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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO DE 16 DE MARÇO DE 1865

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. SILVA SANCHES

PRESIDENTE SUPPLEMENTAR

Secretarios, os dignos pares

Conde de Peniche

Mello e Carvalho

(Assistiam os membros do ministerio, com excepção do sr. ministro do reino, que chegou depois.)

Depois das duas horas da tarde, tendo-se verificado a presença de 64 dignos pares, declarou o ex.mo sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, contra a qual não houve reclamação.

O sr. Presidente: — Foi-me participado estar nos corredores da camara o sr. conde de Bertiandos, que vem para tomar assento como par do reino; nomeio por isso os srs. conde de Terena e visconde de Gouveia para o introduzir na sala.

Sendo introduzido na sala com as formalidades do costume, prestou juramento e tomou assento.

O sr. Presidente: — Participo á camara que a deputação encarregada de submetter á real sancção os dois decretos das côrtes geraes, fixando as contribuições pessoal e predial para o anno civil de 1865, cumpriu a sua commissão, sendo recebida por Sua Magestade El-Rei com a sua affabilidade costumada.

O sr. Secretario (Conde de Peniche): — Mencionou o seguinte

Officio da associação commercial do Porto, confirmando o officio de 7 do corrente, p pedindo que se distribuam cem exemplares da sua representação a favor da lei permanente de cereaes.

O sr. Presidente: — Vamos entrar na

ORDEM DO DIA

E tem a palavra o sr. ministro da justiça, que hontem ao encerrar a sessão a pediu por parte do governo.

O sr. Ministro da Justiça (Ayres de Gouveia): — Sr. presidente, ergo-me para fallar nas mais desfavoraveis circumstancias possiveis, visto que a camara teve antes de mim cinco oradores eloquentes e ornamentos d'esta casa que lhe occupassem a attenção, e entre elles a voz auctorisada de uma gloria da tribuna parlamentar, a voz mais inspirada, correcta e fluente de quantos podem ouvir-se. Em taes circumstancias, tendo eu a palavra por parte do governo, procurarei só responder a quasi todas, se não a todas as graves e importantes questões de que se pede uma solução, e com que se busca apreciar a politica e o modo de proceder do gabinete.

Para não fazer um grande preambulo e malbaratar tempo, dispor-me-hei simplesmente a tratar os pontos que fizeram objecto das considerações dos dignos pares. Entremos n'elles, pois, desde já.

Perguntou-se primeiro d'onde vem os ministros? Vem da prerogativa real? Vem do paço? Eu francamente digo, sr. presidente, que venho do paço, porque a constituição ordena que os ministros venham da prerogativa real; mas nem eu, nem os meus collegas jamais nos esconderemos nas dobras do manto real, para deixar de tomar inteira a responsabilidade dos nossos actos. Não me agacharei nunca atrás da corôa para fallar a verdade ao povo, ou para o atraiçoar nas suas justas aspirações.

O digno par, o sr. Rebello da Silva, disse não me importa a mim d'onde vem os ministros, importa-me para onde vão e como vão. Esta sim que é a doutrina constitucional, e para satisfazer a ella é que nós aqui estamos, para provar com os nossos actos para onde vamos e como vamos, ficando ás camaras sempre salvo o direito e sempre apertada a obrigação de nos atalhar em qualquer desvio, ainda involuntario, e de nos fulminar pela censura.

Disse-se que o gabinete tem estado silencioso, e que não tem palavra. Sr. presidente, o gabinete não teve palavra quando se irritavam as pugnas entre amigos e adversarios, quando a insinuação ou o doesto substituíam a accusação categorica ou a pergunta cortez, e quando as paixões politicas tomavam logar á reflexão e madureza tão proprias d'esta assembléa. Para que era então necessaria a voz do governo no meio d'estas lutas? Quando nos chamarem a terreiro para saber a nossa opinião, e para nos chamar a attenção sobre os nossos actos, então nós levantar-nos-hemos para dar cumprida resposta; e se não satisfizermos, a constituição do estado indica os meios de sermos substituidos por quem mais possa, mais queira e mais valha. Não respondeu o gabinete ás preguntas que lhe fez o digno par, o sr. Rebello da Silva? Respondeu a todas; se, porém, a camara queria que o governo viesse responder, mesmo sem ser perguntado, como desejava o digno par, o sr. Sebastião José de Carvalho, isso não podia o governo fazer, creio mesmo que essa exigencia é demasiado exagerada, porque ninguem póde responder ao que se lhe não pergunta. Resumindo, o governo vem da constituição; os novos ministros vem da constituição, e vem para responder sempre, e para tomar a completa responsabilidade de todos os seus actos.

O ministerio actual representa uma organisação nova ou uma reconstrucção? Isto é materia amplamente discutida, e a camara sabe de certo que o ministerio representa uma organisação nova, porque, já por mais de uma vez, se historiaram os factos que deram em resultado esta nova organisação. Para que pois fazer mais uma pergunta? Indagar mais, se o governo é uma organisação nova ou uma reconstrucção do ministerio passado? O sr. presidente do conselho historiando os factos, disse, com toda a franqueza propria do seu caracter, que a camara podia aprecia-los como. quizesse.

Mas se é organisação nova insiste-se, como esta sentado no seio do gabinete, accumulando as funcções de ministro da corôa com o mandato popular, sem ter de novo exposto o seu nome ao suffragio publico, o sr. ministro das obras publicas? Esta pelo mesmo facto que se apresenta de não ser racional haver cumulativamente exoneração e nomeação, e porque a camara dos senhores deputados resolveu que elle não tinha perdido o seu logar por esse mesmo facto, porque disse-se n'essa occasião que embora o ministerio tivesse pedido todo, como pediu, a sua demissão a Sua Magestade El-Rei, não podia apparecer ao mesmo tempo uma nomeação e uma demissão; um decreto demittindo e outro nomeando o mesmo individuo para a mesma pasta, no mesmo momento. O sr. ministro das obras publicas pediu, é certo, a sua demissão, ficou todavia servindo no expediente; a nova organisação aproveitou este digno membro do ministerio passado, e chamou-o de novo aos conselhos da corôa, d'onde elle estava ainda fazendo parte no expediente; e se a camara dos senhores deputados decidir que elle perdeu o seu logar, s. ex.ª de certo sujeita o seu nome ao suffragio popular (apoiados), porque é áquella camara a quem compete resolver as questões eleitoraes; e se ella, repito, decidisse que se apresentasse de novo perante a uma, o illustre ministro apresentar-se-ia sem difficuldade.

Entremos n'outro ponto. Não eramos nós, assevera-se, que deviamos vir já tomar assento nos conselhos da corôa, já pela nossa verde idade, já pelo nosso modesto nome; porque não eramos conhecidos nem na imprensa nem na tribuna parlamentar nem nas commissões d'esta casa! Releve-me V. ex.ª affirmar que esta arguição nem é de todo ponto exacta nem tem importancia. Onde se pediu, nunca n'este ou n'outro qualquer paiz, que o ministro apresentasse a sua certidão de idade para tomar assento nos conselhos da corôa? Peça-se virtude, mas não se peça velhice. Muitos têem vindo mais novos, podendo já citar aqui a V. ex.ª mesmo, sr. presidente, que veiu para os conselhos da corôa ainda muito novo, e alguns outros membros d'esta camara, que vieram a estes logares em verdes annos.

Mas tambem não eramos conhecidos na imprensa; peço perdão para rectificar que, pequeno ou grande, havia lá alguma nomeada, tanto na imprensa scientifica, como na imprensa jornalística e litteraria.

A tribuna parlamentar tambem não desconhecia absolutamente os nossos nomes. Se nem sempre entravamos nas lutas dos partidos, nos debates apaixonados das facções, era porque não nos levava a isso o nosso caracter; mas se a nossa debil voz fosse necessaria, sempre se havia de ouvir, e quando o nosso voto foi preciso, sempre o dêmos com consciencia e com desafogo. Se algumas vezes não tomavamos a palavra antes de muitos oradores distinctos, era por estarmos certos que elles o faziam primeiro do que nós, e com mais proficiencia e lustre da camara electiva, cuja gloria ambicionávamos.

Emquanto a não ter trabalhado nas commissões da camara, direi que durante cinco annos em que tive assento na camara dos senhores deputados, fui sempre honrado com ser eleito para as commissões mais importantes, sendo uma dellas a da resposta ao discurso da corôa. Ora, em boa e leal verdade, cinco annos de trabalhos parlamentares não serão garantia sufficiente para subir aos conselhos da corôa? Presumo que sim. E podia citar mais de um exemplo. Lembro-me agora de um digno par, que vejo presente, o sr. conde d'Avila; quantos annos de parlamento e de idade tinha s. ex.ª quando subiu pela primeira vez ao poder? Era já o vulto que é hoje? Era já o financeiro consummado que hoje todos reconhecem? De certo que não. E a camara nem por isso lhe retirou a confiança ou deixou de aguardar os seus actos. Citarei tambem um illustre ex-ministro, o sr. Mártens Ferrão; quantos annos tinha de parlamento? Tinha apenas tres, e subiu aos conselhos da corôa para fazer um papel nobre e digno do seu integerrimo caracter. E assim poderia citar duzias e duzias dentro e fóra do nosso paiz.

E, si parva licet componere magnis, poderia tambem lembrar lord Palmerston, que dois annos apenas depois de tomar assento no parlamento, entrou nos conselhos da corôa, para lá estar, logo da primeira vez, dezenove annos seguidos.

