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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO DE 16 DE MARÇO DE 1865

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. SILVA SANCHES

PRESIDENTE SUPPLEMENTAR

Secretarios, os dignos pares

Conde de Peniche

Mello e Carvalho

(Assistiam os membros do ministerio, com excepção do sr. ministro do reino, que chegou depois.)

Depois das duas horas da tarde, tendo-se verificado a presença de 64 dignos pares, declarou o ex.mo sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, contra a qual não houve reclamação.

O sr. Presidente: — Foi-me participado estar nos corredores da camara o sr. conde de Bertiandos, que vem para tomar assento como par do reino; nomeio por isso os srs. conde de Terena e visconde de Gouveia para o introduzir na sala.

Sendo introduzido na sala com as formalidades do costume, prestou juramento e tomou assento.

O sr. Presidente: — Participo á camara que a deputação encarregada de submetter á real sancção os dois decretos das côrtes geraes, fixando as contribuições pessoal e predial para o anno civil de 1865, cumpriu a sua commissão, sendo recebida por Sua Magestade El-Rei com a sua affabilidade costumada.

O sr. Secretario (Conde de Peniche): — Mencionou o seguinte

Officio da associação commercial do Porto, confirmando o officio de 7 do corrente, p pedindo que se distribuam cem exemplares da sua representação a favor da lei permanente de cereaes.

O sr. Presidente: — Vamos entrar na

ORDEM DO DIA

E tem a palavra o sr. ministro da justiça, que hontem ao encerrar a sessão a pediu por parte do governo.

O sr. Ministro da Justiça (Ayres de Gouveia): — Sr. presidente, ergo-me para fallar nas mais desfavoraveis circumstancias possiveis, visto que a camara teve antes de mim cinco oradores eloquentes e ornamentos d'esta casa que lhe occupassem a attenção, e entre elles a voz auctorisada de uma gloria da tribuna parlamentar, a voz mais inspirada, correcta e fluente de quantos podem ouvir-se. Em taes circumstancias, tendo eu a palavra por parte do governo, procurarei só responder a quasi todas, se não a todas as graves e importantes questões de que se pede uma solução, e com que se busca apreciar a politica e o modo de proceder do gabinete.

Para não fazer um grande preambulo e malbaratar tempo, dispor-me-hei simplesmente a tratar os pontos que fizeram objecto das considerações dos dignos pares. Entremos n'elles, pois, desde já.

Perguntou-se primeiro d'onde vem os ministros? Vem da prerogativa real? Vem do paço? Eu francamente digo, sr. presidente, que venho do paço, porque a constituição ordena que os ministros venham da prerogativa real; mas nem eu, nem os meus collegas jamais nos esconderemos nas dobras do manto real, para deixar de tomar inteira a responsabilidade dos nossos actos. Não me agacharei nunca atrás da corôa para fallar a verdade ao povo, ou para o atraiçoar nas suas justas aspirações.

O digno par, o sr. Rebello da Silva, disse não me importa a mim d'onde vem os ministros, importa-me para onde vão e como vão. Esta sim que é a doutrina constitucional, e para satisfazer a ella é que nós aqui estamos, para provar com os nossos actos para onde vamos e como vamos, ficando ás camaras sempre salvo o direito e sempre apertada a obrigação de nos atalhar em qualquer desvio, ainda involuntario, e de nos fulminar pela censura.

Disse-se que o gabinete tem estado silencioso, e que não tem palavra. Sr. presidente, o gabinete não teve palavra quando se irritavam as pugnas entre amigos e adversarios, quando a insinuação ou o doesto substituíam a accusação categorica ou a pergunta cortez, e quando as paixões politicas tomavam logar á reflexão e madureza tão proprias d'esta assembléa. Para que era então necessaria a voz do governo no meio d'estas lutas? Quando nos chamarem a terreiro para saber a nossa opinião, e para nos chamar a attenção sobre os nossos actos, então nós levantar-nos-hemos para dar cumprida resposta; e se não satisfizermos, a constituição do estado indica os meios de sermos substituidos por quem mais possa, mais queira e mais valha. Não respondeu o gabinete ás preguntas que lhe fez o digno par, o sr. Rebello da Silva? Respondeu a todas; se, porém, a camara queria que o governo viesse responder, mesmo sem ser perguntado, como desejava o digno par, o sr. Sebastião José de Carvalho, isso não podia o governo fazer, creio mesmo que essa exigencia é demasiado exagerada, porque ninguem póde responder ao que se lhe não pergunta. Resumindo, o governo vem da constituição; os novos ministros vem da constituição, e vem para responder sempre, e para tomar a completa responsabilidade de todos os seus actos.

O ministerio actual representa uma organisação nova ou uma reconstrucção? Isto é materia amplamente discutida, e a camara sabe de certo que o ministerio representa uma organisação nova, porque, já por mais de uma vez, se historiaram os factos que deram em resultado esta nova organisação. Para que pois fazer mais uma pergunta? Indagar mais, se o governo é uma organisação nova ou uma reconstrucção do ministerio passado? O sr. presidente do conselho historiando os factos, disse, com toda a franqueza propria do seu caracter, que a camara podia aprecia-los como. quizesse.

