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SESSÃO DE 22 DE ABRIL DE 1872
Presidencia do exmo. sr. Duque de Loulé
Secretarios — os dignos pares
Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros
(Assistia o sr. ministro das obras publicas.)
Ás duas horas e um quarto da tarde, sendo presentes 25 dignos pares, foi declarada aberta a sessão.
Lida a acta da precedente sessão, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.
Não se mencionou correspondencia.
O sr. Mello e Carvalho: — Sr. presidente, folgo muito de ver presente õ meu illustre amigo o sr ministro das obras publicas, pois que ser-me-ía sobre modo penoso ter de expor á camara na ausencia de s. exa. as considerações que me foram suggeridas pelo exame dos documentos que aqui tenho á vista, em presença dos quaes eu contrahi o impreterivel dever de vir submetter á apreciação da camara.
Sr. presidente, a minha voz é fraca, e qualquer pequeno rumor impede de ser ouvida.
Ouso portanto pedir a v. exa. queira recommendar á camara que se disponha a prestar alguma attenção ás reflexões que vou produzir. Estas, quanto á fórma, não mereciam certamente que fosse satisfeito o pedido, que acabo de fazer, por serem proferidas por quem não possue dotes oratorios, e não sabe revesti-las de elegancia de phrase, nem dar-lhes colorido brilhante e agradavel; porém, quanto á essencia, têem a maxima importancia, por isso que assentam sobre um assumpto, que é na realidade grave e serio, e affecta profundamente a economia publica e a moral social.
Sr. presidente, antes de entrar na materia, permittam-me v. exa. e a camara, que eu faça algumas declarações, que não são mais do que repetição do que já por outras vezes aqui tenho dito. Nenhum motivo politico me determinou a fazer o pedido d’estes esclarecimentos, por quanto não faço opposição ao governo, e antes tenho bons desejos de prestar-lhe o meu insignificante apoio. Nem tão pouco fui incitado a dar este passo por qualquer animadversão pessoal para com quem quer seja, e pelos illustres ministros tenho a estima e o respeito, de que as suas qualidades os tornam merecedores.
Acresce a circumstancia de que ao sr. ministro das obras publicas, me liga uma já bem antiga amisade, que poder-se-ha dizer quasi fraternal, e nunca interrompida desde o dia em que pela primeira vez nos sentámos ambos no mesmo banco da aula do primeiro anno da faculdade de direito da universidade de Coimbra.
Feitas estas declarações, que reputei necessarias, passo a offerecer ao esclarecido juizo da camara as seguintes considerações, resultantes do exame minucioso e muito attento que fiz, d’estes documentos.
Com referencia ao 1.° e 2.° quesitos, informa a repartição de contabilidade do ministerio das obras publicas que o alcance do ex-pagador dos telegraphos, Mello, é de réis 11:678$235, conforme os documentos enviados ao tribnual de contas, e que o processo criminal, que corria pela 3.ª vara d’esta cidade fôra manda-lo suspender por portaria de 25 de maio de 1867, expedida pela repartição central do dito ministerio. A portaria está escripta n’estes termos:
«N.° 167 — Manda Sua Magestada El-Rei, pelo ministerio das obras publicas, commercio e industria, que o procurador régio ante a relação de Lisboa de as necessarias instrucções para ser suspenso todo e qualquer procedimento judicial instaurado em virtude da portaria de 17 de março de 1865, contra José Manuel de Carvalho e Mello, ex-pagador da direcção geral dos telegraphos. Paço, em 25 de
maio de 1867.= João de Andrade Corvo.—Para o procurador régio ante a relação de Lisboa.»
E nada mais! É o laconismo no summo grau! E póde-se por este modo pôr termo a um processo que está affecto a um tribunal judicial? Como é que o poder executivo vae assim arrebatar á acção da justiça um réu que lhe fôra entregue para conhecer e julgar a sua culpabilidade?!
O que me causa extrema admiração, é que o poder judicial soffresse em silencio esta aggressão ás suas prerogativas. É certo porém que o dito exactor, que estava preso no Limoeiro, foi posto em liberdade! E tambem é certo que cinco annos são já decorridos desde a expedição da portaria, e ainda não se sabe ao certo quaes os motivos que lhe serviram de fundamento, nem se a fazenda publica está embolsada do mencionado alcance de 11:678$235 réis.
N’este alcance affirmou o dito ex-pagador dos telegraphos em varios communicados, que fez pela imprensa, serem corresponsaveis outras pessoas, e alguns periodicos chegaram a propalar boatos pouco honrosos ao funccionalismo, e não duvidaram attribuir a certo patronato aquella portaria!
A mim, sr. presidente, posso assegurar a v. exa. e á camara, repugnou-me sempre acreditar que fosse esse o motivo, e estou certo de que o mesmo acontece a todos os dignos pares que conhecem o caracter do sr. Andrade Corvo. Fui pois movido pelo vehemente desejo de que se mostrassem illibadas a honra e dignidade d’aquelles, sobre quem a opinião publica, mal esclarecida, poderia ter levantado suspeitas. Conhecedor dos brios e do caracter pundonoroso do meu amigo, o nobre ministro das obras publicas, e persuadido de que s. exa. tem todo o empenho em esclarecer este negocio, venho pedir-lhe explicações que espero sejam muito categorias e explicitas, as quaes s. exa. está de certo habilitado a dar-me; porque era ajudante do procurador geral da corôa junto ao ministerio das obras publicas, e havia de ser previamente ouvido para a publicação da referida portaria. É necessario que a camara e o paiz façam um juizo justo de um facto de tanta gravidade.
Quanto aos 3.°, 4.° e 5.° quesitos relativos ao ex-escrivão pagador das obras publicas do Porto, Lage, conhece-se que os seus alcances foram:
De 1865 a 1866.................... 3:048$235
De 1866 a 1867.................... 8:323$650
De 1867 a 1868.................... 17:731$274
De 1868 a 1869.................... 8:595$262
Total — R.s........ 37:706$262
Estes alcances foram descobertos pelo engenheiro chefe de divisão Tiberio Augusto Blanc, e por elle notados no seu relatorio de 25 de agosto de 1869. Note-se que começaram em 1865!!!
São attribuidos os mesmos a malversações e abusos de confiança commettidos por dois empregados subalternos.
Mas, como se póde admittir que haja repartições de contabilidade, que não examinem escrupulosamente as contas dos gerentes de fundos ou reditos publicos no fim de cada anno de gerencia, e deixem amontoar responsabilidade e alcances, que colloquem os exactores na impossibilidade de solverem os seus debitos?
Não é obvio que, se se tivesse apurado a conta de 1865 a 1866, ter-se-íam evitado os alcances posteriores, e ter-se-ia pago a fazenda por meio do producto da venda dos bens do exactor feita em hasta publica ou pela fiança, que,
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creio eu, é calculada e arbitrada relativamente só á gerencia da um anno?
Ve-se portanto que houve incuria, assas censuravel, da parte da repartição, a cujo cargo está o exame das contas dos pagadores das obras publicas.
Occorre-me agora perguntar ao sr. ministro das obras publicas, se na repartição, a que me refiro, continua em uso este systema de exame de contas, que está provado ser tão prejudicial aos interesses da fazenda publica, e tão avesso ás boas regras de contabilidade e de fiscalisação?
Quanto ao 6.° quesito, relativa ao alcance do ex-escrivão pagador das obras publicas de Santarem, Augusto Cesar de Carvalho, dizem as informações da propria repartição de contabilidade, que o dito alcance foi de 6:317$938 réis, sendo 6:347$768 réis relativos á pagadoria das obras publicas, e 970$l70 réis á pagadoria da superintendencia das obras do Tejo.
Contra este exactor instaurou-se processo, não chegou a ser custodiado por &e ter ausentado e haver fallecido algum tempo depois.
Foram penhorados todos os bens por elle deixados, mas, oppondo a sua viuva embargos a penhora pelo fundamento de serem prazos de vida, na maior parte, poderam acenas ser vendidos os bens que se consideraram desembargados, os quaes produziram apenas 1:072$454 réis e continua o processo dos embargos, não só os offerecidos pela viuva, como tambem os que oppozeram os fiadores.