Deixemos porém de parte a questão de idade, que nada vale, e consideremos outras asseverações, pois o digno par, o sr. conde de Thomar, referindo-se á organisação constitucional do gabinete, em que nenhuma duvida tem, disse:

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«Não me importa que os srs. ministros sejam novos ou velhos, o que me importa é a dignidade d'elles, a sua intelligencia e moralidade, e o seu amor em servirem bem o seu paiz.» S. ex.ª disse n'isto, quanto a mim, perfeitamente, como em algumas outras das asserções que apresentou hontem n'esta casa.

Sr. presidente, entrarei agora a responder a muitas das preguntas que se fizeram em relação á pasta que tenho a honra de administrar.

São tres os principaes e mais importantes ramos que fazem parte da pasta a meu cargo: a jurisprudencia civil, a jurisprudencia criminal e os negocios ecclesiasticos.

Que devo eu fazer quanto á jurisprudencia civil? E activar com todas as minhas forças, ser assiduo e corresponder não com as muitas luzes da minha intelligencia, mas com muita dedicação, para que se conclua quanto antes e com a maior perfeição possivel o codigo civil, que é uma urgencia, uma reclamação constante do paiz, talvez a de maior momento. E de facto convencido d'isto desde que tomei assento nos conselhos da corôa, fui immediatamente apresentar-me na commissão encarregada de rever este valioso objecto, e posso dar testemunho á camara de que os trabalhos estão muito adiantados, pois já estamos a rever cerca do artigo 1:800.°, e ainda espero traze-lo n'esta sessão aos corpos legislativos. A illustre commissão é realmente digna dos maiores encomios.

Sr. presidente, em seguida ao codigo civil ha de apresentar-se tambem o codigo de processo civil, de cuja feitura foi incumbido um habil jurisconsulto, e apenas termine a revisão do codigo civil, ha de principiar a ser retocado o do processo, para ser apresentado com a celeridade compativel com os assumptos de tão alta transcendencia. Sobre este ramo da jurisprudencia civil ainda ha um trabalho que esta, em parte, suspenso, e que é anunciado continuamente para todo o reino. Refiro-me á lei hypothecataria, sobre a qual ainda ultimamente se suscitou mais um embaraço, e eu tenho em breves dias de trazer á camara dos senhores deputados uma proposta para alterar, em parte, aquella lei, porque é necessario realisar-se quanto antes, mas da melhor maneira que possa ser, e prevendo que, depois de realisada, como tanto se deseja, não careça logo de novas modificações. Taes são os tres assumptos de maior valia a effectuar, para já, no vasto ramo da jurisprudencia civil; e se ainda n'esta sessão eu podér, pelo menos, trazer o codigo civil, como tenciono e espero, e a proposta para alterar a lei hypothecaria, tenho, a meu ver, cumprido o meu dever n'esta dilatada provincia de administração.

Na jurisprudencia criminal ha muito mais que fazer, porque tem sido quasi completamente descurada, ou pelo menos tem sido sempre muito menos attendida, quando em boa rasão devia ser a primeira. A vida, a liberdade e a honra valem mais que a propriedade.

Sr. presidente, esta pendente da resolução da outra camara, o projecto de codigo penal, e espero com os meus esforços, e dos meus collegas na commissão, poder fazer ainda approvar este importante trabalho, que tem sido lisonjeiramente considerado por toda a Europa culta. Estabelecem-se ahi as melhores doutrinas de direito penal, e presumo que com leves alterações se torne uma das mais proficuas leis patrias.

Passando a outros objectos responderei ao sr. visconde de Gouveia, que ha de vir o processo criminal conforme os mais applicaveis dictames da sciencia e as necessidades presentes. Terem os ministros de trazer logo no primeiro dia que tomam assento nestes logares todas as propostas que podem ter em mente, seria uma exigencia exagerada, e direi até quasi absurda.

Esta muito adiantada a proposta para a construcção de casas penitenciarias, e o governo trabalha assiduamente para a concluir. Sua Magestade honrou-me nomeando-me para fazer parte da commissão que esta encarregada d'este assumpto, a qual ha de desempenhar-se em breve, posso affirmado, do honroso encargo que lhe foi commettido. Se fosse na outra casa do parlamento, devia eu dar, o testemunho insuspeito para todos, do sr. Mártens Ferrão, meu dignissimo collega n'essa commissão, e elle diria se nós não temos trabalhado com amor e dedicação ao nosso paiz. Tenho bem fundada esperança de em breves dias apresentar ao parlamento o resultado dos trabalhos da mesma commissão. Agora, que estou a tratar do ramo de jurisprudencia criminal, aproveito a occasião para responder a uma pergunta que me fez o sr. marquez de Vallada, e é, se eu tencionava apresentar alguma proposta ao parlamento para abolir a pena de morte. Declaro a s. ex.ª que tenciono, porque o facto do homem subir aos conselhos da corôa não o faz mudar de idéas.

Disse aqui alguem que não esperava que eu apresentasse essa proposta, porque o ministerio era todo de contradicções! Chegámos hontem e já somos de contradicções! Hei de apresentar a proposta, repito, e esforçar-me por todos os meios para apagar no nosso codigo penal esta nodoa de sangue humano, abolindo-se a pena de morte. Desejo que a sociedade não promova o assassinio, assassinando.

Sr. presidente, acabo de saber de uma bôca que não mente, que foi votada a abolição da pena de morte no novo reino de Italia; e nós que a temos de facto abolida ha vinte e tantos annos, não havemos de levantar a voz para a abolir de direito? Creio que é já tempo.

O sr. Marquez de Vallada: — Muito bem.

O Orador: — Sou o mesmo homem entrando para os conselhos da corôa que era no seio da representação nacional, fazendo parte da maioria da camara dos srs. deputados.

Sr. presidente, perguntou-me o sr. visconde de Gouveia o que eu tencionava fazer em relação ao jury. Em relação ao jury, ás assentadas, e a todo o nosso organismo judicial é necessario metter as mãos bem fundas e revoluciona-lo completamente, porque tem sido descurado o estado da administração da nossa justiça.

O sr. Marquez de Vallada: — Apoiado.

O Orador: — Pois creio que é tempo, o assim como se fazem reformas em todos os outros ramos de administração publica, é necessario que chegue tambem a sua vez a este a administração da justiça, da justiça que é a primeira condição da sociedade. Não posso dizer desde já, nem se póde exigir isso, o que se ha de apresentar e tudo quanto se ha de fazer; mas o que eu sei, o que posso dizer, é que hei de esforçar-me por todos os meios para dar uma nova organisação a todos os ramos da nossa actual organisação judicial.

Sr. presidente, se podessemos conseguir a divisão territorial primeiro que tudo, se podessemos estabelecer do minimo para o maximo a harmonia que devem ter todos os ramos em suas relações, pondo-os nas condições em que devem estar: a parochia abrangendo uns poucos de curatos; o conselho abrangendo umas poucas de parochias; a comarca abrangendo uns poucos de concelhos; a assentada abrangendo duas, tres ou quatro comarcas, e assim por diante fazendo organisar a administração completa da justiça, de maneira que esta roda da grande machina social endente com toda a regularidade, as outras, dando a vida propria ás localidades, seria sem duvida, um progresso admiravel. Se nós podessemos fazer com que a administração da fazenda, a administração civil, a administração da justiça e a dos negocios ecclesiasticos se harmonisassem perfeitamente, tinhamos conseguido um grande resultado para o cubicado progresso da descentralisação; e isto poderia fazer-se se nós não gastássemos tanto tempo em pequenas questões politicas d'onde não resulta proveito nenhum ao paiz.

Sr. presidente, se hei de procurar extinguir os juizos ordinarios? Se elles são contra a carta, como não hei de eu procurar com todas as minhas forças fazer o que esta na idéa de todos, que é extinguir esses juizes, e bem assim os juizes substitutos; mas é necessarios meios e tempo para isto se conseguir. Não se revoluciona profundamente contra todos os preconceitos da sociedade de um momento para outro. Hei de procurar quanto em minhas forças couber; mas não posso estar a dizer aqui precisamente e com todas as miudezas a maneira por que penso com relação ao jury, nem tão pouco o modo porque tenciono estabelecer taxa para se poder ser jurado, e como entendo o julgamento do facto para applicar a lei. Direi só que para exercer as funcções de jurado, devem sempre buscar-se homens que possuam certa ordem de conhecimentos, porque, se para os juizes de direitos é necessario certas habilitações, não me parece racional o não se exigir nada aos jurados, sendo elles os juizes de facto. Se os jurados devem ser um jury de uma ordem em relação aos pequenos crimes, e de outra ordem emquanto ás assentadas, se elles devem ser tirados dos maiores contribuintes, tudo isto são questões muito importantes e complexas, que se não podem suscitar e resolver logo perante o parlamento, mas que se podem e devem tratar quando as discussões as seguirem. O mesmo poderei dizer com respeito ás relações. Crearam-se, quando foi da nossa grande reforma politica, quatro relações, e nunca se chegaram a estabelecer senão duas no continente. E terão ellas rasão de ser nas condições em que existem, as relações do Porto e de Lisboa? Isto são questões gravissimas, que se não podem resolver imediatamente, que tem levado largo tempo a estudar. Se os dignos pares, querem que os novos conselheiros da corôa resolvam immediatamente estas questões, querem um impossivel; e se desejam isto, nós então cedemos o nosso logar, se nos promettem effectuar o mesmo que disseram. Isto emquanto ao judicial, e emquanto á jurisprudencia civil e criminal. Agora fallando dos assumptos ecclesiasticos, tem-se tocado mais de uma vez na phrase pronunciada por mim n'esta camara e na outra casa do parlamento, que eu queria igreja livre, no estado livre, e calando-se ardilosamente as palavras com que patenteei o modo como entendo tal phrase, nas nossas circumstancias particulares, tem-se dito, que eu quero a reacção. Sr. presidente; a reacção não é igreja livre; a reacção é o abuso das elevadas funcções sacerdotaes, é a invasão dos poderes da igreja e o desconhecimento d'elles; é a invasão dos poderes episcopaes; é invasão prejudicial, tanto para o estado como para a igreja. Dizer que a reacção é a igreja livre, é como dizer, que a injuria e a calumnia são a liberdade de imprensa; como se o contrabando e a venda do veneno fosse liberdade de commercio; como se a fabricação de moeda falsa fosse a liberdade de industria.