Mas se é organisação nova insiste-se, como esta sentado no seio do gabinete, accumulando as funcções de ministro da corôa com o mandato popular, sem ter de novo exposto o seu nome ao suffragio publico, o sr. ministro das obras publicas? Esta pelo mesmo facto que se apresenta de não ser racional haver cumulativamente exoneração e nomeação, e porque a camara dos senhores deputados resolveu que elle não tinha perdido o seu logar por esse mesmo facto, porque disse-se n'essa occasião que embora o ministerio tivesse pedido todo, como pediu, a sua demissão a Sua Magestade El-Rei, não podia apparecer ao mesmo tempo uma nomeação e uma demissão; um decreto demittindo e outro nomeando o mesmo individuo para a mesma pasta, no mesmo momento. O sr. ministro das obras publicas pediu, é certo, a sua demissão, ficou todavia servindo no expediente; a nova organisação aproveitou este digno membro do ministerio passado, e chamou-o de novo aos conselhos da corôa, d'onde elle estava ainda fazendo parte no expediente; e se a camara dos senhores deputados decidir que elle perdeu o seu logar, s. ex.ª de certo sujeita o seu nome ao suffragio popular (apoiados), porque é áquella camara a quem compete resolver as questões eleitoraes; e se ella, repito, decidisse que se apresentasse de novo perante a uma, o illustre ministro apresentar-se-ia sem difficuldade.

Entremos n'outro ponto. Não eramos nós, assevera-se, que deviamos vir já tomar assento nos conselhos da corôa, já pela nossa verde idade, já pelo nosso modesto nome; porque não eramos conhecidos nem na imprensa nem na tribuna parlamentar nem nas commissões d'esta casa! Releve-me V. ex.ª affirmar que esta arguição nem é de todo ponto exacta nem tem importancia. Onde se pediu, nunca n'este ou n'outro qualquer paiz, que o ministro apresentasse a sua certidão de idade para tomar assento nos conselhos da corôa? Peça-se virtude, mas não se peça velhice. Muitos têem vindo mais novos, podendo já citar aqui a V. ex.ª mesmo, sr. presidente, que veiu para os conselhos da corôa ainda muito novo, e alguns outros membros d'esta camara, que vieram a estes logares em verdes annos.

Mas tambem não eramos conhecidos na imprensa; peço perdão para rectificar que, pequeno ou grande, havia lá alguma nomeada, tanto na imprensa scientifica, como na imprensa jornalística e litteraria.

A tribuna parlamentar tambem não desconhecia absolutamente os nossos nomes. Se nem sempre entravamos nas lutas dos partidos, nos debates apaixonados das facções, era porque não nos levava a isso o nosso caracter; mas se a nossa debil voz fosse necessaria, sempre se havia de ouvir, e quando o nosso voto foi preciso, sempre o dêmos com consciencia e com desafogo. Se algumas vezes não tomavamos a palavra antes de muitos oradores distinctos, era por estarmos certos que elles o faziam primeiro do que nós, e com mais proficiencia e lustre da camara electiva, cuja gloria ambicionávamos.

Emquanto a não ter trabalhado nas commissões da camara, direi que durante cinco annos em que tive assento na camara dos senhores deputados, fui sempre honrado com ser eleito para as commissões mais importantes, sendo uma dellas a da resposta ao discurso da corôa. Ora, em boa e leal verdade, cinco annos de trabalhos parlamentares não serão garantia sufficiente para subir aos conselhos da corôa? Presumo que sim. E podia citar mais de um exemplo. Lembro-me agora de um digno par, que vejo presente, o sr. conde d'Avila; quantos annos de parlamento e de idade tinha s. ex.ª quando subiu pela primeira vez ao poder? Era já o vulto que é hoje? Era já o financeiro consummado que hoje todos reconhecem? De certo que não. E a camara nem por isso lhe retirou a confiança ou deixou de aguardar os seus actos. Citarei tambem um illustre ex-ministro, o sr. Mártens Ferrão; quantos annos tinha de parlamento? Tinha apenas tres, e subiu aos conselhos da corôa para fazer um papel nobre e digno do seu integerrimo caracter. E assim poderia citar duzias e duzias dentro e fóra do nosso paiz.

E, si parva licet componere magnis, poderia tambem lembrar lord Palmerston, que dois annos apenas depois de tomar assento no parlamento, entrou nos conselhos da corôa, para lá estar, logo da primeira vez, dezenove annos seguidos.

Deixemos porém de parte a questão de idade, que nada vale, e consideremos outras asseverações, pois o digno par, o sr. conde de Thomar, referindo-se á organisação constitucional do gabinete, em que nenhuma duvida tem, disse: