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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 26

EM 13 DE JULHO DE 1908

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Antonio de Azevedo Castello

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José da Silveira Vianna

SUMMARI0.- Leitura e approvação da acta. Expediente. - É concedida licença ao Digno Par Poças Falcão para se ausentar do reino. - São introduzidos na sala e tomam assento os novos Dignos Pares Conde de Castro e Francisco de Serpa Machado Pimentel. - O Digno Par Sr. João Arroyo, depois de perguntar o que o Governo sabe acêrca de uma sublevação em Timor, refere-se á Companhia dos Tabacos, propondo varias questões ao Governo que se relacionam com aquella entidade, com os adeantamentos e o procedimento politico dos chefes de dois partidos. - Os Dignos Pares Srs. Julio de Vilhena e Conde de Bomfim apresentam requerimentos em que solicitam documentos. - O Digno Par Sr. Francisco José Machado manda para a mesa um parecer da commissão de guerra. - O Digno Par Sr. Jacinto Candido envia á mesa varios diplomas e documentos e pede outros.- O Digno Par Sr. Pereira de Miranda manda um parecer da commissão de fazenda.

Na ordem do dia tem a palavra o Sr. Ministro da Guerra, que responde ás perguntas feitas ao Governo nesta e na anterior sessão pelo Digno Par Sr. João Arroyo. - O Digno Par Sr. José de Alpoim fala sobre assuntos militares, e sobre o relatorio do Sr. General Leopoldo de Gouveia. Responde-lhe o Sr. Ministro da Guerra. - Dando a hora, é encerrada a sessão e designada a immediata.

Ás 2 horas e 30 minutos da tarde foi declarada aberta a sessão.

Fez-se a chamada e verificou-se que estavam presentes 27 Dignos Pares.

A acta da sessão anterior, depois de lida, foi approvada sem reclamação.

Expediente mencionado :

Officio do Ministerio das Obras Publicas, sobre um pedido de documentos do Digno Par Sr. Sebastião Baracho.

Officio do Exmo. Sr. Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Digno Par do Reino, que pede á Camara licença para se ausentar temporariamente do reino.

O Sr. Presidente: - O Digno Par Sr. Poças Falcão pede licença para se ausentar temporariamente do reino. Os Dignos Pares que concedem a referida licença tenham a bondade de se levantar.

É concedida a licença.

O Sr. Presidente: - Está nos corredores da Camara o Exmo. Sr. Conde de Castro para prestar juramento e tomar assento.

Convido os Dignos Pares Carlos Palmeirim e Jacinto Candido a introduzirem S. Exa. na sala.

(Introduzido na sala, o novo Digno Par prestou juramento e tomou assento).

O Sr. Presidente: - Tambem está nos corredores da Camara o Exmo. Sr. Francisco de Serpa Machado Pimentel.

Convido os Dignos Pares Eduardo de Serpa e Campos Henriques a introduzirem S. Exa. na sala.

(Introduzido o novo Digno Par na sala, prestou juramento e tomou assento).

O Sr. João Arroyo: - Sr. Presidente : antes de me referir mais especialmente ao assunto para que pedi a palavra, vou dirigir-me ao Governo, pedindo-lhe esclarecimentos acêrca de um telegramma que vem publicado num jornal de hoje, O Seculo.

Nessa noticia diz-se que o governador de Timor se recusa a entregar o governo d'aquelle districto, onde foi substituido ultimamente, e acrescenta que o caso parece relacionar-se com uma revolta occorrida nalguns dos commandos militares d'aquella possessão e com a subita viagem do Adamastor.

O que peço ao Governo é que, apenas se encontre habilitado, se apresse á vir dar á Camara e ao país as informações necessarias a este respeito.

O fim para que pedi a palavra foi o de fazer algumas referencias á questão dos adeantamentos á Casa Real, questão que prosegue na outra casa do Parlamento. Esse assunto ha de vir a esta Camara e então será o momento adequado para tratá-la.

Todavia, se elle não está na tela dos debates nesta Camara, offerece em todo caso aspectos, relativamente aos quaes é já tempo de alguma cousa se dizer aqui.

Não se trata de discutir o assunto, mas de preparar a sua documentação em bases verdadeiramente solidas, de maneira que, quando qualquer orador tenha de se occupar d'elle, o encontre inteira e completamente esclarecido.

Visto que nos encontramos em vesperas d'essa discussão, necessario é que nos occupemos de nos munir dos elementos indispensaveis ao seu conveniente desenvolvimento.

Ha poucos dias que se fala em reclamações por parte de uma das mais importantes empresas financeiras e industriaes do país. Os boatos que circulam lá fóra exigem que a elles se façam referencias na tribuna parlamentar. Não venho atacar o Governo, mas expor-lhe o assunto, desejando que elle o resolva com inteira justiça.

Eu sou dos que pensam que, se ha questões inintelligentemente dirigidas

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pela nossa administração, a dos adeantamentos á Casa Real tem sido uma d'ellas.

Muito peor do que o facto em si tem sido a attitude incerta, a lentidão e a imprudencia com que se tem deixado pesar sobre essa questão a duvida, a suspeição e direi mesmo o terror.

É nosso dever procurar collocá-la numa linha de absoluta justiça e verdade.

Fui um dos que sustentaram uma campanha brava e indefessa contra as pretensões da Companhia dos Tabacos tendentes a obter a prorogação do monopolio.

Não me arrependo d'isso.

Muitas vezes profetizei que, emquanto o assunto não fosse dirimido num concurso livre, não teria fim. Essa profecia realizou-se.

Nesta terra, em que tantos inqueritos se teem pedido sobre assuntos de administração de caracter secundario, ha um que tem até hoje escapado á syndicancia official; não me refiro áquella que é exercida pelos meios vulgares de representação do Governo junto da empresa, mas; á que já devia ter sido exercida pelo Governo português e pelo Parlamento; muito especialmente ao ter em vista que as rendas que áquella companhia administra, explorando-as industrialmente, representam uma das principaes fontes de receita do Thesouro nacional.

Sabe-se, por exemplo, que é mais do complicada, que é varia, que é incerta e sempre prejudicial para o Estado, por exemplo, a maneira como nas contas relativas á companhia dos tabacos e ao Thesouro tem sido escrituradas as despesas da fiscalização.

Sabe-se., por exemplo, que entre a escrituração d'aquella casa, por um lado, e a escrituração que representa as relações entre ella e o Estado, ha a falta de homogeneidade na maneira como está, por exemplo, escriturada a quantia relativa ás installações primarias do monopolio.

Diz-se mesmo que a companhia, relativamente ao ultimo anno da sua exploração, tem retidos em suas mãos os duodecimos, dos quaes devia ter feito o pagamento ao Estado; e diz se que, representando ella de credora no emprestimo que foi tratado ultimamente em França, no tempo do Governo transacto, a companhia por esse titulo se vae retrahindo ao cumprimento d'aquillo que devia dar entrada no Thesouro português, sendo aliás verdade que, pela sua divida sobre o Estado, ella cobra o respectivo juro, mas d'essa retenção nenhum prejuizo lhe vem.

Antes de passar adeante, muito desejaria que o Governo, logo que possa. esclarecesse a camara sobre este assunto, e que vem a ser: em primeiro logar, se é verdade ou não que a retenção da renda dos duodecimos que a companhia deve ao Estado português, se tem ou não effectuado. Em segundo logar, desejaria que o Governo instruisse a Camara e o pais da quantidade de bilhetes do Thesouro de que é portadora áquella sociedade, quaes as condições por que foi collocado esse dinheiro e quaes os prazos do seu vencimento.

De ha tempo para cá a companhia dos tabacos tem feito junto de varia municipalidades do país um pedido de obtimento de informações por parte das respectivas vereações, tendo inclusivamente sido publicada em alguns jornaes da capital copias, primeiro, de officios dirigidos por essa companhia a alguns dos seus representantes locaes, segundo, de officios dirigidos em seu nome ás respectivas camaras municipaes.

Esses officios convidam os municipios a explicarem-se sobre a diminuição de commercio e a crise economica que proviriam dos ultimos acontecimentos e é evidente que esta acção instante da Companhia dos Tabacos nenhum outro fim pode ter em vista, senão sofismar a letra do seu contrato e vir a breve trecho pedir uma diminuição da sua renda.

O assunto não está ainda tratado pelo Governo, porque, segundo consta, tal officio não deu ainda entrada no Ministerio da Fazenda, mas é preciso antes de mais nada que se esclareça o Parlamento, que antes de mais nada se avise o Governo do perigo que atravessa e que antes de mais nada se saiba bem qual a direcção, não direi patriotica, mas de alta moralidade de administração, que cumpre tomar em tal assunto.

É clarissima a letra do contrato dos tabacos, quando estabelece os casos em que a companhia pode ter pretensões a uma diminuição de renda. Isso só é possivel em caso de guerra, de epidemia ou de calamidade analoga; e só podem considerar-se calamidades analogas, as inundações, os terramotos ou os tufões que, inutilizando os estabelecimentos industriaes em termos de não poderem continuar a sua laboração e attingindo por esta forma as forças vitaes do país, o collocariam em terriveis e dolorosas circunstancias.

Relativamente á forma de processo, tambem o contrato é claro. Pode constituir-se uma commissão arbitral, mas para isso é necessario que seja previamente reconhecido á Companhia o direito primario, o ponto fundamental; é necessario que tenha havido guerra, epidemia ou calamidade semelhante.

Nestes casos é que ao Tribunal Arbitral compete regular a compensação a estabelecer.

As circunstancias em que se arrasta o credito português, as difficuldades do Thesouro em cumprir as suas obrigações, são verdadeiramente graves. O Governo vive afogado pela pressão financeira, que é exercida sobre o Ministro da Fazenda.

Julgo do meu dever declarar ao Governo que, o salto mortal se prepara. Aproximamo-nos de uma situação identica á do fim do anno de 1900 e principio do anno de 1901. Por isso, peço ao Governo que, logo que lhe seja apresentado o requerimento da Companhia dos Tabacos tendente a obter uma diminuição na renda a pagar ao Estado, se o Governo entender, por qualquer motivo, não dever rejeitar in limine áquella pretensão, não pratique o minimo acto, sem que previamente traga o assunto ao seio do Parlamento, em sessão publica ou em sessão secrecta, quaesquer que sejam as circunstancias da conjuntura ou as difficuldades fazendarias; porque o que se nos prepara é mais grave do que a situação de 1901.

A equação politica europeia, no momento actual, não é a que então existia e em que pudemos obter da Inglaterra a mais decidida, franca e leal protecção.

A situação da Inglaterra para com a França não é hoje a mesma; a entente cordiale aproxima-a cada vez mais d'este pais; e para com a Espanha, tambem a situação da Inglaterra se modificou muito.

Então eramos só nós os seus alliados.

