O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 329

CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 54

EM 31 DE MARCO DE 1903

Presidencia do Exmo. Sr. Luis Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os Dignos Pares

Visconde de Athouguia
Marquês de Penafiel

SUMMARIO: - Leitura e approvação da acta.-Não houve expediente. - O Digno Par Mendonça Cortez insta pela remessa de uns documentos que pediu ao Ministerio da Marinha, e pergunta quando é que os Srs. Ministros do Reino e das Obras Publicas se dão por habilitados a responder a uma interpelação que S. Exa. annunciou.- O Sr. Presidente do Conselho, por si e pelo seu collega, declara-se habilitado a responder á interpellação do Digno Par.- O Digno Par Jacinto Candido allude a assuntos ultramarinos.- Responde a S. Exa. o Sr. Ministro da Marinha.

Ordem do dia.- Continuação da interpellação do Digno Par Eduardo José Coelho e Sebastião Telles sobre o contrato para o caminho de ferro de Benguella.- Usa da palavra o Digno Par Jacinto Candido.- O Digno Par Avellar Machado requer que a sessão seja provorogada, sendo preciso, até se esgotar a inscrição.- Este requerimento é approvado.- Discursam sobre o assunto em ordem de dia os Dignos Pares Sebastião Baracho e Visconde de Chancelleiros.- Encerra-se a sessão e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Ás 2 1/2 horas da tarde, verificando-se a presença de 20 Dignos Pares, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida, e seguidamente approvada, a acta da sessão antecedente.

Não houve expediente.

Assistiram a toda a sessão o Sr. Presidente do Conselho e Ministros da Marinha e da Guerra.

O Sr. Mendonça Côrtez: - Declara que não tem assistido ás sessões por incommodo de saude. Aproveita o ensejo para perguntar se estão sobre a mesa os documentos que pediu, ha tempo, pelo Ministerio da Marinha.

(O Sr. Presidente declara que ainda não estão sobre a mesa).

Pede ao Sr. Presidente o favor de transmittir ao Sr. Ministro da Marinha que precisa d'aquelles documentos, e que não desiste de os ver e consultar, ou fazer consultar pela Camara.

Roga tambem o favor de lhe dizer se os Srs. Ministro do Reino e Ministro das Obras Publicas já se deram por habilitados para responder á interpellação que lhes annunciou.

(O Sr. Presidente declara não lhe constar estarem os Srs. Ministros habilitados para a interpellação).

Agora, como se anda num alvoroço de trabalho para receber o representante de uma nação alliada e amiga, entende que essas difficuldades são naturaes, e não se admira da falta de reparo nas suas exigencias, mas pede ao Sr. Presidente que lembre ao Sr. Ministro do Reino que não desiste da interpellação.

Desde já faz notar ao Sr. Ministro do Reino e ao Sr. Ministro das Obras Publicas, que sente não ver presentes, que as providencias publicadas no Diario do Governo, relativamente á tracção electrica, não passam de infeliz traducção. Não satisfazem, nem podem satisfazer ninguem que tenha alguns conhecimentos sobre a materia, e que se interesse pela causa do país.

O Sr. Ministro do Reino (Hintze Ribeiro) : - Declara que tanto elle como o Sr. Ministro das Obras Publicas estão habilitados para 'a interpellação annunciada pelo Sr. Mendonça Cortez, quando o Sr. Presidente entender que a deve dar para ordem do dia.

O Sr. Jacinto Candido: - Quando o Sr. Ministro da Marinha se dignou responder-lhe a urnas observações relativas a acontecimentos na costa de Moçambique, referidos por varios jornaes, fez o favor de lhe dar informações sobre a costa de Angoche, sobre o que se tinha lá passado, e sobre a occupação effectiva de toda a costa da provincia. Nessa ocasião os jornaes referiram-se, nas suas secções noticiosas, a um facto que, em todo o caso, representa um ataque á nossa soberania. A esse respeito dissera o Sr. Ministro que estava cuidando solicitamente de providenciar sobre a maneira dos navios poderem exercer a sua acção de fiscalização na costa, e declarava que, a pouca distancia do palacio do governador, já a soberania portuguesa era apenas uma soberania nacional, e não era possivel aventurar-se qualquer autoridade a ir ao interior, sem correr o risco de ser trucidada.

Nesta occasião, elle, orador, lembra o que se tinha passado no Governo de 1806-1897, a que pertencia, quando se acabou a guerra vatua e se effectuou a prisão do Gungunhama. Propôs então o commissario da provincia de Moçambique ao Governo Central dois problemas, ou duas propostas relativas, á administração da provincia de Moçambique: um a occupação effectiva de todos aquelles territorios onde não existia ainda verdadeiramente implantada a nossa soberania, dando-se assim mais expansão ao nosso domi-

Página 330

330 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

nio; outro relativo ás obras do porto de Lourenço Marques.

Pelas propostas d'este mallogrado funccionario - o commissario regio de então - foram-lhe dadas plenas faculdades de acção para que no exercicio das altas funcções e da suprema prorogativa de que estava investido - porque na qualidade de commissario regio representava todas as faculdades do poder executivo, nos termos da carta regia da sua nomeação - pudesse tornar effectivos esses dois desideratos a que se propunha como objectivo da sua administração.

Fizeram-se crê que até duas campanhas em que se procurou estabelecer o dominio effectivo de toda a costa. Não tem presentes os factos passados ha annos e não possue documentos a que possa soccorrer-se; em todo o caso pode garantir que effectivamente alguma cousa de importante se fez nesse sentido, isto é, no sentido de tornar effectivo o nosso dominio em toda a costa de Moçambique.

Foi nessa occasião que se criou o districto de Moçambique, em especial, para que o governador, o commissario regio, estivesse isento do encargo da governação d'essa circunscrição administrativa e pudesse occupar-se só dos assuntos referentes á administração geral de toda a provincia.

Portanto julgou do seu dever protestar contra a affirmação do Sr. Ministro da Marinha de que, nesse tempo, estava completamente abandonada a policia da costa.

Não houve, como acaba de affirmar, tal abandono; agora se depois outra foi a orientação que se seguiu, d'isso não tem a responsabilidade.

Emquanto teve a honra de estar na gerencia da pasta da Marinha, todas as providencias no sentido indicado foram tomadas; essas autorizações foram concedidas e mais que concedidas; essas indicações foram dadas em officio emanado da Secretaria do Ultramar.

O Sr. Ministro da Marinha pode verificar a verdade dos factos, nos livros da secretaria onde existem elementos para comprovar de uma maneira evidente tudo quanto elle, orador, acabou de affirmar.

Quanto ás obras do porto de Lourenço Marques, foi mandado para aquelle districto o distincto engenheiro Sr. Pereira da Silva, e antes d'este tinham sido mandados outros engenheiros subalternos que enviaram differentes projectos da ponte de ferro feita pelo engenheiro Adolfo Loureiro.

Essa ponte foi depois considerada insuficiente para o movimento que se calculava, e como se levantassem duvidas entre a commissão de obras publicas e o commissario regio da provincia de Moçambique sobre a natureza das obras a realizar, entendeu-se que se devia mandar a Lourenço Marques um engenheiro especial de alta competencia profissional encarregado de cuidar d'este assunto.

A respeito das obras do porto e da cidade de Lourenço Marques providenciou-se de maneira que se não pudesse fazer construcção alguma que não obdecesse a um plano previamente combinado, visto que é necessario proceder ali á construcção regular de edifios publicos com as condições precisas a uma cidade que se destina a ser um grande emporio commercial do mundo. Tudo isto constitue objecto de ordens de serviços, de memorandus, despachos, de instrucções dadas, de tudo quando devia pela sua qualidade profissional instruir-se no assunto a respeito do caminho de ferro de Lourenço Marques. Tambem foram dadas ordens precisas para que todo o material fosse adquirido e se fizesse o caminho de ferro em condições de poder funccionar, satisfazendo a todas as exigencias do trafego.

Portanto, como as referencias do Sr. Ministro sobre este ponto de vista podiam corresponder a algum desleixo ou menor cuidado, era do seu dever vir á estacada dizer de sua justiça, e lembrar ao Sr. Ministro que tem no seu Ministerio documentos comprovativos das affirmações que acabou de fazer, e que da responsabilidade sobre taes questões, não lhe cabe a menor parcella.

Relembra a necessidade do estabecimentos de postos militares que determinem a nossa posse effectiva, e a pronta conclusão das obras do porto de Lourenço Marques. Sobre este ponto não devem incidir economias, porque é erro pensar em fazer economias nas provincias ultramarinas, pois que serão em detrimento da realização de objectivos capitalissimos para os nossos interesses.

O Sr. Ministro da Marinha (Raphael Gorjão):-Começa por declarar que nas suas palavras de ha dias, não houve a menor intenção de susceptibilizar pessoa alguma. Partiu do principio de que varios governadores e ministros muito teem trabalhado até aqui, mas que ainda ha muito que fazer. Os problemas das nossas provincias ultramarinas são tão complexos, que não está só r a mão do Ministro a sua resolução, por maiores que sejam a sua aptidão e zelo.

Tambem não quis de modo algum menoscabar os serviços prestados por Mousinho de Albuquerque, parecendo-lhe que neste ponto houve um mal entendido. Referiu-se ao districto de Moçambique e não á provincia de Moçambique.

No sul da provincia de Moçambique, Mousinho de Albuquerque foi o pacificador. Não lhe chamou conquistador, chamou-lhe pacificador, por isso que foi elle quem submetteu as tribus vatuas fazendo que o districto esteja hoje pacificado.

No norte já não aconteceu o mesmo. Este assunto é realmente melindroso, mas a Camara sabe que vem de epocas immemoriaveis.

Houve o estabelecimento de postos na parte fronteira, que é justamente a mais difficil de se dominar, por isso que os chefes são arabes, professam religião mahometana e teem uns certos começos de civilização. São os mais temiveis a todos os respeitos; e por isso ali o problema é mais difficil de de se resolver.