Devo aqui observar que tambem n’este ponto andou menos regularmente a referida repartição, por confiar a um só exactor e sem reforço de fiança, o cofre da superintendencia das obras do Tejo.
Esta irregularidade foi ponderada pelo intelligente magistrado do ministerio publico nos seguintes termos: «confiando-se áquelle exactor a gerencia de fundos muito superiores ao valor da fiança, não chegam os bens arrestados para pagamento da maior parte do alcance que constitue o credito do estado».
A accumulação de responsabilidades no mesmo exactor serviu tambem de fundamento para os embargos as alludido arresto, e deu logar a que os fiadores viessem allegar: terem affiançado o exactor unicamente com respeito ao logar de escrivão pagador das obras publicas do disiricto de Vianna, emprego de que fôra demittido com quitado relativa a todo o tempo da sua gerencia, o que observa tambem o delegado do procurador regio na comarca do Santarem em officio de 28 de fevereiro de 1870.
Como é que se deixava em exercicio um exactor sem fiança; pois que equivalia a não te-la a que havia, que não passava de supposta.
Todos estes factos, sr. presidente, revelam a urgente necessidade de se nomear uma commissão de inquerito á repartição a que me refiro, a qual commissão conscienciosa e seriamente examine todos os processos e systema de contabilidade ali seguidos, e proponha alvitres tendentes a evitar a repetição dos males referidos.
Vou concluir, sr. presidente, não devo abusar da attenção da camara. Mas antes disso quero que aqui fique bem expressa uma circumstancia, e é que os alcances dor, tres mencionados exactores importam na somma de 50:702$094 réis, não constando que da mesma tenha entrado no thesouro mais do que a insignificante quantia de 1:072$454 réis. Isto assim não póde continuar.
Espero da illustração e rectas intenções do nobre, ministro das obras publicas, que sendo por s. exa. adaptadas providencias muito sensatas, e em harmonia com as instantes necessidades da fazenda, procurando dai- aos abusos praticados o possivel correctivo, e precavendo os que de futuro se podessem dar.
A v. exa. sr. presidente, e a toda a camara muito agradeço a benévola attenção que dispensaram a estas minhas tão desataviadas trazes, e peço desculpa de ter-lhes tomado tanto tempo.
A leitura d’estes documentos que vou devolver á mesa e da quaes eu requeiro com urgencia a publicação no Diario do governo, parece-me que ha de justificar as considerações que acabo de fazer, e que não podiam ser mais succinta;, não obstante os esforços que para isso tenho feito, e bom assim fará relevar-se-me a insistencia, que empreguei para ter conhecimento official dos factos apontados.
Peço a v. exa. que consulte a camara sobre a urgencia do meu requerimento.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Cardoso Avelino): — Sr. presidente, começo por declarar a v. exa. e á cambra, que não me magoaram as observações que s. exa. fez no seu discurso. Cumpre-me igualmente declarar, parecer-me mais regular e conveniente que o digno par, em logar de si referir a estes factos e de interrogar na presente sessão, em que me apresentei para assistir á discussão de um projecto que diz respeito ao ministerio a meu cargo, tivesse previamente annunciado uma interpellação, que sendo dada, para ordem do dia, permitisse que trouxesse os documentos que se não pudessem contrariar, pelo menos modificariam as considerações apresentadas por s. exa., habilitando e assim a camara a satisfazer, com cabal conhecimento de causa, o requerimento com que s. exa. terminou o seu discurso.
Comtudo, das minhas palavras não se deva deprehender que eu me recuso a dar as explicações, até o ponto em que o conhecimento que tenho d’estes assumptos me permitta.
Devo, porém, declarar, que as considerações que, em poucas palavras, vou apresentar, não são as sufficientes para habilitar a camara a tomar qualquer resolução sobre o requerimento que o digno par mandou para a mesa, nem sufficientes para a ajudar a fazer um juizo exacto a respeito dos negocios de que s. exa. tratou, que são graves e importam uma accusação.
Esta accusação recáe, em primeiro logar, sobre o systema de administração que se segue no ministerio das obras publicas; em segundo logar, sobre o maior ou menor zelo com que os empregados de uma certa repartição cumprem os seus deveres, e, em ultimo logar, sobre o modo como o governo executa as leis.
Não pretendo censurar o digno par, mas não posso deixar de dizer que este negocio é grave, e não devia ser tratado de surpreza. Devia-se ter annunciado uma interpellação, e quando a camara tivesse designado o dia para a discussão d’este assumpto, eu viria dar todos os esclarecimentos.
Entretanto posso dizer desde já ao digno par e á camara que a respeito do ex-pagador geral dos telegraphos houve um alcance que se verificou pelo exame feito ao cofre. D’esse alcance resultaram duas ordens de processo, um no puder judiciario, e outra que se intentou, e não sei se acabou completamente, no tribunal de contas. N’este tribunal levantou-se questão sobre quem era o verdadeiro responsavel pela gerencia dos fundos; se era só o ex-pagador, ou se haveria uma outra pessoa que o fosse conjunctamente com elle. Até se discutiu, se havendo responsabilidade de mais de uma pessoa, qual era o periodo em que cessava a do ex-pagador, para começar a do director geral dos telegraphos.
Em vista d’estas dificuldades, como o processo judiciario não era crime, mas fiscal; e como, para se poder concluir esse processo, era preciso que primeiro se fixasse o alcanço e se apurasse as pessoas responsaveis por elle, a fim de se haver dos seus bens, até onde chegassem, a importancia dos dinheiros publicos distrahidos, foi por isso que se mandou suspender o processo; e uma portaria que manda, suspender um processo d’esta natureza, não retira do poder judicial o individuo responsavel.
A portaria do ministerio das obras publicas foi dirigida unicamente ao agente do ministerio publico, e estes não fazem parte do poder judiciario no sentido de ser um po-
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der independente; são agentes do poder executivo, e proseguem nos processos segundo as ordens que recebem do governo. Têem uma certa independencia, podem até certo ponto, e em certos processos, corrigir as instrucções que recebem do governo; por isso, quando este se lhes dirige, não aggride a independencia do poder judiciario, e aos juizes fica a plena liberdade para procederem como de justiça.
Parece-me, pois, estar claro que não houve excesso de poder.
Ao juiz fica plena liberdade para deferir ou despachar esses requerimentos, segundo a justiça. Não sei quaes as consequencias da portaria; o que desejo, porém, fique bem claro é que o governo, expedindo aquella portaria, não violou as attribuições do poder judicial. Não houve, portanto, violação alguma, mas o uso de um direito. O governo não tinha attribuições para mandar suspender o processo; o que realmente havia era uma execução fiscal, que não tinha ainda sido julgada pelo tribunal de contas, que é, pelas nossas leis, o unico competente para julgar taes assumptos, e essa execução podia, portanto, ser suspensa, até o tribunal de contas dar seu accordão.
Ora, o tribunal já deu julgamento sobre diversos periodos; sobre um d’esses periodos já pronunciou o seu accordão, resta, portanto, pronuncia-lo ainda sobre o outro.
Ora, v. exa. e a camara sabem perfeitamente que o governo não póde dizer ao poder judicial que ande com mais ou menos brevidade em relação aos processos que lhe são affectos, e o mesmo succede com o tribunal de contas, que é independente do governo, como o poder judicial.
Quando os processos acabarem, quando se souber qual a responsabilidade do ex-pagador, ou a da pessoa a quem ella couber, tomarei as providencias necessarias, e póde a camara estar certa de que, ou eu se estiver ainda no ministerio, o que Deus permitta que não seja por muito tempo, ou o ministro que se me seguir, havemos fazer todo o possivel para que a fazenda seja devidamente indemnisada.
Estes esclarecimentos são os que posso dar pelo que sei com respeito ao objecto, e não o sei por ser actualmente o ministro, porque todos estes factos são muito anteriores á minha gerencia, mas porque tive conhecimento d’elles como ajudante do procurador da corôa, tendo compulsado o processo, como outros affectos á repartição.
Não posso dar mais desenvolvimento á minha resposta, porque o digno par não tratou só da portaria, tratou tambem de assumptos diversos, citando alguns documentos; portanto, eu não posso de momento responder, nem mesmo saber, se as apreciações que s. exa. fez são de todo o ponto justas, e nisto não ha offensa, porque podemos divergir de opinião.
