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N.º 31

SESSÃO DE 30 DE MAKÇO DE 1878

Presidencia do exmo. sr. Duque d’Avila e de Bolama

Secretarios—os dignos pares

Eduardo Montufar Barreiros

Conde da Ribeira Grande

(Assistiam os srs. ministros da fazenda, dos estrangeiros e da marinha.)

Ás duas horas e um quarto da tarde, achando-se presentes vinte e dois dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Leu-se a acta da precedente, que se julgou approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte

Correspondencia

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição de lei que tem por fim fixar o subsidio do presidente e deputados durante as sessões, das côrtes geraes.

A commissão de fazenda.

Outro da junta do credito publico, remettendo oitenta exemplares das contas da mesma junta.

Mandaram-se distribuir.

O sr. Marquez de Sabugosa: — Sr. presidente, mando para a mesa uma representação da camara municipal de Gavião, que pede a esta camara não approve o projecto do real de agua.

Peço a v. exa. que lhe de o mesmo destino que se tem dado a outras representações que têem sido enviadas a esta camara, com o mesmo fim, isto é, que se publique no Diario do governo.

Consultada a camara resolveu affirmativamente.

O sr. Marquez de Vallada: — Sr. presidente, peço a v. exa. que de as suas ordens a fim de que pela secretaria se officie novamente ao governo, renovando o pedido que eu fiz ao sr. ministro da marinha e ultramar, que me admira bastante não estar já satisfeito, porque me parece muito simples, embora importante.

O meu pedido é para sejam remettidos a esta camara os relatorios enviados ao governo pelos governadores do ultramar. E sabido que elles apresentam á junta geral do districto os seus relatorios; mas é sabido tambem que alguns mandam relatorios especiaes directamente ao governo.

Eu não posso comprehender a rasão por que o sr. ministro da marinha e ultramar não accedeu ainda ao meu pedido. Se tivesse sido um requerimento que eu tivesse feito para meu beneficio particular, não me admirava do indeferimento, mas como é de interesse geral, não sei por que motivo não foi satisfeito ainda até hoje. Nós estamos no fim da sessão legislativa, approximam-se aquelles dias azados em que milhares de projectos de grande interesse vem a esta casa, e é necessario resolvel-os depressa; então pede-se a todos os pares da opposição e governo para que sejam mudos, que não digam nada, nem uma palavra.

Mas, sr. presidente, eu não me calarei, e hei de fallar sobre todos os projectos que entender dever fazel-o, porque a culpa é toda do governo se os negocios se não decidem com mais brevidade.

Sr. presidente, voltando ao assumpto para que pedi a palavra, direi que o sr. ministro da marinha e ultramar tinha obrigação de satisfazer este pedido, porque na secretaria devem existir os relatorios que eu pedi. Na primeira sessão legislativa eu tenho de me occupar da questão colonial, e preciso ver esses relatorios; não acho pois desculpa nenhuma ao sr. ministro da marinha e ultramar, em não ter remettido já a esta camara documentos que não são confidenciaes, e que foram pedidos por um membro desta casa do parlamento. Insisto pois, sr. presidente, com v. exa., para que mande renovar, pela secretaria, o meu pedido ao sr. ministro, e quando s. exa. vier a esta camara, logo que elle chegar, em qualquer das sessões, eu hei de perguntar a s. exa. por que rasão não vieram estes documentos.

A questão colonial carece de resolução importante e urgente; ella está intimamente ligada com a questão de fazenda, como a questão eleitoral o está com a do recrutamento.

Nada mais tenho a dizer por emquanto. Aguardarei a resposta do sr. ministro da fazenda, a quem peço faça sciente ao seu collega das minhas palavras, e se mais alguma cousa tiver a dizer á resposta de s. exa., tomarei novamente a palavra; por emquanto limito-me a esperar pela resposta do sr, ministro da fazenda.

O sr. Ministro da Fazenda (Serpa Pimentel): — Tenho a dizer ao digno par, o sr. marquez de Vallada, que darei parte ao meu collega da marinha e ultramar, dos desejos do digno par, e póde estar certo de que não haverá a menor duvida em remetter a esta camara documentos que não são confidenciaes; e se alguma demora tem havido, não é de certo por culpa do meu collega...

O sr. Marquez de Vallada: — Aqui não ha senão desconsideração.

O Orador: — Não creia o digno par que o sr. ministro da marinha seja capaz de desconsiderar nem a s. exa., nem a nenhum digno par. Eu farei sciente ao meu collega da urgencia do pedido de s. exa.

O sr. Marquez de Vallada: — Agradeço ao sr. ministro da fazenda a resposta que s. exa. acaba de me dar, e espero que o resultado d’ella seja o seu collega enviar-me com urgencia os documentos pedidos.

O sr. Presidente: — Alem da declaração que acaba de fazer o sr. ministro da fazenda, eu farei expedir novamente pela secretaria, ao sr. ministro da marinha e ultramar, o requerimento do digno par, o sr. marquez de Vallada.

Vamos entrar na

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer n.° 278

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Carlos Bento.

O sr. Carlos Bento: — Sr. presidente, a camara de certo não estranhará que eu tome a palavra n’uma questão de tanta importancia, como é aquella que sé discute.

Ninguem se deve admirar de que os governos procurem por todos os meios augmentar a receita, em presença da nossa situação financeira. Entendo que todas as observações que se fazem contra qualquer projecto, que tem por fim crear receita, podem ser muito justas, comtudo é indispensavel que se olhe seriamente para o estado pouco lisonjeiro do thesouro.

Poucos são os que têem duvida em votar qualquer augmento de despeza, mas ha sempre grande repugnancia em se votarem medidas que podem trazer receita para o estado.

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Devo dizer, porém, que julgo ser conveniente que os governos antes de apresentarem quaesquer medidas de impostos, vejam primeiro do que tudo se os que existem podem, por meio de modificações ou reforma nos regulamentos, produzir maior rendimento. Isto é de grande conveniencia para ver se é possivel evitar que- recaiam novos impostos sobre o contribuinte.

E antes de continuar nas minhas considerações, devo declarar a v. exa. e á camara que não estou completamente innocente na idéa de procurar tirar o maior partido do imposto do consumo, e digo a v. exa. que não estou completamente innocente n’esta idéa, porque, quando tive a honra de ser ministro da fazenda, confesso que me fez impressão o facto de que a receita proveniente do real de agua rendesse para o estado a importante somma de 800:000$000 réis, com os processos de fiscalisação que existem, o que prova que se o imposto fosse melhor fiscalisado daria um rendimento muito maior.

Como v. exa. sabe é ao escrivão de fazenda que compete fiscalisar e arrecadar o imposto denominado do real de agua, pelo que este empregado recebia 10 por cento como retribuição.

E agora direi que se dá uma circumstancia especial com o systema dás avenças, que não posso deixar de votar.

Quando Um individuo qualquer contrata uma avenca e se julga prejudicado, tem o direito de poder reclamar, em quanto que á fazenda não assiste o direito de reclamação embora os seus niteresses sejam prejudicados.

Acresce a isto que os escrivães de fazenda vêem-se muitas vezes em grandes dificuldades para poderem resistir ás influencias locaes. Todos elles têem muito boa vontade em fiscalisar do melhor modo possivel os rendimentos do imposto do real de agua, mas muitas vezes essas influencias vem actuar sobre elles de maneira que o rendimento é muito menor.