Torna-se necessario haver forcas importantes e uma occupação persistente e demorada para alguma cousa se poder fazer.

Conseguiu-se estabelecer postos até ao Natule, mas não se conseguiu, diga-se a verdade, dominar por inteiro a região.

Quando foi o aprisionamento dos pangaios que conduziam grande numero de escravos, reconheceu-se que pelo motivo de serem obrigados os navios de guerra a desviarem-se para a Africa do Sul, o trafico aumentou ao norte de uma maneira notavel e era preciso acabar com elle, mas elle, orador, quando governador geral da provincia, adoptou as necessarias providencias para extinguir esse mal.

Por outro lado nós precisamos dominar por completo o interior do districto de Moçambique. E uma questão politica e mesmo financeira, porque só depois d'elle dominado é que podemos aumentar as receitas, cobrando os impostos de palhota que devem ser de 100 contos de réis e no ultimo anno não foram alem de 3 contos de réis.

Por acaso tem ali á mão o Boletim da provincia em que vem providencias que tomou quando governador geral, relativamente á occupação do litoral do districto de Moçambique.

Ao regressar á metropole estava-se tratando d'essa occupação, mas não se acabou ainda.

A Mousinho succedeu o mesmo; não póde naturalmente occupar toda a costa, nem teria forças para isso.

Elle, orador, reconhecendo que o primeiro passo a dar era este, pela portaria datada, do palacio de S. Paulo, de 3 de outubro de 1902, mandou transferir para o districto de Moçambique a 1.ª companhia de infantaria europeia e a 10.ª companhia indigena, para serem especialmente empregadas na occupação do litoral, conjuntamente com a l.ª, 2.ª e 6.ª companhias indigenas; determinou onde deviam ser os quarteis d'essas

Página 331

SESSÃO N.º 34 DE 31 DE MARÇO DE 1903 331

companhias, a situação dos differentes postos, a sua disposição, a sua organização methodica, a sua ligação com o serviço da divisão naval, e a criação de um logar de inspector dos serviços de occupação e vigilancia para colligir e ordenar todas as informações.

Os postos são 31, alguns novos, e d'elles falta apenas estabelecer uns três. dois dos quaes são justamente em Angoche Boila e Learde.

Trata-se de providenciar de modo a que se estabeleçam, porque asseguram muito a nossa soberania e facilitam operações que nós não podemos fazer agora, mas que poderemos realizar no futuro.

O que ha a fazer é tratar da occupação da costa, com o que ha muito a contar com a divisão naval.

Espera que em pouco tempo a portaria estará integralmente cumprida e teremos todos os postos occupados.

Quanto ás obras do porto de Lourenço Marques espera que será ainda presente este anno á Camara a proposta de iniciativa do seu antecessor para executar uma parte d'ellas, o necessario. Conhece a correspondencia trocada a este respeito com o commissario regio e os esforços empregados para que se realizassem.

A sua interrupção causou-nos muitissimo mal na Africa Central, e uma desconfiança verdadeiramente desastrosa para nós. Começaram-se e estiveram interrompidas durante quatro annos.

Agora está-se executando parte d'ellas mas o seu antecessor entendeu apresentar ás Camaras um projecto que elle, orador, julga da maxima utilidade para o Governo ficar habilitado a dar-lhe maior desenvolvimento, sem que comtudo as faça na sua totalidade. Em sua opinião só se deve tratar só d'aquellas mais urgentes, reservando para mais tarde outras que só serão precisas d'aqui a alguns annos.

Aproveitou parte dos trabalhos encetados ; havia sondagens e outros trabalhos preparatorios. Hoje está-se fazendo o cães, embora lentamente, por que é uma obra difficil, tanto que, empregando-se duas dragas e quatro guindastes, o avanço é de 1 metro por dia; mas ainda agora recebeu um telegramma a dizer-lhe que as obras caminham com regularidade.

Quanto ao caminho de ferro reconheceu já o enorme serviço que foi prestado pelo commissario regio Mousinho de Albuquerque com a acquisição de material circulante ; e hoje pode dar á Camara uma noticia, que não deve deixar de lhe ser agradavel, a de que esse material não é bastante, e teremos de o aumentar em breve para darmos vasão ao trafego que está concorrendo ao nosso porto e porventura aumentará de futuro.

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão da interpellação dos Dignos Pares Eduardo José Coelho e Sebastião Telles, sobre o contrato para o caminho de ferro de Benguella.

O Sr. Jacinto Candido: - Quando na sessão anterior pediu ao Sr. Presidente se dignasse reservar-lhe a palavra para a sessão de hoje, por não ter tido tempo de concluir as suas considerações, acabara de affirmar que o contrato Williams, realizado pelo Governo, deveria ter sido, deveria ser, e deverá ser, submettido á apreciação das Côrtes, para poder produzir effeito e ter o valor de Lei entre as partes que o subscreveram, pois essa exorbitancia de poderes legaes só assim poderá ser sanada.

A conclusão lógica, pois, das reflexões que teve a honra de submetter á apreciação da Camara deve ser, e é, a de que o Governo deve trazer á apreciação do Parlamento aquelle contrato, para que possam ser afastadas todas as difficuldades e embaraços da sua execução, a que já alludiu, e preveniu, o proprio Digno Par a quem tem a honra de responder. (Apoiados).

Sem isso o contrato está feito, não ha duvida, e terá a natureza de um facto consummado; mas não representa um facto legal, ou autorizado por lei, nem constitue direito entre as partes contratantes. (Apoiados).

Para poder ser breve como deseja, não vae referir-se já ao que representa de attentatorio e de offensivo para o decoro e prerogativas parlamentares o facto de se tomar esta deliberação definitiva e não transitoriamente, como seria legal, a poucos dias da abertura do Parlamento, porque não colhe, nem é procedente o argumento apresentado pelo Sr. Ministro da Marinha de que havia immediata necessidade de realizar o contrato, por se tratar de uma importante operação em que entravam muitos milhões de libras, não podendo assim obter-se esse enorme capital na espectativa e na incerteza de um contrato provisorio. Se era indispensavel fazer o contrato definitivo e desde logo, se esse contrato offerecia, de facto, as apregoadas vantagens, então o Parlamento que fosse convocado extraordinariamente para esse fim (Apoiados), o que se poderia ter feito.

Era preferivel isso a assinar-se um contrato á sombra de uma lei que não existe.

Estabelecida esta doutrina e admittidos os precedentes, pode amanhã o país ser surprehendido por um contrato qualquer feito pelo Governo da metropole ou por um governador das provincias ultramarinas, contrato que represente a alienação de uma parte importante do nosso dominio colonial.

Não ha lei que o autorize, mas tambem para a hypothese d'este contrato não .a havia, e em todo o caso o negocio realizou-se, e é um facto consummado, embora com perigos gravissimos, deprimente para os direitos parlamentares, e offensivo da majestade da lei, dos interesses e das conveniencias do país.

Estabelecida esta doutrina e admittido este precedente, todos comprehendem os perigos que naturalmente podem advir para o país.

Não se demorará mais na questão de legalidade; já expôs o seu modo de ver, as suas ideias, o seu pensamento, e já varreu a sua testada. Passa agora ás considerações que foram objecto do discurso do Sr. José de Azevedo Castello Branco.

Já teve occasião de se referir tambem ás considerações de caracter geral sobre a falta de um plano de administrado colonial; e não só de administração colonial, mas de administração de qualquer dos outros ramos da governação publica que representam e synthetizam importantissimos serviços da nação. A falta de um plano previamente estabelecido e assente e a falta de continuidade na execução d'esse plano representam por certo, na administração geral do país, um erro funestissimo e de consequencias graves.

Pelo que se acabou de passar antes da ordem do dia, pela breve palestra entre o Sr. Ministro da Marinha e elle, orador, a Camara teve ensejo de ver que em 1896 estava projectado um plano de occupação de postos na costa de Moçambique, que correspondia á occupação definitiva de toda a provincia, e que estava tambem traçado um plano das obras do porto de Lourenço Marques. E agora, decorrido um periodo de seis annos, a Camara ouviu, como elle ouviu com assombro, que ainda hoje se está occupando a attenção do Governo Geral de Moçambique com esse assunto, que já era então o pensamento do Governo da metropole. Quer dizer, a falta de um plano e a falta de continuidade na execução d'esse plano, a successão dos Ministros e dos governadores, fazendo succeder a um plano outro plano, a uma ideia outra ideia, a um projecto outro projecto, a instabilidade, a incerteza na successão d'esse plano e na successão d'esses principios, quer dos Governos, quer dos governadores das provincias, representam um erro e um erro grave que nos acarreta tristissimas consequencias.

E necessario que se estabeleça um

Página 332

332 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

plano, e que não seja au jour le jour, ao sabor da occasião e por inspiração de momento, que se tenham ideias que nada significam e das quaes não resulta cousa effectiva nem para a nossa soberania, nem para a nossa occupação, nem para o prestigio da nossa administração ultramarina. E se fala da nossa administração ultramarina é porque d'este assunto se trata agora, e não porque queira deixar de applicar o mesmo principio a qualquer outro ramo de administração, que se deseje pôr em foco, e sobre o qual seja necessario fazer convergir a critica.

Vae resumir as considerações que apresentou o Sr. José de Azevedo Castello Branco, em defesa do contrato, nas seguintes quatro reflexões: primeira, a do congresso de 1905; segunda, a falta de capitães no país; terceira, os fins mercantis, mera e simplesmente, que o contrato representa; quarto, representar o caminho de ferro um meio effectivo para uma occupação e affirmação de soberania.

Comprehende que a proximidade de se realizar um congresso internacional, conjunta com o exemplo doloroso das espoliações soffridas nos congressos anteriores, como o de Berlim, e o de Bruxellas, a que o Sr. José de Azevedo se referiu no seu discurso, e emprega a mesma palavra de que se serviu o Digno Par, - espoliação; e a dura lição que então tivemos, sejam um estimulo poderoso para concentrar todas as nossas energias, a fim de realizar todos os melhoramentos que em nossas forcas couberem, com o proposito de tornar real e effectiva a nossa occupação, principalmente nas duas provincias de Angola e Moçambique.