Quanto á portaria poder ter sido filha de algum patronato, o que posso dizer á camara é que a mesma portaria está firmada pelo sr. João de Andrade Corvo, a quem todos fazem a justiça de julgar incapaz de fazer lavrar uma portaria inspirada em motivo menos legitimo (apoiados); e esta opinião não é só a minha, mas a de todos que me estão ouvindo (apoiados).
Com respeito ao ex-thespureiro pagador do districto do Porto, não sei se o seu alcance tem as proporções a que alludiu o digno par.
O digno par disse que isso está nos documentos, e acredito que está, visto que s. exa. o leu; mas não posso dizer nada sobre esse ponto. O que posso, porém, dizer, e que sei, pela mesma rasão que acabei de ponderar a respeito do ex-pagador geral dos telegraphos, é que esse alcance não foi resultado de nenhum acto do pagador da direcção geral das obras publicas do districto do Porto, mas da falsificação de documentos, sem conhecimento d’esse pagador, sendo elle a victima, e os illudidos os empregados da thesouraria do districto.
Comtudo é certo que houve esse alcance, e que se mandou intentar o processo judiciario.
Não sei qual o estado actual d’esse processo, porque os agentes do ministerio publico não estão em relações directas com os empregados do ministerio das obras publicas. Sei apenas que se mandou intentar o processo crime, e que os réus escaparam e fugiram, e que alem d’esse processo judiciario, se intentou tambem um processo fiscal.
Emquanto ao pagador do districto de Santarem, não sei o que houve, nem se existe processo, nem se houve embargos.
Não me envergonho de confessar que nada sei a este respeito, porque não posso conhecer das mais pequenas circumstancias de todos os negocios da repartição a meu cargo.
Quando o digno par annunciar uma interpellação a este respeito, e quando for designado o dia para ella se verificar, virei á camara tratar d’este assumpto, porque não é só importante por si mesmo, mas até pelas censuras que o digno par fez á repartição de contabilidade, aos ministros que geriram a pasta das obras publicas no tempo em que esses factos" se passaram, como pela indicação da necessidade de se nomear uma commissão de inquerito, para se conhecer o- systema que se segue na referida repartição de contabilidade, o que é um acto tão grave e importante que me parece que a camara não o póde resolver sem estar devidamente esclarecida sobre o assumpto.
São estas as considerações que entendi dever fazer á camara, e peco-lhe desculpa do tempo que lhe tomei.
(O orador não reviu as notas d’este discurso.)
O sr. Presidente: — Eu não ouvi na mesa o que disse o digno par, aliás te-lo-hia advertido que uma interpellação não poderia ter logar sem ter sido previamente annunciada, e sem o respectivo ministro se ter dado por habilitado a responder, porque estes é que são os termos prescriptos no regimento.
O digno par póde, pois, annunciar uma interpellação, e logo que o sr. ministro se declare habilitado a responder se fixará o dia para ella se verificar, e n’essa occasião se resolverá se acaso os documentos hão de ser impressos.
O sr. Mello e Carvalho: — Em primeiro logar, agradeço ao sr. ministro a promptidão com que se dignou responder-me, e, em segundo logar, assevero a s. exa. que não tive a minima idéa de fazer censura nem ao sr. ministro, nem ao governo, nem tão pouco aos empregados da repartição de contabilidade.
Referi-me a factos que se deram, a boatos que se propalaram pela imprensa com referencia a estes factos, e tambem ao exame dos documentos que me foram presentes.
D’ahi reconheci eu a necessidade de se nomear uma commissão de inquerito que syndicasse o que havia a este respeito, não porque eu suppozesse que a repartição de contabilidade não teria todos os escrupulos que deve ter; mas porque era de absoluta necessidade se desvanecessem todas as apprehensões e boatos que existem.
Mas o sr. ministro que me censurou um pouco, por eu querer tratar por surpreza, como s. exa. disse, este negocio, provou exuberantemente, no seu discurso, que estava perfeitamente, ao facto da questão de que se tratava, por isso que deu noticia de tudo que se tem passado, a respeito d’esta questão. -
Agora com relação á lição que s. exa. se dignou dar-me, explicando-me que o agente do ministerio publico não era membro do poder judicial e não recebia ordens do governo, nem se podiam considerar essas ordens como aggressivas ao mesmo poder judicial, e meramente como simples acto em referencia a esse poder, agradeço ao nobre ministro a lição; todavia suppunha que estando o negocio affecto ao poder judicial, e tendo elle de julgar a causa, o governo não devia, nem podia mandar suspender o processo: pelo contrario, devia deixar que aquelle poder, apresentasse o seu accordam, no qual condemnasse ou absolvesse o réu.
(O orador não reviu este discurso, nem o subsequente.)
O sr. Moraes Carvalho: — Enviou para a mesa a ul-
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tima redacção das alterações feitas n’esta camara ao projecto de lei relativo á importação e exportação da casca de sobro.
Submettida á votação, foi approvada*
O sr. Conde da Ponte: — Pedi a palavra sobre a ordem, para dizer á camara que o sr. visconde de Asseca encarregou-me de lhe participar que tem faltado a algumas sessões por motivos justificados.
O sr. Marquez de Vallada: — Pedi a palavra porque desejo fazer um requerimento, a fim de ser enviada a esta camara uma relação dos bens pertencentes ás ordens religiosas do sexo feminino que ainda não foram vendidos.
Li n’um jornal que se publica n’esta capital, que o governo recebera proposta para uma grande operação financeira, proposta feita por estabelecimento bancario, á testa do qual se acha o sr. barão de Lagos; e uma das condições d’essa operação, que não era mais do que um emprestimo, seria o ficarem hypothecados no referido banco, os bens pertencentes ás ordens religiosas do sexo feminino. A operação, segundo diz o mesmo jornal, era de alta magnitude, porquanto importava nada menos do que a completa salvação das nossas finanças.
Ora, sendo assim, depois das medidas de fazenda que temos votado e outras que ainda temos de votar, e que hão de reduzir o deficit a pequenissimas proporções, teremos com mais essa operação, uma salvação superabundante das nossas finanças.
Não sei até que ponto seja exacta esta noticia, porque não tenho a honra de ser empregado publico, e muito menos empregado superior de nenhum ministrrio, como são os srs. ministros, e por isso pedia a s. exa. me desossem o que ha de verdade a tal respeito.
Estamos n’uma epocha que se me affigura risonha para as nossas finanças e para o nosso credito. Surdem de todos os lados bancos para a emissão de notas; parece que o dinheiro abunda. Os tributos, porém, continuam a ser lançados. Queira Deus que nos não aconteça o mesmo que aconteceu em Franca com a companhia do Mississipi no tempo de Lowe.
Não quero ser propheta na minha terra, mas como representante da nação, como membro d’esta casa, parece-me que tenho o direito de pedir cortas explicações; fazer certas investigações e chamar a attenção do governo sobre indicados pontos, a fim de construir que elle se prepare para acontecimentos que porventura se possam dar.
Se a camara dos pares ainda existir na proxima sessão legislativa, o que estou perpuadido ha do acontecer, e se o ministerio durar tambem até lá, apesar do sr. ministro das obras publicas desejar, como creio, saír d’aquelle logar, para onde entrou contra sua vontade (e já não digo o mesmo dos seus collegas, que estão lá por muito sua vontade), terei occasião de dirigir algumas perguntas a s. exa. sobre acontecimentos que têem ligação com este a que alludo, e s. exa. então me dirá o que houver a tal respeito.
Entretanto, e agradecendo desde já qualquer resposta que s. exa. julgue conveniente dar-me, limito-me no presente a enviar para a mesa o meu requerimento, pedindo a v. exa., sr. presidente, que expeça as suas ordens para ter o conveniente andamento.
O requerimento do digno par é do teor seguinte:
«Requeiro que, pelo ministerio dos negocios da fazenda, seja enviada a esta camara uma relação dos bers e respectivo valor que pertencem ás ordens religiosas do sexo feminino ainda não vendidos.
«Camara dos pares, em 22 de abril de 1872. = O par do reino, Marquez de Vallada.»
Mandou-se expedir.