Hoje a Inglaterra pode ter para comnosco uma attitude de amizade e dedicação, mas não uma attitude de apartamento para com a França e a Espanha; portanto, se uma crise financeira se produzir em Portugal, os nossos meios de acção serão muito menores.

É, por isso, que não devemos deixar delapidar as rendas do Estado e, ao contrario, defendê-las com mão firme e tenaz.

Se ao Governo chegar algum requerimento pedindo diminuição na renda que aufere da Companhia dos Tabacos, será occasião de proceder a investigações que tenham por fim uma accusação crimina], porque se referem a uma delapidação de uma das receitas mais importantes do Estado. É então o momento de averiguar os motivos por que foram aumentados os preços do tabaco, por que a companhia se lançou em luta com os revendedores e por que continua a diminuir a sua fiscalização privativa.

Mas, dir se-ha, que tem esta questão do pedido imminente da Companhia dos Tabacos com a questão dos adeantamentos?

Vou expô-lo á Camara, dentro da

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absoluta correcção parlamentar, que procuro pôr sempre nas minhas palavras.

É um facto que nós vivemos num Governo de comadres, como Governos de comadres foram os de 1891, presididos pelo Sr. João Chrisostomo. Mas entre a maneira de funccionarem as comadres de 1908 e as de 1891 é que ha uma larga differença.

Eu assisti aos acontecimentos de 1891 e sabia como então as comadres manobravam.

Era por acção directa nos Ministros da Corôa, quer fossem progressistas ou regeneradores.

Presentemente não é assim. Presentemente as comadres governam mais do alto. E se o Sr. José Luciano de Castro não pode, pela relativa invalidez da sua saude, frequentar tanto o Paçô como o Sr. Vilhena, em todo o caso a correspondencia entre o Paçô e a Rua dos Navegantes faz-se com igual ou ainda maior efficacia.

O que eu não sei é comovo Sr. Ferreira do Amaral se mantem numa situação, em que a orientação lhe é dada pelos chefes politicos, mas a responsabilidade lhe vae, a elle, chefe do Gabinete.

É uma questão de temperamento. Mas nem por esse facto ella deixa de ser da mais alta importancia, quando nós quisermos apreciar, não direi o presente estado da politica portuguesa, mas a sua successão proximo e immediata.

Ninguem pode deixar de ver na sua justa medida-o que ha de anormal na situação politica, que atravessa o Parlamento Português.

A alta influencia, de que no momento presente goza o chefe progressista, é um facto que todos reconhecem.

Quanto ao chefe regenerador, a verdade é que todos, logramos vê-lo na Camara e com a maior satisfação.

Quanto ao Sr. José Luciano, não.

O caso é dos mais estranhos e só por uma leviandade de costumes parlamentares, symptomatica e denunciadora de uma decadencia extrema, é que tal acontecimento se pode dar. O chefe progressista frequenta todas as repartições e tem sobre si toda a politica do pais, mas não frequenta o Parlamento. É um caso, não direi de egotismo, mas de egopathia; o chefe do partido progressista considera-se chegado ao momento em que todas as forças são poucas, em que todos os recursos são escassos e em que todas as occasiões são raras.

O Sr. Presidente: - Está quasi a dar a hora de se entrar na ordem do dia.

O Orador: - Sr. Presidente: não costumo abusar da paciencia dos meus collegas; portanto, peço a V. Exa. que seja consultada a Camara sobre se permitte que eu continue no uso da palavra.

Vozes: - Fale, fale.

O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Camara, o Digno Par continua no uso da palavra, podendo concluir o seu discurso sem prejuizo da ordem do dia.

O Orador: - Agradeço a amabilidade da Camara e prometto não abusar da sua paciencia.

Como ía dizendo, afigura do Sr. José Luciano é unica e rara no horizonte politico.

Confesso que me sinto, não direi desgostoso, não direi apoucado na minha influencia parlamentar, não direi depauperado nos meus recursos politicos, mas sinto-me envergonhado por mim e pelos meus collegas d'esta casa do Parlamento.

Como é possivel que haja no país um homem, que é chefe de um partido militante, que exerce uma funcção, não direi primacial, mas proeminente na politica portuguesa, e não estando, felizmente - porque não está-impossibilitado de sair de sua casa, porque tem frequentado o Credito Hypothecario, se julgue dispensado de vir ao seio da sua Camara discutir as mutuas responsabilidades, e de perante ella responder pelos seus actos?

O Sr. José Luciano é um parlamentar com mais de cincoenta annos de provas, que nunca se arreceou, nem se arreceia, de uma pugna nesta casa; como é então possivel que essa entidade politica, que tem manietado o poder português, que trabalha presentemente com toda a força e vigor para que o poder nunca escape dos alcatruzes d'essa nora, que ainda ha poucos dias viu o seu nome posto em evidencia no Parlamento Português, quando se falou da correspondencia trocada entre S. Exa. e o Sr. Ministro da Fazenda, como é possivel que continue em casa sem nos dar a consideração de vir discutir com os seus pares?

Sobre multiplos assuntos de administração, o chefe do partido progressista tem as maximas responsabilidades, tanto com respeito a factos succedidos, como com respeito aos que estão succedendo.

Como é, pois, crivei que essa funebre figura politica que, a continuar nos termos em que vae, está destinada a representar o papel de coveiro da Casa de Bragança e da Monarchia Portuguesa, como é crivei, repito, que, vendo que sobre os seus iguaes, Ministros como elle, homens de Estado como elle, pesam as maiores e mais intensas accusações, não venha aqui terçar armas com os seus collegas, considerar os seus iguaes e reconhecer ao mesmo tempo nelles o direito de interpellar e de perguntar, e em S. Exa. a obrigação de responder!?

Eu, Sr. Presidente, parlamentar ha cerca de 20 annos, conhecedor dos principios que regulam a autonomia e independencia das duas casas do Parlamento, sou incapaz de me referir, por uma forma que me é vedada, ao que se passa na outra Camara; não tenho que discutir a organização e composição das commissões na Camara dos Senhores Deputados, mas, como membro da camara dos Pares, onde foi rejeitado o inquerito proposto pelo meu collega e amigo o Sr. Baracho, terei que, na discussão, utilizar-me do inquerito feito pela Camara dos Senhores Deputados, e que. representa para mim um documento parlamentar, um papel legislativo, que apreciarei no seu significado e no seu valor. As considerações que então fizer não representarão um aggravo á Camara dos Senhores Deputados.

Em seguida o orador allude á questão das incompatibilidades parlamentares e á sua saída do Parlamento em 1897 por esse motivo, e continua:

Sr. Presidente: tenho o maior respeito e consideração pelos cavalheiros que são ornamento da outra Camara, quer como jornalistas, quer como estadistas, quer como parlamentares, mas ha uma cousa que se não pode nem deve permittir, e que eu hei de prescrutar quando o documento a que me referi, vier á publicidade: é que os adeantamentos á Casa Real não sejam apurados pela Companhia dos Tabacos.

Vou concluir Sr. Presidente.

Entendo que a questão dos adeantamentos á Casa Real nunca poderá esquecer ou terminar, sem que sobre ella se faça muita luz, inteira luz.

O Parlamento deve esclarecer rapidamente, o mais rapidamente possivel esta desgraçada situação, lançando sobre ella completa claridade, mas não é só ao Parlamento que isto deve dizer-se.

Neste assunto a obrigação de todos os poderes do Estado, de cima a baixo, tem de ser a de fazer luz, luz clara e intensa, a fim de que haja tranquilidade, o que não poderá succeder emquanto não houver demonstrações da nossa parte de que não temos senão um ponto de mim, uma meta, para. a qual caminhamos: - provar que somos homens honestos e dignos de administrar a nação portuguesa.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Julio de Vilhena: - Mando para a mesa o requerimento seguinte:

"Requeiro que pelo Ministerio da Fa-,

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zenda, ou pelo das Obras Publicas, me sejam enviados os seguintes documentos:

1.° Inventario ou relação de todos os bens que pertenciam á casa do Infantado, extincta por decreto de 18 de março de 1834:

2.° Valor que os bem tinham na epoca em que se fez a extincção."

Pelo Ministerio da Fazenda:

"1.° Nota de todas as reclamações feitas pela Casa Real ao Estado até a data da portaria de 1879, que nomeou a commissão encarregada de fazer a liquidação;

2.° Copia de todo o processo relativo ás contas do Thesouro com a Casa Real, a que se refere a mesma portaria, incluindo a consulta da Procuradoria Geral da Corôa, de 10 de novembro, e quaesquer outras consultas com respeito ao mesmo assunto;

3.° Nota das reclamações feitas pela Casa Real á data d'essa portaria até a commissão apresentar o seu parecer;

4.° Copia do parecer d'esta commissão, despacho do Ministro que o homologou e de todo o processo que serviu de base á liquidação;

5.° Nota das reclamações feitas pela Casa Real posteriormente a esta liquidação ;

6.° Designação dos predios arrendados á Casa Real pelo Estado, importancia das rendas de cada um e data dos respectivos arrendamentos.

Sala das sessões, 13 de julho de 1908.= Julio M. de Vilhena".

O Sr. Conde do Bomfim: - Envio o seguinte requerimento para a mesa:

"Requeiro que pelo Ministerio da Fazenda me seja remettida nota dos chamados adeantamentos feitos em nome de Sua Majestade a Rainha D. Amelia, com a destinação para que foram feitos.

Sala das sessões da Camara dos Dignos Pares do Reino em 13 de junho de 1908. = O Par do Reino, Conde do Bomfim".

O Sr. Francisco José Machado: - Mando para a mesa, por parte da commissão de guerra, o parecer sobre a emenda ao artigo 4.° do projecto relativo aos alferes da administração militar e sobre a proposta apresentada pelo Digno Par Sr. Sebastião Baracho.

Foi a imprimir..

O Sr. Jacinto Candido: - Mando para a mesa tres projectos de lei; uma representação da mesa da Irmandade de Nossa Senhora do Allivio, erecta na freguesia de Soutello, Villa Verde, para ser enviada ao Governo; dois memoriaes de alferes provenientes da classe dos sargentos e um do pessoal da administração naval; um requerimento de Thomaz Antonio Garcia Rosado, tenente coronel do estada maior, sobre a sua situação na escala de accesso; e o seguinte requerimento:

Requeiro que, pelo Ministerio da Justiça, me seja enviada nota de todos os concorrentes, com indicação dos documentos, com que cada um instruiu a sua petição, no concurso aberto para provimento do logar de escrivão do juizo ecclesiastico do Porto. = Jacinto Candido.

Os projectos apresentados pelo Digno Par ficaram para segunda leitura e o requerimento do tenente coronel do estado maior Thomás Augusto Garcia Rosado foi enviado á commissão de guerra.