Mas com o receio, com o medo de sermos espoliados, num congresso que se ha de realizar d'aqui a dois annos, irmos nós, por iniciativa propria, pedir para que nos espoliem desde já, faz lembrar um individuo que, vendo caminhar para elle um homem de espada erguida para o matar, puxa de um punhal e se suicida!

Se tinhamos qualquer receio das potencias, especialmente por causa do caminho de ferro do Lobito, para nos defendermos contra esse mal, o que havia a fazer era affirmar a nossa energia, a nossa capacidade de administração no ultramar, e construir este caminho de ferro por meio da nossa propria iniciativa. Isto comprehendia-se, e seria, perante o congresso, um argumento poderoso da nossa capacidade governativa.

Mas d'este caminho de ferro, construido como vae ser, nem ao menos o Governo pode dizer que é sua a iniciativa, porque se limitou a acceitar uma proposta que lhe apresentaram!

Disse o Digno Par: "mas este caminho de ferro não podia ser feito com capitães nacionaes, o que está demonstrado com a tentativa que se fez da Companhia da Lunda, tentativa que tirou as ultimas illusões a alguns optimistas". Ora, na verdade, não ha parallelo possivel entre a tentativa da Lunda e este caminho de ferro.

E assim como o Governo fez a tentativa da Companhia da Lunda, porque é que não fez a mesma tentativa com respeito ao caminho de ferro de Benguella?

Que impedia o Governo de ter tentado ao mesmo tempo as duas empresas? Se o tivesse feito, então sim, então é que podia dizer: "recorri aos capitães nacionaes, mas não os pude obter".

De contrario, o mallogro da tentativa da Lunda não pode servir de parallelo, porque a razão do capital fugir d'aquella empresa não colhe para este caso. Para o caminho de ferro de Benguella devia o Governo dar a garantia de juro, e para a Companhia da Lunda não.

Supponhamos porem, por mera hypothese, que não era possivel constituir uma companhia para a construcção do caminho de ferro de Benguella. Não poderia o Estado construi-lo por sua conta propria?

Podia; ou fazendo uma operação financeira, ou destinando todos os annos para essa assunto a verba indispensavel, apesar das condições precarias em que se encontra o Thesouro.

Todos os dias, aqui e fora da Camara, temos ocasião de ver aumentos progressivos e constantes da despesa publica sem utilidade pratica, sem que representem grandes emprehendimentos ou operações indispensaveis e urgentissimos e nada mais instante e mais importante, sob o ponto de vista colonial, do que a construcção d'este caminho de ferro feito por conta do Thesouro.

Supponhamos a 20 contos de réis por kilometro a construcção dos 500 kilometros, das duas linhas ferreas do Lobito a Caconda, e de Ambaca a Malange, tinhamos 10:000 contos de réis, e supponhamos 5 annos para a conculsão d'essas obras, tinhamos o encargo do 2:000 contos de réis por anno. Era irrealizavel isto? Não se encontraria no país capital para esta construcção?

Neste caso, ainda mesmo que o dinheiro viesse do estrangeiro para o país, era como emprestimo á nação portuguesa, não resultando d'esse emprestimo o perigo que resulta da construcção feita por uma companhia estrangeira. (Apoiados). O caminho de ferro então era uma obra portuguesa, e o dinheiro uma divida, que entrava no debito geral da nação; por consequencia era uma situação muito diversa d'aquella que representa agora não só o capital, mas o proprio caminho de ferro, que é um grande instrumento de civilização e de preponderancia politica, nas mãos de um estrangeiro.

Na demonstração, que se fez em defesa do contrato, não se justificou a impossibilidade de recorrer a outro processo, a outra solução, a outra forma de obter outros recursos, e á indispensabilidade de adoptar-se este meio para o tornar effectivo; portanto subsistem todas as razões contra o contrato, e não ha nenhuma para adduzir relativamente á falta de capitães, que serviu de argumento ao Sr. Ministro da Marinha e ao Sr. José de Azevedo.

O fim do caminho de ferro é meramente mercantil, -diz-se-; existe uma grande massa de minerios depositado nas minas, cujo valor se eleva á somma de 20 milhões esterlinos, ou mais. Só o transporte d'esse minerio paga toda a construcção do caminho de ferro, e dá ainda um enormissimo lucro ao concessionario.

Foi isto que elle teve apenas em mim, valorizar aquelle minerio, transportá-lo, e collocá-lo nos mercados de consumo, - é o que se diz.

Então para que se concederam aquellas larguissimas faixas de territorio ? Para que se concederam os exclusivos, e todos os demais privilegios e regalias ?

Ha ainda outras considerações, que parecem secundarias, mas que são de uma capitalissima importancia, formando o conjunto do contrato, e constituindo o Estado Português em importantes obrigações, ao passo que dão vantagens e direitos correlativos aos concessionarios.

Se a riqueza mineira, que este caminho de ferro tem por objecto transportar e valorizar, vale 90:000 contos de réis, e se o custo da construcção d'esse mesmo caminho de ferro é de 30:000 contos de réis, ficam 60:000 contos de réis de lucro. Vê-se, por isto, que o concessionario, depois de ter a linha e de ter transportado o seu material, pode considerar-se pago e repago.

Se pois não é menos fundada a conjectura do Sr. José de Azevedo, e se unicamente este objectivo tem em vista o concessionario, como se justificam todas as demais concessões que o contrato lhe fez? Não bastaria o lucro certo, segundo esses calculos, de 60:000 contos de réis, para estimular o concessionario?

Comprehende-se bem que uma região atravessada por um caminho de ferro é, principalmente, valorizada nos terrenos marginaes da linha; pois foram todos esses terrenos, numa larguissima extensão, que se concederam ao feliz concessionario do caminho de ferro.

Página 333

SESSÃO N.° 34 DE 31 DE MARÇO DE 1903 333

Bem sabe que lhe poderá responder que não é uma concessão de direito, a da posse e propriedade d'esses terrenos, mas é-o de facto, sê-lo-ha, atten-tos os exclusivos, os privilegios, e favores, que, nessa larga area, foram concedidos. Quem poderá pensar sequer em lá se estabelecer?

Imagine-se que alguem se lembra de estabelecer uma granja, uma feitoria commercial, uma installação qualquer, nestes terrenos. Vem o concessionario, e no uso dos seus privilegios, começa a fazer uma exploração mineira, e põe fora o importuno, ou dita-lhe as suas condições, a bem dos seus interesses.

Quem é que aventura o seu capital numa exploração qualquer, desde que não tem a certeza de a poder levar por deante?

O Sr. Ministro da Marinha (Raphael Gorjão):-As concessões respeitam apenas ao sub-solo.

O Orador: - É claro que uma exploração mineira pode fazer-se a solo descoberto ou por meio de galerias.

Supponha-se que se quer fazer uma exploração mineira a solo descoberto abrindo vallados, e perfurando as terras. Quem é que pode com segurança estabelecer uma feitoria, uma granja, uma quinta, desde que o concessionario tenha o direito de inutilizar todo o trabalho feito?

Aqui tem a Camara ao que se reduz o quarto e ultimo argumento do Sr. José de Azevedo em defesa do contrato. O meio de occupação e de exploração existe e fica no contrato, sim, mas em favor do concessionario.

Ha, porem, perigos mais graves, que do contrato se derivam. L claro que nós estamos num campo de conjecturas, de raciocinios, de deducções. Não podemos argumentar com factos. Temos que usar da lógica exercida sobre o conhecimento das circunstancias e das leis geraes que governam as sociedades. Esses perigos, porem, são manifestos e evidentes e o proprio Governo os reconhece e confessa. Perigos graves de desnacionalização; e tanto que no Discurso da Coroa prometteu um projecto de colonização da Caconda, e todos os orgãos da sua imprensa periodica disseram que urgia olhar com a maxima attenção para a provincia de Angola, a fim de ali se consolidar a nossa soberania, para poder lutar com a influencia estrangeira. O perigo não pode ser contestado por ninguem, visto que é reconhecido até pelos mais famosos paladinos do Governo. Mas pergunta: esse perigo é conjuravel, é vencivel? Haverá providencias, que possam attenuá-lo de tal arte, que as vantagens do contrato sejam superiores aos perigos attenuados ?

Afastando-nos da hypothese concreta, a que temos de applicar a nossa critica, evidentemente o perigo é conjuravel, porque em geral um caminho de ferro não desnacionaliza desde que a nação, que concede esse caminho de ferro, se defenda em igualdade, ou superioridade de circunstancias, contra aquella que, por elle, pretende supplantar a sua influencia. Mas temos que discutir a questão na hypothese especial, que se dá, e essa é que uma colonia portuguesa fica atravessada por um caminho de ferro, que pertence a una subdito britannico, notando-se que Portugal e a Inglaterra não estão em igualdade de forças e de recursos. Não é a França que construe um caminho de ferro em territorio allemão, não é a Allemanha que o faz em territorio inglês, é a Inglaterra que o vae fazer em territorio português, o que faz muita differença pela disparidade de forças.

Prouvera a Deus que todos estes negrumes, que teem assaltado o espirito de tanta gente, a respeito da nossa economia, da nossa soberania, e da nossa influencia na provincia de Angola, que tão gravemente podem influir nos nossos destinos geraes, sejam apenas productos de fantasia e pessimismo, e não correspondam a calculos mais ou menos bem fundados.

Tem falado com muitos negociantes da provincia de Angola, com alguns africanistas e, ainda ha pouco, com um distinctissimo official do exercito que voltou da campanha do Bailundo, pessoa em cujo criterio deposita inteira confiança, e todos são de opinião de que, em 5 ou 6 annos, num periodo emfim muito curto, a preponderancia economica e politica do districto de Angola, indiscutivelmente, e sem que da nossa parte haja meio de o poder evitar, será do concessionario ou dos elementos, que elle ali representa.

