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SECRETARIA DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REIXO
Em virtude de resolução da camará dos dignos pares do reino, tomada em sessão de hoje, i se publicam os seguintes documentos
Ill.mo e ex.mo sr. —Para cumprir o aviso régio, expedido pela secretaria dos negócios do reino, em data de 30 de junho próximo, que me ordena dê algumas informações acerca das irmãs da caridade, e o meu parecer sobre a pedida extensão d'ellas á cidade do Porto; procurei logo colligir as noticias de que carecia; e, ainda que nao pude alcançar quantas desejava, comtudo, por satisfazer á urgência re-commendada no dito aviso, tenho a honra de informar a v. ex." o seguinte:
A congregação das servas dos pobres, filhas ou irmãs da caridade (com todos estes nomes são appellidadas e conhecidas), foi instituída em França por S. Vicente de Paulo, e composta de pessoas do sexo feminino, que, possuídas de um fervoroso zelo da humanidade e caridade christã, sem profissão religiosa solemne, mas com votos simplices de obediência, renovados todos os annos, vivessem em communi-dade, e se empregassem no ensino gratuito de meninas pobres e no serviço dos enfermos pobres. Esta congregação governava-se pelas regras e direcções dadas pelo mesmo S. Vicente de Paulo, e era sujeita ao superior da missão, instituída pelo mesmo, o qual residia em Paris: fez esta congregação tantos e tão bons serviços á humanidade, que pôde merecer a estima, o respeito e os elogios de homens enfurecidos contra todas as instituições religiosas.
Com muita rasão, pois, permittiu el-rei o senhor D. João VI, por seu decreto de 14 de abril de 1819, o estabelecimento d'esta congregação em Lisboa, e, dispensando nas leis de amortisação a adquisição e posse de bens que podessem-produzir um rendimento annual até 8:0000000 réis. Porém talvez pela perturbação dos tempos que logo se seguiram não pôde realisar-se esta dotação permittida; nem por consequência a congregação ter meios sufficientes e independentes para bem se estabelecer, e produzir todos os fructos que se podiam esperar.
Consta-me que logo adquiriu uma casa na rua do Passadiço, cuja propriedade agora conserva, e em que actualmente costuma residir o director e confessor; que pelas côr-
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tes, em 28 de dezembro de 1821, lhe foram dadas as casas, que ora habitam, na rua de Santa Martha, freguezia do Coração de Jesus, as quaes tinham sido hospício dos-carmelitas descalços de Pernambuco; e que um negociante, Jbsé Barbosa, por esse mesmo tempo, augmentou o património d'esta communidade com algum fundo em inscripções da junta do credito publico; e que era supprido com esmolas voluntárias o que faltava para a sustentação da communidade.
Viviam, pois, como disse, as irmãs da caridade em Lisboa, segundo a regra de S. Vicente de Paulo, Bujeitas ao superior da missão instituída por este santo em França, que residia em Paris, e por delegação ou approvação ta-eita d'este ao superior da missão de Rilhafoles em Lisboa; e parece que este regimen se conservou, apesar da extinc-ção das ordens regulares em Portugal, até outubro de 1838, em que as irmãs, cansadas das providencias da superiora, esuppostò superior, requereram ao cardeal patriarcha Silva que, tomando-as debaixo da sua obediência, mandasse proceder á eleição de superiora e lhe desse director. Assim se praticou em conformidade do artigo 3.' do decreto de 9 de agosto de 1833; mas, ou por escrúpulos ou por intriga, principiou d'aqui a apparecer inquietação e divisão na communidade; para sanar a qual, tirando-lhe todo o pretexto, a superiora impetrou da santa sé um breve, que as sujeitou immediatamente jurisdicção do patriarcha de Lisboa, durante as circumstancias actuaes, e sanava no foro da consciência qualquer falta que houvesse nas providencias por este prelado dadas ás irmãs da caridade. Este breve, obtido occultamente durante a interrupção das nossas relações politicas com a corte de Roma, e não tendo por sua natureza execução alguma externa, mas sendo só dirigido a tranquillisar consciências do escrúpulo que teriam em se observar, sem o concurso da legitima auctoridade ecclesias-tica, o disposto no citado artigo 3.° do decreto de 9 de agosto de 1833; não tendo outro fim mais que a observância d'este mesmo decreto, não podia ter beneplácito régio, nem me parece necessário insistir ou fazer questão da falta d'elle; basta para os effeitos externos e civis considera-lo como inútil, e em vigor o citado decreto.
Constou-me que tinham continuado desordens e divisões n'esta communidade, e que em rasão d'isso, e de algumas suspeitas, que não sei se serão realidades, contra o actual director, tem saído da communidade algumas irmãs, aliás bem reputadas.
Pelo que tenho dito já se vê que é o meu parecer: 1.°, que o instituto das irmãs da caridade é muito util e edifi-eante; 2.°, que está legitimamente admittido no reino; e que muito convém á religião e ao estado, que elle possa conservar-se e augmentar-se até ao ponto de poder exercer em maior extensão seus importantes ministérios; 3.°, qne actualmente está sujeito immediatamente em Lisboa á auctoridade do patriarcha; e que qualquer outra casa filial que venha estabelecer-se deve ficar sujeita ao respectivo prelado diocesano, salva sempre a inspecção e fiscalisação, da auctoridade administrativa sobre as relações civis e tem-poraes da communidade; sendo esta a legislação vigente entre nós, expressa no citado artigo 3.° do decreto de 9 de agosto de 1833; 4.°, que as irmãs da caridade não são religiosas com profissão solemne; e podem por isso ser admit-tidas a viver em commum sem infracção da legislação vigente; 5.°, que mui louvável é o zelo das pessoas que requerem o estabelecimento das irmãs da caridade na cidade do Porto, onde é de esperar que muito prospere esta-instituição; 6.°, que não encontro objecção legal á auctorisaçãt) pedida, ficando as irmãs que se estabelecerení no Porto adstrictas aos ministérios e regras que observarem as de Lisboa, com as modificações exigidas pelas circumstancias, e determinadas pelo prelado diocesano do Porto, a quem devem ficar sujeitas, de accordo com a auctoridade superior administrativa nas relações civis e temporaes; 7.°; que esta auctorisação não pôde estender-se a dispensar as leis dá amortisação, porque isso é privativo do poder legislativo; mas só á permissão de uma associação com-fim de religião e de beneficência, já admittida e reconhecida como util pelas leis do reino; 8.°, e, finalmente, parece-me a oc-easião opportuna para o desejado estabelecimento, com o qual poderia mais facilmente acabar a desgraçada divisão que tem reinado nas irmãs existentes em Lisboa.