E quando toda a gente sabe, os que têem tido a honra de ser ministros da fazenda (honra que não é muito aprazivel), que os pobres escrivaes de fazenda são, da classe dos empregados publicos d’aquelle ministerio, os que estão mais sujeitos a mudanças continuas, de logar, e os que mais odios têem sobre si; se ha empregados contra quem ás influencias locaes se levantem são precisamente estes, e sempre estas influencias se mostram com grande zêlo pelos interesses da fazenda publica. O sr. ministro da fazenda sabe que eu estou dizendo a verdade; ordinariamente são aquelles zelosos cavalheiros, os homens mais abastados dás comarcas, que aconselham o governo da grande utilidade e conveniencia que resulta para os interesses publicos, em retirar da localidade um homem que tem um nome para b substituir por outro, que tem outro nome.

É muito notavel este zelo da parte d’aquelles individuos pelos interesses da fazenda publica, e é tão louvavel quanto é para admirar que alguns ha que deixam em testamento legados ás familias de escrivães de fazenda, mostrando assim o grande zelo que alguns d’aquelles individuos tinham pela boa fiscalisação dos rendimentos publicos. (Riso.) Eu fui dos que me preoccupei com os meios de melhorar a fórma da cobrança do imposto, e em fazer algumas alterações n’uma certa ordem de cousas para conseguir esse resultado.

A consideração e importancia que têem os escrivães de fazenda, e que algumas vezes lhes custa cara, não está em harmonia com a sua posição, porque estão muitas vezes dependentes dos grandes influentes, emquanto o delegado do thesouro tem outros meios que podem facilitar-lhe desempenhar funcções que desempenham os escrivães de fazenda, e isto com mais vantagem para o paiz. Por exemplo, tratando da questão das avenças, eu tive occasião de ver n’um relatorio do sr. José de Mello Gouveia, que houve pontos no paiz, onde avultou mais de 30 por cento a cobrança d’aquelle imposto, pelo simples facto de se terem mudado estas attribuições para o delegado do thesouro, no que tive iniciativa, em vez de se conservarem na mão do escrivão de

fazenda, como era anteriormente. Ora, isto mostra que muitas vezes em pequenas cousas se podem colher grandes resultados.

Eu vejo que ha nações onde existe este imposto, que têem pouco desejo de o conservar, attendendo á difficuldade da cobrança.

Ha um escriptor publico francez muito conhecido do sr. ministro da fazenda, e que eu conheço tambem um pouco, que propõe nos seus escriptos a abolição d’este imposto no seu paiz.

A França recebe actualmente 400.000:000 de francos provenientes deste imposto, e ainda assim se encontra quem proteste contra o imposto.

Até 1850, em França, o rendimento foi de 100.000:000 de francos, e hoje, como disse, subiu já a 400.000:000 de francos; pois, apesar disso, aquelle escriptor a que me referi, homem bastante competente n’estes assumptos financeiros, mr. Paulo Beaulieu, propõe nos seus escriptos a abolição (Teste imposto.

A Bélgica já o aboliu em 1860 e a Hollanda em 1865.

Não digo que seja conveniente entre nós desde já abolir o que temos, porque isso nos traria difficuldades na falta de receita, mas que nós o vamos aggravar absolutamente como se propõe, não me parece conveniente, embora com o fim muito louvavel do augmento da receita; nos já nos não devemos dar por muito satisfeitos com o que existe, porque é um facto verdadeiro, que este imposto é desigual e pouco exequivel com equidade; opprime mais os pequenos e os que são menos abastados, emquanto que os mais favorecidos da fortuna e maiores consumidores são mais alliviados; dá-se, por consequencia, muito precisamente o contrario do que deveria ser.

O pagamento nas povoações onde elle se executa, faz com que pague mais o que consome a retalho, do que o que consome por grosso; e como o maior consumo vem da qualidade mais inferior, não é a quantidade que paga, mas sini a qualidade, no sentido de pagar mais o que vale menos.

Já se vê que existe esta desigualdade, que é flagrante e odiosa, e por conseguinte se bem que não possamos louvar todos os meios empregados para a destruir, não devemos comtudo deixar de reconhecer as boas intenções de quem se propõe a fazel-o, a fim de augmentar com vantagem a receita do imposto.

Mas eu entendo, sr. presidente, que nas circumstancias em que nos encontrámos, a apresentação do adiamento pelo digno par e meu amigo o sr. visconde de Chancelleiros, (que não está presente creio eu), se póde conciliai1 com ás disposições facultativas d’esse mesmo projecto, commentado com á linguagem dubitativa do pensamento da commissão.

Não quero dizer com isto que o approve, e só sim que elle está implicitamente incluido no parecer que precede o projecto que dicutimos.

Sr. presidente, eu declaro a v. exa. e á camara desde já, que um dos pontos do projecto que na minha opinião offerece a possibilidade de ser combatido mais fortemente, é de certo aquelle que diz respeito aos direitos de circulação.

Não quero fazei1 partilhar della. os meus collegas, os quaes poderão de certo attribuir-me alguma culpa por não ser da mesma fórma logico sobre o estabelecimento dás barreiras; mas eu devo declarai1 a v. exa. que esta segunda parte não offerece ao meu espirito tantas duvidas, como offerece a parte que se refere ao imposto de circulação, apesar de saber que elle é creado com o fim de tornar mais igual o pagamento do mesmo imposto.

Sr. presidente, eu reconheço que se subtrahe ao pagamento do imposto uma grande quantidade de generos que o deviam pagar; mas o que tambem é certo é que em França, no anno de 1873 (creio eu), em que o pagamento deste imposto attingiu uma somma importante, a producção foi de trinta e tres milhões de hectolitros, e dez milhões não pagaram nada, apesar de lá haver imposto de circulação; por consequencia não ha de ser o imposto de

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circulação que ha de fazer desapparecer esta desigualdade.

E demais, sr., presidente, seria acaso compromettida a idéa, do augmento de receita, pelo adiamento d’esta parte do projecto? Parece-me que não.

O sr. ministro da fazenda disse na sessão de hontem que de onde esperava um grande augmento de receita era da venda a retalho e do imposto das barreiras. Ora, eu peco licença á camara para lhe recommendar que tome nota d’esta declaração do sr. ministro.

Quando se discutia este projecto, s. exa. declarou (tome nota a camara) que donde esperava maior augmento de receita era da venda a retalho e do imposto das parreiras; e de certo não se tratava n’esta casa de um imposto conhecido; todavia o sr. ministro fez esta declaração, e eu entendo que fez muito bem em assim o declarar. Agora o que é necessario é ver os commentarios que faz a illustre commissão de fazenda.

Diz ella o seguinte.

(Leu.)

Eu peço a attenção da camara, não para o que eu digo, mas para o que diz a commissão de fazenda.

A commissão de fazenda, a meu ver, entende que ha inconvenientes na execução da faculdade concedida ao governo, não só por não resultar o augmento que se deseja, mas porque é possivel que, com o augmento de despeza a fazer, resulte não se cobrar o que actualmente se cobra; e de facto esta consideração é muito importante.

Que medidas adoptará o governo?

Nem o projecto estipula, nem a commissão de fazenda as indica.

Deve necessariamente fazer-se um regulamento. Ora, eu tambem estou disposto a confiar na prudencia dos outros; estou mesmo persuadido que poderei confiar na prudencia do governo, e portanto é de esperar que elle evite os inconvenientes, que podem resultar da adopção de uma medida d’esta ordem; mas tambem entendo que nós devemos sor igualmente prudentes em prever as cousas, e portanto que a prudencia deve ser reciproca.

Diz mais a commissão.

(Leu.)

Ora, o que eu creio é que nós podemos entender como experiencia a de nove mezes, que tanto é o intervallo das sessões, isto é, o tempo que medeia entre o encerramento da sessão actual- e a nova abertura das camaras; e realmente uma experiencia que não tem pelo menos nove mezes, não póde chamar-se experiencia; portanto o adiamento proposto pelo sr. visconde de Chancelleiros está implicitamente incluido no projecto, e n’esse caso está, o imposto da circulação, que tem seus inconvenientes e que esta. camara deve examinar.