Consultada a Camara, resolveu que fossem publicados no "Summario) os memoriaes apresentados pelo mesmo Digno Par.

O Sr. Pereira de Miranda: - Mando para a mesa, por parte da commissão de fazenda, o parecer sobre o projecto de lei que tem por fim reforçar a verba destinada a desdobramentos de turmas nos lyceus e a substituições provisorias de professores.

ORDEM DO DIA

Discussão do parecer n.º 17, relativo ao projecto de lei que fixa o contingente de recrutas para o exercito, armada e guardas municipaes e fiscal.

O Sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles): - Sr. Presidente: tinha pedido a palavra, na sessão anterior, porque desejava responder, nessa occasião, ás considerações do Digno Par Sr. João Arroyo sobre a syndicancia de que havia sido encarregado o Sr. general Gouveia; não tendo, porem, podido responder então, vejo me hoje obrigado a alargar mais a minha resposta, visto que S. Exa. acaba de ventilar outros assuntos de alta importancia.

Direi, em primeiro logar, que a noticia que vem hoje publicada no Seculo relativamente ao Governo de Timor, e que annuncia que o respectivo governador se havia recusado a fazer entrega do Governo, é absolutamente destituida de fundamento.

Quanto á questão dos adeantamentos, que S. Exa. disse ser de grande imprudencia protelá-la, estou perfeitamente de acordo com essa opinião. Mas a culpa de tal protelamento, devo dizer ao Digno Par, não é do Governo, mas sim das opposições, que entendem, no seu alto criterio, fazer o que querem, tomando depois, ao Governo, a responsabilidade pelos effeitos de tal attitude.

Alludiu, seguidamente, S. Exa. á questão dos tabacos, dizendo parecer-lhe que havia um emprestimo feito com a Companhia pelo Governo transacto e pelo qual os duodecimos da renda não eram recebidos pelo Governo.

Devo declarar que nunca ouvi falar em semelhante emprestimo, não podendo, por isso, dizer se teem algum fundamento as observações do Digno Par a tal respeito.

Relativamente á situação do Governo para com a Companhia dos Tabacos, essa situação está perfeitamente definida com as palavras pronunciadas pelo Sr. Ministro da Fazenda na sessão de hontem da Camara Electiva, palavras que satisfizeram tanto os partidos que apoiam o Governo, como as opposições.

Creio, portanto, que a attitude do Governo perante uma diminuição da renda que a alludida Companhia dá ao Estado, está perfeita e precisamente definida.

Referiu-se tambem o Digno Par a difficuldades financeiras que assoberbam o Governo.

Todos sabem que a nossa situação financeira não é boa; mas tambem todos sabem que tal situação não é de hoje, e que não é desesperada.

É claro que se torna perigoso o aumento da divida fluctuante; o Governo não se assusta com o estado d'ella; vê apenas nesse facto uma difficuldade que ha de procurar vencer.

Ha, pois uma situação que não é completamente desafogada; mas não ha facto algum que possa suggerir no animo do Governo a ideia ou possibilidade de não poder arcar com os embaraços provenientes d'essa causa.

Ha outros e peores, que são os que as opposições algumas vezes fazem surgir deante do Governo.

Disse S. Exa. que os bilhetes da Companhia dos Tabacos não teem sido pagos e se tinham sido reformados.

Devo dizer que os bilhetes da Companhia dos Tabacos teem sido pagos integralmente, sempre que isso ,tem sido pedido e que nenhum d'elles ainda foi reformado.

Garanto á Camara que assim tem succedido; a não ser que nas ultimas vinte e quatro horas succedesse o contrario.

Creio, porem, que tal não succedeu.

Mas, para que tudo se remedeie e não haja mais perigos a conjurar, é preciso que todos auxiliem o Governo, não levantando dia a dia conflictos e

1 Estes memoriaes são publicados no final da sessão.

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atoardas que podem influir no nosso credito.

É um facto que as opposições, ás vezes, concorrem para as dificuldades financeiras e para descredito do país, vindo depois pedir ao Governo remedio para todos os males.

O Sr. João Arroyo : - Peço ao Sr. Ministro da Guerra que me diga quaes foram as palavras que pronunciei, que podem contribuir para o descredito do país.

O Orador: - Não quero alludir ao Digno Par. Falei em geral.

Concordo perfeitamente com as considerações de S. Exa. referentes á alliança inglesa; e, por isso mesmo, entendo que deve haver o maior cuidado com o nosso estado financeiro porquanto, a dar-se uma crise como a de 1901, não podemos contar com uma situação internacional identica á d'essa epoca.

O Sr. Conde de Arnoso : - Apoiado.

O Orador: - Ha factos que não podem ter repetição ; não podemos admittir a hypothese de mais uma conversão; por isso, é preciso que Governos e governados pensem que a sua conducta pode concorrer para uma situação financeira gravissima, para a qual nos não poderão valer as condições diplomaticas, que são differentes de 1901.

Isto é uma opinião pessoal e não um pensamento do Governo, deante de um facto que não existe, sequer.

Devo dizer, em homenagem á verdade, que os chefes dós partidos não influem na conducta do Governo, nem um influe mais que o outro. O Governo vive do apoio dos dois grandes parttidos, e mais nada. (Apoiados).

Todos os actos do Governo são resolvidos em Conselho de Ministros, assumindo o Governo as responsabilidades que lhe cabem e que não relega para ninguem.

Pelo que toca á ausencia, nesta Casa, do Sr. Conselheiro José Luciano de Castro, afigura-se-me que, no regimento, não ha disposição alguma que obrigue os Pares do Reino a virem aqui todos os dias. O Sr. João Arroyo já deixou de comparecer nesta Camara por um longo periodo, não comprehendendo, portanto, eu, que o Sr. Conselheiro José Luciano não possa ter direito igual.

O Sr. Conselheiro José Luciano de Castro ha de vir aqui, mas ha de vir quando elle entender (Apoiados), e não quando o Digno Par quiser. Dos actos do Sr. Conselheiro José Luciano só elle é juiz. (Apoiados).

O Sr. João Arroyo: - S. Exa. pode dizer-me se está para breve a vinda á Camara do Sr. Conselheiro José Luciano?

O Orador: - Não posso dizer.

Acrescentou depois o Digno Par que ha de tratar com toda a largueza, conforme entender e julgar mais conveniente, da questão dos adeantamentos á Casa Real.

Ninguem, decerto, pode contestar tal direito ao Digno Par, e a attitude do S. Exa. está conforme com os desejos do Governo, que tem, como já está provado, o mais decidido empenho em que se esclareça por completo um tal assunto.

Entretanto a opposição pode, attenta a quantidade de documentos que tem pedido, fazer com que esses elementos da discussão se atropelem uns aos outros, perturbando e protelando demasiadamente a questão.

Mas não se queixem depois do Governo, que, entretanto, ha de manter o desejo de que o assunto seja esclarecido completamente.

O Governo tambem quer luz, toda a luz sobre tal questão.

Relativamente á syndicancia mandada fazer pelo Governo sobre os acontecimentos de 5 e 6 de abril, agradeço, em primeiro logar, as amaveis referencias que recebi de S. Exa. a proposito d'esse assunto, tanto mais que não me julgo com merecimentos para taes encomios.

Mas, ao passo que S. Exa. foi amavel para comungo, não o foi para o syndicante, ao qual o Digno Par dirigiu criticas injustas.

Não defendo o Sr. general Gouveia por ser meu camarada; defendo-o por uma questão de justiça, procedendo sempre assim, seja com quem for. (Apoiados).

Disse S. Exa. que o Sr. general Gouveia era um partidario, o que não é assim, porquanto aquelle illustre militar não tem partido e é um homem imparcial.

O illustre militar faz a apologia do exercito a que pertence. Estou inteiramente a seu lado nestas ideias.

É facto incontestavel que o exercito tem prestado grandes serviços ao país desde que se estabeleceu o regime constitucional.

O Sr. João Arroyo: - É muito antes.

O Orador: - É muito antes, decerto, mas eu refiro-me aos mais recentes.

Tenho visto espiritos fortes e superiores agitarem questões politicas nas praças publicas; mas esses mesmos espiritos, dadas determinadas circunstancias de gravidade, appellam para o exercito.

O exercito, quer nos acontecimentos de 5 e 6 de abril, como em todas as occasiões para que tem sido chamado, tem prestado relevantissimos serviços.

Disse S. Exa. tambem que o referido relatorio contem considerações philosophicas, que não eram necessarias.

Ora as considerações philosophicas do Sr. general Gouveia não são de ordem abstracta, mas sim sobre o assunto proprio e concreto que se invocava.

Taes considerações não são, portanto, descabidas.

As considerações do Sr. general Gouveia são justas e verdadeiras; são considerações que andam na boca de todos.

O espirito de ordem e de respeito pela autoridade quasi não existe entre nós, o que colloca a policia em grandes difficuldades.

Isto é uma attenuante para a policia.

Mas demonstrar o Sr. general Gouveia que o povo estava debaixo da influencia dos discursos inflammados dos comicios e dos artigos violentos dos jornaes tambem representa outra attenuante para as responsabilidades populares.

Que vejo pois aqui senão igualdade e imparcialidade de criterio?

Disse tambem o Sr. João Arroyo que a syndicancia devia ser posta de parte.

Não vejo motivo para tal, porque a syndicancia não resolve os assuntos aos quaes se refere. A syndicancia indica unicamente á justiça os pontos sobre que ella deve inquirir. E, se são más as violencias por parte da policia e guarda municipal, não são melhores ou não podem ter defesa as violencias por parte das massas populares. (Apoiados).

Accusa-se fortemente a guarda municipal por ter feito fogo.

Mas porque fez fogo a guarda municipal?

Porque foi atacada. (Apoiados).

E a guarda municipal não foi atacada uma só vez; foi-o por varias vezes.

O que é afinal indispensavel é que exercito, policia e povo se compenetrem bem dos seus deveres, contribuindo todos para que desappareçam más vontades que podem dar logar a violencias de parte a parte, violencias com que todos perdem e ninguem utiliza. (Vozes: - Muito bem).

(S. Exa. não reviu).

O Sr. José de Alpoim: - Sr. Presidente: no discurso do Sr. Ministro da Guerra, houve uma parte em que S. Exa. alludiu á vinda do Sr. Conselheiro José Luciano de Castro a esta Camara.

Folgo com essa vinda, apesar do chefe do partido progressista me honrar com um grande odio e uma feroz antipathia.

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6 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O Sr. Francisco José Machado: - Posso garantir a S. Exa. que está perfeitamente enganado.

O Orador: - É costume nesta Casa, quando alguem interrompe, pedir licença...

O Sr. Francisco José Machado: - Tem S. Exa. ,a razão. Andei mal, confesso o meu erro, mas mantenho a minha affirmativa.

