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Sr. presidente, os dignos pares conde de Thomar e marquez de Vallada chamaram-se conservadores progressistas. Não entendo bem a phrase, embora se diga que é o partido grandioso da Europa. Conservar e progredir queremos todos nós; queremos conservar o bom e reformar o mau, progredindo para o bom.
Se o partido conservador da nossa terra é o grande partido da Europa, ignoro-o; o que sei, o que a historia diz é que muitos que principiaram a sua vida publica no partido conservador são hoje progressistas; poderei citar muitos exemplos, mas limitar-me-hei apenas a alguns. Sei que lord Palmerston, tendo entrado no parlamento como membro do partido tory, esta hoje membro de um gabinete whig; sei que mr. Gladstone, tendo entrado como tory puro no parlamento, é hoje whig, tendo entrado conservador é hoje progressista; isto entendo eu, mas dizer-se conservador progressista, é que não posso entender. Não entrarei mais n'esta questão de partidos, de que pouco entendo, nem quero entender muito, porque a minha pasta é de justiça; e porque gosto de fazer justiça a todos e aos adversarios, não continuarei a entrar n'esta questão.
No meio do seu largo discurso, o sr. marquez de Vallada, trouxe uma historieta de um convento para dizer que nós eramos os martyres. Fallou-nos de uma visita, não sei de quem, a um convento, não sei qual (O sr. Marquez de Vallada: — De jesuitas); muito bem, a um convento de jesuitas, aonde havia uns recolhidos em um quarto, que eram os martyres, porque eram os que se mandavam para os infiéis. O digno par applicou a historia ao ministerio. Realmente nós seriamos martyres se todos os dignos pares fossem infiéis, mas ainda bem que o não são.
Sr. presidente, como todos os dignos pares que fallaram primeiro, viram a questão da organisação do novo gabinete, e como as suas idéas se desencontraram e responderam uns aos outros, poderei eximir-me d'essa questão; mas na occasião em que isto se tratava, em que o sr. presidente do conselho dava explicações do que se passava ao sr. marquez de Sá, e lhe fallava claramente e de rijo, porque ao sr. marquez não se póde fallar em segredo, ouvi dizer a um digno par, que o sr. marquez ía fallar por inspiração do sr. duque de Loulé. Magoou-me isto, porque conheci a voz do digno par, que já achava em um defeito adquirido gloriosamente nas grandes lutas em defeza da liberdade e da patria, pretexto para dizer que o sr. marquez de Sá só fallava por inspiração. Não é preciso explicar este facto, porque este bravo militar, este caracter nobre não falla por inspiração de ninguem; e ainda bem que elle nos não ouve, para que não saiba que se lhe attribue que falla por inspiração de outrem. Este vulto venerando do partido da nação, merece que lhe façam mais justiça, e que todos lhe reconheçam a nobreza do seu caracter (apoiados).
O mesmo digno par tambem disse por essa occasião que era notavel que tivesse saído do ministerio o cavalheiro que era a alma e a cabeça d'esse ministerio, o homem que tinha mostrado mais fecunda e mais energica iniciativa; mas, acrescentava logo, iniciativa que eu sempre combati através de tudo, em todas as suas manifestações.
Bello meio é este! O digno ministro que saíu dos conselhos da corôa era habilissimo, era fecundíssimo em iniciativas energicas e vivazes, e no fim de tudo isto o digno par combatia-o sempre e por isso mesmo! Ha mais perigosa contradicção! Combatia-o porque tinha iniciativa, e censura que saísse porque tinha iniciativa! Pois eu não sou da opinião do digno par, nem mesmo espero sê-lo.
No meio do seu largo, brilhante e por vezes inspirado discurso, s. ex.ª quiz dizer ou fazer alguma cousa muito desagradavel ao ministerio, e para isso não lhe occorrendo de repente outro meio, foi apanhar pedras que não tinha em si; que não podia ter pela sua fina educação; foi, digo, apanha-las aos desvios da fabula, unico ponto onde imaginou as podia achar, e sobraçando o seu manto de par, quiz atira-las ao ministerio; foi busca-las á fabula, mas errando com a pressa o caminho, confundiu um sitio com outro, um com outro logar d'essas antigas paragens. E d'ahi aconteceu que teve de queimar as mãos no fogo que Pygmalião trouxera do céu para animar a sua formosíssima estatua. S. ex.ª não nos queria atirar pedras, mas foi decididamente busca-las á fabula, e em vez do homem das pedras, trouxe o homem da luz. Querendo rebaixar o sr. presidente do conselho, s. ex.ª exaltou-o; a sua bôca atraiçoou-o e disse a verdade. Póde porém o digno par estar certo que não tento n'isto atirar-lhe para lá com" as pedras que para cá vieram, mas sim defender unicamente o ministerio, por nossa dignidade, por dignidade da nação, e até por dignidade do digno par. O governo não se trata assim.