Quando o sr. conde de Rio Maior se referiu n’esta camara ás calamidades que as cheias trouxeram o anno findo, pediu explicações ao governo, e o ministro da fazenda não teve duvida em dar explicações, e foi em virtude dos commentarios que se fizeram n’esta camara que se procedeu.

Realmente o melhor meio de regular a execução de uma lei é tomar em consideração os differentes commentarios que se fazem no parlamento, para d’elles colher os melhores argumentos para a organisação dos respectivos regulamentos.

A commissão do projecto em discussão aconselha a prudencia, logo, para comprovar a necessidade do adiamento do sr. visconde de Chancelleiros, não se carece de mais nada.

Não me parece que o governo deixe de concordar que o fim da lei é que haja o augmento da receita sem prejuizo da producção.

Eu sinto que se diga que este projecto fosse apresentado pelo antecessor do actual sr. ministro, porque o projecto então não continha esta disposição do imposto de circulação, que é cousa addicionada e inteiramente nova.

E sinto mais que se diga que esta disposição foi aqui addicionada para modificar uma disposição que se censurava, quando a modificação não é menos sujeita a censuras.

É certo, que devemos todos cooperar com o nosso concurso para nos salvar-mos das circumstancias difficeis em que nos achâmos; mas não devemos julgar que sem o concurso de differentes pessoas, e tão sómente pela nossa simples vontade, podemos conseguir o fim que é difficil actualmente conseguir, independentemente da vontade dos outros.

Confesso que esta auctorisação tem um perigo, que é a creação do pessoal.

Conheço o meu paiz, e tenho sido mais de uma vez ministro da fazenda; bem sei que se póde dizer que os governos têem a maxima independencia possivel, e que não ha pressão nem empenho de qualidade alguma que os demova dos seus propositos; mas declaro francamente que, n’esse ponto, não me apresento aqui com a cabeça tão levantada como muito desejara.

Tambem não digo que seja d’aquelles que mais facilmente obedecem a essas influencias; o que, porém, entendo sempre mau é auctorisar o governo d’esta maneira, deixando-o sujeito a pressões que de toda a parte surgem.

Isto não importa condemnar as auctorisações, mas é fazer ver a triste posição em que vae collocar-se o sr. ministro da fazenda.

A percentagem do rendimento, do imposto, destinada ao serviço da fiscalisação, está muito longe de moderar ou limitar a creação de um pessoal numeroso como, para a sua cobrança, exigem os impostos d’esta natureza; e quando se trata de nomear empregados para se conseguir que a fiscalisação seja vantajosa, ninguem se recusa a prestar este serviço, convenientemente remunerado, antes ha muito quem deseje ajudar a salvar as finanças do paiz, collocando-se como dependente do orçamento.

Em Franca p serviço do imposto do consumo em relação ao vinho custa o dobro do que se despende na fiscalisação da cobrança do imposto nas alfandegas: custa caro. Comtudo. não passa de 8 por cento, e agora pede-se 12 por cento..

Quanto mais alargar-mos as disposições d’este projecto, quanto mais imaginarmos que essas disposições, de vem ser todas executadas de repente, maior será a pressão que recairá sobre o sr. ministro da fazenda, se quizer manter à fiscalisação de maneira que corresponda ás exigencias do serviço, porque, na opinião dos pretendentes, essas exigencias só podem ser satisfeitas por meio de um pessoal bastante numeroso.

Em relação ás barreiras, devo dizer que não é nova a idéa do seu estabelecimento.

Pela lei de 13 de março de 1872, já o governo era auctorisado a estabelecel-as nas povoações do reino que tivessem mais de 3:000 almas, mas havia a circumstancia de só o poder fazer a pedido das camaras municipaes, e uma limitação de 20 por cento na receita até ali cobrada.

É por isso que não pude realisar esse pensamento.

Nas circumstancias actuaes, comprehendo que o governo não queira que seja mais limitado por estes 20 por cento como acabo de dizer, um rendimento já por si insufficiente e com o qual mal se poderia contar como receita.

Tambem ha outra circumstancia que é de serem consultadas as camaras municipaes, que parece a meu ver de bastante importancia, porquanto receio que se levantem objecções muito serias contra esta disposição da lei; se a votarmos desacompanhada de explicações que facilitem a sua execução.

Quando se tratar de pôr em pratica este artigo poder-se-hão dar explicações que esclareçam o sentido da lei e facilitem, um accordo entre as camaras municipaes e o governo. E um negocio de diplomacia, e a diplomacia tambem serve para estes casos.

Basta que diga que seria difficil estabelecer o real de agua

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na cidade do Porto, se não se tivesse cuidado com certa precaução.

Foi bastante que um interesse municipal fosse suficientemente dotado por este ramo de receita, para que aquella distincta municipalidade não offerecesse grave resistencia á introducção d’este imposto.

Por consequencia, se acaso podemos admittir praticamente precauções de qualquer natureza que sejam, que possam concorrer com mais plausibilidade para tornar mais acceitavel esta imposição das barreiras, dando mesmo garantias analogas á que o sr. ministro estabeleceu para as povoações inferiores a 4:000 habitantes, será isso de grande vantagem para a execução da lei e para o fim que ella tem em vista.

Reconheço que o imposto cobrado nas barreiras tem grandes inconvenientes, ninguem o póde negar, mas tambem tem algumas vantagens, e uma d’ellas é que a desigualdade no pagamento do imposto desapparece dentro de certos limites, com o estabelecimento das barreiras.

Voltando ainda ao imposto de circulação, seja-me permittido dizer mais algumas palavras a seu respeito. Citou-se aqui a França a proposito d’este imposto. Porventura o imposto de circulação, que n’aquelle paiz tem a vantagem de ser consuetudinario, está ali estabelecido como entre nós? Não, senhores. Em França procurou-se uma proporção que não se dá em Portugal, e procurou-se cem tanto cuidado, que se chegou a um resultado perfeitamente pratico, pagando-se ali desde 1/2 até 12 por cento, segundo as circumstancias especiaes dos departamentos, que parado effeito do pagamento estão divididos em quatro classes. É notavel que nós saibamos tudo que se passa lá fóra, e que com respeito ao nosso paiz só nos julguemos competentes com relação á politica, porque, quanto a administração, dizemos logo o que se faz em França, em Inglaterra, Allemanha, etc., e dizemol-o mui categoricamente, e muitas vezes tão categoricamente, que é completamente inexacto o que se affirma.

Temos muitas vezes d’estas singularidades. Por exemplo: uma cousa em que tenho ouvido fallar com muito enthusiasmo, são os projectos muito dispendiosos em virtude dos quaes queremos fazer mal ao porto de Santander, attrahindo para um porto nosso a concorrencia do commercio dos cereaes. Devem-se gastar uns 4.000:000$000 ou 5.000:000$000 réis para que Santander fique sem freguezia, e esta se transfira para o nosso porto.

Eu estimaria muito que assim succedesse, principalmente gastando-se menos milhares de contos; mas ha uma circumstancia em que não reparam, e é que Santander tem um certo monopolio com uma das provincias do ultramar das mais importantes da monarchia hespanhola, e isso explica por que é escolhido com preferencia aquelle porto para a saída dos cereaes, e então supponho que poderemos gastar muito dinheiro sem auferir essas vantagens.

Os Estados Unidos mandam cereaes para quasi todo o mundo, mas não os mandam para a ilha de Cuba, e a rasão d’isto é porque se quizessem mandal-os para aquella ilha, que lhes fica tão proximo, tinham de nacionalisal-os nas alfandegas de Santander.