O Orador: - Lastimo a interrupção, especialmente pela forma por que foi feita, e vejo-me obrigado a dizer que tudo quanto affirmei é a pura expressão da verdade. E esse odio, essa má vontade foram causa de muitos dos mais tristes acontecimentos da politica portuguesa.

O projecto que se está discutindo é um dos projectos de lei chamados constitucionaes. A sua apreciação é obrigatoria ao Parlamento, pela Constituição do Estado. Que o não fosse, era dever entregar esse assunto ao estudo das Côrtes, porque se prende com a organização da defesa nacional. Penso que tudo quanto diz respeito ás nossas instituições militares deve ser olhado pelas assembleias legislativas.

Marrari, o grande escritor militar italiano e democrata ardente, escrevendo acêrca das relações entre o Parlamento e as questões militares, dizia:

"Tenho visto muitos homens intelligentes apreciar favoravel ou desfavoravelmente a interferencia do Parlamento nas questões militares; mas tenho visto tambem que todos os espiritos superficiaes e obtusos, todos os fanfarrões, são unanimes na sua aversão pelos debates parlamentares".

As questões militares prendem com a vida social de um povo, cem a sua situação economica e financeira, com os problemas da educação nacional, com os melindres das suas relações internacionaes com a segurança e existencia de uma nação. Só o snobismo reaccionario e conservador ou só "os espiritos superficiaes e obtusos, os fanfarrões", no dizer de Marrari, querem subtrahir o seu estudo aos debates parlamentares.

Na Russia e na Italia no seio das assembleias legislativas d'estas duas nações estão-se discutindo os problemas que se prendem com as respectivas instituições militares.

A dissidencia progressista, como um partido radical e avançado, não só por coherencia com as suas ideias, mas ainda porque a triste experiencia das ditaduras e autorizações usadas no nosso país com as cousas militares provou quanto, foi funesta á defesa nacional
essa triste experiencia, quer que o Parlamento se consagre á analyse e estudo das questões de defesa nacional.

A dissidencia, que se tem occupado das cousas militares, que julga a solução do problema militar uma cousa vital para o nosso país, a dissidencia que foi o primeiro partido politico que na imprensa defendeu a necessidade da criação de um orgão superior de guerra, que assegurasse a sequencia das organizações e reformas militares, que tanto defendeu a necessidade do aumento dos soldos e da melhoria das condições economicas dos officiaes do nosso exercito e armada, quer que o Parlamento considere como uma das suas mais imperiosas obrigações o olhar pelos destinos das instituições militares.

Para os dissidentes a missão do exercito é a mais alta e a mais patriotica das missões. É quasi uma missão sagrada. E por isso penso eu, e pensa toda a dissidencia progressista, que não ha crime maior para um Chefe de Estado, e para homens publicos, do que deprimir essa missão sagrada dos soldados e dos officiaes portugueses, reclamando-lhes criminosamente - e em nome da honra! - que usem contra o direito e contra a lei as suas espingardas e os seus sabres, exigindo-lhes infamemente - em nome da disciplina! - que sejam agentes da violencia e da força em defesa das instituições que atraiçoaram a liberdade, defraudam o dinheiro do povo, e em defesa dos Ministros que transformam o poder em instrumento dos seus rancores e interesses. Ah! não, ao exercito e aos seus officiaes nunca a dissidencia progressista lhes solicitaria semelhante collaboração de deshonra e de crise!

Porque é que o Sr. Ministro da Guerra, cujo nome se acha ligado a reformas tão elevadas, não apresentou já uma nova organização do exercito?

Ha mais de um anno que o Supremo Conselho de Defesa Nacional se occupa d'esse assunto. Não sabe ou não quer esse Conselho proseguir nessa tarefa? A sua estructura, má como o indiquei quando falei nesta casa do Parlamento, não lhe permitte trabalhar com affinco?

Ao Sr. Sebastião Telles cabe providenciar. Eu entendo que conviria mais, antes da discussão do contingente, estudar essa organização para depois definir qual o contingente proprio a satisfazer as suas exigencias.

A actual organização não pode subsistir, porque, dentro dos recursos orçamentaes, é impossivel mantermos as seis divisões militares da reforma de 1901, de modo a que as unidades existam em verdade com effectivos reaes e instruidos por forma que satisfaçam a sua missão militar.

Não podendo, pelas difficuldades financeiras, manter o actual numero de unidades, o que devemos fazer? Ter um pequeno effectivo de paz e instruir militarmente as reservas, que agora, só num numero limitado, são assim instruidas.

Durante vinte dias, poucos milhares de recrutas recebem um simulacro de instrucção. E os outros milhares ? As circunstancias do Thesouro não o permittem. Portanto, o problema é fazer que, dentro dos recursos financeiros, mantendo apenas um nucleo pequeno de soldados em serviço activo, reduzindo o effectivo de paz, dotando os districtos de reserva com os quadros de officiaes e sargentos necessarios para a instrucção das praças, se prepare militarmente o maior numero possivel de cidadãos para os serviços da guerra.

Temos de organizar os quadros dos nossos officiaes, não só olhando ao effectivo de paz, mas ainda ao das reservas, sendo certo que os quadros actuaes teem de ser conservados e até aumentados.

Por exemplo, na arma de artilharia e preciso aumentar o quadro dos seus officiaes superiores, não só pela importancia d'essa arma, mas até pelas condições de desigualdade em que ella hoje se encontra.

Como se vê d'esta rapida exposição, a nossa situação militar, no que tem de mais fundamental, prende logo com as questões orçamentaes.

Em França, a não ser em projectos concretos sobre determinadas questões militares, é na discussão do orçamento que se travam os grandes debates sobre a organização do exercito e assuntos que com ella prendem.

Nos ultimes annos tornaram-se notaveis os trabalhos de Clotr, Berteaux e Messiny, tres civis, cujos trabalhos são um primor de erudição. O mesmo succede noutros países. Se assim se faz nessas nações, mais deve fazer-se em Portugal.

Reservo-me pois, Sr. Presidente, para aqui expor as minhas opiniões que, com certeza, não teem valor, mas que procurei fortalecer no estudo dos grandes escritores militares da França, da Italia e da Belgica, dos generaes illustres que encaminham a transformação social da força publica.

A essa transformação vae obedecendo a propria Allemanha, que, no regulamento do recrutamento, já introduziu tolerancias, que os escritores allemães dizem ser coagidas pelas conquistas da democracia.

Occupar-me-hei então do problema da reducção do serviço militar, que é tambem uma necessidade da vida social moderna: e esse problema, que varia de país para país, depende da educação e instrucção do povo, que tão inti-

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mamente influem na preparação physiologica profissional e moral dos recrutas.

Ninguem ignora como em todos os países se trata d'este assunto, e na Inglaterra, que começa agora a olhar com tanto cuidado pelo seu exercito de terra, são curiosos os trabalhos de experiencia feitos pelo coronel Pelloc, tendo por fim demonstrar que se pode dar a educação militar em seis meses.

Eu creio que em Portugal já se pode reduzir o actual tempo de serviço, comquanto muito longe d'aquelle periodo de tempo, ainda menor que seis meses noutros países, onde a instrucção do povo, e sobretudo a educação militar preparatoria da mocidade, tanto influe.

No proprio exercicio de tiro é notavel a superioridade dos mancebos instruidos, ainda que não havendo jamais feito uso de armas de fogo, sobre os recrutas que não teem instrucção. A questão da instrucção militar preparatoria é importantissima, porque contribue muito, alem de outras vantagens, para a solução do problema do serviço pessoal obrigatorio, base moral e nacional do serviço militar em todas as democracias, monarchicas ou republicanas, e fundamento mesmo da vida militar dos povos, como a Allemanha, com enormes effectivos e com um ideal militar traduzido na frase: "o exercito é a nação armada".

É no orçamento, pois, que tratarei dos assuntos principaes referentes á lei militar do nosso país, procurando estudá-los, não sob o ponto de vista das instituições militares estrangeiras, mas da nossa feição caracteristica e nacional e sem esquecer os recursos do nosso Thesouro. Sei como precisam de ser reorganizados e criados alguns serviços, attentas as exigencias da guerra moderna, como as exigencias da administração militar, dos serviços medicos, da utilização moderna dos automoveis como instrumentos de combate e meios de locomoção, etc.

A guerra russo-japonesa, com exercitos occupando 70 e 80 kilometros na linha da frente, como aconteceu nas batalhas de Liao-Yang, Cha-Ho e Muk-den, trouxe profundas modificações, não só no armamento, na constituição das forças militares, mas grandes li coes no papel educador dos officiaes e na preparação profissional do soldado, preparação tão diversa das do exercito russo que ella foi talvez o maior factor da victoria dos japoneses.

Mas sei tambem como são pequenos os nossos recursos: e assim, na discussão do orçamento, procurarei estudar as cousas militares sob o ponto de vista do meu, do nosso país.

Expõe Frasquez, no seu admiravel trabalho, que as condições geographicas, topographicas, ethnographicas, politicas, economicas e sociaes devem intervir na elaboração de uma lei que responda ás necessidades da defesa de um país.

Pequenos países podem estar em condições differentes. A Hollanda, a Suissa, a Belgica, são, por exemplo, tres pequenas nações: mas não podem ter o mesmo exercito. Naquelles dois países ha a necessidade de organizar o exercito sob o ponto de vista defensivo, sendo a sua defesa apoiada, na Suissa, pelo systema das suas montanhas, na Hollanda pelas suas linhas de agua poderosamente fortificadas. A Belgica, país de planicies, sujeito pela sua posição a ser theatro de batalhas entre poderosos exercitos, carecendo de defender a sua neutralidade, necessita de ter importantes effectivos. Mesmo em tempo de paz deverá ser incluida, como o exercito francês e allemão, na grande guerra, precisando o seu soldado não somente de possuir qualidades profissionaes individuaes, mas de desenvolver as suas qualidades collectivas.

Cada povo tem o seu exercito. O nosso, alem das circunstancias especiaes do país, tem de subordinar-se por uma fatalidade de circunstancias - criminosas culpas dos nossos homens publicos, que esbanjavam o dinheiro da forma deploravel que se descobriu agora!- ao nosso vergonhoso e desequilibrado orçamento.

Tratarei tambem, quando se discutir o orçamento, da guarda municipal. Não tenho contra esta corporação nenhuma animosidade. Ha nella officiaes que muito prezo. O seu commandante é um homem de bem e um militar pundonoroso. Mas a verdade é que essa corporação carece de ser reformada, tornando-se como modelo a gendarmerie francesa. É encarregada da vigilancia da ordem publica, assim como da execução das leis.

