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O sr. Marquez de Niza: — Sr. presidente, eu hontem tinha effectivamente feito ao sr. marquez de Vallada uma exigencia; mas desisto completamente d'ella. Estou satisfeito, visto a camara ter já feito justiça approvando a minha proposta. Concluo declarando que não quiz irrogar a ninguem culpa maliciosa.
O sr. Secretario (Marquez de Vallada): — Mencionou:
Um officio do ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, remettendo oitenta exemplares das contas d'este ministerio, da gerencia relativa ao anno economico proximo findo de 1865-1866; e bem assim do exercicio do anno economico de 1864-1865 com os desenvolvimentos que lhes dizem respeito; e finalmente a conta dos exercicios findos pertencentes aos annos economicos anteriores a 1 de julho de 1865.
Mandaram-se distribuir.
O sr. Rebello da Silva: — Não é sobre este assumpto que pedi a palavra, é para rogar a V. ex.ª que dê as necessarias instrucções a fim de que o convite para as reuniões nas commissões seja feito por outro modo. Hoje, por exemplo, ser meia necessaria uma grande velocidade para acudir a todos os pontos, pois me foram feitos uns poucos de convites para reunir em varias commissões.
Proponho portanto que as convocações para a reunião das commissões sejam feitas pelos presidentes das mesmas, e não pela mesa.
O sr. Presidente: — A mesa dará as instrucções convenientes a fim de se fazer o que o digno par, o sr. Rebello da Silva, acaba de pedir.
O sr. Jayme Larcher: — Sr. presidente, recebi um officio no qual era convidado como membro da commissão de obras publicas para, conjunctamente com a de legislação, examinar o projecto de lei sobre organisação de sociedades anonymas. Parece me que se deu um equivoco n'este convite, equivoco que se explica por ser este projecto assignado pelos srs. ministros das obras publicas, agricultura, commercio e industria, e pelo da justiça. Ora como no ministerio das obras publicas se acham juntas duas direcções, ás quaes correspondem n'esta camara duas commissões distinctas, que são a de obras publicas e a de agricultura, commercio e industria, provavelmente na distribuição do projecto houve confusão, e foi convocada a commissão de obras publicas para exame de objecto que é da' competencia exclusiva da commissão de agricultura, commercio e industria.
Cumpre-me declarar que não pretendo fazer censura á mesa, e tão sómente indico um engano que é facil de remediar.
Para mais regularidade dos trabalhos da camara, proponho que este projecto seja enviado ás commissões reunidas de agricultura, commercio e industria, e de legislação.
O sr. Presidente: — A camara ouviu a proposta feita pelo digno par o sr. Jayme Larcher. O projecto tinha sido distribuido ás commissões de obras publicas e de legislação; mas s. ex.ª propõe que seria mais conveniente ir ás commissões de legislação, commercio e industria. Portanto os dignos pares que entendem dever fazer-se esta alteração, tenham a bondade de declarar o seu voto.
Foi approvada.
O sr. Presidente: — Continua a discussão sobre a proposta do digno par o sr. Miguel Osorio, e tem a palavra o digno par o sr. conde de Thomar.
O sr. Conde de Thomar: — Sr. presidente, não julgo que valha a pena fazer grande discussão sobre a proposta que o digno par, o sr. Miguel Osorio, mandou hontem para a mesa; e não tenho duvida em declarar que já troquei com s. ex.ª algumas palavras a este respeito. Eu não julgo conveniente que, depois da camara decidir uma cousa, possa essa decisão ser sujeita á censura da mesa. Não me parece muito curial auctorisa-la para obstar á publicação de qualquer representação que a camara tivesse resolvido se publicasse; mas agora, depois que conferenciei com o digno par, creio que será mais conveniente que a sua proposta vá á commissão do regimento, para toma-la na devida consideração, e estabelecer uma regra para casos similhantes, visto estar confeccionando um novo regimento. Assim evitaremos a continuação de uma discussão sem vantagem alguma, senão a de levar muito tempo inutilmente, havendo aliás negocios mais importantes a tratar.
Proponho portanto que a proposta do digno par vá á commissão do regimento.