Este é o meu parecer; v. ex.a, porém, seguirá o mais justo e acertado.
Deus guarde a v. ex.a S. Vicente, 8 de julho de 1845. =IlLm* e ex.mo sr. ministro d'estado dos negócios do reino. = G., bispo de Leiria e patriarcha eleito.
Tendo-me sido representado em nome de varias pessoas, tão conspícuas pela sua piedade, como zelosas do bem publico, o muito que conviria ao serviço de Deus e do estado, que na antiga, muito nobre, sempre leal e invicta cidade do Porto, fosse admittido o estabelecimento das servas dos pobres, denominadas irmãs ou filhas da caridade, pela mesma forma, e com o mesmo instituto de S. Vicente ¦de Paulo, com que na cidade de Lisboa se acham estabelecidas ha mais de vinte annos, com mui valiosas e reconhecidas vantagens espirituaes e corporaes dos moradores •da mesma cidade; attendendo eu ao quanto se faz digno da minha maternal e regia solicitude, pelo bem geral dos meus súbditos, o augmento de uma instituição, que, com a mais fervorosa caridade christã e decidido amor da humanidade, se dedica principalmente a prestar aos doentes pobres os solícitos desvelos e benéficos cuidados, que em suas enfermidades e tribulações muitas vezes lhes fallecem, e sempre necessitam; e, tendo outro sim em vista os pareceres que a tal respeito foram dados pelo governador civil do districto, prelado diocesano e conselheiro procurador geral da coroa, com os quaes me conformo: Hei por bem, e
me praz conceder o régio consenso e as precisas faculdades, para. que na sobredita cidade do Porto, se possa ad-mittir e estabelecer o instituto das servas dos pobres, denominadas irmãs ou filhas da caridade, segundo as direcções que lhes foram dadas por S. Vicente de Paulo, e ficando como em Lisboa sujeitas ao respectivo prelado diocesano, salva a inspecção e fiscalisação da competente auctoridade superior administrativa, sobre as relações civis e temporaes da communidade, nos termos do artigo 3." do decreto de 9 de agosto de 1833.
O conselheiro José Bernardo da Silva Cabral, encarregado interinamente do ministério dos negócios do reino, e do dos negócios ecclesiasticos e de justiça, assim' o tenha entendido e faça executar. Paço de Cintra, em 9 de julho de 1845.=RAINHA.=Jõsé Bernardo ãa Silva Cabral.
Está conforme. = Visconãe ãe Tilheiras.
Governo civil do districto do Porto=n.° 307=IU.mo e | ex.mo sr. —Devolvo a v. ex.a o requerimento do arcediago de Oliveira, que baixou com officio de remessa, expedido em 2 do corrente, pela 2.* repartição da 3." direcção do ministério do reino, para ser informada, ouvida a opinião do prelado diocesano, a pertensão do requerente, que pede a facilidade para se estabelecer n'esta cidade o instituto-das denominadas irmãs da caridade pela regra de S. Vicente de Paulo.
Pela adjunta copia da resposta recebida, observará v. ex.a que o bispo d'esta diocese é de opinião, de que nenhum inconveniente pôde resultar do estabelecimento do referido instituto, ant^s grandes vantagens espirituaes e temporaes, sendo regido com sujeição ao ordinário pela regra de S. Vicente (equivocadamente dita S. Francisco) de Paulo, do mesmo modo por que é o que se acha ha annos estabelecido em Lisboa.
Nenhuma duvida tenho em conformar-me com a opinião do prelado, tanto mais quanto me parece que o conhecimento e a experiência de um tal instituto na capital ha annos, são sufficientes para se poder avaliar devidamente as conveniências da sua reproducção.
Deus guarde a v. ex.a Porto, 6 de junho de 1845.= III.™0 e ex.m* sr. José Bernardo da Silva Cabral.=Conãe ãe Terena, José.
Governo civil do districto do Porto. ==IlLm0 e ex.mo sr. — Sobre o objecto do officio de v. ex.a de 5 do corrente, em referencia ao que pelo ministério do reino foi dirigido a v. ex.a em 2 do mesmo mez, é minha opinião que nenhum inconveniente pôde resultar, antes grandissimas utilidades espirituaes, e temporaes, de se estabelecer nesta cidade o instituto das denominadas irmãs da caridade pela regra de S. Francisco de Paulo, sendo o mesmo instituto regido, como é o que ha vinte e quatro annos se acha estabelecido na capital, com sujeição ao prelado diocesano.
Deus guarde a v. ex.a = Paço episcopal do Porto, em 6 dejunhodel845. = Ul.moe ex.m0 sr. Conde de Terena, José, Governador civil do districto do Por to=Jeronymo, Bispo do Porto.
Está conforme. = Porto e secretaria do governo civil, em 6 de junho de 1845.=-dníonío Luiz ãe Abreu, secretario geral.
Senhora. — O arcediago de Oliveira na cathedral d'esta diocese, abaixo assignado, foi escolhido para, em nome de pessoas conspícuas pela sua piedade e zelo do bem publico, apresentar perante o throno de Vossa Magestade os ancio-sos desejos que têem de ver estabelecidas nesta cidade do Porto as irmãs da caridade. A plantação de uma vergon-, tea deste celeste instituto, devido á inexhaurivel caridade de S. Vicente de Paulo, não pôde ser indifferente a uma soberana a quem indifferentes não são os benefícios que os desvalidos d'ella podem colher; e esta cidade, Senhora, por certo mui digna da maternal solicitude de Vossa Magestade, espera não ser por mais tempo privada de um bem de que Lisboa gosa ha já vinte e quatro annos.
