyto, de um apaixonado, que, antes de expor aquillo a que elle chama a verdade dos acontecimentos, quer predispor o animo de quem tiver de julgá-los.

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SESSÃO N.° 25 DE 10 DE JULHO DE 1907 11

Sr. Presidente: a obrigação do Governo, do qual S. Exa. é ornamento e importante (Apoiados) ao verificar que o official syndicante, exorbitando das suas attribuições, ousara apresentar esta obra apaixonada, era devolver-lha.

Sr. Presidente: quem pode acceitar este documento como sendo a alta expressão da verdade e da justiça?

Se S. Exa., recebendo este documento, fizer obra por elle, dir-lhe-hei que, emquanto houver voz na tribuna parlamentar e na imprensa, não deixará de ouvir pedir justiça em altos brados, porque assim o exige e ha de exigir a opinião publica.

Pela resposta de S. Exa. ficou-se sabendo que a syndicancia foi recebida no dia 30 de maio e que só a fizeram publica no principio de julho.

Trinta dias ou mais se volveram entre a entrega d'este documento e a sua publicidade.

Em seguida S. Exa. veio á Camara e pretendeu ver nas palavras que eu acabei de ler, outro aspecto completamente differente, outra interpretação ao sentido que ellas claramente revelam e patenteiam!

Oh! Sr. Sebastião Telles, desculpe-me V. Exa.. Nós temos a maior consideração por V. Exa. Eu tenho pela sua figura parlamentar e politica, e pelos seus actos, não sympathia, mas apreço. (Apoiados). Direi mais, a minha attitude parlamentar, desde que V. Exas. se apresentaram ás Camaras, creio que não pode considerar-se como a de uma opposição intransigente a V. Exas.

V. Exa. sabe bem como essa opposição se faz, mas eu tenho-me mantido unicamente na espectativa mais benévola, tenho ponderado os actos do Governo e tenho tido momentos de paciencia para desculpar alguns.

Mas tudo tem limites.

Ha uma cousa que eu peco a V. Exa. se alguma cousa posso pedir: é que não nos disfrute. (Risos),

V. Exa. leia este documento serenamente e depois, quando vir os seus collegas permanecerem silenciosos perante as affirmações que o official syndicante fez, não tome isso como approvação, mas simplesmente como deferencia pessoal.

Sr. Presidente: a attitude do Governo, em presença d'este assunto, parece-me que reveste uma gravidade especial, se porventura o procedimento do Governo se moldar pelas declarações que faz o Sr. Ministro" da Guerra.

Reflicta S. Exa. em que, na actual conjuntura, podem ser gravissimos os resultados provenientes da attitude de considerar como obra de syndicancia, ou com aparência de syndicancia,

aquillo que só pode considerar-se um manifesto partidario.

Esta syndicancia precisa ser substituída por outra, feita por alguem que não exhiba doutrinas ou theorias partidarias, porque essa não é, nunca foi e nunca poderá ser a funcção de um syndicante.

Sr. Presidente: vou terminar, porque entendo que neste momento não devo abusar da attenção da Camara e da benevolencia de V. Exa.

O Sr. Presidente : - A hora está a dar.

O Orador: - Unicamente duas palavras.

Volto-me para o Sr. Ministro da Guerra e lembro-lhe que é altamente inconveniente para o país, para o exercito e, sobretudo para as instituições, um relatorio d'esta ordem.

Faz mal ás instituições e não defende o exercito, que não precisava ser defendido.

Pensem nisto: faz mal ás instituições.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente: - Deu a hora. A primeira sessão é na segunda feira. A ordem do dia é o projecto em discussão.

Está encerrada a sessão.

Eram 5 horas e meia.

Dignos Pares presentes na sessão
de 10 de julho de 1908

Exmos. Srs.: Antonio de Azevedo Castello Branco, Eduardo de Serpa Pimentel; Marquezes: de Ávila e de Bolama, de Sousa Holstein; Condes: de Arnoso, de Bomfim, de Figueiró, de Sabugosa, de Villa Real; Viscondes: de Algés, de Asseca, de Athouguia, de Monte-São; Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Teixeira de Sousa, Campos Henriques, Ayres de Ornellas, Carlos Palmeirim, Ferraz Sacchetti, Carlos Bocage, Eduardo José Coelho,- Fernando Larcher, Mattozo Santos, Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Francisco Maria da Cunha, Simões Margiochi, Ressano Garcia, Baptista de Andrade, Gama Barros, Jacinto Candido, D. João de Alarcão, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, José de Alpoim, Vasconcellos Gusmão, Silveira Vianna, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Pimentel Pinto, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Sebastião Telles e Sebastião Dantas Baracho.

O Redactor,
ALBERTO PIMENTEL.