O sr. Silva Cabral: — Como a proposta que esta em discussão combina com a que o orador tinha resolvido fazer depois das considerações com que pretendia combater a do sr. Miguel Osorio, limita-se a expor os motivos pelos quaes, approvando a proposta que se discute agora, estava resolvido a oppor-se áquella. Entre outros mencionou o respeito que se deve ao direito de petição, que parecia coarctar-se, ao mesmo tempo que se offendiam as prerogativas da camara, creando um tribunal superior a ella pois podia pôr um veto nas suas deliberações.
O orador corroborou com varios exemplos de paizes estrangeiros, regidos por um systema de governo analogo ao nosso, e com especialidade de Inglaterra, a sua doutrina de muito respeito ao direito de petição, e da utilidade, conveniencia e dever de lhe dar toda a latitude.
O sr. Miguel Osorio: — Ás vezes é mais conveniente começar pelo fim do que pelo principio; é o que acaba de acontecer ao digno par; se s. ex.ª começasse pelo fim de seu discurso escusava de se cansar tanto e de se mostrar tão erudito, citando medidas usadas no parlamento inglez, systemas, etc. etc.
Citou a lei dos cereaes, a organisação da camara dos lords, e outras mais; fallou do direito de petição e tudo isto para discutir a minha proposta e para dizer que votava pelo adiamento proposto pelo seu collega e irmão, o sr. conde de Thomar) com o qual sabia que eu concordava porque este digno par o tinha já dito.
Sr. presidente, quando apresentei a minha proposta, não a apresentei com o desejo de que logo se votasse, apresentei-a sim para evitar casos identicos aos que se passaram em outras sessões, e se a camara determinar que a proposta vá á commissão do regimento, fico muito satisfeito; eu pela minha parte declaro que concordo, e já tinha concordado com a moção de adiamento apresentada pelo sr. conde de Thomar, pois a minha proposta foi feita e mandada para a mesa tão depressa que até n'essa occasião pedi desculpa a V. ex.ª do papel em que ía escripta. Por consequencia eu nunca sou aconselhado por capricho ou vaidade, mas que a proposta é necessaria o proprio digno par o demonstra. Eu folgo muito e muito de que quando se esta na opposição se sustentem os principios de liberdade, mas eu defendo esses principios em toda e qualquer situação. Parece-me que quando se votou a proposta para que não se publicasse representações sem serem lidas, s. ex.ª pediu a palavra e a sustentou. Não sei se a pediu n'essa occasião, mas parece-me que sim, o que sei é que a camara tomou uma resolução sobre este objecto. Sr. presidente, nenhuma das considerações que fizeram os dignos pares os srs. Silva Cabral e conde de Thomar, apesar de eu ter concordado com o sr. conde, me fizeram conhecer o perigo que vae ao nosso direito de confiarmos á mesa o exame de documentos que vem a esta camara e que os dignos pares apresentam, e que mais para mostrar a consideração que a camara tem por essas pessoas que enviam os documentos, os dignos pares pedem que os documentos sejam publicados no Diario de Lisboa.
Ora, o mais rasoavel, sr. presidente, era que se não publicassem nenhuns (apoiados), mas isto nunca se fez e não me parece que seja agora a occasião mais opportuna para se fazer; e quanto a economia é que me não persuado seja importante.
Ora quantas vezes, sr. presidente, sendo V. ex.ª governo, não vimos nós centenares de representações quasi exclusivamente compostas dos nomes que as assignavam, porque diziam adherir a outras já apresentadas? Em que aproveitava isto? Para se mostrar que haviam muitas pessoas que se levantavam contra a persistencia em Lisboa das irmãs da caridade, contra o casamento civil, e contra outras medidas que então se apresentavam? Qual era a vantagem que d'aqui vinha para o paiz? O digno par disse que se pretende coarctar o direito de petição. O direito de petição não consiste em se solicitar dos poderes publicos aquillo que julgâmos conveniente? Pois a publicação das petições auctorisada pela camara dá mais garantia ou credito ás petições? Pois quem manda essas petições ou quem as faz não as póde mandar publicar? E a minha proposta diz alguma cousa a tal respeito? Parece-me que não.
