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Extracto da sessão de 13 de março. Presidencia do Em.mo Sr. Cardeal Patriarcha.
Secretarios os Sr.s Margiochi.
V. de Gouvêa.
(Assistiam os Srs. Presidente do Conselho, e Ministros da Justiça, e Estrangeiros; e entrou depois o Sr. Ministro da Marinha).
Pelas duas horas da tarde, tendo-se verificado a presença de 35 D. Pares, declarou o Em.mo Sr. Presidente aberta a Sessão. Leu-se a Acta da antecedente, contra a qual não houve reclamação.
O Sr. Presidente participou que a Deputação, nomeada na ultima Sessão para apresentar diversos Decretos das Côrtes Geraes á Sancção de Sua Magestade fóra recebida pela Mesma Augusta Senhora com a Sua costumada Benevolência. A Camara ficou inteirada. Deu-se conta da seguinte correspondencia: Um Officio do Ministerio dos Negocios da Marinha e Ultramar, com a data de 2 do corrente, remettendo sete copias de documentos, que lhe foram pedidos em Officio de 28 de Janeiro do corrente anno, a requerimento do D. Par V. de Sá da Bandeira, com relação á Commissão de que foi encarregado o Capitão de Mar e Guerra Graduado, José Joaquim Lopes de Lima.
Para a Secretaria. O Sr. 1.º Secretario Margiochi — Deu parte de que estava sobre a Mesa uma representação de Miguel Pereira de Mendonça Xavier, em que pede de se façam algumas modificações na Carta de Lei de 2 de Agosto de 1818, no sentido da Proposição de Lei da Camara electiva, relativa aos Empregados da extincta Thesouraria Geral e Contadoria Fiscal das Tropas.
Ficou sobre a Mesa para ser remettida á Commissão encarregada de dar o seu parecer sobre a Proposição de Lei a que o Supplicante se refere.
O Sr. V. de SÁ — Leu e mandou para a Mesa o seguinte requerimento, que foi julgado urgente:
«Requeiro que com urgencia se peça ao Ministerio da Justiça um mappa dos rendimentos que, alem das quantias votadas no orçamento, pertencem a cada um dos Prelados Diocesanos do Continente do Reino, com declaração das propriedades de que provêm os mesmos rendimentos. Camara dos Pares, Março 13 de 51 = Sá da Bandeira. »
Foi approvado sem discussão.
Ordem do dia.
Discussão do Parecer n.º 294.
A Commissão especial nomeada conforme a disposição da Carta de Lei de 11 de Abril de 1845 examinou, como lhe cumpria, o requerimento do Ex.mo Marquez de Vallada, D. José de Menezes da Silveira e Castro, que pretende ser admittido a prestar juramento e tomar assento nesta Camara pelo direito hereditario, que julga lhe compete por ser filho unico, e legitimo do fallecido Marquez do mesmo titulo, D. Francisco de Menezes da Silveira e Castro, o qual tinha sido elevado á dignidade de Par do Reino pela Cara Regia de 30 do Abril de 1826, cujo original se acha junto aos outros documentos que acompanham o requerimento do Supplicante. A Commissão, antes de examinar esses documentos, intendeu que deve verificar, primeiro a legitimidade do á:rei-to era que ss funda esta pretenção, e som o qual inutil era tornar conhecimento das habilitações o capacidade do Supplicante; e no resultado do escrupuloso exame a que sobre esta ponto procedeu, veiu a convencer-se de que esse direito não existe, nem póde ser aplicável ao mesmo Supplicante. O fallecido Marquez, pai do Supplicante, foi um dos signatarios da representação dirigida ao ex-Infante D. Miguel, na qual se pedia a abolição da Carta Constitucional, e que fosse consummada a obra da usurpação; e no denominado assento dos Tres Estados explicitamente declaram os mesmos signatarios, que era nullo tudo quanto tinha sido praticado e decretado pelo Senhor D. Pedro, como Rei de Portugal, desde o dia 10 de Março de 1826, e que por tanto nulla vinha a ser a sua nomeação para a dignidade de Pares, cujo exercicio só tinham acceitado, assim como toda a Nação se havia submettido ás determinações de um Rei intruso, por effeito t'e maquinações desejaes, e de violenta coacção: por este modo os signatarios da dita representação e assento renunciaram espontaneamente ao Pariato, ou antes declararam que nunca haviam acceitado aquella dignidade, porque a acceitação violentada pelo medo e coacção é nulla, e como se nunca existisse. Esta renuncia, e voluntaria declaração dos signatarios foi acceita, e posteriormente ratificada pelo Decreto de 28 de Maio de 1834, o qual determinou que sómente pudessem tomar assento na Camara dos Pares aquelles que se conservaram fieis ao juramento da obediencia á Carta, com expressa exclusão de todos os outros que haviam assignado a sobredita representação, e este Decreto, ainda que promulgado no tempo da Dictadura, foi posteriormente confirmado pelas Côrtes Geraes, e é hoje uma das Leis do Estado, que deve, como todas, ser executada em quanto por outra não for expressamente revogada. Em observancia da mesma Lei, e fazendo applicação della a outro caso similhante, que foi submettido á deliberação desta Camara, decidiu ella em Sessão de 27 de Julho de 1842, depois de uma longa e porfiada discussão, que os signatarios da mencionada representação tinham perdido » dignidade de Pares, e. que a voluntaria renuncia e não acceitação da mesma dignidade prejudicava a seus herdeiros e successores. Esta decisão da Camara, que sendo, como parece ser, applicavel ao supplicante, priva este do direito em que funda sua pretenção, não póde nem deve considerar-se revogada pela determinação do artigo 5.º da já citada Lei de 11 de Abril de 1845, por quanto no mesmo artigo clara e expressamente se declara, que a sua disposição só terá effeito depois da publicação daquella Lei, declaração esta que não é mais do que a ratificação de um principio incontestavel, e até consignado no §. 2.º do artigo 145.° da Carta, conforme o qual as Leis não podem ter effeito retroactivo. Por estes fundamentos a Commissão é de parecer que a pretenção do supplicante não póde ser attendida.