Pode parecer á Camara que as suas ideias são retrogradas ou que põe de parte, como ignorante, os preceitos que regem e regulam actualmente os dominios coloniaes, em relação ao direito internacional moderno applicado ás colonias. Por isso pede licença para fazer uma pequena leitura á Camara, de parte do relatorio que, em 25 de setembro de 1896, ha 6 annos portanto, escreveu a respeito da concessão do caminho de ferro de Quelimane ao Ruo.

E se faz essa leitura é porque esse documento está publicado, consta dos Annaes Parlamentares, e é da sua lavra, representa as suas ideias e as suas convicções, que, então, já eram as mesmas que ainda hoje tem.

"Quem como nós herdou, tem mantido e protesta manter um tão largo como appetecido dominio colonial, tem contrahido a obrigação para com o mundo civilizado, de mostrar saber aproveitar-se do seu rico património, em vantagem propria, e do progresso geral da humanidade.

E mal irá quem esquecer ou descurar esses encargos, que são inherentes aos proprios direitos de soberania, e que d'elles derivam como consequencia necessaria.

Mal, porque não utiliza para si, limitando-se a uma conservação difficil, dispendiosa e infrutifera, sem comprehensão do aproveitamento e vantagens que pode usufruir num futuro próximo, orientado por um estreito criterio, que não se alarga alem dos encargos de momento, e não alcança as vantagens do dia de amanhã.

Mal ainda, porque em relação a estranhos, de uma demonstração deprimente, de que não corresponde pelo seu pensamento administrativo, ao velho guerreiro attestado pela conquista, e accusa uma inferioridade que prejudica e pode ser fatal no cubiçoso concurso das nações europeias em volta das possessões ultramarinas, susceptiveis ainda de serem aprezadas, pelo abandono a que as condemna a incapacidade dos seus detentores.

Felizmente, porem, que até agora temos feito quanto em nossas forças tem cabido e que havemos demonstrado perante o mundo, que pensamos a serio na administração e progresso do nosso dominio colonial, e que sabemos, na posse que conservamos e defendemos, como legitima consequencia da nossa soberania, até á ultima extremidade, sem regatear nem a ultima gotta de sangue, nem o ultimo real, corresponder ás justas exigencias do movimento civilizador que domina a nossa epoca, e equiparar-nos, pela grandeza do empenho e pela energia da acção, ás mais poderosas nações coloniaes.

Felizmente que o país deve sentir, no testemunho da consciencia nacional, e nas demonstrações significativas dos estranhos, que se tem desempenhado com alevantado brio, da penosa tarefa a que o obriga a honra do seu passado, que é tambem a luminosa esperança do seu futuro".

O chamado direito mundial não era pois, já ha seis annos, novidade alguma para elle; mas convem ficar registada hoje a velha affirmação dos mesmos principios que então proclamava.

Já teve occasiao de se referir a este assunto, quando falou na resposta ao Discurso da Coroa, e mostrou a analogia existente entre o direito colonial, e o direito privado, com relação ao uso da propriedade particular. Por consequencia não quero fatigar mais a attenção da Camara a este respeito, e apenas demonstrar que a occupação

Página 334

334 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

não se expressa por principios e tradições do passado, que são documentos de fraca força perante o concurso dast nações europeias.

É preciso fazer affirmações de caracter positivo e pratico, e que demonstrem a effectividade do nosso dominio.

Mas, passar d'aqui, da affirmação d'estes principios, para a affirmação de tudo quanto representa a abdicação dos nossos direitos, realizados já em parte, não é, por certo, um bom principio governativo. Devemos conservar, emquanto pudermos, os nossos legitimos direitos.

Este contrato traz grandes perigos para o commercio, que ha de naturalmente ser expropriado por utilidade dos concessionarios. Ha de soffrer a nossa agricultura, hão de soffrer as praças de Lisboa e Porto, que hão de ver transferido o commercio, e com essa transferencia desapparecerem todas as vantagens, principalmente nas benéficas influencias, que tem exercido no melhoramento dos cambios. Hão de ver, depois, a reproducção economica d'esse mal-estar cambial nas circunstancias do Thesouro, visto que o Thesouro precisa e carece de recorrer ao mercado cambial, para satisfazer aos seus compromissos no estrangeiro.

Até para se deprimir a situação da provincia de Angola e demonstrar ao que ella estava reduzida, incapaz de poder prestar qualquer subsidio para o seu desenvolvimento colonial, o Ministro da Marinha, Sr. Conselheiro Teixeira de Sousa, dizia que Angola era apenas uma mesquinha feitoria commercial. A nossa provinda de Angola, com o seu commercio todo português, com os seus elementos europeus todos portugueses, com quintas e propriedades agricolas portuguesas, com explorações industriaes portuguesas, com a lingua portuguesa, com a raça, com os costumes, portugueses, não vale nada!

Temos vivido todos num enganoso sonho, até agora, suppondo que Angola era a nossa melhor colonia, que traduzia as aspirações de capacidade colonisadora da nossa raça, imaginando torná-la um novo Brasil da Africa, procurando desenvolver a colonização nos seus planaltos, fundando cidades, villas, povoações, tornando-a, emfim, um grande imperio português, que fosse uma nova gloria da nossa raça. Todo esse sonho, que aqui descreveu o Digno Par, o Sr. Moraes de Carvalho, como consequencia do caminho de ferro do Lobito, e que todos nós alimentavamos, desde sempre, e que fora o nosso ideal, e constituia a superior orientação da nossa administração colonial, - tudo isso era uma chimera, uma illusão, um simples sonho, apenas!

Insignificante feitoria commercial, eis o que, é Angola, com as suas cidades, com os seus districtos, com tudo, emfim, que lá está a attestar o trabalho de seculos! Eis o que é Angola na opinião do Sr. Ministro da Marinha, que foi, -uma simples feitoria commercial, onde o commercio consiste apenas na troca dos productos que veem do sertão; e nenhuma outra affirmação de raça, nem de supremacia, nem de importancia, nem, emfim, de tudo o que constitue como que o prolongamento da vida da metropole!

Todos temos vivido illudidos: Angola não é nada, não passa de uma feitoria sem importancia, que só agora vae ser transformada com o caminho de ferro!

Mas, apesar de tudo isto, preferia Angola antes do caminho de ferro, do que Angola depois do caminho de ferro!

É preciso distinguir.

Uma cousa é Angola, uma parte do continente africano, isolada, sem relações com a metropole, sem ter em vista a raça, nem os interesses europeus; outra cousa é Angola como possessão portuguesa.

Com e caminho de ferro feito por estrangeiros, havemos de ter uma Angola inglesa ou cosmopolita, mas que se ha de isolar de nós, e não será o prolongamento da nossa raça a representar os beneficos effeitos do nosso trabalho.

A Angola portuguesa desappareceu; e ha de ficar apenas um imperio cosmopolita.

Faz, porem, esta pergunta: deve ser este o criterio do Governo ?

Não. Não pode ser. Nunca o tem sido. Não o deve ser.

Não é impossivel satisfazer ás justas reclamações do direito moderno, salvaguardar do os legitimos interesses da metropole; não se deve sair para fora dos principios estabelecidos, porque, então, dariamos pretexto a uma expropriação, por utilidade commum, dos nossos dominios d'alem mar.

Mas entre o trabalharmos nós, para colonizar e, civilizar, documentando os nossos direitos de soberania e o largar de mão, e o offerecer a outrem a nossa supremacia e preponderancia, vae um abysmo.

Se abramos as portas á invasão cosmopolita, is raças fortes predominarão, vindo nós a occupar um logar inferior. Ficaremos fatalmente esmagados. Oxalá se engane!

O Sr. José de Azevedo Castello Branco referiu-se a planos coloniaes, e mostrou como, a respeito d'este contrato, é necessario estabelecer um criterio prudente e reflectido, com largo estudo, um criterio superior, que nos evite perigos no futuro. É necessario que, com relação ás nossas colonias, não haja incoherencias nem inconstancias.

Por mais de uma vez, e desde o anno passado, que eu venho defendendo aqui essas ideias como indispensaveis para uma util administração ultramarina, - é urgente fixar um plano colonial, e é imprescindivel o espirito de continuidade no proseguimento da sua execução. Quer ver a Camara um exemplo da inconsistencia e da hesitação governativa ?

Ninguem discorda das vantagens do caminho de ferro de Benguella; mas o que é um facto, é que desde 1895 que se começou a fazer um estudo para o traçado d'esse caminho de ferro. Na epoca em que elle, orador, foi Ministro da Marinha, veiu d'ali um distincto engenheiro, o Sr. Serrão, com um estudo destinado ao caminho de ferro até Caconda. Passaram-se seis annos em indecisões, em estudos, em hesitações, apparecendo agora, de repente, a necessidade de se fazer immediatamente o caminho de ferro desde o Lobito até a fronteira leste de Angola.

Onde está, pois, a consistencia, a firmeza, o espirito de continuidade preciso, necessario, para se levar a cabo a execução de um plano colonial?

Ha dois principios para governar, a centralização e a descentralização.

Ora, sendo assim, ou o Ministro faz tudo, tendo até ingerencia em simples reparações no ultramar que importam em 10$000 ou 12$000 réis, ou então concedem-se plenos poderes, faculdades amplas, a um homem, que esteja identificado com a administração superior de uma larga circunscrição colonial, e esse homem consubstancia em si todas as faculdades do poder executivo.

Fez-se uma tentativa de descentralização, no seu tempo de Governo; e nomearam-se dois commissarios regios para a provincia de Moçambique: os Srs. Antonio Ennes e Mousinho de Albuquerque.

Para a India foi o Sr. Neves Ferreira, e para Angola o Sr. Guilherme Capello.

A organização administrativa ultramarina, existente nessa epoca, é a que ainda hoje vigora, referendada pelo Sr. Rebello da Silva.

Como o regime estabelecido não era o da descentralização administrativa no ultramar, nomearam-se, por uma forma em que se acordou de momento para resolver difficuldades instantes, certos homens publicos, que consubstanciaram em si todas as faculdades do poder executivo.