O sr. Marquez de Vallada: — Apoiado.

O Orador — Mas a reacção sendo assim, como de facto é, torna-se necessario combate-la por todos os modos, e em todos os logares como se combate o fabrico da moeda falsa, como se combate o contrabando, como se combate a injuria e a calumnia na imprensa. Pois porventura a immoralidade publica e ostentosa é a liberdade da consciencia?

A reacção intenta invadir ao mesmo tempo os direitos do episcopado e os da corôa, e é necessario que não invada nem uns nem outros; é necessario que se recordem das palavras do evangelho in quo Spiritus Sanctus posuit episcopos regere ecclesiam Dei, e que não venham ao publico, minando a evangélica acção episcopal e atormentando, as consciencias, semear a zisania no seio das familias. É esta a reacção, e para isso esta o governo preparado, e se o não estivesse viria pedir ao parlamento que o auxiliasse com o seu conselho e com as suas decisões; mas isso não é igreja livre. E necessario dar a liberdade á igreja dentro da igreja, é necessario que não exageremos, emfim é necessario' que mantenhamos integralmente as prerogativas da corôa sem esmagar o episcopado, e os direitos do episcopado sem empanar a corôa. Isto é muito mais franco do que vir aqui dizer que havemos de esmagar a reacção; sim, é mais franco

dizer que havemos de manter integralmente toda a dignidade da corôa sem deixar de respeitar o episcopado (porque tanto o episcopado como a corôa cabem em si) do que clamar contra a reacção e cruzar os braços depois de clamar.

Perguntou-me o digno par, o sr. conde do Thomar, o que tencionava eu fazer, ou o que havia, com relação ao conflicto com o sr. bispo de Coimbra. A camara sabe perfeitamente o que se passou, e o que eu posso dizer a s. ex.ª é que espero pôr termo a este conflicto, que não foi um facto passado directamente comigo, mas eu espero resolve-lo com o mesmo principio, com a dignidade propria e com a dignidade da corôa. Os conflictos que eu porventura tivesse com os bispos, procuraria da mesma sorte resolve-los com seriedade e serenidade, e quando os não podesse resolver sairia immediatamente d'esta cadeira. Mas, com toda a franqueza, estar agora a inventar conflictos, só com o fim de perguntar ao governo o que fará para resolver os taes sonhados conflictos, isso não comprehendo. Sr. presidente, isto quanto ás questões que affectam mais immediatamente os negocios a meu cargo. São estes os tramites que desejo seguir sempre com a dignidade propria e com a dignidade da nação.

O digno par, o sr. Rebello da Silva, chamou a attenção do governo para mais algumas questões; eu procurarei, já se vê, sem a elegancia da sua palavra, mas sinceramente, responder a s. ex.ª o que tenciona o governo fazer com relação á crise alimenticia? O que tenciona o governo fazer?! Resolve-la da melhor maneira que seja possivel, pois que é uma questão que traz os animos occupados, e ver como ha de valer ás classes productoras, que são as mais desfavorecidas da sociedade, e que devem por isso merecer a maior solicitude dos poderes publicos; já ha uma commissão eleita na camara dos senhores deputados para estudar essa questão, e o governo compromette-se, mesmo antes da commissão dar o seu parecer, a apresentar providencias tendentes a fazer diminuir a crise; mas chegar aqui e quererem que digamos logo, quo trazemos resolvida a crise alimenticia, parece-me exagerada instancia, e admira-me até que haja quem a faça!

Perguntou tambem o digno par, se o governo tencionava trazer á camara, quanto antes, a reforma da instrucção publica, não em um dos seus dilatados ramos, mas em todos os tres, e sobretudo, se o governo tencionava trazer quanto antes a proposta para a reforma da instrucção primaria. E s. ex.ª com aquella elegancia propria, mas tambem com aquelle arrojo da águia, que é do seu genio, disse que era uma cousa que se podia fazer dentro de tres ou quatro horas, porque havendo muitos estudos feitos, podia-se fazer uma proposta de lei para esta reforma no limitado periodo que indicou.

Sr. presidente, estão umas poucas d'estas reformas sujeitas ao parlamento, é verdade: eu mesmo que estou fallando, fui relator de uma dellas (apoiados); mas por esse facto, o ministerio, entrado de novo, podia, dentro de tres ou quatro horas, resolver uma das mais momentosas questões, sociaes, qual é a da instrucção primaria?! Não podia, nem devia faze-lo.

Se quizesse só chancellar com o seu nome uma d'essas propostas, podia faze-lo, mas um ministerio que se presa, não o faz, não resolve em tres ou quatro horas a questão momentosissima da instrucção primaria.

Fallou tambem s. ex.ª em relação á policia, e o governo respondeu a este ponto dizendo o que tencionava fazer, e as condições em que o podia fazer nas circumstancias actuaes.

S. ex.ª atterrou-se diante da resposta, franca e clara, e disse que era melhor não fazer nada do que fazer pouco. E uma doutrina bella talvez, é melhor o optimo, mas sempre se disse que o optimo era inimigo do bom. Isto porém, não agradou a s. ex.ª que, olhando as cousas da altura do seu genio, acha que tudo se póde resolver facilmente, e que se póde voar para o bello, para a perfeição ultima como a águia voa para o céu, que julga que a todos os espiritos é licito ver as cousas do mesmo modo grandioso. Não é, somos mais humanos e menos inspirados; procuramos fazer o que é proprio das circumstancias do paiz, sem exagerar, sem fazer theorias, sem ostentar promessas difficeis e irrealisaveis e fazendo só cousas praticaveis e possiveis.

Disse tambem o digno par, que o governo não podia estar neste logar nem por si, nem pelo voto da camara dos senhores deputados, que ultimamente lhe foi dado. Peço perdão a s. ex.ª para lhe contestar que se engana; por mim sim, talvez não se enganasse, que não possuo eu os dotes subidos que desejam'; mas pelo voto consciencioso e livre da camara dos senhores deputados, de uma camara ultimamente eleita, liberrimamente eleita, a mais livre que tem sido eleita em Portugal (apoiados), isso não póde ser nem deve ser.

Uma voz: — Uma camara muda.

O Orador: — Camara em que se ouve a palavra elegante, o conceito arrojado e a exposição concludentíssima do sr. Mendes Leal é muda?! Camara em que se escuta a voz energica, brilhante e incisiva do sr. José Luciano de Castro é muda?! Responda, sem que lhe aponte mais ninguem, a propria consciencia do digno par.

Disse-se tambem que os ministros faziam um grande serviço ao paiz desamparando, depois de tantos erros, estas cadeiras. Nós, que chegámos hontem, já haviamos desamparar os nossos logares depois de tantos erros? Chegámos hontem, ainda não fizemos nada, e já nos arguem de tantos erros (erros sonhados por certo), e já faziamos um grande serviço ao paiz desamparando estas cadeiras; nós, os homens novos, a quem o digno par se dirigiu particulamente? Isto não é serio, não póde ser serio, sr. presidente. Quando se exagera assim, é porque não ha que dizer; e admira que s. ex.ª, que vê, com a penetrante vista da águia, todas as cousas, visse erros, aonde apenas poderia ver falta de tudo, e até falta de erros!

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Sr. presidente, os dignos pares conde de Thomar e marquez de Vallada chamaram-se conservadores progressistas. Não entendo bem a phrase, embora se diga que é o partido grandioso da Europa. Conservar e progredir queremos todos nós; queremos conservar o bom e reformar o mau, progredindo para o bom.

Se o partido conservador da nossa terra é o grande partido da Europa, ignoro-o; o que sei, o que a historia diz é que muitos que principiaram a sua vida publica no partido conservador são hoje progressistas; poderei citar muitos exemplos, mas limitar-me-hei apenas a alguns. Sei que lord Palmerston, tendo entrado no parlamento como membro do partido tory, esta hoje membro de um gabinete whig; sei que mr. Gladstone, tendo entrado como tory puro no parlamento, é hoje whig, tendo entrado conservador é hoje progressista; isto entendo eu, mas dizer-se conservador progressista, é que não posso entender. Não entrarei mais n'esta questão de partidos, de que pouco entendo, nem quero entender muito, porque a minha pasta é de justiça; e porque gosto de fazer justiça a todos e aos adversarios, não continuarei a entrar n'esta questão.