O sr. Ministro das Obras Publicas: — Sr. presidente, pedi a palavra unicamente com o fim de declarar ao digno par, que na minha repartição não existe nenhuma proposta que se pareça, nem remotamente, com aquella a que s. exa. alludiu; e que tambem não me consta que haja em Lisboa, nem em parte alguma, nenhum banco, do qual seja director, presidente, ou qualquer outra cousa, o sr. barão de Lagos.
O sr. Marquez de Vallada: — Agradeço ao sr. ministro a promptidão com que se dignou responder ás minhas perguntas, que não significavam curiosidade, e sim o cumprimento de deveres inherentes aos membros do parlamento.
O assumpto a que me referi, é d’aquelles de que todo o ministerio deve estar informado, porquanto questões de tanta magnitude respeitam ao corpo politico chamado ministerio, e n’este caso fica-se sabendo, pela resposta que s. exa. acaba de me dar, que não existe proposta alguma. Mas s. exa. de certo, no seu bom aviso, não estranhará que lhe dirigisse esta pergunta, porque tendo a imprensa dado tal noticia, e sendo ella em parte a conselheira dos governos illustrados, não podia eu deixar de persuadir-me de que havia alguma cousa a este respeito.
Não foi, pois, indiscripção minha o fazer tal pergunta, tanto mais que ha poucos dias o sr. ministro das obras publicas apresentou na outra casa do parlamento uma proposta, que tambem aqui ha de vir, que tem relação com outros bancos que se acabam de crear, e que pedem permissão para a emissão de notas. Entre estes bancos a que me refiro figura um de que é director o sr. Bernardino Martins.
Por consequencia eu que tenho meditado sobre este objecto, que nos paizes estrangeiros tem chamado a attenção dos homens eminentes, não será para admirar que tendo lido as considerações por elles feitas sobre este assumpto, pedisse esta explicação ao nobre ministro; porquanto, na verdade é uma questão grave e não politica, como arma para opposição ao governo. Todos que temos estado em differentes e diversos grupos, sabemos que ás vezes se advoga o que se combateu, por não estar n’essa occasião no mesmo grupo o proponente d’essa idéa. Não fallo do presente, porquanto não vejo desfraldadas as respectivas bandeiras.
Entretanto, não faço opposição ao actual governo, desejo que os srs. ministros se conservem n’aquellas cadeiras, e façam ao paiz todo o bem que poderem. Certo estou de que quando se convencerem de não poderem fazer-lhe o bem que as nossas circumstancias reclamam, hão de, e aqui fica de parto o sr. ministro das obras publicas que já o declarou, sacrificar-se a largar o logar que occupam; e áquelles que os substituirem darei ou não o meu apoio como entender, porque, deveras digo, que nos tempos que vão correndo pouco acredito nas promessas e programmas, descrendo muito da sua realisação. Sabemos que existe hoje um grande! grupo, que é o dos desenganados. Tambem pertenço a este grupo, que não poucas vezes me tenho enganado, e hei visto depois, pela experiencia que é mestra, as grandes promessas e programmas no geral não serem cumpridos; ficando apenas n’uma serie de illusões arremessadas á face dos povos para certos individuos lucrarem com essas illusões, ou caírem, por fim, victimas da sua demasiada crença.
Peço, portanto, ao partido liberal, que propriamente se póde dizer, no geral, dividido em dois grupos; o conservador e o progressista se organisem. Ha ainda outro partido politico, a cuja bandeira não pertenço, nem espero pertencer, nem nenhum de nós quer pertencer, porque queremos a conservação da actual dynastia do Senhor D. Luiz I, e da constituição que nos rege, com aquellas modificações todavia que a felicidade dos povos reclamam, porque no progresso das sociedades, desejamos que as reformas uteis e convenientes se façam, não direi com rapidez, mas sim fundadas na experiencia e necessidades que competem aos poderes publicos remediar.
Peço desculpa á camara d’esta divagação, porque decerto está anciosa de ouvir o meu parente e amigo, o sr. visconde de Fonte Arcada, que vae continuar o seu discurso com a proficiencia que todos lhe reconhecemos, tendo de occupar-se do assumpto que faz parte da ordem do dia.
(O orador não reviu as notas do seu dicurso.)
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ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do parecer n.° 44
O sr. Presidente: — Tem a palavra continuada da sessão de sabbado o digno par o sr. visconde de Fonte Arcada.
O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Proseguiu nas observações que encetara na precedente sessão, e serão publicadas na integra n’este Diario.
O sr. Ministro das Obras Publicas: — Sr. presidente, não sei fazer discursos, mas ainda mesmo que os soubesse fazer, o assumpto não me dava bastante margem para isso, nem as impugnações feitas me permittem o dar um grande desenvolvimento a esta materia.
Sr. presidente, o digno par não discutiu o projecto de lei que está em discussão, mas as concessões feitas ao sr. duque de Saldanha por decreto do poder executivo por um modo pouco regular, na opinião de s. exa.
Eu não era obrigado a acompanhar o digno par no caminho da divagação por onde andou, mas tendo s. exa. sustentado que o governo não podia, dentro das suas attribuições, fazer aquellas concessões, e estando eu convencido do contrario, julgo do meu dever dizer duas palavras.
As concessões a que o digno par se refere, limitam-se a permittir ao sr. duque de Saldanha que possa utilisar-se das estradas, que são do dominio publico, para a viação por meio do systema Larmanjat, da mesma forma para os mesmos fins, porque se podem servir d’ellas os omnibus, ou os caminhos de ferro americanos.
Ora, como o administrador d’esses caminhos é o governo, e não ha lei que lho prohiba, no uso das suas attribuições, a praticar um acto com o qual torne quaesquer communicações mais faceis e baratas, por isso teve logar este decreto.
Alem disso, sr. presidente, eu tive uma conversação com aquella pessoa a quem o digno par tantas vezes se referiu, e cujo nome teve escrupulo de citar, e que eu citarei agora, que é o sr. duque de Saldanha; mas o que o governo fez a este cavalheiro foi uma concessão e nada mais: não existe contrato algum feito com s. exa., como o digno par julga. Bastava s. exa. examinar esta concessão que está impressa no Diario do governo para se convencer que não existe contrato algum; porque o referido documento que ali se acha impresso, não se refere a escriptura publica, nem a diplomas, que são necessarios para estabelecer qualquer contrato: é pura e simplesmente uma concessão, e nada mais. O sr. duque de Saldanha ou outros individuos fizeram ao governo uma requisição e o governo deferiu-a. Já vê o digno par que isto não é o mesmo que um contrato. Temos a lei que regula a concessão das minas. Os descobridores devem satisfazer a certas formalidades e sob determinadas condições. Do que se trata, porém, não é contrato, é meramente uma simples concessão. E tanto não é contrato que, se o governo, por considerações de interesse publico ou por quaesquer outras, quizer retirar esta concessão á companhia de que se trata, retira-a, publicando um documento da mesma ordem d’aquelle com que fez a referida concessão, sem que depois o sr. duque de Saldanha ou qualquer outro individuo ou companhia tenha o direito de exigir indemnisações.
Faço estas reflexões, não só para responder ao digno par, mas tambem para que se não possa suppor que o governo e eu, especialmente, tenha postergado a lei.
Não ha pois contrato algum, repito, e d’esta camara estão inteligentissimos jurisconsultos que podem melhor do que eu, que apenas sou um simples bacharel em direito, dizer se não sustento os verdadeiros principios.
Ora, o digno par accusou-me tambem de ter violado á lei de 1867, a respeito das sociedades anonymas, por isso que ha n’essa lei formalidades, condições e requisitos, com relação a quaesquer companhias estrangeiras que venham estabeler-se em Portugal. A isto respondo que s. exa. se esqueceu de examinar todos os documentos a que podia recorrer, porque no Diario do governo n.° 275, de 4 de dezembro de 1871, vem um decreto do ministerio das obras publicas, pelo qual se reconhece que a companhia para quem for transferido este contrato, pelo sr. duque de Saldanha, tem obrigação de preencher, perante o governo, justamente todas as condições da lei a que o digno par se referiu. N’esse decreto affirma-se a entidade juridica, porque estes decretos são todos filhos de um processo que está determinado na lei e regulado por uma portaria.