Fez-se isto, pela urgencia das circunstancias, e para affirmação de principios de descentralização governativa, na falta de leis organicas orientadas neste sentido.

Página 335

SESSÃO N.° 34 DE 31 DE MARÇO DE 1903 335

Essa tentativa de descentralização, que durou 2 annos com relação á provincia de Moçambique, foi muito mal vista e apreciada, e recebeu vivas censuras, e soffreu severissimas crises; porque se dizia que estava tudo nas mãos dos commissarios regios, e que elles publicavam portarias, decretos e muitas ordens de serviço a cada passo e a cada momento, sobre assuntos que deviam vir á metropole; enfim, dizia-se que havia um grande estado chaotico na sua administração.

Mas quem poderá comparar essa administração, lá, larga, rasgada e aberta, com a administração mesquinha, estreita, do nosso regime centralizador?

Lá, trabalhava-se, de facto, na realidade das cousas; cá, enchiam-se relatorios, livros, volumes, de theorias, de doutrinas, de planos, e ficava-se sempre no mesmo terreno. Differença fundamental. Lá trabalhava-se no campo; aqui ficava-se no regime da papelada esteril, e que só satisfaz vaidades pessoaes.

A experiencia de uma tentativa de descentralização ainda se póde manter durante algum tempo, e por consequencia, houve um pouco de confusão, como é natural em todas as cousas que começam e que não teem uma legislação organica reguladora.

Não comprehende como o Sr. Gorjão, hoje nobre Ministro da Marinha, sendo governador de Moçambique precisava lá, para a mais pequena cousa, consultar o Sr. Ministro da Marinha por officios ou telegrammas, e agora o mesmo homem, simplesmente porque é Ministro, tem a competencia e actividade necessaria para resolver cá, a larga distancia, qualquer assunto que interesse áquella provincia, e principalmente agora com discussões parlamentares, com Conselhos de Ministros, e conferencias e todos os mais serviços em que S. Exa. occupa um tempo preciosissimo.

Ora porque é que o Sr. Gorjão, hontem, não podia, lá, como governador, governar Moçambique, e hoje, cá, pode, como Ministro, governar todas as provincias ultramarinas?

Ora porque é que o Sr. Gorjão, que hontem não podia resolver os problemas da provincia de Moçambique, hoje pode resolver tudo quanto diz respeito a essa provincia? Porque é Ministro? Pois então o ser Ministro é que dá 'a i capacidade para resolver todas as questões ?

E se, de facto, não foi o ser Ministro que lhe deu capacidade e competencia, porque se ha de entender que não governaria lá bem, e bem governará aqui? E porque se não ha de ver, o que é verdade clara e simples, que, lá, presente a tempo, em face dos acontecimentos, sem suggestões estranhas, vendo por si, directamente, muito melhor havia de resolver, do que aqui, a grande distancia, e sem esses elementos de apreciação ?

Porque se não ha de dar, pois, ao governador essa alta categoria que elle deve ter, esses largos poderes, esses vencimentos superiores correlativos, e essa responsabilidade correspondente, para que elle possa exercer a sua acção, com toda a amplitude, em proveito do país, e com lustre do proprio nome?

Julga acertado o regime dos commissarios regios. Não inventou essa formula : generalizou-a. - Desejaria que assim fosse organizada a nossa administração colonial. Com esta centralização, no Terreiro do Paço, das secretarias da Marinha e Ultramar, onde, desde o mais insignificante serviço de obras publicas até á nomeação de funccionarios, que devia ser da absoluta liberdade do governador geral, que deve ser tambem um alto funccionario, não do Governo, mas de El-Rei, do Chefe do Estado, tudo é sujeito ao poder central, nada de util se poderia fazer. Os Ministros farão relatorios pomposos inuteis, e avolumarão cada vez mais a legislação. Nada mais.

O commissario regio, ou o governador geral, seria, elle só, como que um Ministerio singular, completo, com todas as attribuições, a respeito de todos os ramos da administração, em relação á sua circunscrição colonial, tendo, embora, sob suas ordens, um funccionario superior, chefe de cada um dos ramos de governo, - um chefe de serviço de fazenda, outro do serviço militar, outro do das obras publicas, etc.- e que todos constituiriam o seu conselho superior de governo, corpo consultivo, que seria ouvido, nos casos graves. O seu poder estender-se-hia a toda a circunscrição, mas teria governadores proprios em todos os districtos. Nesta ideia se criaram os districtos de Moçambique e Loanda, com governadores privativos. Ficou o de Moçambique, e supprimiu-se o de Loanda, não sabe porque, nem para que. O governador civil de Lisboa não accumula a administração do concelho de Lisboa; como ha de o governador geral accumular o governo do districto de Loanda ?

Esta é a parte externa, digamos assim, do plano colonial, que, a seu ver, as circunstancias impõem. Mas a parte concreta, o conteudo d'este programma, o que ha a fazer em favor das provincias ultramarinas?

Para cada uma das provincias ultramarinas cumpre traçar uma linha de conducta a seguir, tendo em vista aquillo que deveria constituir o primeiro objectivo, para onde deveria convergir a actividade do Governo colonial.

De outra cousa se lembra neste momento : para que é que se fazem eleições no ultramar?

No tempo dos commissarios regios na provincia de Moçombique não houve camaras municipaes, senão as nomeadas pelos governadores como estava combinado : eram os governadores quem nomeava, de entre os homens do concelho que se lhe afiguravam mais capazes para o cargo, as commissões administrativas.

Durante a sua gerencia como Ministro da Marinha, não se fizeram eleições de camaras municipaes nas provincias ultramarinas.

Estas eleições, assim como as de Deputados, devem ser banidas da nossa legislação, porque é simplesmente uma fonte de preoccupações para os governadores, sem vantagens algumas para a administração.

E da applicação da legislação do Reino, Codigo Administrativo, Codigo Civil, Codigo Penal, etc., etc., tudo emfim que tem de ser applicado á metropole, o que dirá? Tudo isso deve acabar para ser substituido por uma legislação adequada ás condições de cada possessão, e em relação ao elemento indigena e europeu, distinguindo-se, vista a diversidade de situação.

Não quer desenvolver este capitulo, e tão somente examinar estes topicos geraes, para que chama a attenção do Sr. Ministro da Marinha.

Voltando á organização de um plano concreto de administração do ultramar, dirá a S. Exa. que bom serviço seria aquelle, pelo qual se pudesse fazer um estudo sobre tudo quanto consta dos archivos da Secretaria do Ultramar de forma a que se separasse o que diz respeito á provincia de Angola por exemplo, do que diz respeito a S. Thomé, a Moçambique, e ás demais possessões.

S. Exa. e a Camara conhecem a organização que rege a Secretaria do Ultramar, e sabem que nessa Secretaria ha repartições, que tratam cada uma de seu grupo de assuntos relativos a todas as provincias ultramarinas, de forma que se está simultaneamente a tratar, na mesma repartição, de negocios que dizem respeito á provincia de Angola, á provincia de Moçambique, a Cabo Verde, etc., etc.

Ora conviria reunir tudo quanto pertencesse a cada um dos grupos de colonias que se considerasse, e tomar, por exemplo, Angola para formar uma circunscrição unica, e sob essa designação tratar-se de tudo quanto dissesse respeito áquella provincia.

E, assim, para cada uma das provincias, a mesma cousa, constituindo-se processos separados, em que seriam tratados, depois, os assuntos relativos a todos os problemas financeiros, mili-

Página 336

336 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

tares, ecclesiasticos, de obras publicas, e de todos os outros ramos de serviços, de cada circunscrição.

Para isto, não seria preciso mais de que haver um procurador geral de cada circunscrição colonial, que cuidasse dos assuntos d'ella proprios, seguindo-os nas repartições respectivas. Assim se coordenariam, depois, para cada uma, todos os problemas, e questões pendentes, e suscitadas, ou pelos governadores, ou pelas proprias repartições.

Pôr-se-hiam essas questões á consulta do publico, e o publico, a Sociedade de Geographia, e todos aquelles que se interessam pela prosperidade do país e comprehendem que ella deriva, em grande parte, da prosperidade das suas colonias, estudariam os assuntos, e suscitariam alvitres; estabelecer-se-hia discussão franca, aberta, ampla, e de entre todas estas opiniões S. Exa. o Ministro tomaria os dados precisos para elaborar o seu plano de administração.

Sob o ponto de vista militar, financeiro, de obras publicas, de agricultura, emfim sobre todos os ramos que constituem a administração, S. Exa. adoptaria aquillo que entendesse que era util, efficaz, urgente. Feito isto, e trazido ás Côrtes, depois de largo debate, apresentar-se-hia um plano colonial, que obrigasse não unicamente este Governo, mas constituisse a norma implacavel de conducta, que obrigasse a todos os Governos, porque se S. Exa. tem um plano, o seu successor outro, e o que se lhe seguir outro, não ha a continuidade indispensavel, para que alguma cousa de util se possa fazer, e ha de tal systema redundar sempre em sobresaltos, duvidas e incertezas, sem nos firmarmos em cousa alguma, inutilizando-se todos os bons esforços, por que ninguem poderá ter confiança na sua obra; e assim cada um, que entrasse, já sabia o criterio pelo qual tinha de se orientar e dirigir.

E este o seu modo de ver, de organizar e formar um plano colonial de maneira a garantir o espirito de continuidade.

Referindo-se a este assunto, não lê, para não fatigar a attenção da Camara, mas manda para a mesa, os documentos, que são as instrucções, que, em tempo, deu aos commissarios regios de Moçambique e Angola.

Sobre o contrato Williams elle, orador, não dirá mais nada, mas não quer deixar de se referir a um assunto especial, que foi englobado com o contrato Williams, como elemento de desnacionalização para a provincia de Angola; refere-se ás missões do Espirito Santo naquella provincia, como elementos de colonização, de occupação, de civilização e de pacificação dos indigenas.