O digno par que sabe muito bem o que se passou no parlamento inglez, conhece sem duvida que nem todas as suas disposições nos podem aproveitar; lá, por exemplo, nem a publicação das proprias notas tachygraphicas se faz em fôlha official, nem pagas são pelo governo, mas sim pelos jornaes.
Pois o direito de petição fica prejudicado em alguma cousa por não sermos nós que publiquemos as representações que nos são dirigidas? Não me parece que isso aconteça.
Eu não me opponho a que essas representações sejam publicadas, quando algum' digno par assim o pedir, mas ao que me hei de oppor sempre é a que se publiquem sem que a camara tenha conhecimento da cousa, não já emquanto á doutrina n'ella contida, mas sim ás expressões em que são concebidas.
Pois em que se corta com isto o direito de petição? Não se impede esse direito, nem ninguem pretende tal. Já se disse que esta camara não recebia petições? O que tem isso com o facto da publicação d'ellas ser feita, ou não, na folha official? Eu não contesto, já aqui o tenho dito por mais de uma vez, a publicação das representações; mas o que desejo é que se saiba se ellas são, ou não, escriptas em termos convenientes de poderem ser publicadas na folha official, com auctorisação da camara.
Sr. presidente, todos os systemas têem defeitos, assim como os têem todas as cousas em que os homens tomam parte; é dever nosso porém emendar quanto possivel esses defeitos; é isto o que pretendemos fazer; ora, será mais conveniente, conhecendo os defeitos, deixa-los progredir, sem lhes oppormos o remedio? Não me parece que assim se deva proceder; e se era mau o publicarem-se as representações sem que a camara tivesse d'ellas conhecimento, esse mal continua a existir, porque ellas são, é verdade, lidas na mesa, mas a sua leitura não é ouvida.
Apresenta-se uma representação depois de lida na mesa, V. ex.ª consulta a camara se essa representação deve ou não ser publicada; se não ha reclamação, considera-se tacitamente approvada; isto é o que succede quasi Sempre, não tendo a camara ouvido a maior parte das vezes a leitura do documento; e o mesmo succede quando um digno par se levanta para apresentar uma moção, ou outro qualquer documento que deve ser lido; ninguem, de ordinario, lhe presta attenção. Ora o meu fim, com esta proposta, era remediar de algum modo esta difficuldade com relação ás representações, fazendo com que haja quem possa responder pela sua publicação, porque emquanto ás moções a discussão depois as esclarece.
Pois de que serve a leitura que se faz na mesa, se não é ouvida, ou se lhe não presta attenção? Esta é que é a verdade, e ainda bem que alguem tem a coragem de o vir dizer; isto não prova que se não dê attenção, porque haja pouco amor e zêlo pela causa publica, mas dá-se, porque nem todos os documentos, que se lêem, são da maior importancia; e não é só esta a causa, mas tambem o estar a casa construida de modo que pouco nos podemos ouvir reciprocamente.
Eu não quero com isto censurar a digna commissão que a estas obras presidiu, porque ha defeitos a que se não póde obstar; mas a casa esta em pessimas condições, e uma das primeiras necessidades é remedia-la.
Termino, requerendo a V. ex.ª que ponha á votação da camara a proposta de adiamento do sr. conde de Thomar, com a qual me conformo plenamente, porque não desejo que a moção passe sem ser examinada. Se o pensamento é bom, que seja approvado; se é mau, como eu não trabalho senão pela causa publica, não me importa que se rejeite; o que quero é que possamos entrar na ordem do dia, deixando esta questão, que é menos importante (apoiados). Estou bem certo que a commissão do regimento ha de tomar em consideração a minha proposta.
O sr. Conde d'Avila: — Peço a palavra por parte da commissão de fazenda.
O sr. Presidente: — Vou pôr á votação a proposta do sr. conde de Thomar.
Foi approvada.
O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. conde d'Avila.
O sr. Conde d'Avila: — É para mandar para a mesa tres pareceres da commissão de fazenda. Foram lidos na mesa.
O sr. Presidente: — Mandam-se imprimir para serem distribuidos.
ORDEM DO DIA
CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO DO PARECER N.° 126
O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. conde de Lavradio.