Em virtude d’esse processo, e tendo essa companhia satisfeito aos requisitos marcados na lei, o governo, no uso das attribuições que lhe provem do mesmo decreto, concedeu a entidade juridica, porque na conformidade da lei portugueza estava nas circumstancias de exercer seus direitos e responder perante os tribunaes d’este paiz, segundo as leis portuguezas.
Portanto, sr. presidente, d’esta accusação que o digno par me dirigiu, estou plenamente justificado, porque os dignos pares que acreditarem na minha justificação hão de ficar satisfeitos, e os que não acreditarem podem ir ver o que está no Diario do governo.
Creio que o digno par fez uma pequena confusão, sobre q modo. de assegurar qualquer eventualidade, e a que devo responder.
A lei das sociedades anonymas não estabelece nem dá ao governo direito de pedir nenhuma caução, porque não trata das concessões que faz o governo; a lei das sociedades anonymas foi promulgada para permittir a todos a liberdade de se associarem como quizerem, satisfazendo todavia ás condições legaes, e sem atacar as disposições do codigo commercial. Mas não disse, que as companhias a quem o governo fizesse concessões haviam prestar uma caução qualquer. E o digno par confundio a disposição d’esta lei, com o que está determinado a respeito dos contratos de estradas e caminhos de ferro, em que se exige uma certa caução em dinheiro, que dura até certo tempo, em quanto a companhia está no direito do contrato.
Mas n’estas concessões, como aquella de que se trata, não ha deposito nenhum em dinheiro, não ha senão o material fixo e o material circulante, que são a garantia que o governo tem para occorrer a qualquer despeza extraordinaria, que a administração publica tenha a fazer. Se acaso a empreza acabar voluntaria ou forçadamente, ou causar algum damno á estrada; e note o digno par que por pouco que seja o valor do material fixo, que são os carris e o material circulante, que são as carruagens, esteja s. exa. certo de que o governo fica garantido de qualquer prejuizo que haja na estrada; porque os carris d’estes caminhos, como se viu em Lisboa, occupam um pequeno espaço da estrada, e portanto os damnos não serão muito grandes.
Já vê, pois, o digno par, que tanto o material fixo como o material circulante, que serve de caução, por muito pouco que seja o seu valor, ha de ser superior ao prejuizo que causar. Mas seja ou não, pela muita consideração que tenho pelo digno par e pela camara, foi que entrei n’esta questão, porque ella é completamente estranha ao projecto que se está discutindo, que vem a ser continuação de um decreto que já está promulgado.
Esta questão, todavia, poderá ser aproveitada, se no futuro se fizerem iguaes concessões, e o governo entender que a caução do material fixo e circulante haja de ser substituida por dinheiro ou inscripções. E por isso disse eu, fallando com esse cavalheiro a quem o digno par se referiu, que esta hypothese podia ser attendida no futuro, quando necessaria a segurança da caução. Actualmente, porém, o que quero dizer e fazer sentir á camara, é que o governo não tinha na lei disposição alguma, precisa e clara para impor ao duque de Saldanha, ou á companhia que o representa, a obrigação de uma caução em dinheiro ou inscripções.
Não ha esse preceito agora, nem o havia na lei anterior
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a que s. exa. se referiu sobre as sociedades anonymas, que não trata d’este assumpto como quer o digno par. Permitta-me, porém, a, camara mais duas palavras, e justamente sobre o projecte em discussão, que me parece simples. Direi primeiramente, não poder eu deixar de observar que as concessões já feitas são apenas actos do poder executivo, e para serem revogadas é necessario que o corpo legislativo siga outro caminho que não seja o de por incidente tratar questões de tal natureza e importancia no seu fundo. Este projecto, porém, é breve e simples; é apenas uma prorogação do praso da lei que já mais de uma vez concedeu entrada sem direitos ao marechal Saldanha ou á companhia que o represente, de todos os objectos necessarios a esta exploração. Já isto foi entendido quando se publicou a lei de 1870; e o assumpto é de si mesmo justificado. As circumstancias não mudaram para que se não continue a prorogação do praso visto que assim se torne necessario e a companhia se acha não só constituida mas habilitada convenientemente para se desempenhar do seu compromisso até 31 de dezembro do anno actual. A rasão que houve para estabelecer a auctorisação até 31 de março de 1870 é a mesma que ha agora para que se prorogue este praso até 31 de dezembro de 1872, tudo nas mesmas condições proveniente das mesmas causas e nas mesmas circumstancias, e por isso digo que é simples, pois que se trata apenas de uma prorogação do que já estava concedido (apoiados).
(O orador não reviu as notas d’este discurso.)
O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Proseguiu nas suas obsrvações em relação á materia sujeita.
O sr. Mello e Carvalho: — Sr. presidente, mediou grande espaço de tempo entre o pedido que fiz n’esta camara dos documentos sobre a questão de que ha pouco tratei, e a remessa d’elles por parte do ministerio das obras publicas, demorando para mais tarde o que tinha a expor á camara sobre este negocio e não julgando que fosse preciso formular uma interpellação. Mas, visto o sr, ministro desejar habilitar-se para informar a camara do que ha a respeito d’elle, vou mandar para a mesa uma nota de interpellação ácerca do mesmo assumpto.
O sr. Presidente: — Agora não se póde interromper o assumpto de que a camara se está occupando, pois se vae proceder á votação do projecto em discussão.
O sr. secretario leu.
Posto á votação foi o parecer approvado na sua generalidade e especialidade.
Passou-se ao parecer n.° 46, sobre o projecto de lei n.° 88, que são do teor seguinte:
Parecer n.º 46
Senhores. — A nossa commissão de fazenda, tendo reflectidamente examinado o projecto de lei, discutido e approvado na camara dos senhores deputados, para abolir todos os privilegios de isenção de impostos concedidos por leis especiaes a varios estabelecimentos bancarios, sociedades anonymas e companhias fundadas no reino e ilhas adjacentes, entende que, tanto os preceitos de direito publico como as vehementes solicitações do nosso estado financeiro, recommendam instantemente o mesmo projecto á vossa approvação.
Se em mais desaffrontadas situações o proposito de auxiliar industrias nascentes e de activar a circulação do capital por todo o apparelho economico da sociedade moveu 03 poderes publicos a decretar as isenções que referimos, da lei e dos principios, hoje que o thesouro publico, apesar da sensivel atenuação do déficit, operada per concertados esforços de varias administrações, ainda se ve a braços com graves difficuldades, e que a existencia dos institutos privilegiados não periga com a terminação do privilegio, hoje não ha rasão que justifique a situação excepcional dos mesmos estabelecimentos.
Sendo pois o pensamento do projecto cassar todos os privilegios de isenção de impostos, fazendo entrar as pessoas moraes, que os têem disfructado, no direito commum e na obrigação geral de contribuir para as despezas do estado, tão clara se nos afigura a justiça como a utilidade da proposta modificação das leis vigentes.
O respeito devido a direitos provenientes de contratos onerosos, e o proposito de não depreciar, em detrimento da agricultura, as obrigações da companhia do credito pre-1 dial, determinaram as restricções que se encontram na segunda parte do artigo 1.° e no artigo 3.° do projecto.
Quanto á primeira, se é justo que todos, individuos ou corporações, concorram em proporção de seus haveres, para a satisfação dos encargos publicos, tambem é justo que, tendo o estado obtido vantagens em troca de uma concessão não annulle a concessão sem de algum modo a substituir por qualquer outro reconhecimento das vantagens que continua a disfructar; e quanto á segunda, porque se não trata de beneficio concedido a uma companhia, pois que a do credito predial fica, como todas, sujeita, nos termos do projecto, á contribuição pelos dividendos que repartir, mas sómente se trata de manter o beneficio, anteriormente concedido, á propriedade e á agricultura, que aliás obteriam por mais alto preço os capitães, que o seu benéfico desenvolvimento demanda, tambem parece á commissão que a favor d’esta restricção militam ponderosas considerações de interesse publico.
Apreciando destarte o pensamento substancial do projecto, sem entrar em mais detida analyse de suas disposições, que a sabedoria da camara e o conhecimento especial que tem da materia manifestamente dispensam, é a commissão de fazenda de parecer que o projecto merece a vossa approvação, para demandar a sancção real, a fim de ser definitivamente convertido em lei.
