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CAMARA DOS DIGNOS PARES.
EXTRACTO DA SESSÃO DE 15 DE MARÇO DE 1858.
Presidencia do ex.mo Sr. Visconde de Laborim,
vice-presidente.
Secretarios, os Srs. Conde de Mello,
Visconde de Balsemão.
Depois das duas horas e meia, tendo-se verificado a presença de 27 Dignos Pares, declarou o Ex.mo Sr. Presidente aberta a sessão.
Leu-se a acta da antecedente contra a qual não houve reclamação.
O Sr. Barão de Porto de Moz tendo pedido na sessão passada que se declarasse na acta, que se tivesse assistido á sessão em. que se discutiu o parecer n.º 107 havia votar contra elle; e observando por a leitura da acta que tal declaração não se fez; por isso repete o pedido para que se lance a, dita declaração na acta de hoje. O Sr. Presidente—Vai declarar-se.. O orador aproveita a occasião de estar de pé para participar que o Sr. Visconde da Granja não compareceu á sessão de hoje, e talvez que falte a mais algumas, por estar doente.
O Sr. Presidente — Passamos á ordem do dia. Está votado na generalidade o parecer n.º IH, passa-se á especialidade, e vai lêr-se o
Art. 1.º (Veja-se o Diario n.º 92 do corrente mez.)
O Sr. Presidente— Como não estão presentes os Srs. Ministros, não sei se a Camara quererá continuar a discutir este projecto?...
O Sr. Conde de Thomar observa que tendo-se pronunciado, na discussão do parecer alguns Dignos Pares contra o artigo 3.º do projecto, o que foi presenciado por alguns dos Srs. Ministros que assistiram a essa discussão; era do dever de SS. Ex.ªs comparecerem hoje para darem as explicações que lhes fossem pedidas sobre esta materia, que não é de tanta simplicidade, que não mereça explicações da parte do Governo (apoiados).
Já por mais de uma vez elle orador tem levantado a sua voz nesta Camara, e dito e repetido, que os negocios publicos não podem marchar assim (apoiados); mas os Srs. Ministros não querem attender a isto. É só agora que se vé o Parlamento abandonado dos Srs. Ministros nas discussões importantes que aqui se ventilam. Não é possivel que se estejam a fazer estas queixas todos os dias, e a dizer, que assim não ha governo representativo neste paiz; que não devo isto continuar, porque não é possivel deixar em abandono os negocios publicos (apoiados).
Se a Camara julga que não é precisa a presença dos Srs. Ministros para discutir este projecto, decida-o assim: mas em quanto o não declarar elle orador entende que a presença de SS. Ex.ª é indispensavel.
O Sr. Visconde d'Athoguia —Sr. Presidente, a Camara não desconhece qual é o interesse que eu tenho em que passe este projecto que tem por fim beneficiar a ilha da Madeira: mas se a Camara entender que para a sua discussão é necessaria a presença dos Srs. Ministros não serei eu que me opponha a essa resolução que é tão curial e conveniente. Mas perguntaria, porque não está presente o Sr. Ministro da Justiça, que não tem na outra Casa materia em discussão, que diga respeito á pasta de que S. Ex.ª está encarregado? S. Ex.ª melhor do que eu, que sou funchalense, podia defender os interesses daquella provincia, aonde foi por muitos annos Governador civil. (O Sr. Aguiar—Não está na outra Camara.) Se não está, então com mais razão devia estar aqui, porque S. Ex.ª tinha o dever de se mostrar grato aos habitantes da Madeira, que lhe deram um nome maior do que já tinha, e recebeu delles muitas e distinctissimas provas de sympatia. S. Ex.ª cumpria um dever sagrado vindo a esta Camara por esta occasião para defender um projecto, que foi apoiado pelos seus collegas: acabo, Sr. Presidente, dizendo, que a Camara reconhece com quanto desgosto eu devo concorrer para que se não discuta, quanto antes, pela ausencia dos Srs. Ministros, um projecto sobre o qual eu podia dar alguns esclarecimentos, e o mesmo teria logar da parte dos membros da commissão.
O Sr. Visconde de Fonte Arcada—Sr. Presidente, o que os Dignos Pares acabam de dizer não póde ser contradicto de maneira alguma. É necessario que haja na Camara algum Ministro para dizer, o que occorrer, e dar as explicações que forem necessarias. Nós temos dois Ministros que são Pares do Reino, e outros que são da Camara dos Srs. Deputados. (Uma voz—O Sr. Visconde de Sá está doente.) Não sabia, mas em geral nós temos visto, que por mais que se tenha fallado a respeito da precisão que ha de SS. Ex.ªs comparecerem nesta Camara, tem sido escusado, porque nem por isso tem tractado de vir aqui com mais assiduidade, e isto assim não póde continuar (apoiados). Nem isto é governo representativo, não sei que nome lhe darei, mas não é aquillo que devia ser, e tambem não me parece que a Camara esteja tão desarmada que não possa compellir os Srs. Ministros a concorrer ás suas sessões. Eu não faço a proposta, mas seria util que a Camara resolvesse—que em quanto os Srs. Ministros não estivessem presentes, não tractaria de negocio algum. (O Sr. Barão de Porto de Moz —Não vem.) Então não sei o que havemos fazer.
O Sr. Visconde d'Algés pede que não se esteja a gastar todos os dias o tempo com estas questões. O Sr. Conde de Thomar fez uma proposta, que não tem discussão, porque é incontestavel que todos os projectos de interesse publico estão sendo adiados por não estarem presentes os Srs. Ministros para darem explicações. Comtudo os projectos que não exigem a sua presença podem discutir-se e votarem-se, e portanto devemos passar á ordem do dia (apoiados).
O Sr. Presidente—A Camara conhece que os pareceres n.º 108, 110, 112 e 113 dependem todos da presença dos Srs. Ministros, e que hão se podem discutir na sua ausencia.
O Sr. Visconde de Fonte Arcada—Então são todos?