Ora, se esta legislação for mantida, não poderemos tirar nenhum resultado do dispendioso melhoramento a que me referi.

A despeza actual feita com a cobrança do imposto, é, creio eu, de 4 por cento, e a percentagem estabelecida para o mesmo fim no actual projecto sobe a 12 por cento, o que é um augmento importante, porque não podemos lisonjear-nos de que entre nós o imposto vá immediatamente produzir essa melhoria de receita que temos em vista.

Em França, o imposto sobre as bebidas alcoolicas produz 400 milhões de francos, mas deve-se notar que este resultado não provem unicamente do vinho, e sim da aguardente, que concorre, só pela sua parte, com metade d’esta quantia.

Em França, o hectolitro de aguardente, até 1800, pagava o imposto de 37 francos, e hoje paga 150.

Sr. presidente, se nós adoptarmos o imposto da circulação teremos um vexame para o productor e para o negociante, sem que nos de vantagens iguaes ás que a França tem auferido; mas como este projecto ha de sair da camara com as explicações do sr. ministro da fazenda e da commissão, que importam a promessa de não se fazer uso da auctorisação para o imposto sobre a circulação, parece-me que devem ficar satisfeitos os desejos do sr. visconde de Chancelleiros, porque essa promessa equivale bem ao adiamento proposto por s. exa.

E não podia deixar de ser assim, para não ir aggravar mais um genero que vae soffrer um imposto sobre a exportação, e o augmento do direito ultimamente decretado no Brazil.

Suppondo, portanto, que não deve haver receio de que este projecto passe como está, principalmente, como já disse, depois das declarações do nobre ministro da fazenda, de que o augmento de receita que espera obter, deve resultar das casas de venda e das barreiras.

As exigencias dos amigos do governo contra um pobre ministro da fazenda são sempre muito fortes.

Não ha ninguem que não invente melhoramentos incontestaveis, e em sendo dispendiosos têem a garantia de que são melhoramentos, aliás, não se dizendo que são muito despendiosos, ninguem acredita n’elles.

Ha corpos especiaes para darem parecer sobre a execução de obras que tragam despezas mais avultadas, mas esses corpos não são ouvidos, basta que se considere melhoramento o que tem a fazer-se, e, portanto, basta que seja grande a despeza para se aproveitar logo a idéa.

Quando n’outro dia mandei para a mesa um convite ao sr. ministro das obras publicas, a fim de tratar da creação de um conselho de obras publicas em condições mais importantes do que o existente, queria eu significar o desejo de que não se sacrificasse o sr. ministro da fazenda todas as vezes que qualquer melhoramento dispendioso é lembrado.

Raro deixará de acontecer que os seus collegas, certamente com as melhores intenções, não apresentem uma infinidade de propostas, todas tendentes a melhorar varios ramos da administração publica, mas tambem a augmentar a despeza.

Nas circumstancias actuaes é indispensavel crearmos receita; e mais indispensavel é ainda que, por occasião de creal-a, não se alargue o horisonte da despeza. E aqui farei uma consideração, que não tem a minima replica.

Nós temos tirado vantagem das obras publicas que havemos emprehendido, incontestavelmente; isto é pelo menos mais vantajoso do que fazer revoluções; não se póde estabelecer que todas as despezas por nós realisadas tenham tido applicação a obras publicas; nem que todas essas obras saiam pelo preço por que saíriam, se a sua feitura fosse mais cuidadosamente examinada.

Um engenheiro já declarou que se os nossos caminhos de ferro fossem de largura inferior aquella que se adoptou, nos davam uma garantia de defeza do territorio; mas foi isso o que não só teve em vista, e, sem mais exame, gastou-se generosamente, porque, quando se trata de melhoramentos, sobretudo quando, para os realisar, não seja necessario recorrer ao imposto, quando se paguem com emprestimos, ninguem ha que faca opposição.

«Lá está o deficit.» Ouvi eu muitas vezes dizer; e assim é desprezado o pensamento de uma commissão externa presidida em 1841 pelo duque de Palmella, a qual estabeleceu como principio de administração não fazer novas despezas sem crear receita correspondente.

Nós chegámos a uma epocha (vou concluir, porque não quero cansar a camara); chegámos a uma epocha em que ha tres deficits.

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Temos o déficit do anno de 1876-1877; temos o déficit do anno corrente, e temos o déficit do anno futuro.

Aquelles que pensam que o déficit é um recurso para cmprehender melhoramentos, teem á sua disposição nada menos que tres deficits.

Eu entendo que um dos serviços praticados pela administração anterior foi apresentar um orçamento rectificativo da despeza:

Mas, sr. presidente, o orçamento rectificativo é o trabalho mais assiduo que podia haver, porque o orçamento é um documento que carece de ser rectificado a cada instante.

É uma cousa curiosa.

Parecia que tendo seis mezes de exercicio, por consequencia podemos já saber o que nos falta para as despezas dos seis mezes seguintes; mas não é assim, porque não ha nada tão incerto como a despeza com os mezes que faltam!

O orçamento rectificado foi uma boa cousa, mas é quasi uma impossibilidade, por isso que é necessario que nos declaremos em permanencia rectificativa, e é tal a iniciativa de melhoramentos incontestaveis e incontestavelmente des-pendiosos, que já o orçamento rectificativo lhe ha de custar a acompanhar este progresso. (Riso.)

Peço desculpa á camara da prolixidade das minhas considerações.

CO orador não reviu as notas do seu discurso.)

O sr. Marquez de Sabugosa: — Sr. presidente, eu não podia dar o meu voto contra este projecto ou a favor do adiamento proposto pelo digno par o sr. visconde de Chancelleiros, sem esclarecer a camara e o paiz porque voto contra o augmento de imposto nas circumstancias em que nos achamos com um déficit do orçamento calculado, se bem me parece, em 1.800:000^000 réis, mas que estou persuadido que ha de andar de 4.000:000^000 a 5.000:000^00 róis, e com uma divida fluctuante de 9.000:000$000 réis.

Eu julgo necessario o augmento de imposto, o votarei esse augmento quando se tenham feito as economias necessarias nas despezas, e quando ache auctoridade para se pedir ao paiz que pague mais. „

Sr. presidente, antes de ir mais adiante, peço licença para me referir á questão politica, que hontem aqui se tratou. Eu entendo que o posso fazer, porque esteprojecto importa um voto de confiança que o governo pretende que a camara lhe conceda, approvando a medida que se discute) medida que é uma importante auctorisação para o governo. Eu não percebo como o sr. ministro da fazenda se affligiu tanto com o sr. visconde de Chancelleiros, por s. exa. ter chamado ao ministerio actual ministerio restaurado. O adjectivo «restaurado» em si não me parece que envolva of-fensa alguma, porque, por exemplo, temos o Portugal restaurado do conde da Ericeira. Quiz, porventura, o conde da Ericeira fazeç injuria a Portugal com este titulo que deu á sua obra? Restauração não é uma cousa má em si, salvo quando a consciencia nos diz que essa restauração não foi legitimamente feita.

Só assim é que esta palavra restauração se póde tomar como ofiensa.

Ora, se os srs. ministros que se sentam naquellas cadeiras, não acceitaram esse encargo constitucionalmente e conforme a indolg do systema representativo, e eu já tive oc-casião de provar nesta casa que foi inconstitucional a formação do actual governo, talvez nestas condições é que s. cx.a3 não gostem que se chame ao gabinete ministerio restaurado; mas eu não uso do termo para oifender; com-tudo é uma verdade incontestavel que este governo é uma restauração correcta e augmentada; correcta com o sr. Bar-jona de Freitas, e augmentada com o sr. Thomás Ribeiro.