O recrutamento dos soldados é feito em todas as armas, sendo obrigados a saber ler e escrever. O dos officiaes, tenentes e capitães é escrupuloso, não sendo admittidos senão depois de sub-mettidos a um exame. No nosso país a guarda municipal está em absoluta hostilidade com o povo, que lhe não tem o amor que consagra á tropa de linha. Ha um verdadeiro divorcio entre a opinião publica e ella: e isto basta para condemnar uma instituição. Não a quero abolida, quero-a reformada.

Os ultimos acontecimentos de 5 de abril, assim como os de 18 de junho, por occasião do protesto organizado pelos regeneradores, progressistas, dissidentes e republicanos contra a politica do Sr. João Franco, mais aggravaram essa incompatibilidade. E o relatorio feito a taes acontecimentos pelo
syndicante que o Governo nomeou, esse documento a um tempo inhabil e odioso, irritante e provocador, mais ha de ainda excitar essa animadversão.

O Governo incumbiu o Sr. general Leopoldo de Gouveia de proceder a um inquerito sobre os actos da policia e da municipal na sangrenta tarde de 5 de abril, em que foram mortas quatorze pessoas e varadas pelas balas ou acutilados pelos sabres mais de oitenta filhos do povo.

Não sei quem é esse militar.

Não o discuto como pessoa, não o discuto como soldado.

No meu direito e no meu dever de parlamentar, analysa um documento emanado das mãos de um syndicante que dá contas ao Governo da missão que lhe foi incumbida.

Tem o Sr. general Gouveia uma larga e brilhante folha de serviços militares, d'estes que se impõem ao respeito do exercito?

Possue as grandes qualidades particulares, a dignidade da vida, a austeridade intemerata, a integra probidade, a gravidade e respeitabilidade de homem que são indispensaveis para a sua missão?

Goza d'aquella independencia de caracter, e até independencia de funcções, que são predicado essencial no seu officio de syndicar de actos tão graves e atrás dos quaes se esconde uma falsa noção de ordem e uma mentirosa ficção de espirito militar?

Creio que sim. Deus me livre de pensar que, para taes funcções, pudesse ser escolhido quem não possuisse taes predicados.

Mas a esse general fallece-lhe o sentimento de imparcialidade e justiça, entenebrece-lhe o espirito a ideia inexacta e preconcebida de um falso dever militar.

Não é um syndicante: é um apaixonado.

Não é um juiz: é um accusador.

Para elle, os que feriram e mataram são officiaes do exercito: os outros, os mortos e os feridos, são a multidão anonyma, os rostos patibulares, a escumalha das ruas.

Este é o seu criterio.

E grita-o, e brada-o quando escreve que "como militar que sou, membro d'esse exercito glorioso que é hoje e será sempre o mais seguro penhor da integridade da patria, todo o meu empenho consistirá em predispor benevolamente o espirito de V. Exa. e o de todos aquelles que lançam gravissimas accusações sobre uma corporação que ao exercito pertence".

O Sr. João Arroyo já flagellou, na sua palavra eloquentissima e impiedosa, palavras tão insensatas. São um grito de alma, um brado de paixão. Confessam um estado moral. Quem assim o

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diz, alto e claro, que todo o seu empenho é defender a municipal, porque faz parte do exercito, não pode exercer as funcções de julgador imparcial. Veda-lh'o o espirito de seita. E diz seita porque não é a grande e larga, e intelligente noção do que é o exercito moderno, tão consubstanciado com a nação, uma escola em que o soldado recebe uma preparação physiologica, profissional e moral, em que o official exerce um papel de educador, em que a força armada é o prolongamento d'essa grande multidão que forma o país e que é o povo!

O Sr. general Gouveia fala como um militar do antigo exercito que era uma casta: não comprehende nada d'esse generoso espirito democratico e moderno, que anima as obras dos grandes, escritores militares e que, ainda agora, na França e na Belgica, produz admiraveis trabalhos de critica sobre a transformação democratica da forca militar. Pois, com uma sobranceria desdenhosa, num documento publicado na folha official, acceito e acolhido pelo Governo d'uma Monarchia liberal - terão todos enlouquecido neste pobre Portugal? - o general syndicante fala, com sobranceria desdenhosa e punidora do povo - d'este bom e pacifico povo que tem soffrido tantas privações e tanto tem perdoado.

Como elle fala, o syndicante, com altiva superioridade, do povo que lhe paga!

Um aristocrata da velha rocha não seria mais soberbo para a plebe sordida, a arraia meuda.

Não sei de onde promanou o illustre general.

D'aquellas estirpes heraldicas, cujos fidalgos tinham nos escudos a tenção Depois de Deus, nós?

Ah! Não.

Infelizmente, não são esses os que assim desprezam o povo. São os filhos da democracia, es plebeus ricos ou poderosos, os filhos ou netos de proletarios ou burgueses, os que mais desdenham d'essa liberdade que lhes deu uma posição social, que os arrancou á obscuridade e ao esquecimento, que lhes deu a força e o poder.

Permitta-me a Camara uma pequena digressão.

Ha dias, li uma carta do principe Murat, protestando contra a entrada de Zola no Pantheon.

Esse principe é neto do palafreneiro que nas cavallariças de seu pae, um estalajadeiro de terras de provincia, exercia o seu baixo mester.

No antigo regime, onde os officiaes eram nobres, não lograria passar de um humilde sargento.

A revolução fê-lo general, marechal, grã-duque, Principe, Rei.

O descendente d'esse plebeu, que tudo deveu á liberdade, esqueceu a sua humilde extracção, e não quer que, no Pantheon, repousem as cinzas do glorioso escritor que, defendendo a justiça e o direito, foi um lutador da heroica e sagrada Revolução.

Em Espanha o Rei Affonso XIII, esse Bourbon que representa a raça monarchica mais antiga da Europa, o descendente de Capelo, promove que no Pantheon repousem os restos d'esse admiravel patriota, alma de luz e de bondade, que foi um soldado da democracia, d'esse politico eminente que ajudou a derrubar do throno a Rainha Isabel, e que se chamou Emilio Castelar.

Não é significativo este facto?

É por isso que a mim se me confrange o coração quando, nesta alta e nobre Camara dos Pares, soam palavras de repressão para as justas exigencias da democracia, quando soam frases que parecem de esquecimento e desdem para a liberdade que lhes deu os cargos que occupam, os logares altos da burocracia, as dignidades elevadas no clero, e o assento numa assembleia que representa uma elevadissima posição social.

Que seriam os que aqui estão, se não fosse a revolução que se reflectiu na vida politica de Portugal? Que seriam?

Tirante 20 ou 30 representantes da velha fidalguia historica da capital, os quaes tinham o monopolio do Paçô e do Poder, o que seriam elles, os Pares do Reino actuaes?

Vegetariamos, eu, e os meus collegas, no desprezo dos Reis absolutos, no desdem das classes privilegiadas, relegados para uma posição humilde, mecanicos ou cultivadores da terra como nossos pães e avós, desconhecidos e mesquinhos plebeus.

Foi a liberdade que deu a uns a riqueza, a outros o poder, e a todos uma posição social que, de filhos ou netos de plebeus, os converteu numa especie de aristocratas politicos. Os que esquecem de onde vieram e riem sobranceiramente da liberdade são odiosos na acção que praticam e ridiculos nas prosapias da sua posição social de plebeus vaidosos.

Eu, é que nunca o esquecerei, e sinto cada vez mais, dia a dia, afervorar-se o meu amor pela fé democratica, condição de vida dos povos e dos Principes.

Perdoe-me a Camara esta digressão. Neste extraordinario documento, o Sr. general Gouveia, que ha de ser, como todos nós, um filho ou descendente de plebeu, plebeu elle proprio, fala do povo, desdenhando-o, porque "vegeta em geral numa quasi miseria, que lhe azeda o animo numa constante orientação contra tudo e contra todos". Vegeta, sim! Comem-lhe o seu dinheiro os privilegiados da politica e da finança. A sua quasi miseria contrasta com os rios de ouro despejados a dentro da Coroa Real nesses famosos adeantamentos por que os homens publicos adquiriam ou conservavam o poder. O animo azeda-se contra os palacianos ou os Ministros que o atiravam, á sombra do manto real, enrodilhados na sua purpura, para essa sordida pobreza, para essa miseria moral e physica, que, nas suas columnas, o Seculo tem descrito com formidavel realidade, e que eu conheço na vida atormentada e dolorosissima do povo - dos pobres - da minha terra natal.

A esse povo, diz-lhe o syndicante "que afasta criminosamente os filhos das escolas, a pretexto de que precisam, desde crianças, contribuir com alguns cobres para o sustento das familias". Horriveis palavras! Como se escreve e como se consente que ellas venham á luz?

Criminosamente? Onde estão as escolas bastantes e que casta de estabelecimentos de educação são essas escolas, que parecem um escarneo ao pé de estabelecimentos congeneres de países estrangeiros? Como é que os Governos persuadem, ou coagem, os pães das crianças á obrigação de frequentarem a escola? E o desdem com que elle "fala dos cobres para o sustento das familias". Esses cobres, illustre general cujo documento o Governo perfilha, servem para comprar o pão de milho, que se não pode comer muito, porque é caro, o pão de centeio, que de vê-lo se escurece a vista, o pão insipido da cevada, que se devora para matar a fome. Sabem os Srs. Ministros que ha seres humanos que nas montanhas geadas de neve ou requeimadas do sol, nas planicies doentias por falta dos cuidados de hygiene publica, apenas teem esse pão mal gostoso como o unico e precioso manjar, como o supremo regalo da vida? E a esse povo paciente, como animal de carga, diz a folha official, proclama-o o Governo de um Rei liberal, como a multidão a quem "se exacerbam as tendencias revolucionarias". Agradeça-lhe o Rei, já por vezes recebido com carinho e affecto, com sympathia pela sua mocidade, com respeito pela sua dor.

Eu ouvi o Imperador da Allemanha falar com encanto d'este povo de Lisboa, que se ennovelava ás portinholas das carruagens reaes, tumultuando feliz e contente, sem uma palavra, sem um gesto, que não fosse de hospitalidade e compostura. Tendencias revolucionarias! Essas são os Governos que as fazem, no poder, a sordida revolução da offensa á lei, do ataque ao direito, do assalto ao Thesouro! Como podem estas palavras cair da penna de

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um militar e como ha Governo que permitia semelhantes injustiças, que são uma affronta, e, publicadas, uma fonte de aggravos contra as instituições que nós todos queremos sustentar e defender?

Mas o que é espantoso é a parcialidade, a paixão, quer na frase, quer na ideia, que transparece do relatorio.

Os populares são sempre os amotinadores. os arruaceiros e os desordeiros e os caras patibulares.

Estes são os termos consagrados. Não póde averiguar, como diz no corollario n.° 1 quem teve a responsabilidade dos factos de Alcantara: mas affirma que os populares eram a escoria de tudo quanto ha de mais baixo.