O Sr. Secretario Conde de Mello — Para os pareceres n.ºs 108 e 110 é necessario que esteja presente o Sr. Ministro da Fazenda, porque são sobre objectos de fazenda (O Sr. Visconde d'Algés — Devem ficar adiados). O parecer n.º 113, que tracta da collocação de um official reformado, pertence ao Sr. Ministro da Guerra, que tambem não se acha presente; e o 113 está no mesmo caso por pertencer ao Ministerio da Marinha, e o Sr. Visconde de Sá tambem não está presente.
O Sr. Visconde de Ourem (sobre a ordem) — V. Ex.ª deu para ordem do dia os pareceres n.°s 114, 108, e 110, que não se podem discutir sem á presença dos Srs. Ministros...
O Sr. Presidente — Eu já disse quaes eram os pareceres que foram dados para ordem do dia...
O Orador—Muito bem; mas eu creio que os pareceres 112 e 113 não precisam da presença dos Srs. Ministros para se discutirem.
O Sr. Visconde de Fonte Arcada—Este é justamente o modo delles cá não virem.
O Sr. Presidente—Eu torno a dizer que todos dependem da presença dos Srs. Ministros; mas se a Camara, apesar disto, quer discutil-os, vou pólos em discussão...
O Sr. Barão de Porto de Moz — Sr. Presidente, eu peço a palavra sobre este incidente...
(Entrou o Sr. Ministro da Fazenda.)
O Sr. Presidente — Chega o Sr. Ministro da Fazenda.
O Orador — Cedo da palavra, porque era para pedir a V. Ex.ª que lhe mandasse aviso para comparecer nesta Camara.
O Sr. Presidente— Vamos ao parecer n.º 114, na sua especialidade.
O artigo 1.º foi approvado sem discussão, e bem assim o artigo 2.°
Art. 3.º
O Sr. Barão de Porto de Moz, ainda que não tem querido nesta Casa tomar sobre si a missão da defeza de uma instituição antiga e de seculos; e pelo contrario é dos que pensa que pelo estado em que ella se acha não póde ter grande esperança de duração, e que por isso aquelles mesmos que querem a sua existencia deviam antes tractar de reformar esse seu estado actual; todavia não pensa que ella leva ser destruida, ou pelo menos receber uma larga ferida, por um meio indirecto. Refere-se á instituição vincular.
O artigo 3.° deste projecto 6 desta ordem; por que, tractando das garantias que o Governo ha de receber dos emprestimos que fizer aos proprietarios que quizerem estabelecer uma fabrica de assucar na Madeira, diz o seguinte (leu).
Se isto melhorasse a situação do administrador do vinculo, ainda podia calar-se; mas sem vantagem nenhuma para esse administrador vai violar direitos adquiridos, que a Camara não póde destruir. O parlamento tem direito de abrogar uma instituição, se ella não convem á sociedade: mas nem a Camara, nem o Corpo Legislativo pôde querer destruir o direito que já tem adquirido os immediatos successores dos vinculos. Muito embora os administradores, por seu proprio facto, queiram destruil-os por um contracto: quem lhe deu esse direito, e á Camara o de sanccional-o, contra aquelles que já tem um direito adquirido?
O orador não é defensor zeloso desta instituição, como ella está; porque os vinculos, como estão, não podem existir; mas não deseja que uma instituição, velha ou nova, seja vulnerada, ou a queiram destruir, não frente a frente, mas por meios indirectos. Não importa que a ferida, que se vai fazer na legislação antiga, ou na actual, sobre a instituição vincular seja grande ou pequena; não é assim que se mede a abrogação dos principios. Muito embora seja pequena a quantia de 40 contos de réis, o principio fica na sua extensão tão violado, como se fóra de centenares de contos de réis. Se ámanhã vier uma lei como esta, e no outro dia outra, a instituição desapparece d'entre nós, mas aos bocados, sem gloria para ninguem, se nisso póde haver gloria. E assim não é o modo de fazer a sua refórma. (apoiados): e, ao monos por sua parte, nunca ha de concorrer para se reformar assim a sociedade; porque quando ella precisa uma refórma ha de intental-a pelas razões claras, mas não pelas razões indirectas; o que revela, não á falta de coragem, que não falta a nenhum Digno Par, e muito menos tanta como a qualquer delles, ás pessoas que dirigem os negocios publicos; mas que se prefere vencer difficuldades, que aliás podem ser vencidas directamente, por meios que bem se podem chamar mesquinhos.
O Sr. Conde de Linhares —Eu pedi a palavra unicamente para declarar que partilho a opinião que acabou de enunciar o Digno Par Barão do Porto de Moz, menos em um ponto. Disso S. Ex.ª que não era defensor zeloso da instituição dos Vinculos; e eu usando da verdade e franqueza proprias do meu caracter direi, que sou defensor zeloso da instituição vincular (apoiados).
Sr. Presidente, permitta-me V. Ex.ª perguntar se este artigo 3.° ha de ser votado em globo, ou se hão de votar-se separadamente cada um dos §§ delle; digo isto, porque não posso approvar o § 3.°, que diz assim (leu-o). Não -vejo que possa haver inconveniente algum em se fazer a votação separadamente (apoiados). Foi só para fazer esta declaração que pedi a palavra, e nada mais direi por agora, reservando-me para defender mais tarde esta minha opinião, se ella fôr atacada. Entendo que o que se deve fazer é votar o artigo 3.°, eliminado o § 3.°, que a meu vêr é um ataque ao principio vincular que defendo.
O Sr. Conde de Thomar quando este projecto de lei começou a discutir-se na sua generalidade, declarou logo o orador que votava por elle, e que se reduzia a votar pelo principio, ou sentença delle, isto é, pelo emprestimo de 40:000$ réis a favor dos lavradores da ilha da Madeira, a fim de que elles possam assim remediar em parte os prejuizos resultantes do mal das vinhas; mas não quer dizer que estivesse disposto a votar todos os artigos do projecto nos quaes se acham, salvo se fosse convencido do que assim devia ser não só por utilidade publica, como pela especial dos habitantes da ilha da Madeira.