No meio do seu largo discurso, o sr. marquez de Vallada, trouxe uma historieta de um convento para dizer que nós eramos os martyres. Fallou-nos de uma visita, não sei de quem, a um convento, não sei qual (O sr. Marquez de Vallada: — De jesuitas); muito bem, a um convento de jesuitas, aonde havia uns recolhidos em um quarto, que eram os martyres, porque eram os que se mandavam para os infiéis. O digno par applicou a historia ao ministerio. Realmente nós seriamos martyres se todos os dignos pares fossem infiéis, mas ainda bem que o não são.

Sr. presidente, como todos os dignos pares que fallaram primeiro, viram a questão da organisação do novo gabinete, e como as suas idéas se desencontraram e responderam uns aos outros, poderei eximir-me d'essa questão; mas na occasião em que isto se tratava, em que o sr. presidente do conselho dava explicações do que se passava ao sr. marquez de Sá, e lhe fallava claramente e de rijo, porque ao sr. marquez não se póde fallar em segredo, ouvi dizer a um digno par, que o sr. marquez ía fallar por inspiração do sr. duque de Loulé. Magoou-me isto, porque conheci a voz do digno par, que já achava em um defeito adquirido gloriosamente nas grandes lutas em defeza da liberdade e da patria, pretexto para dizer que o sr. marquez de Sá só fallava por inspiração. Não é preciso explicar este facto, porque este bravo militar, este caracter nobre não falla por inspiração de ninguem; e ainda bem que elle nos não ouve, para que não saiba que se lhe attribue que falla por inspiração de outrem. Este vulto venerando do partido da nação, merece que lhe façam mais justiça, e que todos lhe reconheçam a nobreza do seu caracter (apoiados).

O mesmo digno par tambem disse por essa occasião que era notavel que tivesse saído do ministerio o cavalheiro que era a alma e a cabeça d'esse ministerio, o homem que tinha mostrado mais fecunda e mais energica iniciativa; mas, acrescentava logo, iniciativa que eu sempre combati através de tudo, em todas as suas manifestações.

Bello meio é este! O digno ministro que saíu dos conselhos da corôa era habilissimo, era fecundíssimo em iniciativas energicas e vivazes, e no fim de tudo isto o digno par combatia-o sempre e por isso mesmo! Ha mais perigosa contradicção! Combatia-o porque tinha iniciativa, e censura que saísse porque tinha iniciativa! Pois eu não sou da opinião do digno par, nem mesmo espero sê-lo.

No meio do seu largo, brilhante e por vezes inspirado discurso, s. ex.ª quiz dizer ou fazer alguma cousa muito desagradavel ao ministerio, e para isso não lhe occorrendo de repente outro meio, foi apanhar pedras que não tinha em si; que não podia ter pela sua fina educação; foi, digo, apanha-las aos desvios da fabula, unico ponto onde imaginou as podia achar, e sobraçando o seu manto de par, quiz atira-las ao ministerio; foi busca-las á fabula, mas errando com a pressa o caminho, confundiu um sitio com outro, um com outro logar d'essas antigas paragens. E d'ahi aconteceu que teve de queimar as mãos no fogo que Pygmalião trouxera do céu para animar a sua formosíssima estatua. S. ex.ª não nos queria atirar pedras, mas foi decididamente busca-las á fabula, e em vez do homem das pedras, trouxe o homem da luz. Querendo rebaixar o sr. presidente do conselho, s. ex.ª exaltou-o; a sua bôca atraiçoou-o e disse a verdade. Póde porém o digno par estar certo que não tento n'isto atirar-lhe para lá com" as pedras que para cá vieram, mas sim defender unicamente o ministerio, por nossa dignidade, por dignidade da nação, e até por dignidade do digno par. O governo não se trata assim.

Eu não desejo por mais tempo occupar a attenção da camara; não é esse o meu systema; desejo ser sempre breve, e creio que tenho respondido, embora muito de carreira como a occasião obriga, ás preguntas que foram dirigidas ao governo, pelo menos áquellas de que tomei nota. Se no correr da discussão for necessario fallar novamente, eu pedirei a V. ex.ª que me inscreva.

O sr. J. A. de Aguiar: — Com pasmo ouviu dizer n'esta camara que era mesquinha esta questão, para occupar á camara tanto tempo como tem occupado. Por sua parte considera-a gravissima, pois se trata de um ministerio que pela sua organisação offendeu os principios e a decencia publica, e que póde chegar a fins que prejudiquem as instituições, o paiz e até a dynastia.

Outro porém foi o fim para que pediu a palavra. Pediu-a quando o sr. presidente do conselho disse que o tinha convidado, a elle orador pessoalmente, e não á opposição, porque s. ex.ª com estas palavras o tinha injuriado atrozmente, como se o suppozesse capaz de atraiçoar os seus amigos, elle que nem aos seus adversarios é capaz de faltar á lealdade que os homens de bem guardam mutua e reciprocamente. Convites d'estes injuriam aquelle a quem são feitos, e deshonram aquelle, que os faz. Conta setenta e tres annos e, d'estes, cincoenta passou-os na magistratura, nos parlamentos e nos conselhos da corôa, e nunca atraiçoou ninguem; e havia agora no fim da sua vida abandonar o partido a que esta ligado por principios e por affeições?! E porque?! O preço d'esta traição era uma pasta! A elle que tem sido muitas vezes ministro, que não menos vezes, não só tem recusado sê-lo, mas até organisar ministerios, sempre que não podia aceitar uma ou outra cousa sem quebra da sua honra, como ainda em 1856 quando os seus amigos saíram do ministerio por causa da grande opposição que tinham n'esta camara!

Com taes precedentes, o convite que se diz feito seria uma injuria inutil, ou quereria o sr. duque ter a seu lado quem podesse tambem ser accusado de deslealdade ao seu partido? Mas o orador apressa-se a declarar que o sr. duque não lhe fez tal convite. Expondo o que se tinha passado, referiu que tinha recebido um convite para fallar com s. ex.ª sobre objectos de publico interesse, em casa do sr. ministro das obras publicas, aonde elle orador se dirigiu á hora indicada; ouviu a exposição do estado das cousas depois que o sr. conde de Torres Novas tinha recusado a missão de organisar um ministerio, e sendo-lhe pedida a sua opinião, deu-a francamente dizendo que o que era conveniente era um ministerio mixto que não seria difficil de formar sob a presidencia do sr. marquez de Sá. Que elle orador acrescentara não julgar compativel com a dignidade e decoro do sr. duque de Loulé, encarregar-se elle quer da formação de um novo gabinete, quer da reorganisação do antigo; porque sabia-se o que a opinião publica dizia, que era provavelmente um conceito errado, mas que ficaria reforçado pelo resultado.

Não se fallou em pastas, nem que numero poderia caber á opposição, nem a elle orador pessoalmente, porque logo que soube ser o sr. duque de Loulé quem estava encarregado de formar o ministerio, reconheceu, e teve a franqueza de o dizer, a incompatibilidade que havia entre a opposição e s. ex.ª, para partilhar com elle do poder, já por que n'esta camara pendia e pende uma questão na qual podem ficar compromettidos dois membros do actual gabinete pelo principio da solidariedade ministerial, já porque o sr. duque de Loulé tinha declarado na mesma camara, que não se lembrara nunca de chamar a opposição a participar com elle do governo do paiz, e não o faria nunca; pelo que estava inhibido de offerecer-lho e a opposição não menos de o aceitar, porque aquella declaração tinha sido feita sobre uma outra do digno par Sebastião José de Carvalho, que ella aceitou, de que eram falsos os boatos de accordo pactuado com a mesma e o sr. duque de Loulé, porque esse accordo era impossivel sem quebra dos principios, e de decoro de todos os dignos pares opposicionistas.

O sr. S. J. de Carvalho: — Peço a V. ex.ª que proponha á camara se julga a materia discutida, pois o debate vae longo, como já se diz; e se n'isto ha sacrificio eu tambem participo d'elle porque estou inscripto para fallar ainda mais de uma vez, e precisaria faze-lo depois das notas que ainda hoje tomei.

O sr. Visconde de Gouveia: — Sobre a ordem.

O sr. Marquez de Vallada: — Eu não podia dispensar-me de responder alguma cousa ao sr. ministro da justiça.

O sr. Presidente: — Eu não posso deixar de pôr á votação o requerimento para se julgar discutida a materia.

Posto a votos o requerimento decidiu a camara, por 38 votos contra 35, que a materia não estava sufficientemente discutida.

O sr. 8. J. de Carvalho: — Requeiro agora que se pro-rogue a sessão até se votar.

Posto a votos este requerimento, foi rejeitado por 37 votos contra 35.

O sr. Visconde de Gouveia (sobre a ordem): — Quando eu hontem apresentei aqui uma moção de ordem, seguiu-se a fallar o digno par o sr. conde d'Avila e eu senti que s. ex.ª não comprehendesse o verdadeiro sentido das minhas palavras, o que, sem duvida, ou foi devido á grandeza da sala ou á exiguidade da minha voz, o certo é que a intelligencia dada foi tal, que eu não posso dispensar-me de dar uma explicação para não ficar com a responsabilidade de uma verdadeira heresia constitucional, pois tal julgo a consequencia do sentido que s. ex.ª na melhor boa fé deu ás minhas palavras! O digno par suppoz que eu negava a esta camara o direito de intervir nas questões politicas! Por modo nenhum. Tal não foi por certo o meu pensamento, E, bem pelo contrario, entendo que esta camara tem pleno direito a intervir em todas essas questões. Mas entre o direito e as conveniencias ha grande differença. E a indole conservadora, e a natureza permanente d'esta camara impõem-lhe a rigorosa obrigação de usar moderadamente d'esse direito que lhe não contesto.