Documentos a que se refere o discurso do Digno Par Sr. Sebastião Baracho

DOCUMENTO N.° 1

A Duma e o exercito russo

Sob esta epigraphe publica o Temps, em editorial, no seu numero de 23 de junho de 1908, o seguinte e interessante artigo:

"O zelo e o cuidado com que a Duma procede ao exame dos orçamentos russos são dignos de elogios. É um espectaculo novo. Tambem os Ministros têem supportado, contra sua vontade, as criticas dos accusadores: mas finalmente a moderação e a sabedoria dos Deputados têem-nos transformado. Elles formulam, em linguagem comedida, observações que os Ministros acatam, como tendo um grande fundo de verdade.

Comprehendidos assim os seus deveres e o seu papel, a Duma presta ao Imperio um precioso serviço. Ella merece o reconhecimento do povo russo, desejoso 'de que se ponham a descoberto as taras da administração.

A este respeito, é interessante reproduzir o occorrido em algumas sessões, durante as quaes se discutia, em S. Petersburgo, o orçamento do Ministerio da Guerra.

A votação do contingente dá, primeiro que tudo, logar a interessantes conhecimentos sobre o valor numerico do exercito russo. Foi de 470:000 a cifra fixada para o contingente annual, que é muito inferior aos recursos de que o imperio dispõe.

Em cada anno reúnem-se aproximadamente 1.200:000 recrutados; mas a lei de 1874 prevê um tão grande numero de casos de dispensa que se não pode avaliar em mais de 60 por cento o numero de recrutas legalmente encorporados.

E a este numero ainda ha que abater todos aquelles que são considerados physicamente inaptos para o serviço.

Tambem os casos de reforma d'esta natureza são desgraçadamente numerosos devidos, em grande parte, não só a má hygiene do trabalhador russo, como tambem á deficiente alimentação e á insufficiente prophylaxia no que respeita a doenças de caracter grave.

Em resumo, o numero de 470:000 recrutas é o maximo a que se pode elevar o contingente, ficando 430:000 á disposição do Ministro da Guerra, desde que é necessario preencher o contingente da armada, o das guardas de fronteira e o das tropas dos comboios.

É portanto o numero indispensavel para manter em pé de guerra um exercito de 1.200:000 homens, conforme preceitua a lei de 20 de março de 1906 - lei que baixou a tres annos o tempo de serviço militar.

Por todas estas razoes a Duma acceitou o numero fixado em 470:000 recrutas.

Termina no actual anno o programma quinquenal adoptado em 1903. Uma ordem especial de 15 reconheceu que a Duma se tinha de pronunciar, não só sobre o orçamento da guerra, como sobre todos os outros.

Fortalecida com esta garantia, ella não tem sido mesquinha no tocante aos creditos que lhe tem sido pedidos.

Pelo contrario, pela boca de M. Alexandre Goutchkof, chefe do partido octobrista, ella tem reconhecido que a situação do exercito não aconselha reducções, e até reclama um acrescimo de recursos proporcionaes a conhecidas e urgentes necessidades.

M. Witte, num discurso que ha poucas semanas pronunciou no Conselho do Imperio, avaliou em 2 milhares de rublos a quantia necessaria para reconstituir o machinismo militar.

M. Goutchkof, em vista dos calculos feitos pelo Ministerio da Guerra, diz que é necessario um sacrificio, feito por uma só vez, de 2 milhares e 133 milhões de rublos, e depois

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12 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

uma dotação annual para despesas de conservação na importancia de 150 milhões de rublos.

A administração interna dos corpos tem de ser moldada em novas bases. Os alojamentos são defeituosos, tanto sob o ponto de vista hygienico, como sob o ponto de vista da instrucção e disciplina.

Muitas guarnições não tem carreiras de tiro. Deve-se completar o material dos caminhos de ferro de campanha, criar baterias de morteiros, aumentar o numero de metralhadoras, organizar annualmente manobras, construir novas fortalezas, etc..

Esta enumeração não dá uma ideia favoravel do estado material do exercito, mas o estado moral, se o julgarmos pelo quadro, um tanto sombrio, tal qual no-lo apresenta M. Goutchkof, parece ainda mais desolador.

O alto commando, declara elle, depois de um documento impresso na Academia do Estado Maior Nicolas e relativo á batalha de Moukden, mostrou-se inapto a toda a concepção de manobra, e proprio somente para os ataques de frente.

Em seguida a operações demonstrativas, tão ingénuas e tão ridiculas, que não podiam enganar pessoa alguma, só se via combater por meio de golpes directos sobre posições fortificadas, quebrando o élan dos nossos soldados, deixando o combate retalhado em episódios que não tinham seguimento e ligação.

A tropa uma vez caida nesta especie de anarchia, o chefe abdicava o seu papel.

A acção, desprovida de uma bem pensada direcção, descae perante a perseverança do adversario.