Sala da commissão de fazenda, em 17 de abril de 1872. = Marquez d’Avila e de Bolama = Conde de Castro = Antonio de Serpa Pimentel = Conde do Casal Ribeiro = Francisco Simões Margiochi = Visconde de Algés.
Projecto de lei n.° 38
Artigo 1.° Ficam abolidos todos os privilegios de isenção de impostos concedidos a estabelecimentos bancarios, sociedades anonymas, companhias estabelecidas no reino e ilhas adjacentes, ou que venham a estabelecer-se em virtude de leis até agora promulgadas, devendo proceder-se a accordo entre o governo e os interessados, quando a isenção tenha sido resultado de contrato oneroso, e ficando o accordo dependente da sancção legislativa, se não couber nas attribuições do poder executivo.
§ unico. O accordo de que trata este artigo, emquanto não estiver approvado pelo poder legislativo, não dispensa o banco ou companhia, com que tiver sido feito, de pagar ou assegurar o pagamento da contribuição que lhe couber nos termos da presente lei, salva restituição no caso de pagamento, se houver direito a ella.
Art. 2.° Ficam sujeitos á contribuição unica de 10 por cento os juros e dividendos dos estabelecimentos, cujos privilegios são extinctos, não comprehendidos na hypothese do § unico do artigo 34.° da lei de 22 de junho de 1867, e que só vencerem de 1 do julho de 1872 em diante.
§ unico. Nas disposições d’este artigo comprehendem-se os juros e dividendos de bancos, companhias ou sociedades anonymas estrangeiras de qualquer especie e natureza, que correspondam ás operações e transacções que aquelles estabelecimentos fizerem em territorio portuguez, na conformidade dai- disposições da referida carta de lei.
Art. 3.° Continuam isentas d’esta contribuição as obrigações da companhia de credito predial portuguez, e bem assim a parte dos lucros ou juros dos estabelecimentos tributados por esta lei, proveniente:
1.° De titulos de divida fundada;
2.° Do rendimento de predios inscriptos na matriz da contribuição predial;
3.° Das acções de quaesquer bancos ou companhias sujeitas a este ou identico imposto;
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4.° Das obrigações da companhia de credito predial portuguez;
5.° Dos contratos de supprimentos para pagamento das classes inactivas auctorisados pela carta de lei de 22 de março de 1872.
Art. 4.° Aos estabelecimentos bancarios, companhias e sociedades anonymas, que não gosem dos privilegios abolidos no artigo 1.° da presente lei, continuarão a ser applicaveis as leis geraes ou especiaes em vigor sobre impostos.
Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 12 de abril de 1872. = José Marcellino de Sá Vargas, presidente = Francisco Joaquim da Costa e Silva, deputado secretario = Ricardo de Mello Gouveia, deputado secretario.
O sr. Presidente: — Está em discussão na sua generalidade.
Chegou ha pouco á mesa uma representação contra este projecto, de que o sr. secretario vae dar conta.
O sr. Secretario: — É uma representação assignada pelo provedor e mesarios da misericordia de Vizeu, reclamando contra o projecto que acaba de ser lido.
O sr. Presidente: — Esta representação fica sobre a mesa, para ser examinada pelos dignos pares que o desejarem.
O sr. Visconde de Fonte Arcada (sobre, a ordem): — Acho indispensavel a presença do sr. ministro da fazenda, para se discutir o projecto em discussão: é um assumpto importante sobre que deve ser ouvido o mesmo sr. ministro, para dar alguns esclarecimentos se algum digno par os pedir.
O sr. Marquez de Vallada: — Parece-me que seria facil avisar o sr. ministro da fazenda, que, segundo me affirmam, se acha na outra camara, e de certo s. exa. viria logo que soubesse que n’esta casa se necessita da sua presença.
Assim se satisfaria ao digno par.
O sr. Marquez de Niza: — Pretendeu saber se algum dos srs. ministros presentes se achava habilitado para responder ás objecções que possam ser feitas ao projecto.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Andrade Corvo): — Sr. presidente, tantas vezes se tem levantado esta questão na camara, que não me atrevo a pedir que se discuta este projecto na ausencia do meu collega. A camara, se entender que não póde prescindir da presença de s. exa., adia a sua discussão para amanhã; entretanto devo lembrar á camara, que será conveniente fazer uma combinação com respeito ás horas da sessão, para que o sr. ministro da fazenda possa comparecer aqui e na camara dos senhores deputados, a fim de que esta questão, tão pouco agradavel para a camara como para o governo, se não torne a dar.
O sr. Marquez de Vallada: — Sr. presidente, das palavras do sr. ministro pareceu-me deprehender, se bem que ninguem dissesse que da parte do sr. ministro da fazenda havia menos consideração pela camara em não comparecer, porque s. exa. não póde ser immenso, que seria conveniente harmonisar as cousas de modo que o seu collega, que se acha na outra camara empenhado em uma discussão, podesse vir aqui. O meio de harmonisar este assumpto é, segundo me parece, muito simples e reduz-se a resolver-se a camara a ter sessões nocturnas, attendendo ao pouco tempo que resta de sessão.
Portanto, sr. presidente, proponho em primeiro logar, que a discussão d’este projecto fique adiada, e com esta minha proposta muito pouco prejudicada fica a discussão, porque para a hora de terminar apenas faltam vinte minutos.
Em segundo logar proponho que, em attenção a estar a sessão bastante adiantada, hajam sessões nocturnas a começar de amanhã até ao ultimo dia em que as camaras funccionarem.
O sr. Conde do Casal Ribeiro: — Sr. presidente, estou de accordo com as observações do sr. marquez de Vallada, e parece-me que não podendo a sessão legislativa durar muito, devemos pela nossa parte empregar todos os esforços para que possam os dignos pares tratar os assumptos com pleno conhecimento de causa; portanto, acho muito aceitavel a indicação para que haja sessões nocturnas; mas parecia-me melhor que, para a designação dos dias, v. exa., sr. presidente, se entendesse previamente com o governo, ou com o sr. presidente da camara da senhores deputados, a fim de que se não de o mesmo que está succedendo, isto é, não poder comparecer o sr. ministro por se achar empenhado na outra camara em uma discussão.
Seria tambem conveniente que os projectos que estão já ali votados fossem remettidos com promptidão a esta camara, para se lhes dar o devido andamento.
(Entrou o sr. presidente do conselho.)
Como o sr. ministro da fazenda acaba de entrar, creio, que devem acabar os motivos que determinaram a resolução de se propor o adiamento d’este parecer; o que, porém, julgo deve ficar de pé é a outra questão sobre a hora em que tenham logar as nossas sessões.
O sr. Presidente: — Creio que a presença do sr. ministro da fazenda veiu acabar com as duvidas que existiam sobre o adiamento d’este parecer (apoiados).
Então quanto á proposta que diz respeito ás horas em que devemos funccionar, parecia-me melhor que a camara auctorisasse a mesa para ella se entender com o governo e com a presidencia da camara dos senhores deputados, a fim de se resolver o que for conveniente (apoiados).
Muito bem. Continua então a discussão do parecer.
Como ninguem pedisse a palavra, foi posto á votação é approvado na generalidade.
Passou-se á especialidade.
O sr. secretario leu o artigo 1.°
Entrou em discussão.
O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Tenho só a dizer poucas palavras sobre o projecto, e o que eu tenho a declarar é que não posso approvar o principio de isenção do imposto que n’este projecto se estabelece a respeito da companhia de credito predial e de outras, bem assim dos titulos de divida fundada, porque entendo que se não devem fazer estas excepções. Todos os rendimentos de qualquer natureza que sejam devem pagar um imposto. Esta é a verdadeira doutrina, é a doutrina dos estadistas mais eminentes da Inglaterra, da Hollanda e de muitos outros paizes.
Já se vê, pois, que não approvando o principio estabelecido no projecto, não posso tambem approvar o parecer da commissão.
Eu estimo muito ver presente o sr. ministro da fazenda, porque n’esta occasião desejo fazer algumas considerações em presença de s. exa.