A este assunto referiu-se o seu velho amigo e illustre parlamentar, o Sr. Dantas Baracho, e S. Exa., afinal, não fez d'esta vez affirmações, que não fossem a confirmação d'aquillo que por mais de uma vez lhe tem ouvido. S. Exa. quer frades portugueses para o Ultramar. Vamos por partes na apreciação d'este assuntor e elle, orador, deve fazer uma previa e categorica declaração, e é que, tratando das missões do Espirito Santo na provincia de Angola, trata d'este assunto, como homem publico, olhando apenas os interesses politicos da nação, e põe de parte todo o pensamento ou sentimento de sympathia, que possa ter aquelles estabelecimentos, áquellas instituições, e considera-as, em si, não como elemento de propaganda religiosa, mas como elemento de affirmação de soberania, e de civilização dos indigenas e sua pacificação. Feita esta declaração, para significar a isenção com que vás tratar este assunto, e o ponto de vista em que se colloca para o apreciar, deve dizer a S. Exa., francamente, que está de acordo com o Sr. Baracho, em muitas das suas affirmações e doutrinas, como se vae ver, fazendo-se as distincções necessarias.

Vamos as ponto fundamental. São uteis, ou necessarias, as missões religiosas come medida de propaganda politica, de affirmação de soberania, de occupação effectiva, de civilização e pacificação de s indigenas?

Neste ponto estão de acordo elle, orador, e o Sr. Baracho; estão de acordo todos, quantos, de boa fé, estudam o problema, e se interessam, a serio, pelas cousas do ultramar.

Ainda ultimamente se deu um facto bastante caracteristico, e que elle, orador, não pode deixar de relatar á Camara.

Quando o Imperador Guilherme tomou posse da colonia que a Allemanha hoje possue na Africa oriental, encontrou no interior estabelecidas as missões justamente com os padres do Espirito Santo, e o que fez elle?

Entrou em combinações com a direcção superior da congregação dos padres do Espirito Santo, readmittiu-a na Allemanha, de onde havia sido expulsa, e essas missões ficaram ao serviço d'aquelle país cuidando-se, immediatamente de se instruirem padres allemães, para substituirem os padres franceses.

Crê elle orador, que o Imperador da Allemanha não pode ser suspeito de ultramontano.

Estamos pois de acordo em que as missões das congregações catholicas são utilissimas no ultramar como elementos de civilização.

Esta ê a questão fundamental.

O segundo ponto do nosso acordo é em preferirmos as missões das ordens religiosas, ás missões dos padres seculares.

Certamente um missionario que pertence a uma congregação religiosa está em condições muitissimo diversas das do padre secular, para lutar e vencer, pois tem o seu futuro garantido, e quem os trate, se recolherem doentes, ou inutilizados. O missionario secular tem que olhará sua alimentação e ao seu futuro.

Estamos pois de acordo em que as missões sejam confiadas a ordens religiosas.

Disse o Sr. Baracho: "eu quero congregações com padres portugueses".

Tambem neste terceiro ponto, elle, orador, está de acordo com S. Exa.

Evidentemente são preferiveis, nas nossas missões, os padres portugueses em vez dos estrangeiros.

Mas agora começa a divergencia d'elle, orador, com o Digno Par.

Diz o Sr. Baracho:

Como não ha padres portugueses expulsam-se os que são estrangeiros.

Ora isso é que não pode ser.

Se nós hoje abandonássemos, ou expulsássemos da provincia de Angola, as missões com padres estrangeiros do Espirito Santo, ao serviço de Portugal, que ali existem, quem ficava lá para affirmar a nossa soberania, e para ensinar a nossa lingua?

Não confundamos missões estrangeiras protestantes com missões portuguesas, embora servidas por padres estrangeiros. São casos bem diversos. Das missões estrangeiras protestantes ha que temer, sim. Quando Ministro, elle, orador, recebeu queixas energicas do grande Mousinho contra os suissos que estavam junto do Gungunhana, missionarios protestantes, presos por elle nessa guerra, o que suscitou reclamações do Governo Suisso.

Pusemo-los fora durante algum tempo, e agora lá estão outra vez.

Estão fazendo muito mau serviço, e tão mau que a propria Inglaterra se queixa d'elles, porque proclamam principios de philantropia social mal comprehendidos, e mal interpretados, pela raça negra, transformando-os de trabalhadores e uteis em viciosos e indolentes.

Uma cousa é a missão estrangeira, autónoma e livre, em virtude de uma lei geral, e do direito conferido pelos congressos internacionaes, outra cousa é o missionario, embora estrangeiro, mas subsidiado, e, portanto, ao serviço do Governo Português.

Os padres do Espirito Santo não podem, pois, ser expulsos, embora estrangeiros.

Os padres do Espirito Santo estão ao serviço do Governo Português, são subsidiados por elle, e as suas missões são missões nacionaes, postos de occupação da Nação portuguesa, onde fluctua a bandeira portuguesa, e onde sr

Página 337

SESSÃO N.° 34 DE 31 DE MARÇO DE 1903 337

fala, e se ensina a lingua portuguesa Contra estas missões tem-se intrigado muito, e teem-se feito accusações sem fundamento, as mais d'ellas movi das por despeites e invejas.

No seu tempo houve uma accusação contra uma Missão do Espirito Santo e um governador do districto, a que pertencia, mandou-lhe um processo d investigação, a que tinha procedido queixando-se de que os missionarios ensinavam a falar francês, que praticavam actos immoraes, e que se desprestigiavam profundamente perante as populações indigenas; emfim, um longo articulado de accusações contra os missionarios, que estavam naquella occasião no Congo.

Elle, orador, recebeu esse processo e immediatamente lançou este despacho: o commissario regio da provincia de Angola proceda sem demora uma rigorosa syndicancia, e desde que se demonstre, por parte dos arguidos culpabilidade, determino que sejam entregues ao poder judicial, com recommendação aos agentes do Ministerio publico, para que promovam a applica cão da pena legal a quem tiver delinquido.

Ao mesmo tempo participava á Congregação do Espirito Santo, a que os arguidos pertenciam, para que ali soubessem do facto, e a corporação lhe applicasse as penas canonicas tambem, se porventura tivessem delinquido.

O conhecimento e a decisão d'esse processo, depois de feita a syndicancia, foi deferido ao Governo que lhe succedeu e mandado archivar, porque se provou que não havia fundamento algum para proseguir. Quem dirigia então a pasta da Marinha era o Sr. Barros Gomes no gabinete presidido pelo Sr. José Luciano de Castro. O assunto foi submettido a Conselho de Ministros. Aqui está o unico processo contra os padres do Espirito Santo que elle, orador, conhece, e a solução que elle teve. Faz notar a S. Exa. que os padres do Espirito Santo estão na provincia de Angola a missionar desde 1881, foram para a Huila a requisição do Sr. Governador de Mossamedes, Ferreira de Almeida, em 1885. Todos os Ministros da Marinha, todos os Governadores Geraes da provincia, todos os Bispos, que teem estado ali, podiam confirmar que não tem havido caso algum, fora d'este, a que elle se refere, e cujo termo acaba de narrar á Camara. Pode attribuir-se aos padres do Espirito Santo algum facto inventado por pessoas mal intencionadas, por intrigantes, invejosos, e de outras categorias, de que não quer falar. Mas ainda que houvesse factos individuaes a arguir, convem distinguir o que é um facto individual do que é a instituição em si. Então fica ferida esta Camara se elle, orador, proceder mal? Então a classe que S. Exa. o Sr. Baracho pertence de que é um illustre ornamento, fie deslustrada porque um ou outro cama rada seu não honrou os galões qu traz na sua farda? S. Exa. o Sr. Presidente é um distincto ornamento d magistratura, e porque um ou outro juiz procede mal no exercicio das sua funcções, acaso a sua classe fica meno prestigiosa na consideração publica qu merece? Ha que distinguir. Se um in dividuo cae num erro tem a sancção pé nal sobre elle, é castigado individual mente sem que isso seja nem possa se fundamento perante a logica e a justiça para menoscabar qualquer instituição Vae agora occupar-se de outra importante questão a que o Sr. Baracho se referiu no seu discurso, e que constitue um dos seus artigos de opposição aos padres do Espirito Santo, e d pontos de divergencia d'elle, orador, 1 a questão economica, o custo das missões: 540 contos de réis, dizia o Digno Par, foi isto que se gastou, e ali estava, nas mãos do illustre orador, um documento comprovativo. Mas é preciso ver que estes 540 contos de réis foram gastos durante um periodo de 16 annos, e distribuidos por vinte mis soes, o que dá 1:500$000 réis por anno para cada missão. O Digno Par, em quem predomina, sem a menor duvida o espirito de justiça, e que está acima de qualquer preoccupação, ha de concordar que esta verba de 540 contos de réis não pode considerar excessiva, quando se vê que é a somma de todas as dotações dadas, durante o periodo de 16 annos, e que não foi concedida simplesmente a um estabelecimento, mas distribuida por todos os que, no ultramar, exercem missão de propaganda religiosa.

Notou, tambem, S. Exa. o subsidio a mais, na gerencia do Sr. Ministro da Marinha, que foi de 6 contos de réis; o Sr. Ministro, defendendo se, disse que dera esse subsidio para fundar-se a nova missão do Cuanhama, mas que outros havia que tinham dado ainda maiores subsidios. Então foi elle, orador, directamente visado nesta referencia. Applaude o Sr. Ministro, por ter mandado fundar a importante missão do Cuanhama; mas não tem de que arrepender-se, por ter dado, tambem, alguns subsidios a mais, que bem 5e justificam.

(Leu).

Basta considerar as designações das diversas verbas, para, como a Camara caba de ver, se ter a razão justificativa d'ellas. Trata-se tambem da fundação de uma nova missão importantissima, sobre o ponto de vista politico, de reconstruir casas e escolas, que, noutras, haviam sido destruidas. Vê, pois, o Digno Par e seu amigo, o Sr.
Baracho, que a verba de 4 contos de réis a mais, que elle, orador, gastou, sobre o que despendeu o Sr. Teixeira de Sousa, está bem justificada. Tambem elle, orador, se empenhou em estabelecer a missão do Cuanhama, o que não pôde levar a effeito, e louva o Governo, porque o fez.