Em vista do que disse o Digno Par Barão de Porto de Moz, a materia não é tão simples como pareço á primeira vista, porque vem aqui uma idéa que tende a conseguir por meios indirectos aquillo que até agora por meios directos se não póde alcançar, aquillo que foi já objecto de debates parlamentares, e a cujo respeito se desenvolveu uma opinião quasi geral nesta Camara, o que até agora não foi possivel combater-se com opiniões sólidas — a conservação da instituição vincular (apoiados).
O Sr. Conde está intimamente convencido de que, pelo disposto neste artigo do projecto, em quanto se estabelece a hypotheca dos bens vinculados ao pagamento das sommas emprestadas pelo Governo para a compra das acções, vai isso destruir na Madeira o principio da instituição vincular.
Não é por taes meios que é justo, nem decente a um parlamento chegar ao fim de anniquilar aquelle principio: é de frente que devem ataca-lo os seus adversarios, se por ventura entendem que não convem aos interesses publicos (apoiados).
Offerecem-se ainda outras duvidas a respeito deste artigo, que lhe parece não estarem sufficientemente esclarecidas, e que carecem ter maior desenvolvimento, o qual espera que darão os Dignos Pares, membros da commissão: por exemplo, o artigo 2.° diz isto (leu). O effeito desta compra é passar a acção ao dominio do comprador? São estas acções transmissiveis a terceiro? E sendo-o, ficam ellas sendo hypotheca ao pagamento das sommas emprestadas pelo Governo aos proprietarios da ilha da Madeira? E como fica segura a hypotheca sendo transmittida a terceiro? Além disto, estas acções podem parar na mão de um homem que possua bens vinculados e livres, e comtudo os livres podem não chegar para o pagamento das acções. Morre esse homem, ficam herdeiros, o passa o vinculo ao primogenito: o que não é vinculado tem de ser dividido pelos herdeiros. Pergunta o orador, fica o vinculo obrigado ao pagamento destas acções? O vinculo que, na conformidade da lei, deve passar livre ao immediato successor? Todas estas questões valem a pena de serem esclarecidas pela commissão, porque não estão claras no projecto, e carecem sê-lo (apoiados).
Aproveita esta occasião para perguntar ao Sr. Ministro da Fazenda, se o Governo está de accôrdo com toda a doutrina deste projecto de lei, e se approva as disposições que elle contém; e se o Governo não acha que em vista dellas soffra o paiz, e soffram tambem as convicções dos Srs. Ministros; porque, em quanto á parte vincular, já o Governo declarou nesta Camara que é pela conservação desta instituição. É pois conveniente que tambem o Governo se explique sobre este assumpto.
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O Sr. Visconde d'Athoguia comera pedindo á Camara que attenda ás circumstancias em que a ilha da Madeira se acha actualmente, as quaes são deploraveis, porque os seus habitantes passaram -de ricos, que eram, a estarem hoje na maior mi, seria!
Objecta-se que as disposições deste projecto vão ferir a instituirão dos morgados, mas é sabido que o orador luctou contra a abolirão absoluta dos vinculos naquella ilha, e por isso não é suspeito: queria que se melhorasse a instituição, o que se guardassem os direitos adquiridos; e defende este projecto: não mostrará isto que só vê nelle um meio para habilitar o Governo um emprestimo em beneficio dos agricultores da cana do assucar, sem que isto importe um ataque aos principios?
Se não se engana, e crê que não, os vinculos pela antiga legislação portugucza estavam sujeitos a muito maiores encargos do que aquelles a que por este projecto de lei vão ficar; porque neste caso não só os encargos são muito pequenos, mas ate se se lançam sobre os vinculos é para utilidade dos mesmos vinculos. Pois os vinculos não ficavam antigamente sujeitos ás despezas que se faziam com os casamentos, impetrando-se para isso a competente licença regia? Ficavam decerto, e sem mesmo ser necessaria a annuencia dos immediatos successores; logo não se tracta neste projecto de uma cousa nova, e pelo contrario o que se deseja é que, dadas certas circumstancias extraordinarias a respeito da provincia da ilha da Madeira, se procure beneficiar essa mesma provincia, embora se ceda em pouco dos principios absolutos.
Este projecto não ataca os vinculos, porque, ainda que subsidiariamente os bens vinculados possam ser hypothecados, apenas se permite que se adiante ao proprietario a quantia de 3:000$ réis, e tacitamente se entende que esta somma apenas será emprestada aquelle que a vá empregar na cultura da cana do assucar; nem póde o orador crer que o actual Sr. Ministro da Fazenda, ou outro qualquer que possa succeder-lhe, faça a distribuição dos 40:000$000 réis por outro modo, e desde já pede a S. Ex.ª que nomeie uma commissão composta de pessoas «que dêem todas as garantias de que as sommas emprestadas só o serão debaixo daquellas duas clausulas.
Feito isto não tome que os vinculos, nem os immediatos successores venham a soffrer, antes espera com bons fundamcntos que uns e outros hão de lucrar muito, porque hoje se acham na miseria, e ámanhã estarão n'uma melhor situação, por isso que o desenvolvimento da cultura da cana ha de melhorar a sua sorte, tirando as propriedades vinculadas do abatimento em que infelizmente estão.
O Digno Par o Sr. Conde do Thomar, nas reflexões que fez sobre este projecto, disseque elle desejava muito a prosperidade da ilha da Madeira, e que se combatera ainda ha pouco um projecto, tambem relativo aquella ilha, era isso filho da convicção em que estava de que a ilha da Madeira podia prosperar e governar-se bem sem a adopção da medida que rejeitára, mas não porque tivesse em menos considerado os interesses da ilha da Madeira; o orador está persuadido que ninguem suspeitaria que o Digno Par fizera opposição n’esse projecto, pira deste modo hostilisar a ilha da Madeira, que S. Ex.ª decerto deseja vêr prosperar; mas que entende não prosperará por meio daquella medida: o Digno Par, desejando todo o bem á ilha da Madeira, encara a medida de um differente modo.