O supplicante, por si e em nome dos seus representados, vem implorar esta graça, cuja concessão não pôde deixar de attrahir sobre a augusta pessoa de Vossa Magestade as bênçãos d'quelle em cujas mãos estão os corações dos reis, e que não deixa sem recompensa uma gota de agua dada em seu nome.
Digne-se pois Vossa Magestade despachar favoravelmente a sua supplica, e o céu, alongando-o, abençoará os dias do seu reinado. =E. R. M.=zRicarão Van-Zeller, arcediago de Oliveira.
Concordo inteiramente com o parecer do governador civil do Porto, e-rev.d° bispo d'aquella diocese, e portanto igualmente me parece que não deve resultar inconveniente, mas valiosas vantagens^ assim espirituaes como temporaes de se estabelecer em aquella cidade o instituto das denominadas irmãs da caridade, como já por mais de vinte annos tem demonstrado em Lisboa a experiência, devendo assim como aqui seguir a regra de S. Vicente de Paulo, e ser sujeitas ao ordinário.
Lisboa, 18 de junho de 1845. =Lacerãa.
Em 30 de julho, portaria ao governador civil de Lisboa, e officio ao em.™ patriarcha eleito.
Ill.m° e ex.mo sr.—Tenho a honra de levar ao conhecimento de v. ex.a a minha resposta á portaria, expedida pelo ministério dos negócios do reino, em 11-de dezembro do anno próximo passado, sobre vários estabelecimentos que se devem organisar na villa de Vianna do Alemtejo, em consequência do testamento com que falleceu o rev.d0 Luiz Antonio da Cruz.
Como esta minha resposta é bastantemente extensa, e por consequência imprópria de ir em continuação d'este officio,
achei acertado separa-la para não causar confusão, sem comtudo ella deixar de ser continuação do mesmo officio, não obstante separada.
Declaro a v: ex.a que não tenho o minimo desejo de entrar no grémio dos administradores do temporal d'aquella avultada herança, mas também não desejo perder regalias, que me tocaram a mim, aos meus successores, e ao cabido em sé vaga.
Não vendo entre os papeis que me foram enviados um requerimento que os administradores me fizeram com um despacho do em.m0 sr. cardeal patriarcha, e que occulta-ram por não lhes convir a suas vistas usurpadoras, envio a v. ex.a, em additamento, a publica forma da resposta que ao mesmo requerimento deu o meu cabido, a quem mandei ouvir, por ser aquelle sobre quem recairá a jurisdicção desta diocese por meu fallecimento.
Desculpe v. ex.a a demora da resposta. Tenho soffrido muito; e setenta e dois annos em inverno rigoroso, quasi que não têem vida.
Deus guarde a v. ex.a muitos annos. Évora, 28 de janeiro de 1852.—De v. ex.a=Servo=Francisco, arcebispo» de Évora=111.mo e ex.mo sr. ministro e secretario d'estadb dos negócios do reino, conselheiro d'estado e digno par do reino.
Arcebispado de Évora. =Ex.mo e rev.m' sr.—Foi presente n'este cabido de Évora a obsequiosa carta de v. ex.a datada em 15 de fevereiro corrente,, e com ella os papeis que devolvemos. — Bem persuadidos de que v. ex.a zeloso defensor de sua jurisdicção ordinária, e do esplendor e im-munidades da nossa igreja, já mais consentirá que haja quebra em suas regalias e liberdades: pouco diremos sobre o negocio, no qual v. ex.a demanda o nosso humilde parecer. Somos accordes no bem merecido louvor do fallecido padre Luiz Antonio da Cruz, da villa de Vianna, que testando, procurou dar á sua grande fortuna um destino religioso e de grande piedade. Dirigimos ao céu nossos votos, para que seja secundado e para que prospere o pensamento e desejo do testador; nem queremos que, por motivos de conflictos de jurisdicção, ou por outros quaesquer respeitos humanos, deixem de ter effeito as caritativas e hpilantropicas instituições ordenadas no testamento, de que fora tirada a copia junta com o memorial, ou requerimento dirigido pelos testamenteiros á presença em.m0 sr. cardeal patriarcha de Lisboa. Respeitamos a dignidade, as luzes, e virtudes d'este senhor, eminente prelado da igreja lusitana; mas devem ser-nos mais charas ainda as affeições< pelas immunidades e regalias da nossa igreja, e da mitra, com que v. ex.a se acha dignamente condecorado.
Firmes n'este pensamento cumpre dizermos a v. ex.a que nos parece menos aceitável esse complexo de condições, que o em .2?° sr. cardeal patriarcha propõe para aceitação do legado de 4:8000000 réis, deixado por aquelle testador, a fim de servir de fundo na creação do hospício, ou casa para •quatro irmãs da caridade, que na villa de Vianna d'esta provincia do Alemtejo hajam de exercitar d'aqui em diante os oíficios,- que lhes destinara o sábio e santo Vicente* de Paulo, primeiro auctor de tão piedosa instituição, juntando-lhe os oíficios da educação da mocidade do sexo feminino. Não carece de demonstração a utilidade do estabelecimento, na ordem civil e religiosa. Não pertence a este cabido insinuar ou dirigir o modo de levar-se a effeito com a previa auctoridade real, e apenas cumpre ao senado de v. ex.a—que por occasião de vacaturas assume a jurisdicção na metrópole— ,observar respeitosamente o encontro e a ferida que, pela aceitação de taes condições, parece viria affectar os direitos da jurisdicção ordinária dos ex.mos prelados d'esta metrópole. Observa pois este cabido:
1.° Que o legado deixado pelo testador não é em favor,' ou beneficio directo das irmãs da caridade do collegio de Lisboa; mas sim em beneficio e favor do novo estabelecimento a crear em Vianna, dentro dos limites e território da jnrisdicção ordinária de v. ex.a, é fundo destinado á dotação do estabelecimento novo, que vae erigir-se; e que, para ser creado e regulado como cumpre, pareceu ao testador conviria ser regulado e dirigido na execução das obras de piedade e de cariedade, e de instrucção por aquellas irmãs da caridade, que, destinadas por seu instituto a similhantes praticas, melhor do que outras (da simples escolha dos testamenteiros) poderiam desempenhar o pensamento do testador. Foi por esta rasão, que elle se lembrou de chamar á fundação do estabelecimento quatro irmãs da caridade do í collegio de Lisboa, pessoas não obrigadas a clausura rigorosa, não adestrictas a votos solemnes de religião; mas da mais reconhecida, utilidade no desempenho de seu instituto. Bem persuadido o testador da ardente caridade que as anima, lembrou-se de que a quizessem exercitar fora do districto do patriarchado, provendo-as do necessário á sua módica subsistência. E, porque sejam pessoas existentes debaixo da jurisdicção do em.mo sr. cardeal patriarcha, indicou a maneira decente e submissa de serem rogadas, e de pedir-se a previa licença do mesmo senhor, como fizeram os testamenteiros: similhantemente ao que se costuma observar na trasladação e mudança dos mesmos ecclesiasticos de uma para outra diocese com demissoria de seus ex.m0fl prelados.