Sr. presidente, o sr. ministro da fazenda disse, por occasião de se tratar em outra parte d’este mesmo assumpto, que se havia de oppor a que fossem lançados impostos sobre os titulos de divida publica fundada, porque uma tal medida affectava o credito, e que elle queria governar com o credito.
Eu entendo que se deve lançar mão do credito em casos extraordinarios; mas nas circumstancias ordinarias, como meio de governo, nisso não posso convir.
Eu tenho sempre visto quaes são os funestos resultados de se ter seguido este systema na administração d’este paiz. Mas sabe v. exa. sr. presidente, qual é o fim que ha em vista em poupar os titulos de divida publica, é para que lies subam, como já tem subido, (ao mesmo tempo que o valor da propriedade cada vez vae descendo mais) a fim de que mais facilmente o governo possa fazer mais emprestimos, continuando-se no mesmo systema até agora seguido, que eu não posso approvar.
O sr. Visconde de Algés: — Pedi a palavra para res-
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ponder como relator da commissão de fazenda, aos argumentos produzidos em impugnação do projecto pelo digno par e meu nobre amigo o sr. visconde de Fonte Arcada.
O digno par, sobresaltado por se ter já approvado o projecto na generalidade, sendo na generalidade que s. exa. se propunha combate-lo, declarou que votava contra o projecto por que não admittia isenção de impostos a favor de nenhuma entidade individual ou collectiva. Sendo o pensamento substancial do projecto abolir todos os privilegios de isenção de impostos, pensamento que se acha fielmente desdobrado em todas as suas disposições, parece-me que o fundamento com que o digno par se determina a rejeita-lo é precisamente o fundamento com que a commissão de fazenda o recommenda á aprovação da camara (apoiados). O que diz o projecto, o que diz o artigo 1.° em que se enuncia o pensamento que domina todas as disposições do projecto? Diz que são abolidos todos os privilegios de isenção de impostos concedidos por leis especiaes a estabelecimentos bancarios, sociedades anonymas e companhias fundadas no reino e ilhas adjacentes.
Eis aqui, sr. presidente, o pensamento do projecto e a intenção exclusiva do governo exercitando d’este modo a sua illustrada iniciativa. Se pois o digno par rejeita o projecto e lhe dá um voto de rejeição posthuma na generalidade, por que não admitte isenção de impostos a favor de nenhuma individualidade, eu peço ao digno par que recolha o seu espirito e o seu voto de rejeição, para nos dar na approvação do projecto o honroso concurso da sua auctoridade. O projecto tem por fim, como disse, cassar todos os privilegios, que em situações mais desafrontadas de difficuldades financeiras se concederam a varias sociedades anonymas, e a este principio, principio mais politico e moral do que financeiro, não se faz excepção alguma. Sc no artigo 3.° se mantem a isenção concedida pelo artigo 13.° da lei de 13 de julho de 1863 á companhia do credito predial, não é com respeito á companhia que esta isenção se mantem, por que a companhia fica por este projecto sujeita, como todas as companhias á contribuição de 10 por cento sobre os dividendos que repartir, é ás obrigações e sómente ás obrigações do credito predial que a isenção anteriormente concedida, é conservada segundo o preceito do artigo 3.° do projecto. A isenção das obrigações será favor ou privilegio concedido á companhia do credito predial? É manife3to que não.
A companhia que de todas as suas operações apenas percebe um interesse que não póde ser superior, mas que póde ser inferior a 1 por cento dos capitães mutuados, nem lucra com a isenção nem perde com a falta d’ella. Quem perderia, e perderia muito, se a isenção senão mantivesse, seria a propriedade, e não a propriedade florescente que bem pó de supportar a contribuição, mas a propriedade decadente, a propriedade que precisa de capitães para o .seu grangeio ou para o seu desenvolvimento, e que sem a isenção de que se trata, teria de levantar o dinheiro que precisa por um juro excessivamente gravoso.
Não ha portanto excepção nenhuma a favor de companhia ou sociedade anonyma, ha o principio altamente politico e moral de revogar todas as excepções, e n’estes termos, repito, espero que o digno par rectifique a sua determinação approvando o projecto de que se trata. Se eu concordo, sr. presidente, que se devem abolir todos os privilegios de isenção de impostos, e se é por esta consideração e por esta unica consideração que approvo o projecto em discussão, não levo tão longe o alcance do principio, que pretenda, como o digno par, sujeitar á contribuição os juros da divida publica (apoiados).
Collectar os juros de divida, do que se não podia tratar agora, que apenas nos occupâmos de cassar privilegios concedidos a sociedades anonymas, mas de que se podia tratar se acaso se propozesse um imposto sobre o rendimento, collectar, digo, os juros da divida publica seria a meu ver, o mais crasso de todos os erros politicos, e o mais obnoxio de todos os alvitres financeiros (apoiados). Diz o digno par que na Hollanda, na Inglaterra e não sei onde mais, se collectam os juros da divida publica, e que este procedimento é aconselhado pelos mais distinctos estadistas d’aquelles paizes. Por mais respeito, sr. presidente, que eu possa catar ás grandes auctoridades a que s. exa. se refere, eu deixo já aqui consignado o meu voto de rejeição a quantos projectos se apresentarem para collectar os juros da divida publica. Se todos os paizes se concertarem para collectar os juros da sua divida, eu desejo que haja ao menos um que destoe d’esse concerto universal, e que esse paiz seja o paiz em que eu nasci (muitos apoiados). A contribuição sobre os juros da divida não u contribuição, é uma fraude (muitos apoiados). E o devedor a cercear por seu mero arbitrio os interesses legitimos do credor, é a violação de um contrato, é a fallencia do devedor, e a mais repugnante de todas as fallencias, porque é a fallencia moral. Não e pois, sr. presidente, porque tenhamos de recorrer ao credito, é porque temos de manter o credito, de manter a reputação e com a reputação e independencia do paiz.
O sr. Presidente do Conselho: — Apoiado.
O Orador: — Sr. presidente, tenho respondido ás observações do digno par, se algum dos illustres membros d’esta camara tiver algumas objecções mais a offerecer contra o projecto, novamente usarei da palavra em defeza das suas disposições.
Depois da leitura na mesa procedeu-se á votação e foi approvado o projecto na sua generalidade, assim como o artigo 1.°, sem discussão.
Artigo 2.°— Foi lido e declarado em discussão; como não houvesse quem pedisse a palavra, votou-se e foi approvado; e da mesma fórma, sem discussão, os artigos subsequentes.
Seguiu-se o
Parecer n.° 47
Senhores. — Á commissão de administração publica foi presente o projecto de lei vindo da camara dos senhores deputados, sob o n.° 29, auctorisando a camara municipal da villa e concelho de Melgaço a lançar o imposto unico de 40 réis por cada alqueire, ou de 2 réis por litro, de todo o sal que der entrada no mesmo concelho, cobrando-se este imposto como se cobram as demais rendas do municipio, e tendo a applicação unica e exclusiva para diversas despezas, no mesmo mencionadas.
A commissão, considerando que a applicação dada para os differentes destinos do imposto de que se trata é de toda a conveniencia, e tendo ouvido o governo e de accordo com elle é de parecer que o sobredito projecto seja approvado para ser submettido á real sancção.
Sala da commissão, 21 de setembro de 1871. = Marquez de Ficalho = Marquez d’Avila e de Bolama = José Maria Eugenio de Almeida, vencido = José Joaquim dos Reis e Vasconcellos = Francisco Simões Margiochi, vencido = Alberto Antonio de Moraes Carvalho.
Projecto de lei n.° 29
Artigo l.º É auctorisada a camara municipal da villa e concelho de Melgaço a lançar o imposto unico de 40 réis por cada alqueire, ou de 2 réis por litro de todo o sal que der entrada no mesmo concelho.
§ unico. Este imposto cobrar-se-ha como se cobram as mais rendas do municipio.
Art. 2.° Este imposto será administrado pela camara municipal da villa de Melgaço, tendo unica e exclusiva applicação para as seguintes despezas:
§ 1.° Aos reparos das ruinas da casa das sessões e secretaria da camara e da administração do concelho.
§ 2,° Ás expropriações e obras necessarias para uma feira de gado em logar conveniente e proximo da villa.
§ 3.° Ás obras necessarias para a collocação das repartições de fazenda e justiça.