Eu não desejo por mais tempo occupar a attenção da camara; não é esse o meu systema; desejo ser sempre breve, e creio que tenho respondido, embora muito de carreira como a occasião obriga, ás preguntas que foram dirigidas ao governo, pelo menos áquellas de que tomei nota. Se no correr da discussão for necessario fallar novamente, eu pedirei a V. ex.ª que me inscreva.
O sr. J. A. de Aguiar: — Com pasmo ouviu dizer n'esta camara que era mesquinha esta questão, para occupar á camara tanto tempo como tem occupado. Por sua parte considera-a gravissima, pois se trata de um ministerio que pela sua organisação offendeu os principios e a decencia publica, e que póde chegar a fins que prejudiquem as instituições, o paiz e até a dynastia.
Outro porém foi o fim para que pediu a palavra. Pediu-a quando o sr. presidente do conselho disse que o tinha convidado, a elle orador pessoalmente, e não á opposição, porque s. ex.ª com estas palavras o tinha injuriado atrozmente, como se o suppozesse capaz de atraiçoar os seus amigos, elle que nem aos seus adversarios é capaz de faltar á lealdade que os homens de bem guardam mutua e reciprocamente. Convites d'estes injuriam aquelle a quem são feitos, e deshonram aquelle, que os faz. Conta setenta e tres annos e, d'estes, cincoenta passou-os na magistratura, nos parlamentos e nos conselhos da corôa, e nunca atraiçoou ninguem; e havia agora no fim da sua vida abandonar o partido a que esta ligado por principios e por affeições?! E porque?! O preço d'esta traição era uma pasta! A elle que tem sido muitas vezes ministro, que não menos vezes, não só tem recusado sê-lo, mas até organisar ministerios, sempre que não podia aceitar uma ou outra cousa sem quebra da sua honra, como ainda em 1856 quando os seus amigos saíram do ministerio por causa da grande opposição que tinham n'esta camara!
Com taes precedentes, o convite que se diz feito seria uma injuria inutil, ou quereria o sr. duque ter a seu lado quem podesse tambem ser accusado de deslealdade ao seu partido? Mas o orador apressa-se a declarar que o sr. duque não lhe fez tal convite. Expondo o que se tinha passado, referiu que tinha recebido um convite para fallar com s. ex.ª sobre objectos de publico interesse, em casa do sr. ministro das obras publicas, aonde elle orador se dirigiu á hora indicada; ouviu a exposição do estado das cousas depois que o sr. conde de Torres Novas tinha recusado a missão de organisar um ministerio, e sendo-lhe pedida a sua opinião, deu-a francamente dizendo que o que era conveniente era um ministerio mixto que não seria difficil de formar sob a presidencia do sr. marquez de Sá. Que elle orador acrescentara não julgar compativel com a dignidade e decoro do sr. duque de Loulé, encarregar-se elle quer da formação de um novo gabinete, quer da reorganisação do antigo; porque sabia-se o que a opinião publica dizia, que era provavelmente um conceito errado, mas que ficaria reforçado pelo resultado.
Não se fallou em pastas, nem que numero poderia caber á opposição, nem a elle orador pessoalmente, porque logo que soube ser o sr. duque de Loulé quem estava encarregado de formar o ministerio, reconheceu, e teve a franqueza de o dizer, a incompatibilidade que havia entre a opposição e s. ex.ª, para partilhar com elle do poder, já por que n'esta camara pendia e pende uma questão na qual podem ficar compromettidos dois membros do actual gabinete pelo principio da solidariedade ministerial, já porque o sr. duque de Loulé tinha declarado na mesma camara, que não se lembrara nunca de chamar a opposição a participar com elle do governo do paiz, e não o faria nunca; pelo que estava inhibido de offerecer-lho e a opposição não menos de o aceitar, porque aquella declaração tinha sido feita sobre uma outra do digno par Sebastião José de Carvalho, que ella aceitou, de que eram falsos os boatos de accordo pactuado com a mesma e o sr. duque de Loulé, porque esse accordo era impossivel sem quebra dos principios, e de decoro de todos os dignos pares opposicionistas.