Em compensação, de um dos populares mortos, diz, em poucas linhas, que não sabe quem o matou ; e de outro, que todas as testemunhas indicam haver sido morto pelos chamados agentes da ordem; de outro que, encostado a uma parede, socegado, via os acontecimentos e foi morto a tiro como um cão, segundo depuseram unanimemente treze testemunhas, escreve que acha o facto barbaro de mais, custando-lhe a acreditá-lo! Não sei como capitular estas palavras !

Ao povo, cobre-o de improperios em nome da lei: e, reconhecendo a illegalidade da entrada da força na assembleia de S. Pedro, em Alcantara, o que é um facto gravissimo, defende a em nome da ordem.

Um official da municipal desobedece á ordem terminante de cessar fogo: não ha maior crime militar.

Explica-o porque elle julgou ter latitude para proceder como quisesse: e attenua esse facto com a singular bondade de as pontarias deixarem de ser sobre o quartel general onde estavam soldados feridos e sim sobre o povo.

Uns soldados praticaram o facto criminosissimo de subirem a uma janela do coro e d'ali fazerem uma verdadeira caçada aos filhos do povo.

A desobediencia do official e o crime d'esses soldados são apenas chamadas violencias não necessarias.

Entre todas as desculpas á municipal deixa claramente ver nos corollarios n.° 7.° e 8. que, havendo uma surda excitação entre o povo e a municipal, foi esta quem, começando ás coronha das na igreja de S. Domingos, provocou o conflicto.

E, reconhecendo isso, entoa uma especie de hymno glorioso em honra da municipal no seu corollario 14.°, de uma forma impropria de um relatorio, de uma maneira inconsiderada e injustificada, como para excitar o povo que, num sentimento de justiça, e até para accentuar a diversidade dos seus sentimentos, recebe sempre com festas e carinhos os soldados do exercito, do
verdadeiro exercito, que é a honra e a gloria da nossa patria.

Como é que o Governo acceitou este relatorio? Como é que o converteu num documento publico? Como o inseriu na Folha Official, parecendo adoptar as suas doutrinas?

Tristes tempos estão correndo! Já por ahi ?e chamam maus monarchicos, jacobinos, amigos dos republicanos, aos homens publicos que censuraram os morticinios de 5 de abril, reclamaram um inquerito parlamentar e querem toda a luz, toda a justiça, seja contra quem for, nesse horrivel acontecimento.

Jacobinos! Tambem assim são chamados aquelles que, havendo um Presidente do Conselho denunciado o crime dos adeantamentos illegaes, pedem e reclamam que toda a verdade se faça nesses attentados, a cuja responsabilidade é estranho o novo Monarcha. Jacobinos! Que são então os monarchicos que assim os apodam? Que monarchia querem elles? Uma monarchia que proteja os assassinos do povo, uma monarchia que defenda os crimes contra o dinheiro da nação? Sou monarchico, como monarchicos são os meus amigos. Mas uma monarchia assim, não a queremos, não a defenderemos nunca.

Tudo indica que os homens funestos do ultimo reinado querem, para se defender, enredar a Coroa nas suas machinações e conveniencias.

Ha alguns meses, vivo ainda El-Rei D. Carlos, disse eu que se viam no céu sinaes que não falhariam. Elles começam a apparecer.

Podemos ter um grande Rei, um reino livre, e ainda felizes os portugueses.

Mas, se os homens publicos dos partidos proseguem como cegos no caminho do passado, se não ha um arrependimento profundo, se continuam os rancores e os interesses, se a Monarchia se não identifica de vez com a justiça e com a liberdade, tristes dias estarão a chegar para nós todos, e a mim soam-me aos ouvidos as palavras do velho fidalgo que ha seculos, nas vésperas de uma grande tragedia nacional, dizia dolorosamente: "Padre nosso pelo Rei, pelo reino, e pelos vassallos".

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles): - Disse o Digno Par que me antecedeu no uso da palavra, e no final do seu discurso, que me não queria maguar.

S. Exa. nunca me maguou; mas antes isso tivesse acontecido.

O Sr. José de Alpoim: - Nunca foi minha intenção maguar o Sr. Sebastião Telles, a quem muito considero, por ser um dos mais importantes homens publicos do país, e o primeiro Ministro da Guerra dos tempos modernos.

O Orador: - Já disse, e repito, que o Digno Par nunca me maguou, porque é muita, e data de longe, a amizade pessoal que lhe consagro; mas, no caso presente, preferiria que me tivesse maguado, e que se não tivesse referido em frases tão vehementes, a um official general do nosso exercito, cujo unico defeito se limita a ter procurado desempenhar cabalmente a missão que lhe foi confiada. (Apoiados).

É triste que um general de brigada, posto que só se alcança ao fim de quarenta, ou mais annos de serviço, e após muitas lutas e canseiras, seja tão acremente combatido, por se ter encarregado de um trabalho, que não é, com certeza da sua attribuição, e somente acceitou, não em obediencia a interesses de partido, porque nunca foi um partidario politico, mas como o cumprimento de uma ordem recebida. (Apoiados).

Desempenhou o encargo que lhe foi commettido, o melhor que póde e o melhor que soube, para depois ouvir a critica violenta que o Digno Par acabou de fazer perante a Camara.

Antes S. Exa. se tivesse dirigido a mim, e deixasse em paz um official que não tem voz nesta Casa, e que desconhece até que ponto levam os exageros da rhetorica parlamentar.

E convem ponderar que quem publicou o relatorio não foi o Sr. general Gouveia, mas sim o Governo. (Apoiados).

E ao Governo que compete, inteira e absoluta, a responsabilidade da publicação d'esse relatorio. A que vêem então as arguições do Digno Par, se a responsabilidade da divulgação d'esse documento pertence ao Governo?

Por isso eu digo ao Digno Par que antes se dirigisse a mim e deixasse aquelle illustre official que não pode responder aqui e que talvez estranhe mais esta violencia de critica do que eu, que já sei ao que obriga muitas vezes a rhetorica parlamentar.

O Sr. José de Alpoim: - A responsabilidade do Governo é qua é uma figura de rhetorica.

O Orador: - Como quer então S. Exa., que se definam, ou se expressem os sentimentos e propositos do Governo?

Affirmo ao Digno Par de um modo categorico que não declino a menor parcela de responsabilidade, que possa resultar da publicação do documento a que o Digno Par se referiu.

O Digno Par Sr. Alpoim excedeu, e muito, os reparos e as criticas da Digno Par Sr. Arroyo, mas afinal não.

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será preciso um grande cabedal de esforço para mostrar que as apreciações de S. Exa. são injustas e descabidas. (Apoiados).

O Digno Par Sr. Alpoim tem uma noção do que se chama povo, que não é evidentemente a exacta.

Entre o povo ha elementos dignos de toda a consideração e respeito, que todos louvam e admiram; mas ha tambem desordeiros e criminosos, e estes, são os que merecem o geral repudio.

O Sr. José de Alpoim: - Mas é aos desordeiros que o Sr. general Gouveia allude, quando aponta o povo que afasta criminosamente os filhos das escolas, a pretexto de que precisam essas crianças contribuir com uns miseraveis cobres para o sustento da familia?

O Orador: - O relatorio reporta-se, naturalmente, a uma horda de arruaceiros que só se comprazem com a intranquillidade e com a desordem.

Não é com certeza ao povo trabalhador e honesto que o Sr. general Gouveia se refere. (Apoiados).

O Sr. José de Alpoim: - Mas S. Exa. sabe?

O Orador: - O Sr. general Gouveia, não podia ter a intenção que lhe é attribuida.

O Sr. José de Alpoim: - Porque é então que diz que o povo estava excitado pelos artigos da imprensa e pelos discursos dos comicios? Não seria isto preparar um estado de espirito que tendesse a desculpar as faltas dos que tão ferozmente aggrediram o povo?

O Orador: - Mas não estão ahi os depoimentos das testemunhas?

As expressões desagradaveis são as empregadas pelas proprias pessoas inquiridas.

É preciso não confundir com o verdadeiro povo um bando de arruaceiros, que só procuram a desordem.

Ignora o Digno Par o que disseram todos os jornaes, a proposito d'esse bando, que por ahi tumultuou no dia 6 de abril? Não se disse que elles representavam a escoria da sociedade?

O Sr. José de Alpoim: - Disseram uns e não disseram outros.

O Sr. Presidente: - Peço ao Digno Par Sr. Alpoim que não interrompa o orador.

O Orador: - Não foi o proprio partido republicano, ou os seus representantes, que vieram declarar que nada tinham com semelhante gente?

Por que estranha então o Digno Par a ausencia de referencias agradaveis em relação a essa escoria?

Disse ainda o Digno Par que nós todos, os homens modernos, cevemos amar a liberdade.

O Sr. José de Alpoim: - O que eu disse foi que os de origem plebeia, e que se vêem elevados por qualquer aneira, são os que mais depressa se esquecem de amar a liberdade.

O Orador : - É effectivamente indispensavel que todos prestemos culto á liberdade : mas a liberdade não permitte que cada um faça o que entender e diga tudo quanto quiser.

A liberdade precisa ser defendida, mas tambem não precisa menos de ser comprehendida.

A evolução social depende de dois factores.

Para que haja liberdade é preciso que a ordem se mantenha. (Apoiados).

Liberdade sem ordem importa o chãos.

Eu lamento tanto como o Digno Par a morte d'aquelles individuos, mas essas desgraças, que outro nome não teem, não são devidas exclusivamente á guarda municipal, mas á exaltação dos espiritos.

Desde que se apresentam em jogo elementos oppostos, é mester que se proceda com a maxima imparcialidade e justiça.

Pode ser taxado de parcial um documento que condemna o procedimento de um dos officiaes da força?

Disse o Digno Par que a guarda municipal atacara o povo que estava no Rocio.

O fogo não foi continuo, como se pode deprehender do relatorio e de todas as informações.

A guarda procurou defender-se quando foi atacada, e só voltou a fazer uso das armas quando foi alvo de novas investidas.

E aos primeiros tiros que representaram um aviso, se não se tivessem reproduzido novas aggressões, evidentemente que tudo teria socegado, e não teriam occorrido os acontecimentos que todos deploram.

Os soldados, vendo-se alvo de tiros e pedradas, trataram de se defender. É lamentavel, mas é natural.

Referiu-se tambem o Digno Par á entrada da força militar na igreja.

A lei manda efectivamente que a força militar não esteja a menos de 100 metros de distancia do recinto onde a eleição se realiza.

Eu desejaria que numa futura lei eleitoral se derogasse essa disposição.

O Sr. José de Alpoim: - Veja a Camara o que o país pode esperar, de uma lei eleitoral em que o actual Ministerio intervenha ou collabore.

O Orador: - E uma opinião individual.

O Sr. José de Alpoim: - V. Exa. nesse logar, não pode ter opiniões individuaes.