O gabinete restaurado tinha caido num alçapão, como disse o sr. visconde de Chancelleiros, e tinha-se sumido phantasticamcnte, como se disse na outra casa do parla-

mento, e, realmente, não sei que tenha sido por indicação constitucional.º

O sr. ministro da fazenda disse hontem-que, se tivesse a certeza de que o paiz todo inteiro o não queria naquel-las cadeiras, que s. exa. immediatamente se demittia. Eu tenho a responder neste ponto a s. exa. que não precisava incommodar-se em pedir a demissão, porque se o paiz inteiro o não acceitasse, intimava-o a sair do governo. Mas o gabinete tem um côrtejo que o acompanha só emquanto lhe convier para as suas exigencias, porque voltará as costas na primeira occasião, salvo alguns amigos zelosos, alguns amigos dedicados; mas estes hão são muitos, e só estes e que os não desampararão.

Quem é que acompanha o governo? São, por um lado, os indififerentes que não tratam de questões publicas, que julgam que a indifferença de hoje nos salva do cataclysmo de amanhã; e por outro lado, os pretendentes que entendem que é este o governo mais benévolo para lhes" satisfazer as suas pretenções!

Portanto o côrtejo do governo é a indifferença e a pretensão.

Sr. presidente, eu não desejo continuar neste campo, e só quero dizer as rasões por que voto o adiamento, e, se este iião passar, as rasões por que voto contra o projecto. Mas, antes disso, permitta-me a camara que eu diga que me julgo auctorisado com o parecer do sr. relator da com-missào, a considerar esta questão, uma questão politica, como ella, a meu ver, deve ser considerada, apesar de s. exa. ter dito que a não acceitava no campo politico, mas tão sómente no campo financeiro. Ora, s. exa. é tambem relator do projecto de reforma da carta, e s. exAdiz com os seus collegas no parecer da commissão o seguinte.

(Leu.)

Por consequencia o meio que tenho de acompanhar estas idéas, é votar contra este projecto, seguindo assim o eon-selho dado pelo illustre relator da commissão.

Não direi por emquanto mais nada nestc campo em que estou fallando, que é o campo da politica, e passarei a expor algumas considerações, a fim de fundamentar o meu voto.

Este imposto que aqui se propõe com relação ao consumo não é novo. O que se pretende neste projecto, segundo me pareceu ouvir ao sr. ministro da fazenda, é alargar a taxa do imposto, estendendo-o a uma parte da materia col-lectavel, que se subtrahe ao tributo, isto é, á venda por grosso, porque só a venda a retalho é que tem sido tributada até agora. Confesso a verdade, que esse pensamento me parece justo e equitativo.

Este imposto por si tem inconvenientes como teem todos os impostos que mais ou menos vão recair sobre a alimentação. Bem sei que o vinho não é propriamente um genero alimenticio, mas acompanha a alimentação, e é, pelo menos, um excitante necessario.

O imposto sobre os generos alimenticios produz sempre grande, desigualdade. O pobre paga proporcionalmente muito mais que o rico; e com respeito ao vinho a desproporção torna-se muito mais sensivel entre o que paga o pobre e o que paga o rico, pelo facto de uma grande quantidade deste genero se subtrahir á acção do fisco. Assim, pois, como j á disse, o pensamento é justo, e, se bem que eu não goste deste imposto, nem de todos aquelles de natureza simi-lhante, por isso que trazem a desigualdade, todavia reconheço que na nossa situação financeira não podemos prescindir cTelles, e estimaria ver que se melhorava a sua arrecadação e se procurava tornal-a mais justa e equitativa.

Mas infelizmente não é isso que vejo neste projecto, que se discute. Nesta occasião não -posso deixar de me referir de novo á questão politica. Este projecto é uma arma eleitoral. Estou certo que o sr. ministro da fazenda não põe em execução o imposto sobre a circulação, e direi mesmo que nem ha de executar a lei que diz respeito ás bar-

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reiras, porque s. exa. é o primeiro que tem nisso conveniencia. Este projecto é unicamente uma ameaça eleitoral.

O que ha de verdade em tudo isto e o que disse o digno par o sr. Carlos Bento; é a creação de maior numero de empregados e a creação de maior numero de amigos. De sorte que não se vae augmentar a receita, porque se ella está dependente do augmento do imposto de barreira, eu do estabelecimento do imposto de circulação, nada d’isto faz por ora; o de que de certo se fará por agora é augmentar a despeza com o maior numero de empregados.

Ora vejamos. (Leu.)

De sorte que o governo póde crear as barreiras n’uma localidade, póde annunciar a outras que as vae ahi crear, isto é, póde ameaçar uns circulos com o estabelecimento das barreiras e póde prometter alliviar outros não as creando lá. É esta uma arma poderosa! Comtudo não ha de manejal-a, porque o paiz é contra ella.

Disse hontem aqui o illustre relator da commissão, que podendo este imposto augmentar a receita, porque se não havia de recorrer a essa fonte? Ora, parece-me que se a logica não desappareceu de todo, mesmo com as rasões apresentadas pelo sr. ministro da fazenda e pelo sr. relator da commissão se lhes póde responder. Diz o sr. ministro que sem augmentar a taxa, mas com uma boa fiscalisação se póde fazer crescer a receita. Ora, sr. presidente, as camaras municipaes não têem barreiras, por consequencia não se póde aperfeiçoar a fiscalisação de maneira que facilite a circulação.

Se fosse absolutamente necessario para o imposto augmentar o estabelecimento das barreiras, se o governo dissesse: «é este o unico meio de fazer com que a materia collectavel entre toda a pagar imposto», eu approvaria a medida, porque via n’ella uma vantagem para o paiz. Mas o sr. ministro não affirma isso, o que diz é que quer estudar, quer experimentar, quer ver n’uma parte ou n’outra in anima vili o que se póde fazer; e de mais a mais fica auctorisado a impor as penas que entender.

Não augmentará pois a receita, e só se tratará de crear novas despezas.

Sr. presidente, não desejo cansar a camara, e por isso termino aqui as palavras com que pretendi fundamentar o meu voto.

Tenho concluido.

(O orador não reviu o seu discurso.)

O sr. Marquez de Vallada: — Pedi a palavra para mandar para a mesa o seguinte parecer das commissões reunidas de fazenda e administração publica.

(Leu.)

Peco a v. exa. queira dar as convenientes ordens para que seja impresso e distribuido pelos dignos pares.

Leu-se na mesa e mandou-se imprimir.

O sr. Presidente: — Vae ler-se um officio que acaba de ser recebido na mesa.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Um officio do ministerio das obras publicas, remettendo os documentos originaes ácerca do estado agricola do districto de Faro, pedidos pelo digno par visconde de Bivar.

Para a secretaria.

O sr. Presidente: — Remette-se para a mesa, afim de ficar á disposição do sr. visconde de Bivar e dos dignos pares que o quizerem examinar.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Sr. presidente, não pude deixar de pedir a palavra, para fazer mais algumas considerações alem das que já tinha apresentado, quando hontem ouvi o sr. ministro da fazenda, alludindo ao que se passava em França, dizer que era este um paiz do qual se podiam seguir os exemplos. Eu sou de opinião contraria; entendo que a França nem em tudo deve ser imitada, e por isso aconselho s. exa. a que vá tambem buscar exemplos á Inglaterra e á Belgica.

Entendo que tudo tem relação entre si; e, para prova, d’esta asserção, veja-se o que aconteceu na propria França, antes e depois do reinado de Luiz XVI; tudo resultado da situação precedente d’aquelle paiz, como já aqui tive occasião de dizer.