Ao Digno Par o Sr. Conde de Linhares tambem foz impressão esta disposição do artigo 3.°, ou onde que a instituirão vincular ia ser gravemente ferida, mas o orador espera que S. Ex.ª, reflectindo melhor, não se deixe levar dessa primeira impressão, pois muito desgraçado será o vinculo que fique arruinado com o emprestimo de 3:090$000 réis, que, como já disse, é o maximo que pôde ser emprestado a cada proprietario; e com a Condição porém de que ha de ser obrigado a empregar o capital mutuado na cultura da cana d'assucar.
Podo portanto aos Dignos Pares que olhem para o estado miseravel daquella pobre ilha, que façam quanto puderem para que ella ainda outra vez floresça, saíndo do abatimento em que se acha, o para cujo bem muito poderão contribuir approvando este projecto, que em logar de ir prejudicar a instituição vincular vai pelo contrario engrandecel-a.
0 Sr. Ferrão— Sr. Presidente, a Camara sabe que eu não sou mui zeloso defensor dos vinculos; e a Camara conhece quaes são as minhas idéas e convicções a este respeito, porque já aqui era outra occasião largamente as expendi e comtudo, quando se tractar de fazer Lei sobre esta materia, ella poderá, pelo meu voto, tolerar a instituição vincular mas nesta minha tolerancia não admitio o modo pelo qual os vinculos actualmente existem nem a legislação por que hoje se regem. (O Sr. Barão de Porto de Moz—Apoiado.)
No entanto, á parte as minhas opiniões, eu posso dizer que quando examinei este projecto, não deixei de ter presente a legislarão respectiva a vinculos, e do a applicar ao objecto de que se tracta. As considerações apresentadas pelo Digno Par o Sr. Conde de Thomar não me foram desconhecidas, tive tambem os meus escrupulos, mas reflectindo, esses escrupulos desappareceram.
Primeiramente eu vi que a instituição vincular da ilha da Madeira não podia ser atacada por este projecto, não só em vista das ponderações do Digno Par o Sr. Visconde d'Athoguia sobre o miseravel estado e circumstancias extraordinarias em que se acha aquella ilha, mas porque, podendo cada proprietario apenas receber de emprestimo até á quantia de 3:000$000 réis, muito, desgraçado seria o vinculo que se arruinasse ou deixasse de existir por causa desse emprestimo, que de mais a mais tendo de se applicar á cultura da cana do assucar e fabricação do mesmo!! assucar, revertia em augmento das propriedades prediaes tanto livres como vinculadas.
Depois attendi a que se tractava de dar protecção a uma industriosa nascente, mas salvadora, para a ilha da Madeira, e querendo ainda assim conciliar essa protecção com os principios da antiga legislação, não desconheci que para a transmissão dos encargos da hypotheca nos vinculos se impetrava licença regia, quando o Soberano reunia todos os poderes, o qual então a concedia havendo causa justa, e era bastante a allogarão e prova dessa causa justa, sem que os immediatos successores, que eram ouvidos, podessem impedir a resolução regia. Com quanto, algumas vezes os immediatos successores não annuissem ao que requeriam os administradores dos vinculos, eram estes auctorisados a contrair emprestimos com transmissão dos encargos respectivos nos vinculos que administravam, passando-se neste sentido os diplomas regios..
Sendo este o facto, e conforme ao direito, que regulava todas as dispensas na Lei, este projecto contendo uma dessas dispensas pelo podér legislativo, não ataca a legislarão vincular.
Mas ha uma outra razão. Todos nós sabemos que a propriedade rustica da ilha da Madeira se acha no mais desgraçado estado, em consequencia do mal das vinhas, e por tanto da falta da sua principal producção e commercio, e como no modo de ser dessa propriedade predomina a instituição vincular, e claro que este projecto de lei, só póde fazer reviver, esses vinculos hoje por assim dizer mortos.
Pois quem é que póde negar que a maior parte da propriedade da ilha da Madeira é vincular? Ninguem; e comtudo, toda essa propriedade, em contradicção com o seu fim, não rende para o sustento decoroso e adequado de seus administradores; ora sr se deixar progredir esse estado digno de lastima, morrei do os defensores dos vinculos abraçados com a instituição, mis os mesmos vinculos, como de rendimento insignificante, serão pela mesma legislarão vincular, ou virão a ser abolidos e anniquillados. Portanto, tractemos de dar aquella ilha a protecção compativel com outras necessidades do Estado; e o modo que se propõe não vai de encontro á legislação vincular, nem póde ferir, mas antes fazer prosperar uma localidade que bem merece que por ella olhemos.
O que antigamente o Soberano podia conceder, precedendo consulta do Desembargo do Paço, póde hoje concedel-o o corpo legislativo.
Mas. ainda militam em favor da hypotheca sobre os vinculos outros principios, que nem dependeriam na sua applicação de dispensa de lei, porque se se tracta do salvar os vinculos, e não da os destruir nem prejudicar, e o dinheiro dado para se salvar uma cousa é sempre, segundo a lei commum, considerado garantido pela mesma cousa que fica sendo hypotheca privilegiada, os vinculos respondem, nem podiam deixar de responder, pelos fundos que utilisaram. Não se diga, pois, que a hypotheca nos bens vinculados vai atacar a instituição vincular, pelo contrario, sómente vejo que neste negocio lucram os administradores dos vinculos, e lucram os immediatos successores.
Sobre a transmissão das acções que forem tomadas com o dinheiro deste emprestimo, direi que ellas, em quanto o capital que representam não fôr amortisado, ficam presas em razão do seu encargo, e por tanto o seu possuidor não póde temporariamente alienal-as a terceiro por endosso, ou por qualquer outro modo; mas este embaraço cessa logo que o capita! mutuado tiver sido, amortisado, á neste caso seguem as regras geraes de transmissão, como bens livres, passando dos administradores para, os immediatos successores, ou para qualquer outra pessoa, que tenha direito a ellas por herança ou contracto.
Eis aqui pois, os fundamentos que tive para approvar este artigo 3.º do projecto de lei sem exclusão do seu n.° 3.°, desapparecendo os escrupulos que a principio tivera.