A lição das palavras conteudas na verba respeitante a este legado de que se trata, a combinação dos antecedentes e consequentes, deixa conhecer perfeitamente que a mente do testador fora crear-se em Vianna um estabelecimento de caridade e de instrucção publica para o sexo feminino ¦ e desvalido, independente sobre si, mas, na ordem religiosa, subjeito ao em."10 prelado ordinário da metrópole, debaixo de sua jurisdicção directa e immediata; embora a escolha das pessoas que ali hajam de funecionar seja proposta pelos testamenteiros, com a conveniente auctorisação I do ex.mo e rev.mo ordinário d'esta metrópole evorense. D'es-
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tas idéas deriva a muito obvia reflexão e duvida, em aceitar-se logo a l.a condição.
As irmãs da caridade que comecem a funecionar, e para o futuro sirvam no estabelecimento erigendo, só podem e devem reconhecer a v. ex.a e seus éx.mos successores como seuslegitimos prelados, e isto, ou ellas venham trasladadas do collegio de Lisboa, ou sejam os logares providos em seculares d'esta ou alheia diocese. Caso providenciado pelo testador com plena liberdade. O contrario seria estabelecer um isento n'este arcebispado com odiosa quebra da jurisdicção ordinária sobre os individuos ou corporações existentes dentro de seus limites; o que só por excepção das regras geraes dos cânones e dos concílios se observava, quando n'estes reinos eram consentidas as corporações regulares do sexo masculino, extinctas pelo decreto de 28 de maio de 1834. E então, mesmo antes d'essa epocha, é bem sabida quanta e qual jurisdicção ali exercitavam sobre os individuos commensaes«das corporações os ex.mos prelados diocesanos, já como ordinários das dioceses, já como delegados da sé apostólica.'-
JEm muitos e posteriores decretos reaes, que por brevidade se omittem, tem sido reconhecido o facto de haverem os ex.mos srs. ordinários assumido desde então essa omni-moda jurisdicção ordinária sobre todas as pessoas que habitam dentro do' território de sua diocese, separadas ou reunidas em corporação, até mesmo sobre áquellas, que tendo celebrado seus votos solemnes em algum mosteiro de religião approvada e do sexo feminino, vem licenceadas ou trasladadas de outra diocese para convento diverso d'aquelle. Seria suppor menos competência ou menos capacidade na sagrada pessoa de v. ex.a, para superintender no estabelecimento ordenado pelo testador, o considera-lo ou crea-lo como delegação do collegio e communidade das irmãs da caridade de Lisboa. Não se compadece esta idéa de delegação com o systema de legislação pátria ecclesiastica em vigor n'esto reino.
2. ° Quanto ao regimen do hospício, parece ao cabido respondente que os regulamentos do 'estabelecimento devem ser dependentes do seu legitimo superior, havendo-se como tal na primeira ordem a pessoa de v. ex.a
3. ° Jamais poderia admittir-so a substituição apontada na condição 3.a; porque, alem' do alterar a justa applicação dos rendimentos do monte pio, que também o testador manda crear, acarreta o excesso de despezas, e faz dependente com perpetuidade o novo estabelecimento do collegio de Lisboa.
Assim a 4.a, õ.a e G.a condições, na parte em que affe-ctam rendimentos destinados pelo testador a outras applicações, que para divergirem carecem de previa e competente commutação.
i.° Quanto á designação das qualidades que deva ter o capcllão do hospicio, mais propriamente —novo estabelecimento, casa de caridade—o cabido reconhece em v. ex.a o juizo e discernimento necessários para fazer sua escolha. E assim por legal presumpção se deve reconhecer nos que hajam de oceupar no futuro o logar de ordinários d'esta metrópole.
Bem que o padroado real para os empregos ecclesiasticos de natureza collativa nos limites da diocese de Évora e nas demais d'este reino, esteja consignado em differentes leis e decretos depois do anno de 1832, com inteira exclusão de todo outro; todavia, o cabido reconhece em v. ex.a como prelado da metrópole o direito de prover nos curatos e capellanias amovíveis, e assim no logar de director ou subdirector do novo estabelecimento, fazendo escolha de ecclesiastico digno e pertencente para esse mister; sem que tal provimento seja ad metum de prelado de outra diocese; porque isso encontra as idéas canonisadas no concilio tri-dentino, sess. 21.°, cap. 8.° e cap. 11.° da reforma.