Sala da Commissão, em 6 de Março do 1851. = Francisco, Arcebispo de Evora = Barão de Monte Pedral = Thomás de Mello Breyner (vencido) = Marques de Ponte de Lima = Conde das Alcaçovas (vencido) — Visconde da Granja, Relator.
O Sr. Mello Breyner — Sr. Presidente, eu assignei este Parecer — vencido, e por isso julgo do meu dever expor o motivo porque assim o fiz.
A maioria da Commissão a que tive a honra de pertencer, funda a sua opinião, em que nega ao Sr. M: de Vallada o direito de entrar nesta Camara, na representação que seu pai assignou em casa do D. de Lafões, o depois no denominado assento dos Tres Estados, onde elle declarou que reputava irrito e nullo tudo quanto o Sr. D. Pedro 4.° tinha feito, como Rei de Portugal, e que por consequencia a sua nomeação de Par do Reino era illegal.
Sr. Presidente, o fallecido M. de Vallada podia ter aquella opinião a respeito da (Ilegalidade da sua nomeação de Par, por ter sido feita por um Rei que elle não julgava legitimo; mas nós, que não reputamos irrito e nullo o que o Sr. D. Pedro 4.º fez na plenitude dos seus direitos, não podemos admittir esta doutrina, e por consequencia a dignidade de Par que o Sr. D. Pedro 4.º conferiu ao M. de Vallada é válida, e legal; e desta legalidade é que nasce o direito do actual M. do mesmo titulo. Eu não posso encaixar a questão de outro modo (Apoiados).
Diz a Commissão — O M. de Vallada renunciou por este modo á dignidade de Par. Mas que temos nós com isso? Se elle praticou assim foi porque julgou irrito e nullo tudo quanto o Sr. D. Pedro 4.* tinha feito; mas nós não o julga, mos assim, nem o podemos fazer. Por tanto, repito, esta nomeação é legal, e desta legalidade é que nasce o direito de seu filho. Embora o M. de Vallada commettesse os maiores «rimos, pelos quaes fosse sentenciado á morte, isto não podia de modo algum privar o seu successor do direito que lhe assiste, porque a Carta é muito clara a este respeito (Muitos apoiados).
Sr. Presidente, ninguem respeita mais do que eu as determinações do Imperador: mas não posso deixar de dizer que o Decreto de 28 de Maio
de 1834 foi contra as disposições da Carta Constitucional (Apoiados). É necessario dizer-se sempre a verdade (Muitos apoiados. Por consequencia fundado nesta opinião é que assignei como vencido, porque julgo que o Sr. M. de Vallada actual, tem todo o direito de entrar nesta Camara (Apoiados).
Não quero tomar mui» tempo á Camara; mas pareceu-me que era do meu dever apresentar as razões porque tinha assignado — venci (Muitos apoiados). (O Sr. C. de Lavradio — Muito bem).
O Sr. C. de Lavradio — Muito estimou ter ouvido as nobres <• generosas palavras do Veterano da Liberdade (Apoiados), do primeiro que cravou em terras de Portugal a Bandeira da Rainha e da Carta, e cuja voz não pólo deixar de ser ouvida com respeito (Apoiados), porque tudo quanto diz é sincero, parte do seu coração, sim é verdadeiro tudo quanto diz o Sr. Thomás de Mello Breyner (Muitos apoiados); e pediu a S. Ex.ª que lhe perdoasse se offendeu a sua modestia começando o seu discurso dando-lhe o testimunho de consideração que merece tanto a elle Orador, como a toda a Camara e ao Paiz (Apoiados).