Eu disse e sustento, que a camara deve guardar a sua auctoridade para intervir nas altas questões politicas, mas que deve abster-se de estar constantemente a levantar conflictos que a enfraquecem e a involver-se com questões de politica mesquinha e pessoal, pouco proprias da indole e caracter d'esta assembléa (apoiados). Foram estas as minhas palavras e foi n'este sentido que formulei a minha proposta (apoiados), conseguintemente eu não podia deixar passar tal idéa, para que de fórma alguma se me podesse attribuir similhante opinião, depois de haver dito que sou liberal e progressista.

Não digo mais cousa alguma, porque não quero protrahir o debate, e porque, pedindo a palavra sobre a ordem, devo satisfazer-me em usar d'ella para o fim que tive em vista, e que julguei indispensavel para a minha dignidade.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Osorio Cabral: — Sr. presidente, é difficil conciliar a attenção da camara n'uma discussão que já vae longa. V. ex.ª fez favor de pedir attenção, mas esse favor é escusado pedir-se á camara, porque considera sempre muito todos os seus pares, para negar esse favor áquelle mesmo que tem pouco direito a merecê-lo.

Sr. presidente, antes de entrar no debate, peço desculpa a V. ex.ª e á camara se vou tomar algum tempo para cumprir com um grato e respeitoso dever. A repugnancia que me acompanha sempre para a vida publica, produz o desejo constante de me entregar no lar domestico ao trato dos meus negocios, e innocentes prazeres que me proporcionam a vida agricola e uma familia que me retribue a affeição que lhe consagro. Estava n'este descanço, quando recebi a mais lisongeira e honrosa participação que eu podia receber na minha modesta situação; sem que me lembrasse de tal, nem por fórma alguma pensasse nisso, communicou-se-me, pela secretaria d'esta camara, que eu tinha sido eleito seu vice-secretario. O facto d'esta camara, na minha ausencia se lembrar do meu nome para me honrar com uma tal eleição, não o attribuo ao meu merecimento, mas attribuo-o á camara, que deseja que eu corresponda aos meus deveres, vindo cumprir com elles, e procurou d'esta maneira estimular-me convidando-me a occupar um logar tão distincto. Não podendo aceitar aquelle cargo tão honroso, para que fui eleito por esta camara, respondi por officio ao nosso digno presidente, para que o communicasse á camara. Estou certo que s. ex.ª o faria, mas era necessario que a primeira vez que voltasse a esta camara o dissesse aos meus collegas e meus pares pela situação (e não pelo merito, porque n'esse ponto conheço eu a inferioridade), para prestar-lhes o testemunho do meu reconhecimento por um acto tão honroso, que eu tanto preso, e para attestar que hei de fazer, ainda que não possa empregar a assiduidade que desejava, toda a diligencia para cumprir a tarefa para que me animam, apresentando-me sempre na camara nas occasiões mais graves, para tratar os negocios publicos com aquella franqueza que costumo, e como me permittirem os meus limitados conhecimentos, a minha debilitada saude, e a minha educação.

Disse bastante n'esta materia, sr. presidente, para mostrar os meus sentimentos pela prova de deferencia que esta camara me deu, elegendo-me para o cargo a que me referi, e que não pude aceitar pelas rasões que já expendi.

Direi ainda, como pequena explicação pessoal, porque estando eu disposto a tratar só dos meus negocios domesticos e da minha debilitada saude, me acho n'esta casa no momento em que se agita esta questão de tanta importancia, mas puramente politica, genero de negocios em que não desejo involver-me e para que tenho a mais invencivel repugnancia. Negocios domesticos me tinham trazido a Lisboa quando appareceu' esta crise, de que eu não sabia os motivos, mas que de longe e ha muito tempo previa. Eu via que as maiorias do parlamento se achavam desnorteadas do verdadeiro caminho da adminstração publica, pelas difficuldades que ou apresentavam ao governo n'uma das casas do parlamento, ou deixavam desenvolver ao pequeno grupo opposicionista da outra casa, sem que empregassem a sua força numerica para terminar improfícuos debates.

Qual a origem d'essas difficuldades não sei, nem pretendo, nem desejo saber: o que é certo é que um governo, que tinha tido maiorias respeitaveis nas duas casas do parlamento, um governo que se tinha posto á testa de importantes serviços para o estado, um governo que tinha dentro em si os elementos necessarios para a administração publica, que tinha grandes aspirações e nomes e tradições honrosas na nossa historia civil, este governo não póde governar o paiz. O meu modesto papel aconselhava-me que quando esta questão se tratava no seio do parlamento, eu não entrasse n'ella nem tomasse parte alguma no debate, porque, sr. presidente, eu tinha sempre n'esta casa apoiado umas vezes o governo, e outras vezes a opposição, segundo a minha consciencia me ditava. Testemunhas são os dignos pares e todos aquelles com quem tenho tido a honra de fallar nos negocios do estado, com o pequeno e insufficiente tirocinio que d'elles tenho. Reuniu-se urnas poucas de vezes n'essa crise a camara dos dignos pares, e ella já ouviu as rasões que tive para não comparecer ás suas sessões; porque a mim me repugnava a politica e a organisação dos ministerios, e sempre me repugna tudo quanto não seja conforme com a minha consciencia e sem paixão alguma dar o meu voto nas medidas que se apresentarem, e entrar na discussão com o pouco cabedal dos meus estudos. O que defendo e o que desejo é o bem do meu paiz, e não a existencia de ministerios ou a sua organisação, pois que tanto me importa que governe este ou aquelle individuo, este ou aquelle grupo, o que exijo é que governe bem, e por consequencia só virei á camara todas as vezes que possa para tratar dos negocios de interesse publico; mas nunca das questões politicas, nem da organisação de ministerios, e para auctorisar a resolução em que estava peço licença ao meu illustre amigo e digno par, o sr. visconde de Ribamar, que refira agora uma conversa que tive com s. ex.ª na vespera de me retirar parra minha casa, porque n'essa occasião s. ex.ª com palavras cavalheirosas e benevolas me estimulava para que viesse occupar o meu logar n'esta casa.

Eu respondi a s. ex.ª ámanhã vou para Coimbra adduzindo-lhe todas estas rasões; no dia seguinte organisou-se o ministerio, e eu que não sabia as causas que tinha tido o ministerio que saíu, nem as do que entrava; sabendo este acontecimento n'um theatro da capital, não consultei senão o meu coração, e dirigi-me a um meu amigo, que hoje esta nos bancos do ministerio, não para lhe dar os parabens por ter sido chamado aos conselhos da corôa, mas para lhe dar os sentimentos por ter subido ao poder e anima-lo para que desempenhasse a ardua e improba tarefa que caiu sobre os seus hombros; e disse-lhe, com as palavras proprias de um

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amigo, que fosse energico e forte, e que em todo o caso senão sentasse nos bancos do ministerio sem a intenção firme de cumprir com o seu dever. Ainda assim, sr. presidente, não saí do meu proposito de retirar-me para minha casa; mas infelizmente, a opinião publica da capital (e digamos o que cada um na sua consciencia entende), a opinião publica estava desvairada por excessos exagerados, desvairada por um momento pelos excessos do partido e dos jornaes que eram mais affectos á antiga situação, não conhecendo nos novos caracteres que se associavam á governação publica conhecimentos bem vastos da administração do estado, porque effectivamente não tinham ainda apresentado no publico provas muito notaveis da sua sciencia de governar, e póde dizer-se a respeito de um d'elles, que muitas provas tinha dado da sua elevada capacidade, que não se sabia mesmo que tinha estudado a sciencia de governar.

Digamos as cousas como ellas são na nossa consciencia.

A opinião publica desvairava-se com a linguagem dos individuos e jornaes que até ali eram mais affectos ao governo, e que vendo no gabinete um vulto importante d'este paiz, a quem até ali chamavam o chefe do grande partido progressista, começavam já a dirigir-lhe acrimoniosas censuras, e a cuspir insultos sobre um homem, que era respeitavel para todos, e ainda é respeitavel para nós, e para mim muito especialmente; a opinião publica hesitava se a paixão podia dar origem a tamanho desvario da parte dos amigos de hontem, ou se effectivamente haveria algum passo inconsiderado da parte do homem que estava tão habituada a respeitar. Estas hesitações de uma grande população, excitadas por agitadores e animadas por imprudentes, dão origem á desordem.

N'essa occasião, sr. presidente, um dos meus amigos e que bem proximo se acha de mim (virou-se para o sr. conde d’Avila) me aconselhou que o dever do homem publico em qualquer situação que se encontre é receber os acontecimentos como elles se acham, e não confundir um passo de prudencia com o da cobardia, para deixar de fazer chegar a sua voz onde é chamada.

Eu agradeço a quem me deu tão bom conselho, porque me acompanhou á camara dos dignos pares para votar com os homens experimentados no governo do estado, e que não querem de modo algum excitar a> opinião publica que encerrássemos uma sessão que se apresentava tumultuosa e aonde palavras soltas imprudentemente pareciam querer excitar o povo a fazer nascer a desordem d'onde devia sem partir a ordem; era menos prudente n'um momento de exaltação excita-la com palavras que podiam comprometter o paiz.