5.° N'este mesmo sentido e com inteira resalva dos poderes e jurisdicção solidaria de v. ex.a, responde o cabido ás demais condições propostas por s. em.a; para que o novo estabelecimento não venha a ser status in statu. O cabido respondente não deixa sem reparo e sem respeito as expressões judiciosas do mesmo ex.mo sr. patriarcha, quando elle faz dependente de approvação e confirmação de v. ex.a a aceitação das condições propostas. Isto importa o reconhecimento de sua jurisdicção. E sendo assim (nem outra cousa era de esperar da sabedoria dc tão conspicuo prelado), confiamos em que o mesmo senhor não leve a mal que o cabido pugne e sustente o decoro e regalias de sua igreja. V. ex.a resolverá como for justo e mais acertado parecer; ordenando a aceitação do que seja em harmonia com aquelle principio regulador, e rejeitado o que se lhe opponha.
Deus guarde a sagrada pessoa de v. ex.a como havemos mister. Évora em cabido, 24 de fevereiro de 1849.=Ex.mo o rev.mo sr. arcebispo metropolitano de Évora. = O chantre, Antonio Joaquim da Silva e Sousa = 0 thesoureiro-mór, João de Aguiar—O mestre escola, Manuel Affonso Madeira=0 cónego, Joaquim de Barros Teixeira Lobo.
Está conforme. = Secretaria da camará ecclesiastica cm Évora, 28 de janeiro do 1852. = O secretario, Pedro Paulo de Vasconcellos.
No officio do ministério dos negócios do reino, n.° 1:023, datado em 11 de dezembro ultimo, com o qual foram re-mettidos os diversos papeis relativos ao estabelecimento da casa pia de irmãs da caridade, instituida na villa de Vianna do Alemtejo pelo padre Luiz Antonio da Cruz, cujos papeis são acompanhados da competente relação que os enumera; tres cousas se exigem do arcebispo de Évora:
l.a A interposição de sensato c judicioso parecer acerca do projecto de regulamento para o estabelecimento mencionado, c emendas, que lhe propõe o governador civil de Évora.
- 2.° Parecer sobre a conveniência e opportunidade de crear
desde já n'aquella villa uma aula de grammatica portugue-za, franceza, latina e de latinidade pelos fundos para esse fim legados pelo dito padre. ,
3.° O acrescentamento de quaesquer outras observações tendentes a bem illucidar o negocio, e esclarecer o governo de Sua Magestade Fidelissima, no que respeita ao predito estabelecimento.
Como as bases do estabelecimento estejam lançadas no testamento, com que o instituidor se finara, já limitadas, e por certo modo explicadas no alvará de 20 de maio de 1850 que o approvou e auctorisou, é forçoso seguir aquelles, como principios reguladores n'este negocio.
E, como outrosim o instituidor e testador depositara muita confiança nos que chamou para administradores do estabelecimento, convém igualmente aceitar, quanto seja possivel e compatível com o direito vigente, suas lembranças expendidas no projecto de regulamento, sem fazer-lhes acintosa opposição.
N'este sentido vão redigidos os pareceres que se seguem, e que assigna o consultado.
1.° Ponto e 1.* observação
O regulamento proposto contém capítulos, artigos e pa-ragraphos que tendem ao estabelecimento da casa pia, e o consideram na sua creação ainda nascente, e tal, que só findo o usofructo da quasi totalidade dos prédios da herança, pôde então reputar-se constituído; eoutros capítulos de execução permanente, que servirão a rege-lo, depois de constituído.
Conviria, por melhor ordem e methodo, separar em diversos capítulos o que for transitório do que se reputar permanente.
O que foi lançado no projecto de regulamento, e que respeita á cautelosa arrecadação e boa conservação dos fundos da casa pia, muito judicioso parece e muito conveniente.
No que respeita á gerência e administração, onde o regulamento dispõe com perpetuidade, algumas cousas appa-recem menos conformes ou menosligadas á mente do testador, a qual conviria seguir.
Longe de qualquer ambição na gerência do estabelecimento, e sem que se procure directamente, e nem ainda por modo indirecto, ter parte na disposição dos fundos e rendimentos confiados á guarda e distribuição dos administradores do estabelecimento, é todavia necessário, para salvar a instituição, e até mesmo por maior credito e esplendor da casa pia, conceder ahi alguma attribuição sobre o pessoal delle aos prelados ordinários da diocese de Évora. Este fim se propoz o instituidor e testador; e retirar essa intervenção seria destruir na sua origem a obra que elle meditara crear.
Nem as idéas esclarecidas do século, nem a limitação existente nas attribuições seculares da auctoridade ecclesiastica, nem o systema do administração publica, respeitante aos' estabelecimentos públicos, consente que possa haver o menor receio em permittir-se que a auctoridade ecclesiastica sustente sobre o estabelecimento dito aquella intervenção que o instituidor e testador lhe quiz commetter c confiar, e que deriva de sua missão divina, ou seja com relação ás pessoas das irmãs da caridade, ^ou com respeito ao seu capellão e parocho, ou ainda nas substituições e nomeações de administradores para os casos prefistos pelo instituidor, ou no conselho e direcção persuasiva sobre a devida applicação dos sobejos.
Parece não ser justo excluir a intervenção da pessoa para quem o testador mostrou tanta deferência, ou fosse na organisação do pessoal do estabelecimento ou na sua-gerência futura, embora n'esta o seu voto seja consultivo somente, e de tal voto mal pôde receiar-se que no futuro se arrogue o prelado ordinário da metrópole esses poderes seculares, que a torrente do progresso lhe nega. (
2. " Observação
O fundador, levado de consideração para com os administradores que escolheu, perfeitamente convencido de sua capacidade, não duvidou ordenar que a gerência lhes fosse confiada. E assim no futuro também a dois outros. A boa harmonia entre elles muito pôde concorrer para o bom desempenho das funcções a seu cargo; mas, logo que ella expire (o que é tão fácil como observado), d'ali virão as maiores difficuldades n'aquella gerência; dada a hypothese da desintelligencia entre ambos, os tropeços na administração apparecem logo, e o mal será do estabelecimento, porque nas idéas encontradas e juizos contrários é mister que um terceiro desempate.