O Sr. Ministro da Fazenda—.Sr. Presidente, podia dispensar-me de usar da palavra depois dos discursos dos Dignos Pares os Srs. Visconde de Athoguia e Ferrão; S. Ex.ªs apresentaram a questão debaixo do seu verdadeiro ponto de vista, e eu só teia de repetir o que S. Ex.ªs disseram: limitar-me-hei, portanto, a dizer, que a hypotheca dos vinculas é uma hypotheca subsidiaria, porque ha primeiramente a hypotheca das acções, que hão de ter um valor, e se este valor fôr o que representam as mesmas acções todas as hypothecas cessam: depois ha os bens livres do accionista, e só quando estes não cheguem para qualquer falta no valor das acções e que vem os vinculos. Este projecto foi apresentado na outra casa pelos cavalheiros que representam a ilha da Madeira, e todos concordaram em que era uma medida indispensavel no estado em que está aquella ilha.
A instituição dos vinculos não vem a soffrer com as disposições deste artigo, antes pelo contrario, os proprietarios de vinculos ficarão muito melhor, como já foi demonstrado. Dou esta explicação, porque um Digno Par perguntou se o Governo se conformava com esta disposição do artigo, e se não havia contradicção entre ella e a opinião do Governo ácerca dos principios por elle (manifestados sobre a instituição vincular. Sr. Presidente, os vinculos que podessem ser affectados por esta disposição, quasi que não mereciam a pena de serem conservados;.mas esta disposição, pelo contrario, vai favorecel-os.
O Digno Par o Sr. Visconde d'Athoguia fez. uma pergunta em relação ás idéas em que o Governo estava sobre o modo de distribuir o emprestimo. Posso asseverar a S. Ex.ª que estou inteiramente de accôrdo com as opiniões de S. Ex.ª a este respeito, e parece-me impossivel que houvesse um Ministerio que se não conformasse com ellas, porque este é o verdadeiro pensamento do projecto; e se me couber o ter de dar execução á lei, ha de ser segundo estas idéas.
O Sr. Visconde de Balsemão — Vou começar pelas proprias expressões do Digno Par o Sr. Ferrão; quero dizer, que todos sabem já quaes são as minhas, opiniões a este respeito. Eu não tenho duvida em votar por este artigo, mudando-se-lhe o final, isto é, voto por elle sendo ouvido o immediato successor, Tambem devo fazer uma observação sobre o que disse o Sr. Ministro da Fazenda; S. Ex.ª disse que fraco seria o vinculo que não podesse soffrer um emprestimo de tres contos de réis, mas S. Ex.ª deve saber que sobre elles pesam muitas vezes outros embaraços.
Conformo-me com a doutrina do projecto, unicamente com a alteração que proponho, isto é, que se pratique o mesmo que se praticava antigamente sobre as hypothecas dos vinculos, que vem a ser — ouvir o immediato successor, porque se a medida é vantajosa elle de certo se não opporá.
O Sr. Presidente — As reflexões do Digno Par importam, na conformidade do regimento, um additamento; portanto, peço a S. Ex.ª que tenha a bondade de mandal-o por escripto.
O Sr. Barão de Porto de Moz disse que o Sr. Conde de Linhares fez-lhe a honra de se conformar com as suas reflexões, excepto com uma que o não era, e apenas uma disposição de animo, qual a de que não era zeloso defensor da instituição vincular: mas o zêlo não se póde impôr, Não sente o fervor que S. Ex.ª sente pelos vinculos, o que não esta na sua mão sentir, e por isso espera que o desculpará.
Entrando na materia observa que esta questão não é a dos vinculos; aqui não se tracta senão do modo de entrar na dos vinculos. Se a Camara se occupasse della, tractal-a-ia de outra maneira.
O orador nao quer entrar no merito da instituição vincular, e nas suas razões que ha para a conservar ou destruir; a questão agora é a de ir-se ou não destruil-a por um meia obliquo. Que razão é a que se lhe oppõe de que não houve intenção de destruil-a? Ha o facto que vale mais que a intenção, e este facto é que S. Ex.ª não quer.
Dito isto, passou a responder ao Sr. Visconde. d'Athoguia, o ao Sr. Relator da Commissão.. Não sabe que lembrança foi esta de chamar aquella ilha infeliz para defender o projecto; podia ser muito boa lembrança, mas não mostra as cousas como ellas são realmente. A Madeira é desgraçada, convem nisso; mas qual é das outras provincias que está em melhores circumstancias? Não lho parece que deva haver sentimentalismo nesta Camara, que não é necessario para cada um tractar de desempenhar os seus deveres.
Infelizes morgados, que ficam perdidos por causa de 3:000$000 réis, disse o Sr. Visconde de, Athouguia, e disse muito bem, ao que o orador accrescenta, feliz da Ilha, que vae ser salva com 40:000$000 réis! A par desta infelicidade, apresenta-lo a sua salvação com uma tão tenue quantia! Permitta-lhe o Digno Par, cuja voz é tão auctorisada que duvide disto, porque ou a ilha está, tão desgraçada como se diz, e os quarenta contos não a salvam, ou então não está assim desgraçada ppis que quarenta contos podem salval-a.
Que importa que com vinte, quarenta ou sessenta contos se firam os principios, se sempre se ferem? desde o momento em que se ferem os principios, a quantia com que não avulta nada. A imitarão desta virão depois mais seis, mais dez, mais vinte, e a cousa está conseguida; venceu-se a batalha quasi sem um tiro, isto é o que o orador não quer, o que não se póde querer.