Não se julgue, sr. presidente, quo quero fazer censura a quem com paixão defende opiniões com que não concordo, e por consequencia já se vê que não é minha intenção censurar o meu nobre amigo, o digno par Sebastião José de Carvalho, porque embora o dever me obrigue algumas vezes a dirigir-lhe algumas expressões mais severas, para lhe dizer que as suas idéas não estão em harmonia com as minhas, faço sempre diligencia para lh'as dizer de maneira que s. ex.ª nunca tenha de me retirar a mão de amigo, assim como espero que aconteça com os srs. ministros, principalmente com dois de quem sou amigo desde o tempo em que estudávamos juntos nas margens bellas da minha amena e querida patria.

Sr. presidente, dada esta explicação, direi ainda que sinto, e sinto muito que a governação do estado não esteja vigorosa, como tem estado até agora, é forte como era para desejar nas mãos dos homens que podessem governar com as maiorias das duas casas do parlamento; e porque tambem é certo que as maiorias não estão hoje com aquella força com que estavam anteriormente, para se poder dirigir bem a nau do estado, como era o meu desejo.

Eu sinto, sr. presidente, que esta situação esteja assim, e muito mais o sinto, porque a renovação do voto popular trouxe á camara electiva muitas intelligencias novas e robustas, e muitos cavalheiros distinctos e influentes, que vinham dispostos a entregarem-se com todo o seu esforço, a entregarem-se quanto possivel aos negocios da publica administração, e a darem a força necessaria ao governo para a continuação dos grandes empregos e dos grandes commettimentos de civilisação, em que o paiz todo esta empenhado ha muito tempo.

Sinto-o, mas apesar, de sentido não se segue que, por que o mal nos assombre, lhe não procuremos o remedio.

Nobilitou-se hontem a tribuna portugueza com a palavra auctorisada de alguns dos seus mais distinctos ornamentos. Ouviu-se a palavra auctorisada de um dos primeiros estadistas d'este paiz e a de um dos nossos mais distinctos litteratos.. Fallo do meu nobre amigo o digno par Rebello da Silva, a quem posso dar este nome, porque já me tem dado muitas provas da sua estima, e fallo tambem do nobre conde de Thomar, tambem amigo porque o é todo o homem que nos trata bem, e as nossas relações têem sido sempre boas, posto que não sejam intimas.

Ainda bem sr. presidente, que a tribuna se rehabilitou que bastante o precisava, e saíu do campo dos doestos para entram na discussão da these constitucional, para sabermos se pertence ou, não, a esta camara avaliar o modo por que foi organisado o gabinete, e se devemos ou não dar a nossa opinião sobre essa organisação.

Sr. presidente, se eu olhasse para o fundo dos meus conhecimentos, parado valor da minha capacidade, de certo não teria pedido a palavra para entrar n'uma questão de tanta magnitude, mas pedi-a n'um daquelles movimentos do coração, a que na minha idade se não sabe ser superior, via injuriar amigos particulares meus só pelo grande crime de terem tomado sobre seus hombros tão pesada cruz, pedi-a quando via o silencio de uma parte, e do outro as injurias e doestos affogueando o rosto de quem as ouvia, e ditas dentro de uma casa aonde não póde nem deve haver senão a prudencia, a imparcialidade e a circumspecção, e ditas a quem para salvar o decoro do logar que occupa, não póde responder a ellas como homem. Arrependi-me depois de ter pedido a palavra, porque não estava em discussão moção alguma, nem era para mim responder ás injurias, porque o negocio' não era comigo, e ainda que o fosse não o faria, porque para responder na mesma linguagem, era melhor não dizer nada (apoiados).

Hontem, porém, vi com prazer que o digno par o sr. Rebello da Silva, fazendo mais censuras e mais preguntas ao governo, do que os oradores que o tinham precedido, tratou a questão com a maior gravidade a que ella se podia elevar, dizendo muito mais do que ainda se não tinha dito sobre a materia, desagradando muitas vezes mesmo aos amigos do governo, censurando a marcha pela qual as cousas publicas tinham caminhado até hoje, e apesar de chegar a este ponto, não disse nunca uma unica palavra, que nós não gostássemos de ouvir. Assim é que se deve discutir.

Sr. presidente, o digno par o sr. conde de Thomar, elevando a questão á altura do seu nobre caracter, com a linguagem que a sua aprimorada educação lhe indicava, tocou nos mais melindrosos pontos da questão actual e do estado dos partidos e disse, sem paixão, o que deve dizer um grande estadista, e faça-se justiça a s. ex.ª, porque é um dos primeiros vultos d'este paiz, e se a injustiça partidaria não lhe quer ainda reconhecer os serviços importantes que prestou ao paiz e á ordem publica, que soube sustentar; ha de a historia com o seu cinzel imparcial, aconselhada pela boa rasão, escrever-lhe uma pagina brilhante, que ninguem já lhe póde disputar, porque fez sentir o seu governo pela boa ordem, pelas acertadas medidas que adoptou, e por muitas cousas boas, santas, sãs e justas; porque era governo que governava. N'isto que digo, não quero fazer a sua apotheose, porque tambem teve erros, mas quem é que não os commetto? Aos erros sobrepujavam muitas cousas boas, o tanto que o partido que o combatia, largando os combates revolucionarios e a senda das paixões, quando uma espada gloriosa veiu fazer pender a balança para outro lado, quando Outros homens entraram no poder, viu as difficuldades que havia, e a estrada que seguiu nos negocios publicos foi bem proxima da que queria seguir o sr. conde de Thomar.

O nobre conde de Thomar fez de uma maneira muito completa a classificação dos partidos em que esta camara esta dividida, e eu quero que a minha seja no grupo dos que não tem partido, porque o meu partido é o paiz, e a minha aspiração é que elle chegue ao grau de prosperidade e de felicidade moral, que nós temos obrigação de lhe dar (apoiados). E não se faz isto senão com a experiencia e com o talento, como muito bem disseram todos os oradores.

Vejo no ministerio dois vultos venerandos, que me ensinaram a respeitar desde os mais verdes annos; um que dirige o partido progressista, e o outro que serviu sempre o seu paiz; ambos foram ministros do imperador, ambos tiveram sempre a confiança da corôa, e tem-na ainda hoje, e espero que elles saibam dar força ao governo, por que é isso que tem faltado no nosso paiz, e ha muito tempo. Os governos tem sempre cedido a pressões nefastas, quando devem governar com as suas idéas e com as leis que trazem ao parlamento.

Sr. presidente, os outros ministros quem são? Um é o sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa, homem que todos nós conhecemos, porque este paiz é pequeno e todos nós nos conhecemos, e portanto podemos dizer que é um homem que todos estimamos, que todos respeitamos, que é um homem honrado; e os outros? Diz-se, que não são conhecidos; não é exacto, todos sabemos que pelo menos são homens honrados.

Sr. presidente, mal vae ao paiz, muito principalmente porque, até aqui, todo o homem que subia ao poder, era necessariamente, pelos homens que estavam fóra e aspiravam a elle, acoimado de incapaz e corrupto, e dava-se-lhe um nome, que não quero repetir, e que fazia acreditar que este paiz não havia senão homens corruptos cujo sentimento unico era a ambição de oiro.

Quando acabaremos de nos desauctorisar e de apresentar o espectaculo de que todos os homens publicos são incapazes de ir ao poder, e que não podem saír d'elle sem virem manchados?

Sr. presidente, esta é a verdade. De muitos caracteres distinctos se tem dito o que não é verdade; dos dois caracteres que se póde dizer constituem a principal força do governo os srs. duque de Loulé e marquez de Sá nunca se disse nenhuma d'essas aleivosias. Quando se offende uma paixão ou uma pretensão, se esse homem que pretende ou essa paixão que se affecta existe em um homem que não tem nobreza de sentimentos, esse homem vae para as praças publicas, vae para a imprensa desacatar o individuo que estava no poder e que não o attendeu. Isto são cousas que dependem de felicidade. E como nas batalhas, tão valentes são os feridos como os que o não foram. Assim acontece com muitos caracteres d'esta terra; foram feridos porque se revoltaram contra muitas pretensões iniquas. Mas homens ha afortunados na sua carreira politica, como os srs. duque de Loulé e marquez de Sá, que não sendo menos valentes nas lutas politicas e civis, nunca foram feridos n'esta guerra injusta e iniquia. Eis o motivo porque se mantem o governo; eis o motivo porque eu os reputo muito necessarios na situação actual.

Mas, sr. presidente, desvairada anda a questão e mais desvairada ainda desde o momento em que nós, que devemos ser os primeiros a pôr cobro a estas apreciações pouco cabidas, as deixamos apresentar e discutir na tribuna. Nós não devemos querer que no seio do parlamento se pronunciem certas expressões, ainda mesmo encobertas, e talvez mesmo que encobertas sejam mais perigosas, por isso que se citam factos alterados e se allude a fabulas alteradas e comparações pouco decorosas; porque se isto se der muitas vezes, ninguem haverá que queira subir ao poder. Talvez essas pastas que se acham entregues a ministros novos fossem offerecidas a muitos ministros velhos, e que estes, conhecendo já pela experiencia os desgostos que teriam de experimentar, resignassem aquellas cadeiras, por isso que a sua saude não poderia resistir á commoção que seguramente despedaça o coração dos que a soffrem, e dos seus amigos que se mortificam e deploram os seus desgostos.