O sr. Conde de Lavradio: — Sr. presidente, é minha opinião, por motivos que a camara facilmente comprehenderá, que o presidente d'esta casa deve usar com sobriedade do direito que lhe concede o artigo 11.° do nosso regimento, o de tomar parte nas discussões; mas, sr. presidente, versando o projecto que esta em discussão sobre materia da minha especial profissão, tendo alem d'isso tido a honra de occupar por mais de uma vez o logar de ministro e secretario d'estado dos negocios estrangeiros, e havendo-me empregado durante quasi meio seculo (triste confissão!) no serviço do estado, pareceu-me que não podia deixar de motivar o voto q"e sou chamado a dar.
Antes porém de o explicar, julgo dever fazer uma declaração á camara. V. ex.ª e a camara sabem que eu ainda occupo o logar de ministro plenipotenciario de Sua Magestade na côrte de Londres; V. ex.ª e a camara sabem tambem que vista a minha avançada idade não deve estar longe a epocha da minha reforma, e d'isto podem V. ex.ª, a camara e o publico (que eu muito respeito, sem nunca o lisonjear), julgar que da approvação d'este projecto posso receber beneficio para a minha actual ou futura posição; para pois poder entrar livremente n'esta discussão e emittir a minha opinião com franqueza, cumpre-me declarar á camara que da approvação d'este projecto não me resulta o menor beneficio, pelo contrario (e não o negará o sr. ministro dos negocios estrangeiros, que esta presente), resulta-me detrimento... (O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Apoiado.) que eu muito approvo, porque é em bem do serviço que se pretende melhorar. Até agora quando os agentes diplomaticos tinham licença ou para tratar dos seus negocios ou da sua saude deduzia-se lhes a quinta parte do seu ordenado; de futuro, por a sabia determinação que se acha n'este projecto, por pequena que seja a licença, tira-se-lhes logo uma terça parte, e se a licença excede um mez tira-se-lhes todo o ordenado, o que eu muito approvo, posto que a camara convirá em que esta medida me não é proveitosa.
Quanto á minha situação futura é claro que d'ella tambem não me resultará beneficio algum, porque apesar do meu quasi meio seculo de serviço, quando chegar o tempo da minha reforma, não sobrecarrego o thesouro publico com um só real, por isso que sendo eu conselheiro d'estado não posso accumular com o ordenado d'aquelle logar as vantagens da reforma.
Sr. presidente, da minha reforma tirarei um grande beneficio, não de dinheiro, mas sim de descansar de uma vida demasiado laboriosa para as minhas forças actuaes, e tambem evitar esses repetidos sarcasmos que repetidas vezes se dirigem aos agentes diplomaticos, tratando-nos de zangãos que não fazem senão dormir, dançar e comer o mel recolhido pela industriosa e trabalhadora abelha. Aqui está como são tratados esses empregados publicos que procuro defender, sem dever ser suspeito, pelo que já disse, de que não defendo os meus interesses, mas sim os do serviço publico.
Deixando porém esta questão incidente para entrar na questão principal, começarei fazendo uma observação sobre a vehemencia e tenacidade que não sei explicar, com que tem sido impugnada esta proposta de nova organisação do serviço externo.
Sem querer, sr. presidente, faltar nem levemente á attenção e delicadeza que devo aos illustres adversarios do projecto, no numero dos quaes vejo amigos que muito me honram com a sua amisade, não posso deixar de dizer a ss. ex.ªs que ainda não ouvi produzir um unico argumento que impressionasse o meu animo. Tenho sim ouvido declamações que se não têem limitado a atacar o projecto, mas que se têem estendido a pretender desconsiderar o serviço externo, o que, a dizer a verdade, bastante senti, e não podia deixar de offender-me. (O sr. Miguel Osorio: — Peço a palavra.)
Eu confesso, sr. presidente, que fiz quanto me era possivel para prestar a maior attenção a tão illustres adversarios, cavalheiros que tanta vantagem me levam em tudo; mas a verdade é que no meio d'esse grande oceano das declamações, não me foi possivel achar bons argumentos para combater; foi á custa de muitos esforços que consegui reduzir