Esta insufficiencia do cominando é motivada pelos systemas adoptados em relação ás promoções e ás vantagens injustificaveis concedidas a duas classes privilegiadas: á dos officiaes da guarda, e á dos officiaes do estado maior.

Estes escalam rapidamente os postos inferiores da hierarchia militar, sem conhecerem, por assim dizer, o serviço de tropas.

Aquelles, em vista da superioridade que faz que cada grau da guarda corresponda a um grau superior no exercito, chegam pelo menos a commandar regimentos.

Um grande numero de officiaes sente-se despojado dos seus direitos legitimo3, de forma que as demissões são de dia para dia mais numerosas, o recrutamento das escolas militares insufficientissimo, emfim, uma sensivel falta de officiaes nos regimentos.

Todos estes males podem ser sanados.

M. Goutchkof reconhece os esforços feitos pelo Governo para introduzir reformas. Lembra as modificações effectivadas depois da guerra russo-japonesa na administração militar e particularmente o ukase de 18 de maio de 1905, relativo á criação de um conselho de defesa nacional, e o de 8 de julho de 1905, relativo ao desdobramento do Ministerio da Guerra e á formação de um Sub-Ministerio, denominado o Estado Maior General.

Ao mesmo tempo accusa severamente os abusos burocraticos que consistem era multiplicar repartições com responsabilidades restrictas e custeios dispendiosos: repartições para a instrucção de tropas; inspecções geraes de infantaria, artilharia e engenharia; commissões para promoções, etc.

Todos estes organismos secundários se reduzem a poeira relativamente a. responsabilidades e alem d'isso cerceiam iniciativas. Carrega-se sem vantagem uma machina, que se reconhece mais tarde como sendo de construcção archaica e de fraco rendimento.

Quanto á escolha de individualidades que poderiam corrigir o que o systema tem de defeituoso, basta dizer que o Gran-Duque Nicolau é o presidente do Conselho da Defesa Nacional, o Gran-Duque Sérgio Mikhailovitch é o inspector geral de artilharia, o Gran-Duque Pedro Nicolaievitch inspector geral de engenharia, o Gran-Duque Constantino Constantinovitch director geral das escolas militares.

As palavras do chefe dos constitucionaes moderados foram seguidas de conclusões arrojadas dirigidas aos membros da Familia Imperial, cuja posição social os colloca ao abrigo de qualquer censura, que elle começa por classificar de n regime de irresponsabilidade".

A Duna cobriu de applausos estas sensacionaes declarações, e recebeu o duplo prazer da surpresa e da verdade.

O general Rediger, Ministro da Guerra, vio-se obrigado a reconhecer que este corajoso discurse "continha um grande fundo de verdade".

Limitou-se a apresentar um programma de reformas, não discutindo as criticas de M. Goutchkof. Este programma, cuja applicação já foi iniciada, não é tão completo nem regenerador, como seria mester.

É comtudo para desejar que se execute com energia e sinceridade, não só para interesse da Russia, como tambem da França

É com o engrandecimento do poder militar que um Estado contribue para manter a paz - as gazetas officiaes allemães assim o apregoam- o Governo Russo, corrigindo os abusos da sua organização militar, trabalha não somente para o bem da Russia, como para o bem do mundo.

DOCUMENTO N.° 2

Desde 19 de maio de 1906, em que o Sr. Vasconcellos Porto, sendo tenente-coronel addido, foi nomeado Ministro, até 7 de novembro de 1907, em que o mesmo Sr. Porto ascendeu a coronel, foram promovidos a tenentes-coroneis, na arma de engenharia, os majores constantes do seguinte relacionamento:

[Ver valores da tabela na imagem]

Nota. - Quando em 7 de novembro de 1907 o Sr. Vasconcellos Porto ascendeu a coronel, havia nove coroneis no quadre da arma de engenharia, o qual é de dez. Nessa data; foi promovido o decimo, o Sr. Fernando Eduardo de Serpa Pimentel, immediatamente mais moderno, na escala, ao Sr. Porto. Esta promoção foi motivada por o Sr. Vasconcellos Porto se manter arbitrariamente na situação de addido, não obstante ser Ministro da Guerra. Por este facto, postergou abertamente e preceituado no artigo 175.° do decreto com força de lei de 7 de setembro de 1899, segunde; o reconheceu o Sr. Conselheiro Sebastião Telles, na sessão d'esta Camara de o de julho corrente.

A consignar ha ainda que, sendo commum a todas as armas e ao serviço do estado maior a escala dos coroneis para o ganeralato, as promoções tumultuarias a este posto, como as duas que ficam designadas, produzem indubitavelmente accentuados prejuizos a terceiros.

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SESSÃO N.° 25 DE 10 DE JULHO DE 1908

DOCUMENTO N.° 3

Mappa elucidativo acêrca da promoção do coronel de engenharia Sr. Vasconcellos Porto

[ver valores da tabela na imagem]

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