Os partidos, sr. presidente, acham-se no estado desgraçado em que justamente os apresentou o sr. conde de Thomar: «Homens do partido progressista, disse s. ex.ª, uni-vos todos e salvae o paiz; dae-lhe um governo forte; largae os vossos caprichos, e ponde-vos todos em volta do throno e das instituições; vede que assim não é possivel governar a nau do estado; despi-vos das vossas paixões e preconceitos; vede que a marcha que tendes seguido é errada».»

Isto, sr. presidente, tinha eu tenção de dizer, e já mesmo aqui o disse; porém estimo que estas palavras fossem proferidas por uma voz mais auctorisada do que a minha, por isso que assim ellas serão melhor acolhidas pelo paiz. Quando eu tive a honra de fallar pela primeira vez n'esta camara, já tinha feito ver que, apresentando-se n'esta casa qualquer medida da iniciativa parlamentar, a opposição e maioria achavam-a boa, mas tratava-se logo de ver se o governo podia caír com ella. E de que maneira? Com as emendas, additamentos, substituições e mil outras questiúnculas que se levantam n'esta casa. Eu peço a V. ex.ª e á camara que me desculpem; mas eu não sei escolher palavras, digo unicamente o que sinto.

Eu já vi passar n'esta camara, em um só dia, um codigo e vinte e duas leis, e ninguem pediu a palavra senão eu, e da parte da maioria cortou-se a discussão porque faltava o tempo para votar, gastando-se muitos dias em discutir questões politicas que não dão resultado; porque, depois da discussão, vem a maioria e acaba com ellas reconhecendo a inconveniencia de as ter discutido.

Sr. presidente, tres semanas levámos aqui a discutir a questão do escrivão da camara ecclesiastica de Coimbra, e terminámos por uma moção em que se dizia que a camara não achando nada digno de discussão passava á ordem do dia; não digo isto como censura ao honrado collega que fez a moção, mas para fazer ver o inconveniente de discussões prolongadas em materia que prejudica a situação prudente d'esta camara; é melhor não discutir do que reconhecer que se discutiu de mais. Devemos confessar que nos achâmos muitas vezes discutindo questões de que se não tira resultado algum, perdendo-se assim um tempo preciosissimo e que poderia ser empregado mais utilmente.

Sr. presidente, um vulto importantissimo d'este paiz, e um grupo de homens intelligentes fizeram grandes serviços á sua patria, desenvolvendo-lhe os interesses materiaes, e fazendo-lhe mil outros beneficios. Este grupo que esqueceu todas as paixões politicas, acercou-se em roda do throno, e fez os mais importantes serviços ao seu paiz; este grupo foi aggredido por toda a gente, e o vulto importante foi apontado como corrupto, faccioso, réprobo, e de... até tenho pejo de o dizer: foi accusado de...!

Esse vulto era o sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães. Dizia-se então que o fim d'esse homem era corromper os partidos para os algemar, a fim de chegar ao despotismo, e governar á sua vontade, e encher de dinheiro as algibeiras!

Mas estes homens saíram emfim do poder, e aquelles que os foram substituir, que eram cavalheiros muito respeitaveis, assim que subiram ao poder vieram logo dizer ao parlamento «nós seguimos a politica dos nossos antecessores».

Vozes: — Deu a hora.

Sr. presidente, são tão poucas as considerações que tenho a fazer que não me parece que seja muito util, até para' a discussão, que eu falle dois dias, mesmo porque seria isso' para mim um pouco desagradavel; por consequencia vou cortar tudo que desejava expor para poder desde já concluir as minhas reflexões.

Vozes: — Falle, falle.

Parece-me que todos os inconvenientes cessariam se fosse prorogada a sessão até ás seis horas (apoiados). No entanto' a camara faça o que entender.

Vozes: — Falle, falle. N'esta situação, sr. presidente, se achava o governo actual, quando, por motivos que todos nós sabemos, se não póde realisar a formação de uma administração debaixo dos nomes illustres a que se recorreu para ella se fazer.

Parece-me que a camara não está disposta a ouvir-me; e por isso julgo mais conveniente pedir a V. ex.ª que me reserve a palavra...

Vozes: — Falle, falle.

N'esse caso continuarei.

Sr. presidente, as verdadeiras questões de administração publica carecem da força dos partidos, e o sr: duque de Loulé encarregado de novo dá organisação de um ministerio, longe de merecer censura, quanto a mim, merece elogio por se ter desprendido de caprichos mal entendidos, e procurado conferenciar a tal respeito com um vulto importante da opposição: Se as relações estavam interrompidas, como disse o proprio digno par; o sr: Aguiar, foi nobilissimo a meu ver o passo que deu o sr. duque de Loulé. Bom seria' de certo, para este pequeno paiz; que os homens publicos e mais importantes se congraçassem todos, se desprendessem de caprichos, e se unissem todos para o mesmo fim, no mesmo intuito do bem da causa' publica. Más emfim sobre este ponto nada mais direi; occasião virá talvez mais opportuna, em que outras vozes mais auctorisadas fallem n'este mesmo sentido, e se possa tirar algum re

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sultado em proveito do paiz, que tanto carece da dedicação desassombrada dos homens mais eminentes d'esta terra.

Sr. presidente, o digno par o sr. Rebello da Silva, tratando tão elevadamente a questão, apresentou tambem aqui uma moção, que eu creio que esta camara não póde approvar, e a rasão é simples; a rasão é porque essa moção importa o mesmo que declarar que os ministros devem largar o podér por inépcia presumida! Oh! sr. presidente, pois se elles ainda nada fizeram, porque ainda não ha tempo, não será melhor presumir a sua aptidão do que a sua inépcia? Eu não sei de cousa alguma que lhes seja desfavoravel, e vejo-os á sombra de caracteres illustres, que nós por tantas vezes temos apoiado, concedendo-se-lhes até por mais de uma vez votos de confiança. E depois, sr. presidente, eu vejo que aos nobres ministros não lhes falta a confiança da corôa (O sr. S. J. de Carvalho: — Apoiado), não lhes falta mesmo a confiança do povo, representado na assembléa nacional, onde ultimamente numa votação solemne sobre a questão que nos occupa se patenteou uma maioria de sessenta votos. (O sr.' Rebello da Silva: — Mas eu não usei da palavra inépcia, nem tinha esse sentido.) Bem sei que o digno par não usou de tal expressão, nem era capaz de tal dizer; eu, em sentido figurado, attribui, ou antes queria dizer que se poderia attribuir esse sentido, mas todos viam, e todos sabem, que isto vem da questão da constitucionalidade ou da inconstitucionalidade; mas é por isso que eu dizia, e digo, que a moção do digno par, o sr. Rebello da Silva, não póde ser approvada pela maioria, que tem apoiado constantemente, e esta apoiando ainda, o sr. presidente do conselho: n'outro caso estaria eu, que não sou propriamente maioria, ainda que tenda mais a votar com esta; mas eu por isso mesmo não posso tambem por mais uma rasão approvar essa proposta, essa rasão é a que expuz, porque póde parecer, alem de tudo que se queira, uma grande inconveniencia, refiro-me á desconsideração á corôa por um acto puramente seu, em conformidade com a carta; e tanto menos posso concordar, porque eu agora vi seguir, segundo o meu modo de pensar, uma marcha mais regular dos verdadeiros principios; eu vi que' se dissolveu uma administração e que se formou outra; se entraram alguns dos mesmos que tinham saído não vejo que isso seja prohibido.

Foi de outra fórma bem differente que eu vi resolver uma difficuldade no gabinete, por occasião da saída do digno par, o sr. conde d'A vila, o que na realidade me causou bastante sentimento, porque era uma grande intelligencia que estava na governação do paiz, e eu de muito bom grado lhe dava o meu apoio; em consequencia dessa recomposição retirei-me das côrtes, e se depois voltei a apoiar o ministerio recomposto foi por entender que era muito melhor deixar governar, do que oppor qualquer estorvo a capacidades reconhecidas; o mesmo aconteceu depois com a saída do illustre e nobre marquez de Sá, saída que eu muito senti, e que deplorei; mas é por isso mesmo que as cousas assim correram por mais de uma vez, e se passou por alto sobre tudo isto, e sem fazer grande questão, que eu agora estranho que se discuta hoje tanto um acto muito mais regular, e mais conforme com os principios constitucionaes, e que eu julgo que a maioria de então não póde deixar de ser a maioria de hoje. Eu sinto sim que se não podesse reconstruir o gabinete, mas não posso deixar de reconhecer que se salvaram os principios; não discuto se podiam ou deviam ser chamados outros homens de mais provada intelligencia, o que discuto é que dos novos ministros que entraram precisamos aguardar os seus actos para os avaliar, e em relação aos que já tinham estado na administração não vejo rasão ou motivo de inhabilidade para continuarem a ser ministros.

Mas pergunta-se: o que representa o sr. duque de Loulé na governação do estado? Representa a confiança da corôa, representa a confiança da outra camara; que muito significativamente acaba de exprimir o seu voto, e acho que representará tambem a confiança d'esta camara, que julgo ainda não esta resolvida a retirar-lha; representa tambem, sr. presidente (e com effusão o digo), representa a confiança do povo, que no meio da força de instigações acrimoniosas, de apreciações insultantes, e proclamações iniquas, malevolas, e até insensatas, a tudo isso tem correspondido com uma tranquillidade que honra sobremaneira esta capital (apoiados), prova sobeja da civilisação e bom senso do povo de Lisboa (apoiados).