Recorda o N. Orador que hoje não é como Legisladores, mas como Juizes que tem de proceder os D. Pares (O Sr. Presidente do Conselho — Apoiado.). porque se tracta de applicar o direita constituido a uma pessoa certa e determinada, e não de estabelecer direito, embora a Camara se não ache constituida em Tribunal de Justiça; o Parecer da Commissão que se discute é um verdadeiro Projecto de Sentença, e com o caracter de Sentença deve ser considerada a resolução que se tomar, qualquer que seja; é pois de evidente necessidade que a discussão seja grave e plácida, livre de toda a especie de paixões politicas (Apoiados do lado direito), a fim de que a Sentença não possa ser taxada de injusta e iniqua (Muitos apoiados).
A tarefa, observou S. Ex.ª, que seria facil se o Parecer fosse regular, e fundado nas disposições da Carta, e conforme aos preceitos da Lei de 11 de Abril de 1845; mas, pedindo perdão de o dizer, lamenta que desviasse a questão dos seus verdadeiros principios, e fosse suscitar uma questão odiosa, antipolitica, que póde ser nociva á tranquillidade publica, e até á conservação desta Camara, e que tornasse assim necessario que nella se tractasse: e para isso deixou de fazer o exame do Requerimento do cavalheiro que pretende entrar nesta Casa, como parece que deveria ter feito, expondo qual era a Legislação sobre a materia, e examinando depois as circumstancias do pretendente applicar-lhe essas Leis: o que, como se não fez, tem a Camara de preencher essa falta, e por isso elle Orador pede licença para prescindir por alguns momentos do Parecer, que não coadjuva nada o voto consciencioso, que se deve dar em tão delicada questão.
O N. Conde passa a examinar o que diz a Carta, que é a Lei das Leis, diante da qual não póde subsistir disposição alguma, que lhe seja contraria; e observa que ella no seu artigo 39.º (leu) estabelece a regra geral, e o ponto de partida para esta discussão: por este artigo o Cidadão portuguez. que fôr elevado á dignidade de Par por Nomeação Regia, conserva-a durante a sua vida (vitalicio), e por sua morte passa ao seu filho primogenito, legitimo e vagão (hereditário); pelo que se conhece que são dois os titulos porque se póde entrar nesta Casa, pelo direito de Nomeação Regia, e pelo direito de successão, direitos em tudo iguaes, ambos respeitaveis, e ambos tambem necessarios para a conservação da actua) Constituição do Estado. O Puder Moderador tem por essa Constituição o direito de crear Pares, porque convem que esteja armado dos meios do obstar, o que Deos affaste para longe, a que esta Camara se torne facciosa: mas a Constituição tambem previu que era necessario que esta Camara, entre outras cousas, tivesse a garantia da independencia de seus membros, e assegurou-lha no direito de successão, direito que será difficil de provar que não deva ser mantido em quanto se não provar que produz grandes inconvenientes, e que não póde ser offendido sem um crime igual ao da offensa de qualquer outra disposição da Carta.
Este direito, observa mais o Orador, que só se póde perder por dois modos, ambos os quaes se acham previstos na Lei de 11 de Abril de 1845; por Sentença da Camara dos Pares, constituida em Tribunal de Justiça, Sentença que inhabilita o Par criminoso de tornar a exercer as altas funcções de Legislador; e tambem quando o Par renuncie, sem coacção alguma, espontanea e solemnemente. e que esta renuncia tenha sido solemnemente acceita pela Camara; mas em qualquer dos casos o direito dos descendentes permanece inteiro e inconcusso: o filho de um Par sentenceado tem o seu direito de Par garantido no artigo 145.° §. 19.º da Carta, que dispõe que a pena não passará da pessoa do delinquente; que não haverá em caso algum confiscação de bens; que a infamia do réo se não transmittíra aos descendentes daquella que commetteu o crime; e nisto a Carta não fez mais do que reconhecer um principio de direito natural: e que se isto era assim a respeito do filho de um Par criminoso, por muito mais forte razão a respeito do direito que conservava o filho do Par, que renunciou, e lá está a Lei de 11 de Abril de 1845, que lh'o mantem, e não podia deixar de manter sem offensa da hereditariedade, e por conseguinte sem offensa da Carta, e esta Camara nunca havia de concorrer para que passasse em Lai uma disposição que offendesse a Lei fundamental.
Mas o N. Orador ainda vai mais longe na sua argumentação. Se o filho do Par expulso por effeito de uma sentença, a esta firmada n'um crime tão grande como é preciso que seja aquelle que provoca uma tamanha pena, não póde perder o seu direito pelo facto dessa sentença, porque não é culpado no crime que seu Pai commetteu; com muito menor razão se póde attacar o direito do filho d'aquelle Par, que não commetteu crime,