Bem que por certo modo isso seja prevenido no artigo 10.° capitulo 1.° do projecto apresentado, todavia a exposição do caso ao governador civil e sua decisão leva tempo. O estabelecimento e a residência dos administradores ficam a distancia de cinco léguas de Évora, e não será acertado que nos casos ordinários haja tão larga demora, porque então ha de soffrer o estabelecimento na acção ordinária de sua administração. Para evitar-se este inconveniente (salvando-se quanto é possivel a mente do fundador) parecia a propósito ficarem as funcções da administração ordinária com-mettidas semanalmente a cada um dos dois administradores sua semana por turno, bem que no mais pratiquem em commum, assim nas assignaturas de contas mensaes, como na demais gerência alludida no projecto de regulamento, com esses recursos, que as leis lhes permittem, primeiro ao administrador do concelho e d'este ao governador civil.
3. *. Observação
No artigo 3.° do mesmo capitulo 1.° e suas notas, procu-ra-se retirar ao prelado da metrópole aquella attribuição que lhe deve caber na eleição ou proposta das pessoas dos administradores em todos os casos de substituição ordinária, commettendo-se esta aos administradores actuaes e aos que lhes succedam, com a simples approvação e alvará do governo civil. O testamento do fundador diz outra cousa muito
expressamente, e é menos «xacta a idéa expendida na se-gundanota.a esse artigo 3.° Longo de haver o alvará (que auctorisou e approvou o estabelecimento) alterado n'esta parte a disposição testamentária, elle a confirmou; porque no artigo 3.° § 4.° existem escriptas as seguintes palavras-= ainda que nomeados na forma do testamento =.
Salve-se, como cumpre, a disposição do alvará, emquanto ordena que as nomeações de futuros administradores sejam dependentes da approvação e alvará do governo civil; man-tenha-se muito embora para regularidade em uma administração publica a superintendência d'aquelle magistrado administrativo no que é puramente civil e secular do estabelecimento, mas salve-se também a instituição, e conserve-se illesa a mente do testador, e o espirito do alvará não se offenda emquanto ás attribuições outorgadas aos ordinários da metrópole com respeito a essas nomeações de administradores, ou seja para os casos ordinários ou para os extraordinários. Embora ellas sejam com a natureza de propostas, embora ellas dependam d'aquelle titulo, que o magistrado administrativo lhes haja de dar. Não digam os que no futuro oceupem a cadeira archiepiscopal de Évora que logo, quando nascente a instituição, a mente do testador foi invertida e menos respeitada, e tida em menoscabo aquella attribuição, porque não pugnou por ella, e não quiz sustentar esse direito aquelle que, na occasião, exercitava as funcções de prelado ordinário da diocese..
E que muito é que assim se estatua para os casos ordinários, quando no artigo 4.° do mesmo capitulo 1.° do projecto, para o caso ahi providenciado, é mantida e resalvada essa, attribuição do arcebispo de Évora?
E conveniente sustentar harmonia nas diversas disposições do regulamento, e deixa ella de existir censervando-se os dois artigos pelo modo que no projecto estão lançados, muito mais quando era mais supportavel essa quebra nos direito do arcebispo, na matéria sujeita para o caso, e na hypothese de ser necessário prover interinamente, e com urgência, que nas substituições ordinárias e regulares de administradores.
, 4." Observação
Faz objecto principal desta observação a doutrina lançada no capitulo 2.° artigo 15.°, nas palavras — sujeitas ã dita casa de Lisboa e seus superiores =.
A mente do testador e seu pensamento foi crear em Vianna Uma casa ou hospicio de irmãs da caridade independente, que, para constituir-se e começar a funecionar, tivesse para assim dizer; como fundadoras e primeiras directoras, irmãs da caridade vindas de sua casa de Lisboa. Similhantemente ao que se observa, e a historia refere sobre a fundação de muitos conventos e mosteiros d'este reino de Portugal, e de outros estados, na creação e começo do3 mesmos, vindo para certos logares áquellas que, habituadas aos usos próprios de seu instituto, já versadas nas praticas de sua vida caritativa e religiosa, mais asadas eram no desempenho de suas attribuições, e mais pertencentes ao fim proposto.
Se o em.mo sr. cardeal patriarcha dá o consentimento áquellas irmãs que se prestarem a fazer o estabelecimento da casa ou hospicio das irmãs da caridade em Vianna; vindo ellas, estatuida e fundada a casa n'esta villa, aqui devem ficar filiadas, o depois d'ellas as que se lhes seguirem e as substituam, sem mais sujeição á casa de Lisboa e seus superiores. O superior da casa em Vianna (para que se não altere a ordem hierarchica das leis vigentes em Portugal, para que não se admitta um isento odioso, para que se retire a occasião de conflictos de jurisdicção) parece não dever ser outro, na ordem administrativa, que o administrador do concelho, o governador civil e competentes tribunaes administrativos, e, na ordem ecclesiastica e espiritual, somente o seu confessor, que faz as vezes de seu parocho, e o prelado ordinário da diocese onde o estabelecimento é creado-
Seria uma perfeita anomalia considererar sob jurisdicção do arcebispo de Évora as freiras professas de todos os mosteiros das antigas ordens extinctas, residentes n'este arcebispado, e ordenar que submettidas sejam ao em.™ sr. cardeal patriarcha de Lisboa a*s irmãs da caridade da casa de Vianna do Alemtejo, que não têem profissão solemne com votos regulares, e com as demais qualidades que as possam considerar a par das religiosas que existem em clausura.
Sejam ellas, e permaneçam em sua liberdade civil, para deixarem o estabelecimento se lhes não agradar. O testador proveu n'esse caso. Aos administradores, cora o prelado, cabe e deve caber então a escolha de prover com a nomeação de matronas capazes para o desempenho das attribuições próprias de irmãs de caridade. Esta lembrança do testador bem manifesta qual fora p seu pensamento e seu fim. Cumpre não frustra-lo com odioso retiro das attribuições outorgadas ao prelado ordinário da metrópole de-Évora, e com tão saliente quebra nos direitos certos de seua successores.
Alem d'isto é prudente não dar occasião a despezas talvez, inúteis, caprichosas e arbitrarias, taes como podem ser as al-ludidas no § 2.°, artigo 17.° capitulo 2.° do projecto do regulamento, onde se destinam rendimentos para jornadas das irmãs da caridade do hospicio para Lisboa, e d'esta para. o hospicio. Nem os fins propostos pelo testador, nem a„ mente da regia approvação dada no alvará alludido, pôde consentir que n'isto se permitta e deixe um arbitrio, que muito damnoso pôde ser fazendo viajantes áquellas que só com a sua residência fixa podem encher os fins de sua caritativa instituição. E nem será justo que em jornada se-despendam os rendimentos que o fundador destinara para bemfazer os habitantes da villa de Vianna.
5.' Observação
No § 4.° do citado artigo. 17.° faz-se allusão a um foro do edifício do estabelecimento. Se esse foro sobrecarrega a
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prédio, convém haver o prévio consenso do directo senhorio, porque, retirado o prédio á circulação, e por certo modo vinculado, com esta circumstancia são affectados os direitos dominicaes do senhorio directo, que poderá fazer depois opposição com estorvos na administração da casa pia.
6. " Observação
No capitulo 3.°, artigo 1.°, é dado aos administradores pleno arbítrio na nomeação de sacerdote para capellão do estabelecimento, não fazendo essa nomeação dependente de mais algum titulo; apenas reconhecendo a necessidade de recair sobre pessoa habilitada para o exercicio de suas ordens pelo arcebispo diocesano.
No § 2.° do mesmo capitulo 3.°, artigo impõe-se-lhe o encargo, e dá-se-lhe a respectiva attribuição de confessar e prestar todos os soccorros espirituaes ás irmãs da caridade, quando ellas os requisitem. Na censura de direito não é isto outra cousa que fazer parocho próprio daquelle estabelecimento ao seu capellão. Um confessor ou vigário d'um convento de freiras não é outra cousa, havendo ahi estatuídas em regulamento próprio e privativo obrigações e direitos recíprocos de um pastor espiritual, para com as pessoas commettidas ao seu cuidado e regimen espiritual. E será justo que na constituição e instituição de tal pessoa para tal encargo em nada intervenha o prelado da metrópole? Bem se deixa ver que neste negocio ha inteira disparidade do capellão de uma misericórdia para o capellão do hospi-cio, e que assim não procede, no caso, o argumento que d'aquelle para este alguém procure colher.
Seja pois dos administradores a proposta, a escolha; mas a confirmação, a instituição na ordem espiritual, e com res peito a esta somente, seja dependente daquelle, cuja jurisdicção espiritual prende em uma cadeia, da qual, quebrado que seja um só annel, a nullidade affectará todos os seus actos. Quanto mais que na intervenção do prelado para esta constituição de capellão, leva interesse o estabelecimento, por ficar menos exposto ao retiro daquelle que, por defeitos na gerência de suas funcções religiosas, se tornasse digno da suspensão que seu prelado lhe pôde impor, quando de justiça contra o mesmo capellão devesse proceder, caso em que os administradores encontrariam no próprio prelado ajuda e auxilio para prover ao logar.
7. " Observação
Muito a propósito seria o reunir o capellão as funcções e attribuições de mestre dos meninos da villa, com as disciplinas indicadas no § 5.°, do artigo 1.°, capitulo 3.°, do projecto. Assim excitado o que houvesse de ser capellão, com esse augmento de ordenado, proposto no mesmo regulamento, seria pessoa mais habilitada, e pertencente para o emprego; mas, porque não seja muito fácil encontrar sacerdote tão habilitado que se queira submetter ao vencimento do ordenado, ou honorário proposto, parece acertado que, admittida somente a possibilidade de assim se fazer, todavia, nos casos ordinários, sejam distinctos os serviços e misteres de mestre dos meninos, e de capellão do hospício, e servidos por pessoas diversas, porque assim virão aos habitantes da villa os variados interesses espirituaes e temporaes, que derivam d'aquelles diversos misteres.
8. " Observação
Não parece decente, pelos principios expendidos, que a exclusão do capellão seja apenas dependente (como se inculca e estabelece no artigo 4.°, capitulo 3.°) da exclusiva attribuição dos administradores, sub-inspecção, ou mediante a previa auctorisação do governador civil, porque n'isso viria a ser retirada n'este negoeio inteiramente a jurisdicção ecclesiastica, que por dever, por decoro, e por não offender direitos de terceiro, cumpre manter illesa. Assim n'este artigo dito cumpria addicionarem-se taes palavras, que fossem bastantes a sustentar o exercicio d'aquella jurisdicção ecclesiastica. á
9. " Observação
No capitulo 4.°, artigo 1.°, apparece a continuada idéa de fazer tudo dependente dos administradores somente, ainda no que respeita a funcções ecclesiasticas. Bom era, por manter a boa ordem e se evitarem conflictos de jurisdicção, que tanto nos provimentos como nos despedimentos do capellão do estabelecimento interviessem as auctoridades ecclesiastica e administrativa, não se dando essa auctorisação exclusiva ao governador civil somente, e que pelo respeitante ao exercicio de funcções ecclesiasticas se fizesse intervir em qualquer hypothese a inspecção parochial, embora fique livre aos administradores o arbítrio relativo a despezas e maior ou menor pompa das solemnidades.
O artigo 1.° d'este capitulo 4.° comprehende em seus §§ tantos objectos e tão variados, e todos perceptivos ou taxativos, que parece impossivel o seu cumprimento inteiro pelos rendimentos do monte pio.
No § 3.° estabelece-se como encargo infallivel o vestir todos os expostos de Vianna. E possivel serem muitos, e absorverem taes despezas grande e considerável parte do rendimento, não ficando liquida somma para os demais encargos. Se pela ordem por que o regulamento os descreve se houverem de encher, teríamos de affirmar que o suppri-mento para as despezas das escolas das irmãs da caridade e dos meninos entram em ordem secundaria, porque são descriptos no § 5.° E, bem que a classe desvalida dos expostos victimas do abandono paternal, tudo mereça em favor da humanidade; comtudo, attendida a mente do instituidor, parece que elle teve em maior e primeira consideração a casa pia das irmãs da caridade e a instrucção civil e religiosa da mocidade da villa sua pátria. Assim parecia a propósito descrever primeiro os encargos e despezas forçosas, e destinar para subsequente logar o que pelos sobejos só deve encher-se até onde chegar o rendimento.