Esta missão, como muitas outras, são importantissimas, e representam grandes economias, pelas despesas que poupam em guerras e expedições.

O Cuanhama é temivel potentado, e já lá tinha uma missão protestante allemã. Para lá foi agora o benemerito Padre Lecomte, chefe das missões do Espirito Santo, do centro de Angola, prestando um assinalado serviço á nação.

Outra questão, abordada pelo Digno Par, foi a do perigo da desnacionalização.

Aqui, porem, no caso das missões, não colhe o argumento, como procede, quanto ao caminho de ferro do Lobito.

Quanto ás missões estamos no campo dos factos, com uma larga experiencia já, de vinte e um annos, visto que começaram em 1881.

Nada tem havido. Nada haverá. Nada pode haver. Basta considerar que são missões, ao serviço de Portugal. .

Não houve desde então até hoje, nem é de suppor que haja qualquer inconveniente resultante d'estas missões, mas se apparecer um facto qualquer, que represente qualquer culpa, ou qualquer falta de lealdade, então que soffra o castigo o que incorreu em delicto.

Nestas missões ha muitos padres estrangeiros, é certo, franceses, ingleses, alsacianos, irlandeses, mas ha tambem padres postugueses, e um grande numero de irmãos portugueses, e todos, estrangeiros e nacionaes, estão ao serviço de Portugal. As missões teem quatro grupos principaes, com um chefe de missão, que lhes preside. Ao norte, o Congo, tem o padre Magalhães chefe de missão, e ao sul, em Mossamedes, está o bem conhecido padre Antunes. No centro, em Benguella, está o padre Leconte, bem conhecido entre nós, ha dezoito annos ao serviço de Portugal, e que é português de coração, como elle, orador, teve ensejo de apreciar por muitas vezes, quando Ministro, conversando largamente com elle em diversas occasiões. Um verdadeiro enhusiasta pelo sertão africano. Não ha, pois, não pode haver o menor receio de desnacionalização, vinda d'estes elementos. Mas, por amor patrio, cumpre activar a formação de frades portugueses para o ultramar, como quer o Sr. Baracho, e elle, orador, tambem.

Disse ainda o Digno Par que estas missões não estão sujeitas á auctoridade portuguesa, nem sob o ponto de

Página 338

338 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

vista ecclesiastico, nem sob o ponto de vista civil.

Elle, orador, pode dizer a S. Exa. que sob o ponto de vista civil, estão sujeitas a esta jurisdicção, como todo e qualquer cidadão.

Com respeito, á jurisdicção ecclesiastica ha que distinguir o que respeita a uma parte da provincia de Angola, que está fora do Padroado Real.

Mas isto não é uma questão de agora é uma questão de longa data, é a antiga questão chamada prefeitura do Congo e da Ceimbebazia.

Ha muitos annos que assim é, ha muito tempo que as cousas assim permanecem.

Elle, orador, pode, particularmente, e com toda a reserva, fornecer ao Digno Par o registo que ali tem, e lhe offerece para o ver e considerar, das bases geraes para o estabelecimento das negociações de uma concordata com a Santa Sé.

Isto não é uma cousa que o Governo possa decretar só por si, é assunto, que tem de ser resolvido por meio de uma concordata.

Como muito bem sabe o Digno Par, a questão da jurisdicção ecclesiastica, na Igreja, não depende do poder civil. Para ampliar a jurisdicção do bispo de Angola aos territorios que formam as prefeituras do Congo e da Cimbebazia, é preciso um acordo com a Santa Sé. Sem ella nada de util e efficaz se pode fazer.

Assim o comprehendeu o Governo, de que elle, orador, fez parte, e por isso elle elaborou as bases geraes, que confiou á discreção e patriotismo do Digno Par, e sabe que o seu collega dos Negocios Estrangeiros abriu então as negociações. Nada mais cabe, senão que, por todos os motivos, seria utilissima essa concordata.

Vae concluir; e parece-lhe que tem respondido a todas as considerações que se fizeram sem outro criterio, que não fosse exclusivamente politico, visto que neste campo a questão fora posta, e nelle só havia conveniencia em a discutir.

Propositadamente afastou do debate a questão religiosa em si, porque a acha gravissima, neste momento da vida nacional sobretudo, e não quer para si sombra de responsabilidades em a suscitar.

O Digno Par o Sr. Baracho, que é muito illustrado, e que é um patriota, ha decerto concordar cem esta opinião. Fujamos de levantar a questão religiosa, porque neste momento seria o maior desserviço que podiamos prestar ao país. (Vozes: - Muito bem, muito bem).

(O orador foi muito cumprimentado).

O Sr. Presidente: - Os documentos mandados para a mesa pelo Digno Par serão publicados nos Annaes d'esta Camara.

O Sr. Avellar Machado : - Pede que seja consultada a Camara sobre se quer que a sessão seja prorogada, sendo necessario, até terminar esta discussão.

Consultada a Camara resolveu affirmativamente.

O Sr. Sebastião Baracho: - Pediu a palavra no intuito de fazer algumas considerações com respeito a affirmações apresentadas pelo Sr. Ministro da Fazenda, que hoje está occupado com uma discussão na outra casa do Parlamento. Como não está presente o membro do Governo a quem especialmente tem de se dirigir, vae, tanto quanto possivel, reduzir a sua ordem de considerações por forma a não abusar da attenção da Camara.

Entretanto, não pode deixar de notar nestas suas observações que o Sr. Teixeira de Sousa, no decorrer do seu discurso, fez affirmações que pela primeira vez foram proferidas nesta casa do Parlamento, affirmações que mostram que a maneira de ver do Sr. Presidente do Conselho tem feito escola.

E diz isto porque o Sr. Teixeira de Sousa no seu discurso dizia:

"Termina as suas considerações, e espera não voltar a este debate, a que veiu para assumir absoluta e inteira responsabilidade de um acto que praticou quando era Ministro da Marinha. Ao sentar-se desafia quem quer que seja a que lhe demonstre que nos seus actos não se inspirou sempre nos mais escrupulusos principios de moralidade e de patriotismo".

É um facto mais de uma vez referido nesta Camara, o de cada um tomar a responsabilidade dos actos que lhe compele.

Pois quem é que ha de tomar essa responsabilidade?

Quem os não pratica?

A frase, pois, pode considerar-se uma excrescencia das discussões parlamentares, e não outra cousa.

A responsabilidade de qualquer acto não deixa de impender sobre a pessoa que o pratica, nem lhe serve de attenuante o não declarar que a assume.

Ficando isto bem assente, vae referir-se a outro ponto de patriotismo e moralidade.

O Sr. Teixeira de Sousa entendeu ainda o anno passado que a politica a seguir, como logo dirá á Camara, principalmente em Angola, era a da porta fechada.

O Sr._ Teixeira de Sousa entendeu e declarou-o aqui nesta casa que preferira que o caminho de ferro de Lobito fosse feito por capitães portugueses.

Pois depois de ter feito esta affirmação e de ter trabalhado para que ella se tornasse effectiva, o Sr. Teixeira de Sousa, por um reviramento que é conhecido, celebrou o contrato para o caminho de ferro de Benguella, com um estrangeiro e declara que o fez obedecendo a um sentimento patriotico, mas o certo é que os que combatem a concessão feita ao- estrangeiro estão tambem no campo patriotico; e aqui tem S. Exa. cada um no mesmo campo, mas professando doutrinas perfeitamente antagonicas perante as quaes o país resolverá qual d'ellas mais convem aos seus interesses.

O reviramento do antigo Ministro da Marinha, actual Ministro da Fazenda, é completo.

Ainda ha bem pouco S. Exa. affirmava, depois d'esse reviramento, que não podia, por principio nenhum, deixar de fazer o contrato Williams, por isso que esse contrato assegurava o desenvolvimento da riqueza publica.

Elle, orador, pensou sempre, com respeito á doutrina em que o Sr. Teixeira de Sousa aventa o seu proceder, o mesmo que pensa hoje, e mais uma vez se insurge contra a concessão feita a um estrangeiro, na provincia de Angola e nas condições em que foi feita.

Cita o que disse o anno passado quando se discutiu o regime das bebidas alcoolicas para o ultramar, e insiste em dizer que por essas doutrinas e principios que elle, orador, tem sempre advogado com calor, entende que nós não devemos admittir a concessão do caminho de ferro do Lobito a um estrangeiro nas condições em que foi feita.

Nestas questões coloniaes, por via de regra, o esquecido é o colono que ali vae arriscar a sua vida e valorizar, tanto a colonia, como o país a que o mesmo colono pertence. Dizia elle, orador :

Este anno vem a triste desillusão de um caminho de ferro na provincia de Angola, com capitães estrangeiros, sob a acção directa de estrangeiros, que ali vão, não valorizar uma provincia com elementos que lhe sejam proprios, em detrimento da nossa nacionalização.

Já o anno passado elle, orador, se amoldava precisamente aos preceitos estabelecidos, e muito bem, pelo seu amigo o Sr. Jacinto Candido, quando ha pouco se occupava da necessidade que nós temos de fazer em dados termas a descentralização ultramarina.

Foi subordinado a esta ideia que elle, orador, governou a provincia de Angola.

Para a Camara poder apreciar qual era a sua opinião a esse respeito, lê o

Página 339

SESSÃO N.° 34 DE 31 DE MARÇO DE 1903 339

que se encontra no seu relatorio de 1896.

É preciso attender não só á estreiteza dos mercados coloniaes para os productos indigenas; mas ainda á situação do colono.

É necessario que elle viva ali em bons termos e á sombra de leis que o favoreçam e que lhe não sirvam de peias ao desenvolvimento da sua actividade.