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§ 4.° Ás que o forem para a canalisação da agua potavel precisa ao abastecimento da população.
§ 5.° As que o forem para a construcção de um cemiterio publico.
Art. 3.° A camara municipal da villa de Melgaço dará annualmente nos tribunaes competentes conta especial e distincta da arrecadação e applicação d’este rendimento com as da sua gerencia.
Art. 4.° Tanto que estejam concluidas as obras especificadas nos §§ do artigo 2.° d’esta lei, o governo fará cessar o pagamento do referido imposto.
Art. 5.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 21 de setembro de 1871. = Antonio Ayres de Gouveia, presidente = D. Miguel Pereira Coutinho, deputado secretario = Ricardo de Mello Gouveia, deputado secretario.
O sr. Presidente: — Está em discussão.
O sr. Marquez de Sabugosa: — Peço a palavra para uma breve reflexão sobre o assumpto.
O sr. Presidente: — Tem v. exa. a palavra.
O sr. Marquez de Sabugosa: — Disse que precisava perguntar á illustre commissão se este parecer é da actualidade ou se a sua data já vem do anno proximo passado, queria dizer, anterior á apresentação da proposta do governo para um imposto geral sobre o sal, isto é, sobre o mesmo genero para que se propõe agora parcialmente um imposto no mesmo genero.
Sem a camara ter conhecimento do resultado d’esta sua generica proposta, e sem conhecer que estão em harmonia os objectos de que se trata, e quanto n’este caso importam os dois impostos, quer separados ou conjunctamente, não póde approvar desde já o projecto proposto.
O sr. Moraes de Carvalho: — Por parte da commissão declarou que o governo fora ouvido, e se conformara com o parecer.
O sr. Ministro da Fazenda (Fontes Pereira de Mello): — Sr. presidente, creio que este projecto é da iniciativa particular da outra camara.
Tendo-se pedido a minha opinião sobre elle, respondi que não via inconveniente em que se approvasse. A circumstancia de estar affecta ao parlamento uma proposta do governo lançando um imposto sobre o sal, não me parece que obste á existencia de um imposto sobre o mesmo genero proposto por um municipio, e muito menos, sendo em proporções tão pequenas como este se apresenta.
Ainda em o anno passado, e n’este, se votou tambem um imposto sobre certos generos de consumo, e o facto é que a maior parte dos municipios têem impostos sobre os mesmos generos, como o vinho, a carne e muitos outros artigos de consumo, quero dizer, não ha incompatibilidade em as camaras municipaes cobrarem impostos sobre os mesmos generos tributados pelo governo quando não são em grande escala.
Se a camara me permitte, farei por esta occasião uma pequena observação relativamente á redacção do artigo 1.° Diz este artigo:
«É auctorisada a camara municipal da villa e concelho de Melgalço a lançar o imposto unico de 40 réis por cada alqueire, ou de 2 réis por litro, de todo o sal que der entrada no. mesmo concelho.»
Isto faz suppor que o alqueire tem 20 litros, o que não é exacto. E verdade que não sei qual é o alqueire de Melgaço, mas o de Lisboa com certeza não corresponde a tantos litros. Em todo o caso, parecia-me que era melhor dizer «tanto por litro», que é a medida legal, e que, pela sua ligação com o systema métrico, tem um caracter de perpetuidade que não tem o alqueire. Isto é objecto puramente de redacção e a camara fará o que melhor julgar.
O sr. Moraes Carvalho: — Ainda fez algumas ponderações sobre o assumpto.
O sr. Presidente: — Já deu a hora, e não sei se a camara quererá prorogar a sessão por mais alguns minutos para se concluir a discussão d’este projecto (apodados).
O sr. Marquez de Sabugosa: — As observações que apresentou o sr. ministro da fazenda pareceram-lhe muito dignas de consideração, mas não podia deixar de apresentar algumas considerações relativamente ás do sr. relator da commissão. Deu esta parecer sobre um projecto feito em resultado de pedido que fez a camara municipal de Melgaço. Esse pedido veiu formulado em certos termos, e não julga que a commissão possa designar se o sentido da referida camara municipal, era por alqueire ou pela correspondente quantidade em litros, que desejava cobrar o imposto. Parecia-lhe que n’este caso devia a camara remetter novamente o projecto á commissão para esta solicitar os esclarecimentos precisos á elucidação da camara.
Em relação ao imposto não julga indifferente verificar-se bem a sua verdadeira importancia; pois, estando affecto á outra camara um projecto do governo tributando tambem o sal; votado elle, podem os povos do concelho de Melgaço ficar muito sobrecarregados com os dois impostos sobre o mesmo genero. Por consequencia, não podia a camara votar este projecto sem estar habilitada a avaliar quanto este imposto municipal poderá aggravar o imposto geral que o governo propoz.
Nós não sabemos ainda, disse o orador, as condições em que virá o imposto geral, se o governo o sustenta como o apresentou na outra camara, ou se lhe offerece modificações, e, portanto, não me parece justo nem logico conceder agora a uma camara municipal a permissão de lançar esse imposto sem sabermos se irá contrariar as disposições do projecto que deve legislar em geral sobre o assumpto.
Julgava, portanto, necessario o adiamento, o qual propunha, e bem assim que o projecto voltasse á commissão.
Aproveitando o estar com a palavra, declarava que o seu voto era contra o projecto que a camara acabava [...] discutir e approvar.
O sr. Serpa Pimentel: — Sr. presidente, pedi a [...] lavra unicamente para dar algumas explicações de facto a este respeito.
Pondera-se o inconveniente de votar um imposto municipal, quando está pendente um projecto do governo para um imposto geral em todo o paiz sobre o genero, que por este projecto se tributa o sal. Este imposto não é novo, o municipio tem já um imposto maior do que este sobre o genero em questão, de 40 réis sobre cada alqueire de sal que é consumido; mas por este projecto pretende-se reduzir o imposto a 40 réis, lançado porém sobre todo o sal que entrar.
Não se trata, pois, de crear um imposto novo, porque o imposto sobre o sal existe já n’este concelho, mas de o substituir por outra fórma, alargando-lhe a base, e abrangendo o que passar em transito.
Eu concordo, sr. presidente, em que o imposto sobre o transito tem graves inconvenientes; ha casos, porém, em que se torna aceitavel. Ura exemplo: com relação a Villa Nova de Gaia, travou-se uma grande luta sobre o imposto do transito que a camara municipal desejava manter, e a que o governo com a lei na mão se queria oppor; esgotados porém todos os recursos, viu-se que o municipio não tinha outro meio de poder fazer e reparar as suas estradas senão por esse modo, o que se fez com vantagem dos negociantes que faziam transportar os generos nos carros, que pagavam o imposto de transito.
Aqui tem portanto o digno par um exemplo de que existem casos excepcionaes, em que o imposto de transito póde ser aceitavel, sendo em regra mau.
Foi apenas para dar estas explicações que pedi a palavra. O sr. Presidente: — Vou consultar a camara sobre o adiamento proposto pelo sr. marquez da Sabugosa.
Consultada a camara, rejeitou o adiamento, approvando em seguida a generalidade do projecto.
O sr. Presidente: — A primeira sessão terá logar áma-
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120 DIAMO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
nhã, sendo a ordem do dia a continuação da que estava dada para hoje, e os pareceres n.ºs 49 e 48.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas e um quarto da tarde.
Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 22 de abril de 1872
Os exmos. srs.: Duque de Loulé; Patriarcha de Lisboa; Marquezes, de Fronteira, de Sabugosa, de Niza, de Penafiel, de Vallada; Arcebispo de Goa; Condes, d’Avillez, de Cabral, de Cavalleiros, do Casal Ribeiro, de Fonte Nova, de Linhares, de Podentes, da Ponte; Viscondes, d’Algés, de Benagazil, de Fonte Arcada, de Portocarrero, da Praia Grande, de Soares Franco; Moraes Carvalho, Mello e Carvalho, D. Antonio José de Mello, Serpa Pimentel, Xavier da Silva, Rebello de Carvalho, Barreiros, Moraes Pessanha, Corvo, Martens Ferrão, Pestana, Reis e Vasconcellos, Lourenço da Luz, Franzini, Pita.