Por isso, sr. presidente, eu, pele, minha parte, não quero que em tudo se sigam os exemplos da França, que nos podem vir a ser muito perniciosos.

Agora, sr. presidente, direi algumas palavras ácerca do projecto que está em discussão.

O sr. ministro da fazenda limitou-se a dizer que o imposto do real de agua não se augmentava. Mas note v. exa. que, apesar d’elle não augmentar, hão de todavia produzir graves incommodos e inconvenientes ás povoações as disposições do projecto que se discute. Eu vejo aqui, por exemplo, o artigo 6.°, que ha de necessariamente causar gravissimas difficuldades aos lavradores e proprietarios. Diz elle no seu § unico. «Não poderão ser exigidos manifestos e declarações dos productores dos generos sujeitos ao real de agua, excepto quando elles tiverem casas ou lojas de venda dos mesmos generos, as quaes ficarão sujeitas á legislação e regulamentos geraes».

Sr. presidente, este paragrapho é muito vexatorio, porque muitas vezes os lavradores não podem vender por grosso os vinhos das suas fazendas, como me tem acontecido; e portanto são obrigados a vender parte d’elles a retalho, ficando a parte não vendida obrigada a pagar da mesma fórma o imposto.

N’este caso, pela disposição d’este paragrapho, ficam sujeitos a extraordinarias despezas e vexames, pagando muitas vezes o que não vendem.

Outra questão importante, e que tem relação com o assumpto de que se trata, é a producção agricola. O producto dos arvoredos, dos batataes, das laranjeiras, etc., tem diminuido consideravelmente, e por isso os lavradores lutam com grandes dificuldades para poderem pagar os impostos.

Quem tinha pomares tem perdido muitas contos de réis, em consequencia dos prejuizos que soffreu com as seccas e com as doenças que affectaram as laranjeiras, como ainda ha pouco aconteceu ao sr. marquez de Fronteira, que viu estragarem-se-lhe importantes pomares, e a mim que perdi pouco mais ou menos 40:000$000 réis de fundo.

Ora, isto tem de certo grande influencia sobre a facilidade do pagamento dos tributos, visto que da escassez dos diversos rendimentos das producções agricolas se resente logo a riqueza publica em geral, por isso eu disse que todas as cousas se prendem immediatamenie umas ás outras.

Sr. presidente, é pois preciso ter a maior cautela em não tratar estas cousas isoladamente, porque o estado desgraçado em que a agricultura se acha tem uma influencia grave com respeito ao rendimento do imposto, embora o producto sobre que este se lança não seja aquelle que está affectado.

Nas vinhas o phyloxera lavra por toda a parte; no Porto tem havido enormes perdas, a França vae sendo devastada por essa terrivel molestia, e até a propria America se sente já. De uma das nossas ilhas dizem o seguinte os jornaes:

«São deploraveis as ultimas noticias agricolas da ilha da Madeira, nem ha esperanças de recolher a semente do terreno ao sul da ilha. O pliyloxera tem quasi destruido as vinhas.»

Ora, em vista disto, sr. presidente, imponham mais tributos, e veremos qual será o resultado.

Ha de ser necessariamente desgracadissimo.

Eu não me cansarei, por consequencia, de chamar a attenção do governo para esta tristissima situação.

E por todas estas rasões approvo o adiamento do projecto, e não me contento com a declaração do sr. ministro, de que a lei não augmenta o imposto, nem posso de forma alguma admittil-a.

A lei não augmenta o imposto?

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Pois de onde ha de provir esse augmento, dos 860:000$000 réis de que s. exa. falia?

Ha de saír do povo, nem póde deixar de ser, ou directa ou indirectamente.

Manifestada por esta fórma a minha opinião sobre o projecto, peço licença para dizer algumas palavras sobre um assumpto a que se referiu o sr. Carlos Bento, e ácerca do qual insistiu ainda na ultima sessão — a necessidade de construir casas baratas.

Eu, sr. presidente, vou ler á camara uma nota que mostra exuberantemente a dificuldade de se fazerem construcções baratas, pois têem contra si, alem do preço dos terrenos em Lisboa, o preço dos materiaes e o preço do trabalho.

Logo que o sr. Carlos Bento chamou a attenção da camara para a necessidade de se construirem casas baratas, tratei de colligir alguns apontamentos para mostrar a differença entre os preços que tem actualmente o trabalho e materiaes de construcção, com o que tinham em tempo não muito distante.

Antes de ler á camara essa nota, peço licença para dizer ainda algumas palavras.

Os apontamentos que tenho presentes foram compilados por um mestre de obras, logo depois do sr. Carlos Bento ter fallado aqui a primeira vez sobre o assumpto. Como, porém, gosto sempre que a verdade predomine sobre tudo, quiz eu proprio certificar-me da exactidão das notas, e fui ainda hoje a uma casa de venda de madeiras e outros materiaes, para avaliar se os referidos apontamentos estavam ou não conformes. D’esse exame, o resultado foi serem elles verdadeiros, pelo que os remetto para a mesa, para que sejam publicados n’este meu discurso.

Jornaes

Anteriormente Hoje

Pedreiro... $550 a $600 $850 a $900

Carpinteiro.550 a $600 $850 a $900

Trabalhador.... $300 $400

Materiaes

Cal, 1 metro....... 1$800 2$500

Areia............. $800 $900

Tijolo rebatido..... 1$700 1$800

Dito traçado....... $800 $900

Tabua de casquinha. $900 $900

Barrote de 20...... $190 $220

Telhas, 1 milheiro. 9$000 15$00

Pedra, l metro..... 1$200 1$000

Varedo, 1 de 24.... $300 1$500

Cal em pedra, 15 kilogrammas $120 $180

Tabua de pinho.... $180 $300

Em vista d’estas informações, julgo não se poderem construir casas baratas.

Querem-se casas baratas; tambem eu as quero, apesar de que não tenho senão aquellas em que habito e umas outras pequenas propriedades; o que eu não quero entretanto é que por meios extraordinarios o governo entenda que deve resolver esta questão, fazendo concessões abusivas a qualquer companhia privilegiada.

Depois, não basta só querer casas baratas, é necessario que ellas se possam construir n’essas condições, e o seu preço não depende da nossa vontade, mas do preço dos materiaes e da mão de obra, o que tudo está mais caro. E á vista da nota. se verá a verdade do que affirmo.

Com estes elementos desespero portanto de que se possa conseguir o fim que se deseja, alem do que, ha ainda a observar que a nota que envio á camara é tirada fóra de Lisboa, onde tudo é mais barato do que na capital.

O sr. Presidente: — Publicar-se-ha no Diario da camara a nota que o digno par mandou para a mesa.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Fez uma observação em respeito ao projecto em discussão, e seu adiamento, que se não ouviu na tachygraphia.

O sr. Presidente: — Vae votar-se o projecto na sua generalidade.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Propoz que a votação sobre o adiamento fosse nominal.

O sr. Presidente: — Tem estado em discussão o adiamento proposto pelo digno par, conjuntamente com o projecto a que elle diz respeito.

Na conformidade do regimento deve elle ser votado em primeiro logar.

O digno par pede que a votação seja nominal.

Os dignos pares que são do voto que a votação seja nominal, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: — Vae ler-se o adiamento.

Foi lido na mesa o adiamento.

O sr. Presidente: — Os dignos pares que o approvam dizem — approvo, e os que o rejeitam dizem — rejeito.

Disseram approvo os dignos pares: Marquez de Sabugosa; Condes, dos Arcos e de Rio Maior; Viscondes, de Chancelleiros, de Fonte. Arcada, de Portocarrero; Augusto Xavier da Silva, Sequeira Pinto, José Augusto Braamcamp, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos; Conde da Ribeira Grande (servindo de segundo secretario).