Esta questão foi encarada por elle, orador, sob varios aspectos, como acabou de referir; mas a verdade é que estabelecida uma certa doutrina evolucionista, as cousas não podem manter-se no mesmo pé.

Já vê a Camara que a asserção ha poucos dias feita pelo Sr. Teixeira de Sousa, a respeito da necessidade impreterivel que S. Exa. tinha de fazer o contrato Williams pela forma como o fez, para acudir ás necessidades instantes de Benguella, não tem razão de ser.

Ha pouco, e muito bem, o Digno Par o Sr. Jacinto Candido provou que o caminho de ferro de Benguella se podia fazer, em tempo relativamente curto, com elementos proprios, e sob a acção unicamente portuguesa.

A querer entregar a estrangeiros alguma linha ferrea de Angola, aquella devia ser a ultima.

Do mal o menos. Se não pudéssemos construir a linha toda, tratássemos de fazer a de Lobito a Caconda.

As pessoas que, como elle, orador, entendem que entregar a estrangeiros a construcção de caminhos de ferro, em qualquer provincia ultramarina, é entregar-lhe o dominio da mesma provincia, não podem acceitar, por principio algum, o contrato Williams, tanto mais que aquelle contrato, não só sob o ponto de vista da legalidade, como sob o ponto de vista da desnacionalização, foi um erro gravissimo.

Ainda hoje o Digno Par Sr. Jacinto Candido, sobre este assunto, apresentou materia nova com o talento que o distingue. S. Exa. deixou antever um futuro sombrio para o país.

Em resposta ás considerações d'elle, orador, o Sr. Teixeira de Sousa disse que, se ellas visaram a maguar S. Exa. foi o fim perfeitamente attingido.

Nunca pretendeu maguar o Sr. Teixeira de Sousa nem ninguem; o que pretendeu então e o que pretende agora, é condemnar os processos de governo pessoal que se estão usando. A este respeito o Sr. Teixeira de Sousa limitou-se apenas a dizer que o assunto era muito melindroso.

Ha de continuar a combater os actos de governo pessoal, porque nunca se cansa de sobre elles chamar a attenção do país, falando claro e citando factos para que todos o entendam.

Se existisse uma lei de responsabilidade ministerial, talvez o Governo pessoal não se exercesse em tão larga escala, e seria de grande conveniencia que ella existisse para pôr um travão aos desmandos do poder.

Mas affirmava tambem o Sr. Teixeira de Sousa que a sua administração tinha sido moral e economica, e sentia que os seus setenta e dois decretos não tivessem sido discutidos. Se não foram discutidos, a culpa foi de S. Exa. que não os trouxe ao Parlamento.

Pode a Camara imaginar onde nos levaria a discussão, se tivessemos de analysar os setenta e dois decretos de S. Exa.

Mas, o facto caracteristico da moralidade e economia na administração, está precisamente no que se passou no Bailando.

Quem é que provocou a revolta?

Funccionarios do Estado e um ou outro commerciante que não encontrava o correctivo por parte de quem devia dar o exemplo.

Quando é que esta revolta se gerou ?

Seguramente, não foi ha tres annos quando ali estava outro Governo no poder, porque então a provincia de Angola já se tinha visto em estado de crise.

Dizia ainda o Sr. Teixeira ele Sousa :

"Não fui eu que nomeei os capitães mores". Mas não é, seguramente, o governador que os nomeia.

O governador nomeia, naturalmente, quem para lá mandam e quem para lá os mandou foi S. Exa.

Por ultimo dirá ainda alguma cousa sobre as condições do caminho de ferro de Lobito, que constitue a grande gloria do Ministro que o decretou.

Lembrará o que disse em uma das anteriores sessões; que essas condições, que se reputam muito favoraveis, caem pela base, quando se considerar que não dispomos de meios para remir caminhos de ferro do continente, quanto mais em Angola, e, alem d'isso, é preciso que as potencias, cujos subditos são empresarios d'esse contrato, permitiam uma operação d'essa natureza.

Se pode haver alguma censura nisto, não é para o concessionario, mas sim para quem fez a concessão, que devia considerar no que concedia e a forma por que podia ser approvada uma doação d'essas.

Não deseja alongar o debate, mas não pode deixar de se referir a um ponto concreto, a uma affirmação do Sr. Teixeira de Sousa, sobre o estado em que se encontrava Angola, quando S. Exa. entrou para o Ministerio, com respeito ao rendimento do alcool.

Declarou S. Exa. que nada encontrou e que deixara oitocentos e tantos contos depois de uma gerencia de tres annos.

Não contesta as affirmações de S. Exa., mas o que é certo é que em 30 de setembro d'este anno, as Novidades diziam relativamente ao alcool o seguinte.

(Leu).

A questão do alcool tinha produzido tal perturbação em Angola, que as plantações tinham sido inutitlizadas e os engenhos do açucar estavam parados.

Diz o Sr. Ministro que esta questão tem tido grande incremento em Angola. Oxalá assim seja.

Já a Camara vê que qualquer que seja o ponto de vista sob que se encare o contrato Williams, quaesquer que sejam as referencias que se façam com respeito a Angola, só ternos que lamentar a situação d'aquella provincia com a promulgação do contrato que a põe em situação desfavoravel para com a mãe patria.

O contrato Williams só pode trazer desastres. Oxalá que elle, orador, se engane.

Posto isto, vae referir-se agora aos padres do Espirito Santo, aos quaes tambem se referiu o Sr. Jacinto Candido.

Elle, orador, advogou os frades para o ultramar, mas só para o ultramar, e não se arrepende d'isso. Mas disse sempre que esses frades deviam ser portugueses.

Ainda hoje tem as mesmas ideias a este respeito.

Citou o Digno Par o Imperador da Allemanha a proposito dos frades do Espirito Santo; mas o Imperador da Allemanha sustentou os frades, mas só como elemento de ensino.

Não é isto, porem, o que succede entre nós.

Dos frades do Espirito Santos em Angola, apenas oito são portugueses. Teem porventura, esses frades grande numero de alumnos para educar?

Como já disse, o Sr. Presidente do Conselho, por meio de um decreto, introduziu os frades estrangeiros no nosso país.

Ainda deseja referir-se a outro ponto do discurso do Sr. Teixeira de Sousa.

Disse S. Exa. que supprimiu o subsidio á missão de Cabinda.

(Leu).

O requerimento d'elle, orador, a respeito d'este assunto, teve alguma influencia para essa suppressão?

Não sabe. Mas o certo é que S. Exa. supprimiu esse subsidio.

De uma lista que lhe foi enviada se vê que ainda ha cinco missões subsidiadas pelo Governo, as quaes não reconhecem a autoridade ecclesiastica e superior de Angola.

Agora tornam a reatar as negocia-

Página 340

340 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

ções no intuito de salvar o país de mais este vexame.

A este respeito dirá ao Digno Par que as despesas aumentaram de anno para armo, chegando nestes ultimos annos a attingir 59 contos de réis a verba gasta com este serviço das missões ; e a par d'isto regateiam-se os meios necessarios para que se estabeleçam congregações religiosas onde se eduquem frades portugueses, de modo que não se julgue lá fora, que não temos individuos habilitados para exercer aquellas funcções.

Não deseja por principio nenhum ir alem da hora regimental, e por isso conclue pedindo mais uma vez que venha a lei indispensavel de responsabilidade ministerial.

Ainda tem fé que o Governo entrará na legalidade e prestará homenagem ás liberdades publicas, á dignidade da Camara, e ao que se chama lei, sob todos os pontos de vista.

(O discurso a que este extracto se refere será publicado na integra e em appendice, quando S. Exa. tenha revisto as notas tachygraphicas).

O Sr. Visconde de Chancelleiros: - Pediu a palavra para declarar que não fala. Na proxima sessão, ou em conjuntura propria dirá a razão por que não fala num debate tão longo e tão protelado, sem que a Camara tenha pronunciado o seu voto sobre nenhuma moção.

O Sr. Presidente: - Não ha moção sobre a mesa.

Está esgotada a inscrição, e por isso vae encerrar o debate sobre a interpellação.

Por motivo justificado não pode fixar o dia da proximo sessão.

Os Dignos Pares serão avisados do dia em que ella se realiza, e a ordem do dia se á a continuação da que vinha para hoje, isto é, o parecer n.° 38, que approva o contrato para o estabelecimento de carreiras entre os portos de Lisboa e Leixões e Moçambique; 39, que approva o plano da instrucção naval, e 24, que reorganiza a Academia e Museu Portuense de Bellas Artes ; 40; que fixa o contingente para o exercito, armada, guardas municipaes e fiscal para o anno de 1903, e 41; que fixa a força do exercito em pé de guerra para o anno economico de 1903-1904.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas e 35 minutos da tarde.

Os Redactores:

E.SCHWALBACH.
ALBERTO BRAMÃO.

Dignos Pares presentes na sessão de 31 de março de 1903

ExmoS. Srs.: Luis Frederico de Bivar Gomes da Costa, Alberto Antonio de Moraes Carvalho; Marqueses: de Gouveia, do Lavradio, de Penafiel, da Praia e de Monforte, da Praia e de Monforte (Duarte) Condes: de Avila, da Azarujinha, do Bomfim, de Cabral, de Monsaraz, da Ribeira Grande, de Samodães, de Sobral; Viscondes: de Athouguia, de Chancelleiros; Antonio de Azevedo Pereira Carrilho, Costa Lobo, Telles de Vasconcellos, Arthur Hintze Ribeiro, Palmeirim, Carlos Maria Eugenio de Almeida, Sequeira Pinto, Serpa Pimentel, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Mattozo Santos, Baptista de Andrade, Jacinto Candido, Mendonça Cortez, João Arrojo, Gusmão, Avellar Machado, José de Azevedo, Costa e Silva, Frederico Laranjo, Figueiredo Mascarenhas, Silveira Vianna, Pimentel Pinto, D. Luis de Sousa, Pereira e Cunha, Miguel Dantas, Pedro Ferrão, Pedro Victor, Sebastião Telles, Sebastião Dantas Baracho.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×