O sr. S. J. de Carvalho: — Peço a V. ex.ª que proponha á camara se julga a materia discutida, pois o debate vae longo, como já se diz; e se n'isto ha sacrificio eu tambem participo d'elle porque estou inscripto para fallar ainda mais de uma vez, e precisaria faze-lo depois das notas que ainda hoje tomei.
O sr. Visconde de Gouveia: — Sobre a ordem.
O sr. Marquez de Vallada: — Eu não podia dispensar-me de responder alguma cousa ao sr. ministro da justiça.
O sr. Presidente: — Eu não posso deixar de pôr á votação o requerimento para se julgar discutida a materia.
Posto a votos o requerimento decidiu a camara, por 38 votos contra 35, que a materia não estava sufficientemente discutida.
O sr. 8. J. de Carvalho: — Requeiro agora que se pro-rogue a sessão até se votar.
Posto a votos este requerimento, foi rejeitado por 37 votos contra 35.
O sr. Visconde de Gouveia (sobre a ordem): — Quando eu hontem apresentei aqui uma moção de ordem, seguiu-se a fallar o digno par o sr. conde d'Avila e eu senti que s. ex.ª não comprehendesse o verdadeiro sentido das minhas palavras, o que, sem duvida, ou foi devido á grandeza da sala ou á exiguidade da minha voz, o certo é que a intelligencia dada foi tal, que eu não posso dispensar-me de dar uma explicação para não ficar com a responsabilidade de uma verdadeira heresia constitucional, pois tal julgo a consequencia do sentido que s. ex.ª na melhor boa fé deu ás minhas palavras! O digno par suppoz que eu negava a esta camara o direito de intervir nas questões politicas! Por modo nenhum. Tal não foi por certo o meu pensamento, E, bem pelo contrario, entendo que esta camara tem pleno direito a intervir em todas essas questões. Mas entre o direito e as conveniencias ha grande differença. E a indole conservadora, e a natureza permanente d'esta camara impõem-lhe a rigorosa obrigação de usar moderadamente d'esse direito que lhe não contesto.
Eu disse e sustento, que a camara deve guardar a sua auctoridade para intervir nas altas questões politicas, mas que deve abster-se de estar constantemente a levantar conflictos que a enfraquecem e a involver-se com questões de politica mesquinha e pessoal, pouco proprias da indole e caracter d'esta assembléa (apoiados). Foram estas as minhas palavras e foi n'este sentido que formulei a minha proposta (apoiados), conseguintemente eu não podia deixar passar tal idéa, para que de fórma alguma se me podesse attribuir similhante opinião, depois de haver dito que sou liberal e progressista.
Não digo mais cousa alguma, porque não quero protrahir o debate, e porque, pedindo a palavra sobre a ordem, devo satisfazer-me em usar d'ella para o fim que tive em vista, e que julguei indispensavel para a minha dignidade.
Vozes: — Muito bem.
O sr. Osorio Cabral: — Sr. presidente, é difficil conciliar a attenção da camara n'uma discussão que já vae longa. V. ex.ª fez favor de pedir attenção, mas esse favor é escusado pedir-se á camara, porque considera sempre muito todos os seus pares, para negar esse favor áquelle mesmo que tem pouco direito a merecê-lo.
Sr. presidente, antes de entrar no debate, peço desculpa a V. ex.ª e á camara se vou tomar algum tempo para cumprir com um grato e respeitoso dever. A repugnancia que me acompanha sempre para a vida publica, produz o desejo constante de me entregar no lar domestico ao trato dos meus negocios, e innocentes prazeres que me proporcionam a vida agricola e uma familia que me retribue a affeição que lhe consagro. Estava n'este descanço, quando recebi a mais lisongeira e honrosa participação que eu podia receber na minha modesta situação; sem que me lembrasse de tal, nem por fórma alguma pensasse nisso, communicou-se-me, pela secretaria d'esta camara, que eu tinha sido eleito seu vice-secretario. O facto d'esta camara, na minha ausencia se lembrar do meu nome para me honrar com uma tal eleição, não o attribuo ao meu merecimento, mas attribuo-o á camara, que deseja que eu corresponda aos meus deveres, vindo cumprir com elles, e procurou d'esta maneira estimular-me convidando-me a occupar um logar tão distincto. Não podendo aceitar aquelle cargo tão honroso, para que fui eleito por esta camara, respondi por officio ao nosso digno presidente, para que o communicasse á camara. Estou certo que s. ex.ª o faria, mas era necessario que a primeira vez que voltasse a esta camara o dissesse aos meus collegas e meus pares pela situação (e não pelo merito, porque n'esse ponto conheço eu a inferioridade), para prestar-lhes o testemunho do meu reconhecimento por um acto tão honroso, que eu tanto preso, e para attestar que hei de fazer, ainda que não possa empregar a assiduidade que desejava, toda a diligencia para cumprir a tarefa para que me animam, apresentando-me sempre na camara nas occasiões mais graves, para tratar os negocios publicos com aquella franqueza que costumo, e como me permittirem os meus limitados conhecimentos, a minha debilitada saude, e a minha educação.