O Sr. Presidente: - Peço ao Sr. Ministro que se volte para a mesa, para evitar a continuação de um dialogo, que é prejudicial ao debate.

O Orador: - Não sou eu, Sr. Presidente que promovo esse dialogo. Sendo interrompido, vejo-me na necessidade de responder ás interrupções.

Disse a minha opinião que, aliás, não prende a acção de nenhum Governo, nem de nenhum partido.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente: - Deu a hora.

A seguinte sessão será ámanhã, 14, e a ordem do dia a continuação da que vinha para boje, e mais a discussão dos pareceres n.ºs 19 e 22.

Está encerrada a sessão.

Eram 5 horas e 30 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 13 de julho de 1908

Exmos. Srs: - Antonio de Azevedo Castello Branco ; Eduardo de Serpa Pimentel; Marquês Barão de Alvito; Marquezes: de Avila e de Bolama, de Penafiel; Condes: de Arnoso, do Bomfim, de Castro, de Figueiró, de Lagoaça, de Mártens Ferrão, de Sabugosa, de Valenças, de Villa Real; Viscondes: de Algés, de Monte São: Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Eduardo Villaça, Teixeira de Sousa, Campos Henriques, Ayres de Ornei-las, Carlos Palmeirim, Carlos Bocage, Eduardo José Coelho, Fernando Larcher, Mattoso Santos, Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Francisco Maria da Cunha, Simões Margiochi, Francisco de Serpa Machado Pimentel, Ressano Garcia, Baptista de Andrade, Gama Barros, Jacinto Candido, D. João de Alarcão, João Arrojo, Vasconcellos Gusmão, José de Azevedo, José de Alpoim, Silveira Vianna, Julio de Vilhena, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Sebastião Telles e Sebastião Dantas Baracho.

O Redactor.
F. ALVES PERREIRA.

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SESSÃO N.° 26 DE 13 DE JULHO DE 1908 11

Memoriaes enviados para a mesa pelo Digno Par Sr. Jacinto Candido e cuja publicação no "Summario" foi autorizada pela Camara:

Illmo. e Exmo. Sr. Conselheiro Par do Reino Jacinto Candido da Silva.- Por iniciativa do actual titular da pasta da Marinha foi officialmente encarregado o Conselho General da Armada de organizar um plano de remodelação do quadro da administração naval, compativel com as indispensaveis necessidades da nossa marinha de guerra, justificado o respectivo aumento por decretos recentes que reformaram os diversos serviços da fazenda naval e fabris, dependentes do Ministerio da Marinha.

O referido plano convertido em projecto de lei, com todos os mappas comprovativos, já foi examinado pelo dito conselho, sem que o Sr. Ministro da Marinha o tenha apresentado em Côrtes até hoje.

Ignoramos se S. Exa. o Sr. Ministro da Marinha ainda não recebeu a proposta do projecto alludido; ou, se por modificação, reprovação parcial, ou geral dos membros commissionados, adiou a opportunidade da sua apresentação; mas, o que é impreterivel, é attender-se e providenciar-se sobre esta classe, que, desde 1895, foi extremamente reduzida por um decreto em ditadura; sem que ainda se regularizasse um estado anomalo de exercicio e de categoria, que dá logar a expedientes anormaes e a prejuizos, que affectam direitos e garantias dos funccionarios e os interesses da Fazenda Nacional.

S. Exa. o Sr. Ministro da Marinha não ignora que os officiaes d'esta classe permanecem nos postos de guardas-marinhas, segundos e primeiros-tenentes, respectivamente, mais de 10, 13 e 16 annos, perdendo toda a esperança de promoção, figurando até o limite da idade na escala de embarque. D'este modo, os que são promovidos ao posto superior de capitão-tenente só attingem essa graduação com a media de mais de 30 annos. Acresce ainda que, demorando-se a solução de tal estado de cousas, as autoridades superiores praticam involuntariamente medidas, que revertem em geral detrimento d'este funccionalismo, embora tenham solicitado providencias aos anteriores Ministros da Marinha.

Essas medidas, a que nos referimos, realizam-se: nomeando officiaes reformados para as commissões effectivas, os quaes deveriam ser empregados no ajustamento de contas de material, serviço este que ha largos annos se acha mui atrasado, e que deveria ser regularmente recompensado.

Tambem o Sr. Ministro sabe que os aspirantes são empregados em serviços, dos quaes não podem ser considerados, responsaveis, por não estarem legalmente caucionados. Tal inconveniente remediar-se-hia com a approvação d'este projecto, no qual se providencia, reduzindo a diuturnidade de promoção de aspirante a guarda marinha, que é presentemente de nove annos.

Pelos considerandos expostos deprehenderá V. Exa. a justiça d'esta causa, que V. Exa., no seu elevado criterio, advogará, no fim essencial e urgente do Sr. Ministro providenciar, como é mester.

Lisboa, em 8 de junho de 1908.

Illmo. e Exmo. Sr.- Os alferes, provenientes da classe de sargentos, promovidos para o exercito do reino, confiados na boa vontade de V. Exa., sempre pronto a defender as classes que se encontram prejudicadas pelo não cumprimento da lei, vêem perante V. Exa. pedir para que se digne tomar na devida consideração a defesa no Parlamento da sua causa, abaixo, exposta, fundada na lei e nos interesses da disciplina militar.

Tendo os supplicantes sido promovidos a
alferes, em harmonia com o artigo 49.° e seu § 2.° do decreto com força de lei de 12 de junho de 1901 e tambem ao abrigo dos principies geraes de promoção que regula a ordem de antiguidade dos officiaes do mesmo posto e são expressas no artigo 13.° da mesma carta de lei, que dizem:

Art. 49.° As vacaturas do quadro nas armas de cavallaria e infantaria serão providas: dois terços, pelos individuos habilitados com o respectivo curso da Escola do Exercito, e o terço restante, pelos sargentos ajudantes.

§ 2.° Não havendo candidatos habilitados com o curso para preencher as vacaturas do posto de alferes, ficarão em aberto as ditas vacaturas, sendo, porem, preenchidas as do terço a que teem direito os sargentos ajudantes.

Art. 13.° A ordem de antiguidade dos officiaes do mesmo posto será determinada pela data do decreto da promoção a esse posto, e, em igualdade d'essa data. pela antiguidade do posto anterior e assim successivamente. No caso de igual antiguidade- em todos os postos de oficial, será considerado mais antigo o que tiver mais tempo de praça, e, em igualdade de tempo de praça, o que tiver mais idade.

Os mesmos supplicantes, em virtude das providencias adoptadas pelo decreto de 7 de maio findo, vêem-se hoje, apesar d'aquellas garantias, preteridos por individuos provenientes da classe dos aspirantes, que só foram promovidos, um, dois e tres annos mais tarde, sem que os supplicantes estejam incursos em qualquer dos casos de preterição exarados na mesma lei de promoções, que ainda não foi revogada.

Exmo. Sr.- O decreto de 7 de maio ultimo, publicado na Ordem do Exercito n.° 9 (l a serie) de 13 do mesmo mês, baseia a nossa preterição no seguinte:

O decreto ministerial de 14 de novembro de 1901, que trata da organização das forças ultramarinas, publicado na Ordem do Exercito n.° 17, de 21 do mesmo mês e anno, regula no seu artigo 6.° o numero de annos que cada official, segundo a sua graduação, ali deve permanecer; e o seu § 1.° diz: " Os officiaes promovidos nas condições do presente artigo, quando completarem o tempo de serviço obrigatorio no ultramar, serão collocados na escala de accesso da respectiva arma ou serviço, logo á esquerda dos individuos do posto anterior, que na mesma escala occupavam o logar N, sendo N a media annual das promoções durante os cinco annos civis que precederam o da data da promoção para o ultramar, se, durante o tempo que ali serviram, não tiverem obtido promoção que lhes dê collocação mais vantajosa na escala da sua arma ou serviço".

Art. 10.° Quando voltarem ao exercito do reino, depois de terem terminado o tempo de serviço no ultramar designado no artigo 6.° os sargentos ajudantes das armas de cavallaria ou infantaria, promovidos a alferes para o ultramar, serão collocados nas escalas de accesso das suas armas, de modo que não fique prejudicada a relação estabelecida no artigo 49.° da carta de lei de -12 de junho de 1901, entre os officiaes habilitados com o respectivo curso e os provenientes da classe dos sargentos.

Pelo que dispõem estes dois artigos do decreto de 14 de novembro, se vê. Exmo. Sr., que é inexequivel a sua doutrina, porquanto a relação estabelecida no artigo 49.° da carta de lei de 12 de junho de 1901, entre theoricos e praticos, á que se refere o artigo antecedente, já se tinha observado com a promoção definitiva e directa para o exercito do reino dos supplicantes agora prejudicados pelo decreto de 7 de maio ultimo.

Seria exequivel a preterição dos supplicantes, se elles não tivessem sido promovidos, mas tendo o sido em conformidade com a lei de promoções, e sem restricção alguma, não pode haver tal preterição, porque ao contrario é dar o caracter de condicional e até de fluctuante ás suas promoções; caso novo que os nossos regulamentos e leis não prevêem, nem podiam prever, por incompativel com os principios da disciplina militar.

Exmo. Sr.- A humilhação e a prostração a que sujeita os supplicantes o decreto de 7 de maio ultimo, é grande, e a affronta á disciplina não é menor, pois que, em virtude do exposto no mesmo decreto, que determina a nossa deslocação na escala, a outros alferes que, por serem mais modernos, até aqui nos obedeciam, passamos nós agora a obedecer-lhes, fluctuando essa superioridade por alternativas durante tres annos, até que os que preterem os supplicantes, sejam todos promovidos a tenentes, em conformidade com o artigo 55.° da lei de 12 de junho de 1901. É uma verdadeira luta em que a lei de promoções se debate com aquelle decreto, luta essa da qual, sempre afinal sairiam feridas a justiça e a disciplina, se a esclarecida intervenção de V. Exa. não constituisse segura esperança de que se providenciará de forma que por fim sempre triunfe o direito e a justiça, restituindo-se os supplicantes aos logares que occupavam na escala, em conformidade com o principio consignado no artigo 13.° da lei de promoções de 12 de junho de 1901. Mas, inspirados pelo desejo de obterem uma solução justa e equitativa, os supplicantes não podendo soffrer resignados a situação humilhante a que os sujeita o decreto de 7 de maio findo, não esquecem comtudo os interesses dos seus camaradas que foram servir no ultramar, e por isso pedem licença para lembrar uma providencia que se lhes afigura ser talvez a unica por meio da qual se podem conciliar as vantagens, offerecidas pelo decreto de 14 de novembro de 1901, com os direitos de antiguidade de posto que aos supplicantes confere o citado artigo 13.° da lei de promoções. É o seguinte:

Que os alferes, vindos do ultramar, fossem considerados supranumerarios, no respectivo quadro e na altura que lhes cabe na escala como subalternos, e quando chegasse a promoção a capitão ao primeiro fora do N, serem promovidos a par os vindos do ultramar, com os que foram promovidos directamente para o exercito do reino.

Esta é, Exmo. Sr., uma medida que os supplicantes julgam justa, porque deixará de haver affronta para a disciplina e humilhação para o brio militar de ninguem, como acontece com a solução adoptada no decreto de 7 de maio, em que se admitte a preterição dos supplicantes, por individuos que foram promovidos a alferes um. dois e tres annos mais tarde, e ainda com a aggravante de tenentes serem preteridos por alferes.

Traz esta medida uma pequena despesa, que só d'aqui a 8 ou 9 annos se principia a sentir; consiste ella na differença que ha entre o soldo de tenente e capitão, a qual seria bem compensada pela satisfação dada á integridade da lei e á solidez dos principies da subordinação e disciplina no exercito.

Esperamos, pois, que V. Exa. se dignará dispensar a sua esclarecida attenção e alto saber a esta tão justa causa e, reconhecendo os direitos que assistem aos supplicantes e animado por um alto espirito de justiça, pugnará pelo triunfo da lei.

E por todos os esforços que V. Exa. empenhar neste intuito se confessam eternamente gratos os supplicantes.

Exmo Sr. - Os alferes provenientes da classe dos sargentos, promovidos directamente para o exercito de reino, confiados na boa vontade de V. Exa., sempre pronto a defender as classes que se encontram prejudicadas pelo não cumprimento das leis do nosso país, que muitas vezes, para protegerem ou-

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12 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

trás classes mais ou menos bem apadrinhadas, nenhuma relutancia teem em prejudicar aquellas que se encontram perfeitamente a coberto da lei, legalidade e justiça; por isso os mesmos supplicantes veem perante V. Ex a para que se digne tomar na devida consideração a defesa, no Parlamento, da sua causa abaixo exposta, fundada nos direitos a que teem jus:

Pela "disposição 9.ª, publicada na Ordem do Exercito n.º 13 (2.ª serie) de 16 de maio do corrente anno, foram os supplicantes deslocados do seu logar na lista de antiguidades, que foi organizada no Ministerio da Guerra em 31 de julho de 1907.

Os mesmos officiaes não podem deixar de occupar o logar que tinham na mesma lista, porquanto:

Diz o artigo 49.° do decreto de 14 de junho de 1901, publicado na Ordem do Exercito n.° 8 (l.ª serie) do mesmo anno:

"As vacaturas do quadro nas armas de cavallaria e infantaria serão providas: 2 terços pelos individuos habilitados com o respectivo curso tia Escola do Exercito e o terço restante pelos sargentos-ajudantes.

§ 1.° Para a entrada no quadro, ter-se-ha em consideração que, por cada 2 alferes supranumerarios, deverá tambem ser promovido a alferes um sargento-ajudante, que conta a antiguidade da data em que foram promovidos esses alferes.

§ 2.° Não havendo candidatos habilitados com o curso para preencher as vacaturas do posto de alferes, ficarão em aberto as ditas vacaturas, sendo, porem, preenchidas as do terço a que teem direito os sargentos-ajudantes".

Diz o § 1.° do artigo 6.° da organização militar do' ultramar, de 14 de novembro de 1901, publicada na Ordem do Exercito n.º 17, de 21 do mesmo mês, que os officiaes, quando completarem o tempo de serviço obrigatorio no ultramar, serão collocados na escala de accesso da respectiva arma ou serviço, logo á esquerda dos individuos do posto anterior, que na mesma escala occupavam o logar n, sendo n a media annual das promoções durante 5 annos civis, que precederam á data da promoção para o ultramar, se, durante o tempo que ali servirem, não tiverem obtido promoção que lhes dê collocação mais vantajosa na escala da sua arma ou serviço.

Diz ainda o seu artigo 10.°:

"Quando voltarem ao exercito do reino, depois de terminado o tempo de serviço no ultramar, designado no artigo 6.°, os sargentos-ajudantes das armas de cavallaria e infantaria promovidos a alferes para o ultramar serão collocados nas escalas de accesso das suas armas, de modo que não fique prejudicada a relação estabelecida no artigo 49.° da carta de lei de 12 de junho de 1901, entre os officiaes habilitados com o respectivo curso e os provenientes da classe de sargentos".

Pela leitura do artigo 49.° e seus paragraphos, se conclue claramente que, depois de qualquer sargento-ajudante promovido ao posto de alferes e collocado na escala de accesso no logar que lhe compete por lei, goza
de iguaes garantias que qualquer outro que lhe fique á direita ou á esquerda, seja elle de que proveniencia for, e só pode passar para a esquerda aos que lhe estão immediatamente inferiores, quando estes sejam promovidos por distincção, quando obtenham o curso do estado maior, que sobem na escala de accesso um certo e determinado numero de logares, quando promovidos nos termos do artigo 6.° da organização do ultramar, e ainda quando aquelles desçam na escala de accesso, por motivo disciplinar, algum logar estabelecido pela lei vigente.

No caso da 3.ª circunstancia ainda é preciso que o individuo não esteja no n, porque, se o estiver, só vae até o ultimo do n exclusive.

Pelo que dispõe o § 1.° do artigo 6.°, já citado, tambem claramente se conclue que todos os individuos ao abrigo d'este artigo são collocados seguidamente uns aos outros, pela sua ordem de promoção para o ultramar, á esquerda do ultimo que, na relação a que se refere o artigo 49.° e seus paragraphos, representa o valor n. Isto é tanto assim, quanto mais o affirma a doutrina do artigo 10.°, que não admitte sob pretexto algum que fique prejudicada a relação a que se refere o artigo 49.º

Dá-se mais a circunstancia que o § 2.° do artigo 8.° da lei de 44 de novembro de 1901 diz:

"As vacaturas que se derem nas commissões que devem ser desempenhadas por officiaes subalternos serão preenchidas, de preferencia, pelos alferes que se tiverem offerecido. Nada d'isto se cumpriu, por isso que havendo, em 1902, 74 alferes offerecidos, apenas se requisitaram 24, indo buscar os restantes á classe dos sargentos".

Diz ainda o artigo l5.° da lei de 14 de novembro de 1901 o seguinte:

"Quando se não tiverem offerecido officiaes de qualquer posto e arma ou serviço em numero sufficiente para preencher, num anno, as vacaturas que occorrerem nas commissões a que se refere o artigo 4.°, serão nomeados os officiaes mais modernos do mesmo posto e arma ou serviço, os quaes serão promovidos ao posto immediato nas condições preceituadas no artigo 6.º e com as demais vantagens estabelecidas neste decreto para os officiaes voluntarios".

É certo que se tivessem requisitado, como prescreve a lei, todos os officiaes offerecidos, a maior parte dos supplicantes teriam sido promovidos a alferes nessa data, no que foram prejudicados pelo não cumprimento da mesma lei; e ainda agora se vêem vexados e prejudicados pela "disposição 9.ª", publicada na Ordem do Exercito n.° 13, de 16 de maio do corrente anno.

Dá-se mais a circunstancia de que o artigo 1.° do decreto de 7 de maio de 1908, publicado na Ordem do Exercito n.° 9 (l.ª serie) do mesmo anno e que se refere ao artigo 49.º da carta de lei de 12 de junho de 1901, está em contraposição a este ultimo decreto, por isso que o mesmo artigo 49.º refere-se apenas aos officiaes promovia s directamente para o exercito do reino e não para o ultramar, como se encontra preceituado no mesmo artigo 1.°, alterando por esta forma a lei de promoções, que sempre se tem respeitado.

A applicação do artigo 1.°, a que nos referimos, garante aos alferes promovidos directamente para o ultramar 2 postos, sendo certo que a maior parte d'elles ainda hoje seriam sargentos no exercito do reino; o que se não daria se, em logar de sargentos, tivessem requisitado officiaes, como determina o § 2.° dos artigos 8.° e l5.° da organização militar do ultramar, publicada na Ordem do Exercito n.° 17, de 21 de novembro de 1901.

Que os alferes saidos da classe dos sargentos, e que não foram ao ultramar, não só foram prejudicados pelos sargentos que ali foram prestar serviço com graduação de alferes, como tambem o foram por aspirantes a officiaes que, na data da promoção d'aquelles, ainda não tinham concluido o seu curso na Escola do Exercito e que alguns ainda ali não estavam matriculados; portanto não eram aspirantes a officiaes. Não podendo por isso queixar-se da sua preterição, porque ainda não tinham direitos adquiridos.

É tão flagrante a injustiça que nos fazem, que na lista a que se refere a disposição 9.ª da ordem do exercito n.° 13 de 16 de maio de 1908, se encontram intercalados na mesma lista tenentes com alferes, collocando estes ultimos mais antigos do que aquelles.

Alem de ser uma injustiça é anti-disciplinar, porquanto não é racional que um individuo com o posto de tenente esteja subordinado a um alferes, etc. Ha alferes promovidos em 1904, por exemplo, que ficam mais modernos do que os alferes saidos da classe dos aspirantes promovidos em 1906 e assim por deante, o que vae de encontro ao artigo 49.º da lei de promoções, já citado, e ao preceituado no artigo 13.º da mesma lei, que diz: a ordem de antiguidade dos officiaes do mesmo posto será determinada pela data do decreto da promoção a este posto, e, em igualdade d'essa data, pela antiguidade do posto anterior e assim successivamente. No caso de igual antiguidade em todos os postos de official, será considerado mais antigo o que tiver mais tempo de praça e, em igualdade de tempo de praça, o que tiver mais idade.

Com quanto a disposição 9.a, publicada na Ordem do Exercito n.° 13 de 16 de maio de 1908, permitia aos interessados apresentar as suas reclamações no prazo de 3 meses, entendem os mesmos que essas suas reclamações devem ser discutidas no Parlamento, porque só elle tem direito a revogar alei de promoções; e alem d'isso a maior parte das reclamações não são attendidas, muitas vezes por serem retardadas, e outras ainda pelo Parlamento não ter conhecimento d'ellas. Finalmente os impetrantes são tão prejudicados pela sua deslocação na escala, que a maior parte d'elles, se a promoção seguisse na sua normalidade, attingiriam a sua promoção a capitão até os 35 annos de serviço para obterem a sua reforma em majores, e assim não poderão passar de tenentes.

Esperamos pois, confiados na solicitude de V. Exa., que empregará todos os esforços, ao seu alcance, para que a justiça seja feita com rectidão a uma classe tão valiosa, mas ao mesmo tempo tão desprotegida.

Por tudo quanto se faca em nosso favor, nos mostraremos summamente agradecidos.

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