Quando leu este paragrapho do artigo terceiro pela primeira vez confessa (porque é o ultimo homem que julga que se empregam meios tortuosos para chegar a qualquer fia) que não suspeitou q:ic houvesse má intenção, e apenas viu que. se feriam os principios, mas depois que ouviu o Sr. Visconde de Athouguia ficou a tremer pela instituição, porque elle confessou que realmente, se ia atacar á instituição na ilha da. Madeira. E ainda que se não quizessem levar as cousas tão longo, é obvio que ha offensa de principios, o que não é a legislação actual que os póde defender, porque o artigo tem uma applicação e effeitos muito diversos. É verdade, nesta legislação determina-se a fórma Como se ha de fazer a hypotheca dos bons vinculados, que podia ser por uma provisão concedida por quem ora competente para a dar, e pedida pelo administrador dos bens vinculados. Mas parece-se isto com a disposição deste projecto não, porque esta hypotheca não era para serem vendidos os bens vinculados, ora sempre o seu rendimento que se hipotecava, o nunca a propriedade. E em que circumstancias se dava isto? muito raras vezes para evitar perigo dos proprios bons vinculados. Aonde se determina aqui que o producto deste emprestimo seja applicado unicamente para os bens vinculados, que isto seja provado, e determinada a sua necessidade? e onde estava estabelecido, na nossa legislarão, que os bens vinculados fossem divididos? Em parte nenhuma, porque ella não affectava esta instituição, que ficava sempre salva, ao passo que esta disposição que se propõe affecta a instituição. De mais, o Sr. Ministro da Fazenda, declarou que não tinha a intenção do que directa ou indirectamente, fosse affectada a instituirão dos bens vinculados, e que só ora subsidiai a hypotheca dos bens vinculados na falta de outros. Mas, o orador pede que lhe digam, se não houver outros, quaes hão de ser senão estes, pois não ha disposição na lei contra isso, e se forem hypothecados os bens vinculados, hão de sugeitar-se ao onus real da hypotheca.
Haverá necessidade disso? É essa necessidade que o Sr. Visconde de Athoguia fez valer tanto pela exiguidade desta quantia, pois que a Ilha da Madeira poderá hypotecar em bens livres tantos quantos sejam necessarios para levantar este emprestimo, sem arriscar a propriedade vincular. Mas se a exiguidade serve para mostrar que os vinculos não são prejudicados, tambem, serve para provar que elles não ficam livres desse onus da hypotheca.
O melhor do tudo em todas as cousas entende o orador, que é fazel-as como devem ser feitas (apoiados.) Ainda repete apesar das observações do Sr. Conde de Linhares, que ha de admittir por Hypothese.) que a instituição vincular não está já nas circunstancias de fazer a grande parte dos meios da prosperidade deste paiz, e que se os vinculos devem ser reformados, faça-se isso francamente, e não aos bocados, pois não lhe parece justo, nem conforme com as idéas de homens, que todos elles são muito esclarecidos. Não insiste nisto, porque lhe parece um argumento contra producente, que, ao mesmo tempo que se considera desgraçada a situação da Madeira, se ponha a sua salvação em quarenta contos de réis. Não é possivel que assim seja.
Pois não haverá ninguem que queira salvar a Ilha da Madeira da situação em que se acha por tão pequena quantia? Qualquer negociante de Lisboa podia fazer este emprestimo dos quarenta contos de réis, para lhe caber a gloria de salvar uma das provincias de Portugal. É uma bella gloria. Se o Governo pozesse a concurso este emprestimo havia de haver muito quem quizesse este negocio.
O orador admira-se de que o Sr. Visconde de Athoguia, homem tão conhecedor da ilha da Madeira, e pessoa tão illustrada, olhe este projecto como uma medida efficaz para salvar a sua patria! E aqui diz que não se defendo das accusações feitas pelo Digno Par, mas das que se tem feito a quem não vela por todas as medidas a respeito da ilha da Madeira, de quem por isso são arguidos de inimigos della. Isto é um argumento que nunca se deve empregar (apoiado?). Pois qualquer homem não ha de ser senhor de discutir o que intender melhor para a Madeira, sem que seja por isso inimigo della? E se houver quem diga que quem vota por este projecto mesquinho, como todos voem, é inimigo da ilha da Madeira; porque, se ella labora em difficuldades, devia apresentar-se uma medida mais ampla e rasgada; e se não está em difficuldades taes como as pintam, e que o projecto destroe, estão na desacreditando á conta do uma mesquinha quantia de 40 contos de réis; o que diriam os defensores do projecto?
O orador não se leva por essas impressões, e discorre sobre-as cousas como a sua intelligencia lhe permitte; é por isso que propoz esta supposição, não para convencer os defensores do projecto, mas para mostrar que quem usa dellas não tem razões para o defender.
O orador vota contra este artigo; e quando podesse votar a favor delle, não havia de ser sem alguma prescripção que preservasse a propriedade vinculada, para, como por a legislarão antiga affectar unicamente o rendimento.
O Sr. Conde de Thomar (sobre a ordem) — À discussão vai mostrando que a questão não é tão simples como parecia ao principio; e por isso não entrando agora na materia, mas aproveitando-se das observações feitas pelo Sr. Ministro da Fazenda, e pelo Sr. Ferrão, manda para a Mesa o seguinte additamento, o qual espera que a commissão não deixará de considerar na discussão: e se a sua materia fôr admittida por esta Camara, está de perfeito accôrdo com o que já foi expendido,
O primeiro tem logar a respeito do que disse o Sr. Ministro da Fazenda, que este emprestimo será feito aos proprietarios da ilha da Madeira que cultivarem a canna do assucar, conforme aos fins que tem em vista o projecto. O outro additamento, é em harmonia com as observações feitas pelo Sr. Ferrão, em conformidade á nossa Ordenação do reino sobre a instituirão vincular.
O additamento é o seguinte (leu).
Os adiantamentos de que tracta o artigo 2.°, só serão feitos aos proprietarios que cultivarem a canna do assucar.
2.°. Se os mutuantes forem administradores de vinculos, será ouvido o immediato successor antes de ser verificado o emprestimo.
3.°. Neste caso, e ainda consentindo este, só serão hypothecados ao pagamento do emprestimo os rendimentos do vinculo; mas não poderão em caso algum ser alienados os bens que o constituem. Camara dos Pares, 15 de Março de 1858. — Conde de Thomar.»
O Sr. Secretario Visconde de Balsemão—Eu cedo do meu additamento, e conformo-mo inteiramente com os do Sr. Conde de Thomar.
O Sr. Presidente—Como o additamento de V. Ex.ª ainda não tinha sido admittido á discussão não na duvida em que póde retiral-o (apoiados).