Disseram rejeito os dignos pares: Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Monfalim, de Vianna; Condes, das Alcaçovas, do Bomfim, de Cabral, do Casal Ribeiro, de Fonte Nova, de Paraty; Bispo do Porto; Viscondes, de Bivar, dos Olivaes, de Porto Covo da Bandeira, da Praia Grande de Macau, de Seabra, de Seisal, da Silva Carvalho, da Villa da Praia; Barão de Ancede; D. Affonso de Serpa Pimentel, Agostinho de Ornellas e Vasconcellos, Mello e Carvalho, Barros e Sá, D. Antonio de Mello e Saldanha, Paiva Pereira. da Silva, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Cau da Costa, Xavier Palmeirim, Carlos Bento da Silva, Jayme Larcher, Martens Ferrão, Franzini, Menezes Pitta, Duque d’Avila e de Bolama (presidente), Eduardo Montufar Barreiros (segundo secretario, servindo de primeiro).

Foi rejeitada por 38 votos contra 12.

O sr. Presidente: — Está rejeitado o adiamento.

Agora vou consultar a camara a respeito da approvação do projecto na sua generalidade.

Os dignos pares que o approvam, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: — Vae entrar-se na discussão da especialidade. Mas, antes d’isto, devo declarar á camara, que ha já alguns projectos approvados por ella, e que devem ser submettidos á real sancção; portanto vou nomear a deputação que, alem da mesa, os deve apresentar a Sua Magestade El-Rei.

Esta deputação ficou composta, alem da mesa, dos dignos pares: marquez de Ficalho, Carlos Bento da Silva, conde do Casal Ribeiro, João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens, e visconde de Porto Covo.

O sr. Ministro da Fazenda: — Declaro a v. exa. e á camara, que Sua Magestade El-Rei recebe a deputação d’esta camara na proxima segunda feira pela uma hora da tarde.

O sr. Presidente: — Previno portanto os dignos pares que foram nomeados para esta deputação, de que Sua Magestade El-Rei a recebe na proxima segunda feira no palacio da Ajuda, pela uma hora da tarde. Vae entrar em discussão o artigo 1.° do projecto, que acaba de ser approvado na generalidade.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Propuz e eliminação da parte do artigo 1.°, que diz: «devendo uma parte do imposto ser cobrado em circulação, conforme determinam os regulamentos».

Fundamentou esta proposta nas asserções do digno par Carlos Bento, quanto a deixar ao governo o usar da auc-

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torisação relativa ao imposto sobre o transito, visto que confia em auferir maior rendimento do imposto cobrado nos Casas de venda o nas barreiras.

O sr. Presidente: — Tem o digno par a bondade de mandar para a mesa a sua emenda?

(O sr. Visconde de Chancelleiros mandou para a mesa a sua emenda, que, foi lida na mesa e admittida á discussão.)

É do teor seguinte:

«Proponho no artigo 1.° do projecto a eliminação da phrase «podendo tambem ser uma parte, 2 réis por litro, cobrado na circulação, conforme determinam os regulamentos».

O sr. Ministro da Fazenda: — Sr. presidente, o digno par e meu amigo, o sr. visconde de Chancelleiros, pareceu estranhar que se não respondesse por parte do governo aos argumentos que se têem apresentado contra o projecto em discussão. Sr. presidente, a camara toda é testemunha de que eu me apressei a dar todas as explicações que me pareceram mais necessarias, ainda antes que o projecto fosse impugnado. A camara é testemunha de que na sessão de hontem fui nu o ultimo a fallar e que respondi ás considerações do digno par. Hoje fallaram outros oradores. Mas diz o digno par que se têem seguido uns aos outros os oradores que faliam contra o projecto. Ora, ou estive com toda a attenção a ouvir o sr. Carlos Bento, e não mo pareceu que g, exa. fallasse contra as idéas do projecto. Fallou o sr. visconde da Fonte Arcada, mas fallou principalmente do preço das casas em Lisboa. Fallou o digno par o sr. marquez de Sabugosa, mas esse collocou mais a questão no terreno da confiança ou desconfiança politica, do que impugnou as disposições do projecto que se discute.

O digno par, que fallou agora de novo, tornou a collocar o assumpto no, campo da questão de confiança, e a querer considerar este projecto como tendo um fim eleitoral! Eu sinto que s. exa. me julgue capaz, n’um objecto tão grave, como é este, em que o governo passado tomou a iniciativa, porque foi esse gabinete que redigiu este projecto, e nas actuaes circumstancias, de trazer aqui uma medida de fazenda com um tal intuito. Eu estou persuadido de que s. exa. se serviu d’este argumento unicamente como um modo de discutir, como de um sophisma parlamentar.

O, digno par de certo não acredita que eu adoptasse este projecto com um fim eleitoral.

Enquanto á materia, de que trata esta lei, não tenho outra cousa a fazer senão repetir resumidamente as explicações que já dei. Eu encontrei este projecto apresentado pelo meu illustre antecessor.

(Interrupção do sr. visconde de Chancelleiros.)

Alguns dos outros não mereceram a minha approvação, como por exemplo aquelle a que se referiu o digno par, que augmentava o imposto predial. Eu entendi que não era esta a occasião opportuna, de ir augmentar, n’uma importancia consideravel, o nosso imposto predial. Não me parece Bambem que seja esta a fonte donde devemos tirar os recursos necessarios para melhorar a nossa situação financeira. Esta é a minha opinião arreigada, em que estão de accordo muitos economistas práticos e distinctos de outros paizes.

Sr. presidente, adoptei este projecto como elle estava, salvas pequenas alterações, debaixo da forma de auctorisação.

Disse franca e lealmente, na primeira vez que fallei, que não era possivel, em tão pequeno espaço de tempo, reduzir este projecto a um systema de disposições definidas. Não é para admirar que quando o governo passado, depois de nove mezes decorridos, não se julgou sufficientemente habilitado e com os dados sufficientes para apresentar um projecto definitivo, e se via obrigado a apresental-o sob a fórma em que o fez, ou em quinze dias, que tantos! foram os que decorreram entre a minha entrada no gabinete e o discutir-se esta medida na commissão de fazenda da camara dos senhores deputados, podesse reduzir esta
auctorisação a principios completamente definidos. Acceito, pois, essa auctorisação só para usar d’ella até ao ponto que me parecer necessario para tirar d’este imposto um rendimento que eu estou convencido, como toda a gente, que póde produzir para o estado uma somma importante.

O digno par disse tambem que a fiscalisação d’este imposto devia ser feita como as camaras municipaes fazem com relação a impostos similhantes ás camaras municipaes, pelos menos a maior parte d’ellas a respeito das quaes só faz citação no relatorio do sr. Mello Gouveia, seguem, para a arrecadação dos impostos, o systema de arrematação. Quer o digno par que o governo adopte esse systema? Eu declaro desde já que o não posso adoptar, e estou certo que nenhum ministro o adoptaria.

(Interrupção que não se ouviu.)

Para mim a arrematação é peior que tudo. N’um paiz civilisado não se póde admittir que se use d’esse meio para se cobrarem, os impostos. Diz s. exa. que bastava elevar de 4 por cento a 12 por cento a percentagem, a despeza de fiscalização para se obterem os resultados desejados. Esta elevação; uma das vantagens do projecto de que o governo se aproveita; mas sempre direi que não se trata de alargar a percentagem de 4 a 12 por cento. Hoje a despeza da fiscalisação é de 4 por cento do rendimento; mas segundo o projecto, o governo fica auctorisado a empregar 12 por cento do rendimento actual para a fiscalização, o é isto que vem na proposta inicial do sr. Mello Gouveia. Porém se o rendimento subir ao dobro, como calculava aquelle ministro a percentagem de 12 por cento da receita actual vem a ser de 6 por cento da receita duplicada.