Disse bastante n'esta materia, sr. presidente, para mostrar os meus sentimentos pela prova de deferencia que esta camara me deu, elegendo-me para o cargo a que me referi, e que não pude aceitar pelas rasões que já expendi.
Direi ainda, como pequena explicação pessoal, porque estando eu disposto a tratar só dos meus negocios domesticos e da minha debilitada saude, me acho n'esta casa no momento em que se agita esta questão de tanta importancia, mas puramente politica, genero de negocios em que não desejo involver-me e para que tenho a mais invencivel repugnancia. Negocios domesticos me tinham trazido a Lisboa quando appareceu' esta crise, de que eu não sabia os motivos, mas que de longe e ha muito tempo previa. Eu via que as maiorias do parlamento se achavam desnorteadas do verdadeiro caminho da adminstração publica, pelas difficuldades que ou apresentavam ao governo n'uma das casas do parlamento, ou deixavam desenvolver ao pequeno grupo opposicionista da outra casa, sem que empregassem a sua força numerica para terminar improfícuos debates.
Qual a origem d'essas difficuldades não sei, nem pretendo, nem desejo saber: o que é certo é que um governo, que tinha tido maiorias respeitaveis nas duas casas do parlamento, um governo que se tinha posto á testa de importantes serviços para o estado, um governo que tinha dentro em si os elementos necessarios para a administração publica, que tinha grandes aspirações e nomes e tradições honrosas na nossa historia civil, este governo não póde governar o paiz. O meu modesto papel aconselhava-me que quando esta questão se tratava no seio do parlamento, eu não entrasse n'ella nem tomasse parte alguma no debate, porque, sr. presidente, eu tinha sempre n'esta casa apoiado umas vezes o governo, e outras vezes a opposição, segundo a minha consciencia me ditava. Testemunhas são os dignos pares e todos aquelles com quem tenho tido a honra de fallar nos negocios do estado, com o pequeno e insufficiente tirocinio que d'elles tenho. Reuniu-se urnas poucas de vezes n'essa crise a camara dos dignos pares, e ella já ouviu as rasões que tive para não comparecer ás suas sessões; porque a mim me repugnava a politica e a organisação dos ministerios, e sempre me repugna tudo quanto não seja conforme com a minha consciencia e sem paixão alguma dar o meu voto nas medidas que se apresentarem, e entrar na discussão com o pouco cabedal dos meus estudos. O que defendo e o que desejo é o bem do meu paiz, e não a existencia de ministerios ou a sua organisação, pois que tanto me importa que governe este ou aquelle individuo, este ou aquelle grupo, o que exijo é que governe bem, e por consequencia só virei á camara todas as vezes que possa para tratar dos negocios de interesse publico; mas nunca das questões politicas, nem da organisação de ministerios, e para auctorisar a resolução em que estava peço licença ao meu illustre amigo e digno par, o sr. visconde de Ribamar, que refira agora uma conversa que tive com s. ex.ª na vespera de me retirar parra minha casa, porque n'essa occasião s. ex.ª com palavras cavalheirosas e benevolas me estimulava para que viesse occupar o meu logar n'esta casa.
Eu respondi a s. ex.ª ámanhã vou para Coimbra adduzindo-lhe todas estas rasões; no dia seguinte organisou-se o ministerio, e eu que não sabia as causas que tinha tido o ministerio que saíu, nem as do que entrava; sabendo este acontecimento n'um theatro da capital, não consultei senão o meu coração, e dirigi-me a um meu amigo, que hoje esta nos bancos do ministerio, não para lhe dar os parabens por ter sido chamado aos conselhos da corôa, mas para lhe dar os sentimentos por ter subido ao poder e anima-lo para que desempenhasse a ardua e improba tarefa que caiu sobre os seus hombros; e disse-lhe, com as palavras proprias de um