Foi admittido á discussão o que acabava de ser proposto pelo Sr. Conde de Thomar.
O Sr. Conde de Linhares—Direi poucas palavras porque não desejo cançar a Camara sobre esta questão, e parece-me que está perfeitamente explicada.
Entretanto, respondendo ao Digito Par o Sr. Visconde D’Athoguia, direi a S. Ex.ª que eu tambem desejo mimo a prosperidade da Madeira, e considero essa ilha como uma das mais brilhantes joias da Coroa Portugueza; intendendo que se deve procurar por todos os meios attender ás necessidades que ella experimenta já pelo que soffreu com a doença das vinhas, já durante a epidemia da cholera-morbus, e que devemos mesmo procurar o aliviar estes males mais efficazmente do que se aliviam por este projecto de lei, pois creio que quarenta contos de réis não são sufficientes para remediar as perdas e os damnos que as calamidades mencionadas causavam aos habitantes daquella ilha. São por consequencia os meus votos todos favoraveis ao maior beneficio desta bella colonia portugueza e dos seus habitantes nossos compatriotas, comtudo não chega este meu hora desejo ao ponto de deixar atacar um principio que eu acho muito conveniente conservar, qual é o principio da instituição vincular, isto com o fim de favorecer a ilha da Madeira, e duvido que este favor lhe fosse muito aproveitável; temos destruido bastante, hoje é necessario conservar e reedificar.
Intendo, Sr. Presidente, que o § 3.° do artigo 3.° póde e deve ser eliminado sem inconveniente algum para a ilha da. Madeira, nem mesmo para o projecto que discutimos; esta opinião não é só minha;, se por alguns foi atacada, outros inten-
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dem com eu, que este § 3.6 não é tão innocente como parece ao Sr. Ferrão.
O Digno Par o Sr. Barão de Porto de Moz, disse que, ainda não se compromettendo a defender a instituição dos vinculos, comtudo não desejava que fossem medidas da natureza desta que os abolissem, intendeu pois o nobre Par, como eu, que o § 3.° do artigo em questão atacava a instituição; a differença que ha entre as idéas de S. Ex.ª e as minhas não existe portanto na interpretação que um e outro damos a este § 3.° e sua significação, mas sim em desejar S. Ex.ª que se empregue outro methodo ou systema para abolir aquillo que eu desejo conservar. Como no seu primeiro discurso o Digno Par não estabeleceu bem a distincção, ou o não comprehendi perfeitamente, dahi nasceu o equivoco de o julgar eu da minha opinião. Comtudo, mesmo agora acceito e agradeço a coadjuvação de S. Ex.ª para a rejeição do § 3.°, sem me fazer cargo da causa que move o Digno Par. Se no futuro a questão reviver por outra fórma, combaterei então contra S. Ex.ª, hoje meu alliado.
Respondendo ao Digno Par relator da commissão, o qual fallou com a proficiencia propria de um dos nossos mais sabios jurisconsultos, direi, que certamente não posso competir com S. Ex.ª neste terreno, ou quando se tracta de interpretar a nossa legislação antiga e moderna, e de bom grado reconheço que seria facil a S. Ex.ª o vencer-me assim, mesmo suppondo que me não convencesse ácerca da utilidade da abolição dos vinculos; porém peço licença para lembrar, que sendo notorio, e até confessado pelo Digno Par, que S. Ex.ª combate com toda a auctoridade da sua sciencia e talento a instituição vincular, não é por essa mesma razão aquelle do qual podem e devem esperar auxilio os administradores dos mesmos vinculos e seus herdeiros; S. Ex.ª sabe o que espera aquelles que recebem favores dos seus inimigos, e não se esquece do Timco Danaos et dona ferentes e da sua applicação para o caso quando S. Ex.ª diz, que o § 3.° do artigo 3.° tem por fim beneficiar os possuidores de bens vinculados na Madeira.
Não podendo pois approvar o artigo em discussão pelas razões que adduzi, não tenho difficuldade em acceitar o additamento apresentado pelo Digno Par o Sr. Conde de Thomar, salva a redacção, porque elle satisfaz plenamente á minha duvida. Por esta fórma, Sr. Presidente, mostro que tenho desejo de concorrer para que se faça este beneficio á ilha da Madeira, beneficio que não me parece comtudo importe a salvação daquella ilha (apoiados), com estes 40:000$000 réis melhora-se talvez a situação, porém pouco, pois a quantia é diminuta para o fim a que se pertende chegar, como perfeitamente o demonstraram já alguns Dignos Pares.
Terminarei declarando, que a minha opinião é toda em favor da conservação dos vinculos, e que em vista della se não admirará a Camara, vendo-me rejeitar um artigo que derrubou uma instituição que eu julgo conveniente para o paiz, e nenhuma duvida póde tambem restar, quanto a mim, que a materia do artigo 3.º deste projecto ataca a instituição vincular, creio que ao menos nesta parte estou de accôrdo com os Dignos Pares o Sr. Conde de Thomar, auctor do additamento, e o Sr. Barão de Porto de Moz.
O Sr. Conde do Bomfim—Tomando eu a palavra nesta questão quando ella tem já sido desenvolvida por tão esclarecidos oradores, não é de certo intenção minha contrariar (cm geral) a doutrina que se tem apresentado na Camara sobre o principio da instituição vincular, ou pertender fazer valer para a Madeira doutrina contraria aquella que é geralmente seguida, nem me considero tão habilitado a desenvolver a legislação sobre o objecto como o são outros Dignos Pares que me precederam, portanto só direi que me conformo inteiramente com os principios e razões apresentadas pelo Digno Par o Sr. Ferrão, e aproveito a occasião de ter a palavra para dizer alguma cousa sobre as circumstancias particulares da ilha da Madeira, pois que fui alli Governador e Capitão general, e pensei então muito sobre o assumpto que agora está em discussão, e fiz quanto pude para que naquella ilha se cultivasse o assucar e o café, e tive a fortuna de que ainda no meu governo, ajudado dos esforços de alguns de seus Ilustrados e abastados proprietarios, que attenderam ás minhas persuasões (ajudados das medidas governativas que pude proporcionar-lhes consegui que a cultura da canna j de assucar progredisse por tal modo, que se estabeleceu um engenho de assucar nessa época, em que se fabricou excellente assucar, quando aliás por. medidas governativas, e talvez por incuria tinha deixado de haver engenhos de fazer assucar havia immensos annos. E se desgraçadamente esta cultura e fabricação não augmentou successivamente, foi isso devido ás perseguições, por motivos politicos, feitas a diversos dos seus habitantes.