No § 7.°, d'este artigo encontra-se o chamamento do accordo do diocesano de Évora (que o testador ordena geralmente nas applicações do rendimento do monte pio); mas
é notável que esse chamamento appareça depois de serem designadas tantas applicações especiaes e certas, que nul-los seriam os sobejos, em que tal accordo podesse entrar. E é por isso que muito convém dar ordem e precedência a taes applicações, para desviar o arbítrio que no futuro poderia servir de motivo e de occasião para se tornarem presa de mesquinhas e hediondas ambições os rendimentos legados em favor dos pobres impossibilitados e necessitados—phrase do testador.
10." Observação
O § 3.° do artigo 3." vae encontrar as disposições dos antecedentes, emquanto que na hypothese de serem de maior vulto os rendimentos, sobejos do monte pio, constitue o governador civil o arbitro da sua applicação, retirando em tal caso toda a intervenção do prelado diocesano de Évora. O testador ordenou o contrario. Os §§ antecedentes do regulamento respeitaram essa idéa, e nem uma anomalia pôde dizer-se existente, mantendo-se n'esse negocio, pelo menos, a necessidade do voto consultivo d'aquelle por quem o testador mostrou tamanha deferência.
Quanto ás emendas propostas pelo governador civil, pela maior parte estão ellas respeitosamente attendidas nas observações que antecedem.
Muito embora se omittam no artigo 1.° as palavras=re-ligioso e ciw7=pelo especioso fundamento que deriva das suppostas ambições na auctoridade ecclesiastica. Não existem ellas no que ora rege a metrópole, e nem jamais as consentirá o regimen publico, a que presidir o pensamento, que, limitando a jurisdicção ecclesiastica ao que é espiritual somente, lhe impõe barreiras insuperáveis no exercicio de sua jurisdicção. Não são os titulos que definem e constituem as cousas por sua natureza e essência. Esta sim lhes dará sempre a denominação verdadeira. Participa de religioso e civil o estabelecimento, nem será possivel jamais deixar de reconhecer a religião como vinculo da sociedade civil.
Muito judiciosas parecem as emendas sobre os artigos 3.°, 4.° e 12.° do capitulo 1.°, com subordinação ao que se leva dito.
Á proposta eliminação do artigo 1.°, capitulo 3.°, está respondido com o que se ha dito sobre a nomeação de capellão, e exercicio de suas funcções. E note-se que o testador e o alvará de confirmação presuppõem aquelle empregado como capellão do estabelecimento, e não como simples capellão ou sacerdote da villa.
, O mesmo ha logar a dizer sobre a emenda ao artigo 2.° § 2.°, pela qual se procura retirar ao capellão a categoria supradita.
As doutrinas expendidas no artigo 1.° § 7.°, ou sobre as emendas a este, bem como ao artigo 3.° § 2.°, ficam sobejamente consideradas e respondidas nas observações que antecedem; restando ao observador o sentimento de não poder conformar-so com aquellas doutrinas. Se as leis têem marcado as applicações das sobras das ermidas, confrarias e outros estabelecimentos, nem por isso proscreveram as novas instituições, cujas applicações certas os instituidores e fundadores ordenaram com as competentes superiores auctorisações. E é este o caso da questão, em o qual parece não ser mister o recurso á generalidade'das leis, quando apparece estatuída especial applicação, a qual mal poderão encher os rendimentos alludidos, e para tanto designados.
Cumpre que respeitada seja a ultima parte das emendas offerecidas, onde o interesse pelas temporalidades está fora da orbita da auctoridade ecclesiastica.
2.° Ponto
E conveniente dar mestre'de instrucção primaria, civil e religiosa aos meninos da villa de Vianna do Alemtejo. Na mesma supplica, que aos pés do throno levou o fundador, implorando a regia protecção para estabelecer a casa pia de irmãs da caridade, e que faz parte dos documentos juntos ao projecto do regulamento, o instituidor declara haver-se proposto, e mais que tudo desejar a educação da mocidade. E como aquella villa de Vianna seja pouco populosa, e desprovida de meios para fazer-se notável, ou já pelo adiantamento em civilisação, ou por outras considerações; muito bem parecia que d'entre os mancebos -pobres, cujas propensões se manifestassem para o estudo e applicação litte-raria, com signaes de vocação para a vida clerical e estado ecclesiastico, algum ou alguns fossem enviados ao seminário clerical d esta cidade de Évora, sendo preparados e assistidos com alguma despeza á custa do monte pio, e assim viessem por fim a servir de utilidade a seus patrícios e a si mesmos. A carência de sacerdotes habilitados neste arcebispado e na villa de Vianna, onde o novo estabelecimento faz necessário mais um empregado, demonstra a conveniência e opportunidade d'este arbítrio. E talvez mesmo esta conveniência fosse por seus effeitos demonstrada com maior importância, quando da villa de Vianna fossem enviados alguns alumnos para a casa pia de Évora, supranumerários, concorrendo o monte pio de Vianna com alguma parte da despeza para os alimentos dos que assim fossem admittidos, por convença do administrador da casa pia de Évora, o que poderia substituir essas disciplinas de latini-dade e grammatica franceza, cuja frequência, pela menos importância da villa de Vianna, quasi nulla virá a ser.
Entretanto os bons desejos dos administradores escolhidos pelo testador padre Luiz da Cruz, de accordo com o pensamento d'este, não merecem directa impugnação.
No que respeita ao 3.° ponto parece haver-se satisfeito com o que nas anteriores observações se ha dito. = De v. ex.íí=servo. = Francisco, arcebispo de Évora.
Évora, 28 de janeiro de 1852.
Secretaria da camará dos dignos pares do reino, em 20 de março de 1861. = Diogo Augusto de Castro Constâncio.