(Interrupção do sr. visconde de Chancelleiros.)

Se s. exa. lesse bem o projecto, veria que os 12 por cento de que se trata são do rendimento actual.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Reportou-se ás espressões do sr. ministro da fazenda.

O Orador: — A culpa não é minha, o que todos de certo comprehendem ao ler o projecto é que, quando se trata do", 12 por cento, refere-se ao rendimento actual.

O governo não ha usar das auctorisações que lhe são concedidas senão como já declarei até ao ponto em que foram necessarias para que o imposto possa produzir o maximo rendimento que for possivel, sem vexame para o contribuinte.

O governo é o primeiro interessado em adoptar um systema de arrecadação de modo que não haja vexames.

Quanto ao imposto de circulação, sobre o qual se têem fundamentado quasi todas as arguições a este projecto, querendo-o apresentar como um imposto que vae pesar sobre a agricultura e sobre o proprietario, e que vae dar logar a muitos vexames, chegando-se até a dizer que não se póde mover uma pipa de vinho de uma adega para outra, quando o projecto...

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Rectificou o que anteriormente expendera em relação ao transito e ás barreiras.

O Orador: — V. exa. não disse se era com cuia ou sem ella...

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Reforçou a sua precedente observação.

O Orador: — O digno par imagina, que não se póde mover uma pipa de vinho sem ir á administração do concelho basear uma guia; mas s. exa. não sabe o que acontece na fronteira, na zona de cinco leguas, dentro da qual se não move nenhum genero sem guia, e onde não é necessario ir buscar as guias á cabeça do concelho?

Não sabe que em França, onde existe este imposto, essas guias são passadas pelas proprias pessoas que levam o genero, e quando passam pelas povoações em que ha auctoridade competente, fazem-nas visar?

Quando o governo se vir obrigado a usar d’essa auctorisação...

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(O sr. visconde de Chancelleiros fez nova interrupção.)

Quando v. exa. acabar de fallar então continuarei.

Eu disse ao digno par como tinha encontrado este projecto, o motivo por que acceitei estas auctorisações, e a rasão por que não pude reduzir este projecto a pontos definidos.

Mas s. exa. não se contenta com isto; quer que eu defina já os pontos para saber o que hei de pôr em execução.

Se eu podesse fazer isto, não vinha pedir auctorisações; trazia o projecto definido.

O que posso dizer ao digno par é que o governo ha de usar da auctorisação para fazer uso d’ella sem vexame para ninguem.

(Interrupção do sr. visconde de Chancelleiros.)

O digno par está no seu direito de querer fazer effeito lá fóra. Eu é que não posso fazer mais do que as declarações que acabo de apresentar á camara. Portanto, mesmo no caso de se estabelecer o imposto de transito, ha de ser de maneira que não cause vexame aos proprietarios.

E sobretudo não ha de ir pesar o imposto sobre o productor, porque a legislação actual continua a vigorar em tudo o que não é derogado pelo projecto, e essa legislação manda que só pague o vinho para venda, e não o que é para revenda ou para exportação.

Passando o vinho de armazem para armazem não paga imposto de circulação, porque é para revenda, visto que o negociante não compra o vinho para o consumir.

O imposto continua a ser um imposto de consumo, muito menos vexatorio do que o que pesa sobre a producção, e por este projecto o que se procura é que a fiscalisação sobre esse imposto possa ser exercida o mais convenientemente; e do systema adoptado julga o governo poder obter talvez o dobro do que actualmente rende esse imposto, e isto sem exageração.

Este é o pensamento do governo, é pede o digno par estar certo de que hão de ser tomadas todas as providencias, no proprio interesse do governo, para que o pensamento do projecto seja levado á pratica sem vexame do contribuinte.

Sr. presidente, eu creio que não tenho mais nada a acrescentar para responder ao digno par, por isso que s. exa. não apresentou nenhum argumento mais contra o projecto.

O digno par poz a questão no terreno da confiança.

O digno par não confia em que o governo possa pôr em execução este projecto sem vexame para o contribuinte, e n’estas condições deve rejeitar o projecto, bem como todos os que partilharem a sua opinião.

Não poderá, porém, succeder o mesmo aos que acreditam e confiam na lealdade com que o governo ha de procurar dar fiel execução á lei em beneficio do paiz, e sem vexame do contribuinte.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Insistiu na observação que precedentemente havia feito.

O sr. Ministro da Fazenda: — Está respondido.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Usando ainda da palavra fundamentou novamente a sua proposição.

O sr. Presidente: — Vae ler-se a proposta do sr. visconde de Chancelleiros. Chamo a attenção do digno par.

S. exa. propõe a eliminação das seguintes palavras do artigo 1.° «devendo tambem uma parte do imposto ser cobrada na circulação conforme determinarem os regulamentos». Se a camara approvar esta eliminação, caduca o § 2.°, que diz.

(Leu.)

Pergunto ao digno par se comprehendi bem a sua proposta?

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Perfeitamente.

O sr. Vaz Preto: — Peço a palavra.

O sr. Presidente: — Tem v. exa. a palavra.

O sr. Vaz Preto: — Effectivamente a camara está sufficientemente esclarecida pelos brilhantes discursos dos oradores que têem usado da palavra, mas eu não quero deixar de declarar a rasão por que voto contra o projecto.

Voto contra, porque elle é altamente vexatorio; voto contra, porque elle muda. a natureza do imposto do real de agua; voto contra elle principalmente, porque entendo que é uma arma politica nas mãos do governo para as eleições; e eu desejo que o governo esteja sempre desarmado, para que a liberdade da uma possa ser mantida.

Ora, eu entendo que em virtude d’esta auctorisação o governo fica habilitado a usar de todos os meios de coacção; e é isto o que eu não posso consentir.

Mais de uma vez tenho apresentado n’esta camara as minhas idéas e protestado contra estas auctorisações ao governo; protesto mais uma vez.

O sr. Presidente: — A emenda do digno par o sr. visconde de Chancelleiros, como eu a interpretei, é o que vou propor á camara.

Posta a emenda á votação, foi rejeitada por 38 votos contra 12.

Passou-se á votação do artigo 1.° e seus §§, que foi approvado por 38 votos contra 12.

O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, eu não estava agora na sala quando se votou a emenda do sr. visconde de Chancelleiros; por isso declaro que, se estivesse presente, votaria a favor d’ella.

O sr. Presidente: — Já deu a hora. A primeira sessão será na proxima segunda feira, 1 de abril; e a ordem do dia a continuação da que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 30 de março de 1878

Exmos. srs. Duque d’Avila e de Bolama; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Monfalim, de Sabugosa, de Vaiada, de Vianna; Condes, dos Arcos, do Bomfim, de Cabral, do Casal Ribeiro, de Paraty, da Ribeira Grande, de Rio Maior, das Alcáçovas, do Farrobo, da Fonte Nova, da Louzã; Bispo do Porto; Viscondes, de Bivar, de Chancelleiros, de Fonte Arcada, dos Olivaes, de Portocarrero, de Porto Covo, da Praia, da Praia Grande, de Seabra, do Seisal, da Silva Carvalho; Barão de Ancede; D. Affonso de Serpa, Ornellas, Mello e Carvalho, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Paiva Pereira, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Larcher, Martens Ferrão, Braamcamp, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Franzini, Menezes Pitta, Carlos Eugenio de Almeida, Andrade Corvo, Vaz Preto.

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