Eu quereria, sr. presidente, que os ministros se achassem mais precavidos para poderem desde já vir dizer-nos tudo que hão de fazer; mas os srs. ministros o que precisam é procurar ter força e saber sustenta-la, importando-se pouco ou nada com as pretensões dos corrilhos, que quasi sempre o que querem é dominar as situações.

Sr. presidente, desejaria ver renovar o systema dos programmas politicos; era um acto de lealdade politica, e não ver a marcha irregular de medidas com que homens especulam, umas vezes a pretexto de se pretender a liberdade dos vinhos, por exemplo, outras vezes pela liberdade do tabaco, e emfim sempre com um motivo dado, para d'esse modo influir sobre a governação publica, e procurar caminho aos seus fins.

Illustremos pois o paiz primeiro que tudo; illustre-se o governo procurando o concurso dos homens eminentes; illustrem as maiorias o ministerio, e procure este, de accordo com o parlamento, fazer o melhor e mais proficuo governo para esta nação tão digna de ser prospera, e que tem a fortuna de ter um clima tão abençoado (apoiados).

Eu fallo sempre, sr. presidente, desapaixonadamente e desinteressadamente (muitos apoiados); eu posso declarar bem alto que nunca pedi favores ao governo, não os tenho recebido, não os tenho procurado; portanto o que digo e repito é que o governo deve sempre procurar illustrar-se e fortalecer-se com o apoio dos corpos legislativos (apoiados).

A sua tarefa é muito espinhosa, e se não apresentam medidas que sejam capazes de manter a homogeneidade d'essas maiorias, cáem, e fazem muito bem em caír; e as maiorias em os não apoiar.

Sr. presidente, a questão em que se fallou principalmente foi na que diz respeito ás subsistencias. Desejo tambem que ss. ex.ª resolvam esta questão, mas desejo tambem que attenda!» mais aos factos do que ás palavras. O digno par, o sr. Rebello da Silva, na occasião em que se referiu a este assumpto, disse uma expressão que estou bem certo não tinha intenção de dizer. S. ex.ª disse: «olha-se mais para as necessidades politicas dos pobres do que para as necessidades reaes». Expressou-se assim pouco mais ou menos, e s. ex.ª emendar-me-ha se lhe parecer que me escapou a phrase. De certo o digno par não queria dizer que os homens que se sentam daquellas cadeiras como conselheiros da corôa desprezam as necessidades dos pobres, e que nós, os ricos, os abastados, os que se sentam aqui para tratar dos interesses do estado, fazemos o mesmo.

O sr. Rebello da Silva: — Se o digno par me dá licença eu explico o que disse. No que expuz não me referi ao gabinete; disse que era melhor attender ás necessidades reaes dos pobres do que estar-lhes a lisongear as paixões, olhar mais para as suas commodidades do que procurar inflamar-lhes as paixões politicas. A phrase nem é minha, é de um homem que passa na Europa como auctoridade segura nas materias de concentração de poderes: refiro-me a Napoleão III.

O Orador: — Agradeço ao digno par a reflexão que acaba de fazer; por isso que a phrase era perigosa, sem o correctivo, vindo da bôca de pessoa tão entendida n'estas materias governativas, e tão delicada e eloquente como s. ex.ª Devemos olhar para a questão das subsistencias, que não se cifra só na introducção dos cereaes estrangeiros. E uma questão que é necessario averiguar com factos, com calculos e com as estatisticas e não com principios. Abram-se os portos aos cereaes, e não se diga que me obriga a fallar causa propria, pois a minha colheita de cereaes não é circumstancia que podesse fazer peso na minha receita para dar voto em contrario a essa medida, porque o forte das nossas casas na Beira, é o azeite, e por consequencia não temos grandes difficuldades n'essa questão; mas é preciso attender aos interesses do paiz. Abram-se os portos, mas seja só depois de se verificar com toda a exactidão que só essa é a solução que póde ter a questão. È nos grandes centros da população que se deve considerar principalmente a questão que é mais, quanto a mim, de falta de capital, do que de falta de pão.

O terreiro do trigo que ahi existe foi cousa óptima neutros tempos; hoje porém esta sendo um monopolio prejudicialissimo á alimentação da capital. O consumo das matas, a falta de combustivel, são tambem elementos essenciaes para se não ter o pão barato. Por consequencia são necessarios estudos, é necessaria a comparação do preço dos generos no paiz com o seu preço nos outros paizes, comparação do qual resulta que o preço do genero entre nós, não é exagerado; e só o é nos grandes centros de população. Estudar pois esta questão é uma necessidade, e fazer mesmo sacrificios em favor do numeroso povo de Lisboa; e lembrarei, sem querer agora que se dê valor á minha idéa, e lembrarei, digo, o que se fez em París, em circumstancias similhantes, onde se estabeleceu uma caixa economica onde os padeiros achavam sempre o dinheiro necessario para occorrer ás necessidades publicas. O que convem pois, primeiro que tudo, é averiguar os factos, examinar e estudar, para depois, com pleno conhecimento de causa, se empregarem os meios de resolver a questão, e propondo uma lei que não possa affectar os interesses agricolas do paiz.

Eu queria, sr. presidente, que se não chamasse só a attenção dos srs. ministros para esta questão; ha outras tambem muito importantes a que se deve attender, taes como a da moralidade publica, a da instrucção, que é o pão do espirito, e tambem a da liberdade de imprensa, que é igualmente necessario que se resolva. Todos os dignos pares sabem que eu propuz uma medida a este respeito, e que não tinha intenção com tal medida aferrolhar a imprensa, como se vê claramente no projecto que tive a honra de apresentar n'esta camara, ao qual a imprensa mesmo fez justiça; e a Independencia belga, referindo-se a elle, disse que uma lei assim é que precisava a Belgica.

Imprensa livre, mas logo a responsabilidade a seu lado; não póde haver liberdade sem responsabilidade. Não renovo a iniciativa d'essa lei, porque aprendi já que os governos têem mais em attenção a sua existencia do que aquillo que se julga preciso para a salvação do paiz.

O anno passado apresentou no parlamento o governo, ou alguem d'elle a lei, e disse que se havia de votar; mas veiu alterada, e essa alteração não foi nada boa. Não renovo a iniciativa, porque não conto tomar parte activa na vida parlamentar; tenciono voltar para a vida particular, e só vir aqui quando o meu voto for preciso e util á republica. Só lembro porém aos srs. ministros que o paiz espera pelos seus actos, e que vejam se querem só ser ministros, ou se querem governar, como quer o seu partido, como desejam todos os bons portuguezes; concluo dizendo que voto pela moção do sr. conde d'Avila por ser a mais propria para salvar o decoro d'esta camara e dos srs. ministros, que poderão os seus inimigos dizer que não têem grandes titulos para governar, mas que não podem dizer que não são homens honrados,.a quem toda a gente apreciará estender a a mão de amigo.

Peço desculpa á camara de qualquer exageração ou inconveniencia que houvesse na minha phrase; mas espero que ella me fará a justiça de acreditar que não desejei offender ninguem com as minhas palavras (apoiados). Tenho concluido.

O sr. Presidente: — Ámanhã haverá sessão ás quatro horas, sendo a ordem do dia a mesma de hoje. Está levantada a sessão. Eram cinco horas e tres quartos da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 16 de março de 1865

Ex.mos srs. Silva Sanches, vice-presidente.

Duque de Loulé.

Marquez de Alvito.

Marquez de Ficalho.

Marquez de Fronteira.

Marquez de Niza.

Marquez de Ponte de Lima.

Marquez da Ribeira.

Marquez de Sabugosa.

Marquez de Sá da Bandeira.

Marquez de Vallada.

Conde de Alva.

Conde d'Avila.

Conde de Bretiandos.

Conde da Azinhaga.

Conde de Fonte Nova.

Conde de Linhares.

Conde da Louzã.

Conde de Mello.

Conde de Paraty.

Conde de Peniche.

Conde de Santa Maria.

Conde de Rio Maior.

Conde de Terena.

Conde de Thomar.

Conde de Torres Novas.

Conde de Sampaio.

Visconde de Benagazil.

Visconde da Borralha.

Visconde de Condeixa.

Visconde de Fornos de Algodres

Visconde de Gouveia.

Visconde de Monforte.

Visconde de Ovar.

Visconde de Ribamar.

Visconde de Soares Franco.

Visconde da Vargem da Ordem.

Barão de Ancede.

Barão de S. Pedro.

Barão de Villa Nova de Foscôa.

Mello e Carvalho

Mello e Saldanha.

Antonio Luiz de Seabra.

Pereira Coutinho.

Teixeira de Queiroz.

Rebello de Carvalho.

Sequeira Pinto.

Pereira Magalhães.

Silva Ferrão.

Francisco Simões Margiochi.

Moraes Pessanha.

Osorio e Sousa.

Silva Carvalho.

Joaquim Antonio de Aguiar.

Joaquim Filippe de Soure.

José Augusto Braamcamp.

Silva Cabral.

Pinto Basto.

Izidoro Guedes.

Reis e Vasconcellos.

José Lourenço da Luz.

José Maria Baldy.

Rebello da Silva.

Castro Guimarães.

Fonseca Magalhães.

Vellez Caldeira.

Preto Geraldes.

Canto e Castro.

Cabral e Castro.

Brito do Rio.

Menezes Pita.

Sebastião de Almeida e Brito.

Sebastião José de Carvalho.

Neto Paiva.

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