Começarei portanto dizendo, que em quanto á abolição dos vinculos, isso seria hoje muito acceitavel e talvez justo, pois que uma grande parte desses vinculos são mui pequenos, principalmente na occasião presente em que aquella ilha se acha tão desgraçada pela falta do vinho, embora um Digno Par do outro lado da Camara diga, que isto vai ferir os principios. Convém, pois, attender-se a que deixando-se as cousas no estado em que hoje estão, o estado dos vinculos peiorará muito mais, se sobre a sua propriedade, quero dizer, se sobre o capital dos vinculos, se não permittir dar garantia para levantar fundos para melhorar o rendimento. Se se pensa que esta medida para a Madeira vai fazer mal á instituição vincular, e que por isso não se deve approvar o projecto, então tarde chegará o remedio a ilha da Madeira.
Sr. Presidente, eu tenho receio de que quando os administradores dos vinculos tiverem, o seu immediato successor menor, e em diversos casos (ausentes, por exemplo, etc...) resultem dahi graves difficuldades, sendo preciso ouvir curadores, etc... em fim mil delongas como melhor o sabe a illustre commissão, e a Camara em geral, do que eu poderia mostral-o.
Ora, entendem alguns Dignos Pares, que não é grande cousa o acudir com este emprestimo de 40:000$000 réis á ilha da Madeira, em auxilio dos males que ella está soffrendo; e que não é com argumentos trazidos para o sentimentalismo que se deve tractar este assumpto; mas eu entendo que o sentimentalismo nos deve guiar nesta questão, para remediar quanto antes tanta desgraça, e não só digo isto, mas permittam SS. Ex.ªs que eu diga como informação, que penso em sentido contrario, tambem pelo que respeita á somma do emprestimo dos 40:000$000 réis, porque a experiencia do que alli se passou quando eu fui Governador e Capitão general daquella ilha, fez-me vêr, que ainda com menor quantia se póde fazer alguma cousa, como então se fez. É verdade que nessa época a propriedade não tinha chegado ainda a tão grande decadencia como agora, e por isso bastou menor auxilio para se melhorar este cultivo. Ha hoje trinta annos vi que se estabeleceu alli uma fabrica, como já referi, em consequencia de terem as Côrtes de então perdoado certos direitos, e o resultado disso» foi, que a cultura da canna de assucar que se fazia em ponto muito pequeno, passou a sel-o em maior escala, e criou-se logo uma fabrica; e eu tive a honra de mandar para Portugal, ao Governo e ás Côrtes, uma amostra de assucar que foi tido como de excellente qualidade. Deram-se então áquella ilha alguns auxilios pela Junta de fazenda, ainda que pequenos, que lhe foram muito uteis; e então é evidente, que dando-se-lhe agora em maior escala, os resultados hão de ser mais proficuos. Repito, pois, que não vejo que o principio relativo aos vinculos seja atacado com esta medida, e entendo que não ha tempo o perder, e que quanto antes se deve ir acudir áquella ilha, cujas desgraças são bem patentes, que por isso escuso agora enumeral-as á Camara, cançando assim a sua attenção, quando a Camara as não ignora.
Em quanto á hypotheca nos bens vinculados, parece-me que o receio que disto se tem é menos fundado, porque ainda que a maior parte da propriedade da ilha da Madeira é vinculada, achando-se actualmente reduzida ao peior estado, com um insignificantíssimo rendimento, pela perda do seu principal rendimento (o vinho), esta propriedade ha de augmentar de valor e de producção logo que nella se faça desenvolver a cultura da canna de assucar, e este desenvolvimento não apparecerá em quanto a ilha não fôr ajudada de algum modo, ou o Governo não tractar de pôr em pratica as disposições contidas neste projecto de lei, e portanto muito bom será approval-o desde já, e sem mais alterações, porque se lhas fazemos, terá de voltar á outra Camara, e esta ida e volta durará ainda talvez um anno, durante o qual os povos da ilha da Madeira estarão gemendo debaixo das mesmas desgraças que ha tanto tempo experimentam.
O Sr. Visconde de Algés (sobre a ordem) sem querer de modo algum, que a discussão deixe de correr sobre os demais artigos do projecto, que ainda não foram discutidos, e sobre os quaes os Dignos Pares terão de fazer algumas reflexões, principalmente em relação ao artigo 5.°, disse, que lhe parecia que o melhor meio a seguir para se aproveitar o tempo, e a discussão terminar o mais breve possivel, era que o Sr. Presidente, quando lhe parecesse conveniente, consultasse a Camara—se convinha em que os additamentos offerecidos ao artigo 3.° pelo Digno Par o Sr. Conde de Thomar, fossem com o mesmo artigo enviados á respectiva commissão, a fim de que lhes de uma melhor redacção, tanto mais quando o mesmo Digno Par, auctor dos additamentos, declarou já que os apresentava salva a redacção, de accôrdo com algumas reflexões que particularmente lhe fez.
O orador, tendo tido a honra de ser membro da commissão que deu o seu parecer de approvação ao projecto, levantou algumas dúvidas sobre o mesmo projecto, e principalmente ácerca do artigo 3.°; no entanto razões ouviu que alguma cousa modificaram essas dúvidas; mas depois do que se tem passado nesta casa, e da altura a que a discussão tem chegado, parecia-lhe que o melhor meio a seguir seria voltar este artigo com os additamentos do Digno Par á commissão, continuando a discussão sobre o resto do projecto.
Se pois o artigo e additamentos forem enviados á commissão, uma vez que neste caso o projecto terá de voltar á outra Camara, parecia-lhe tambem que muito conviria dar-lhe uma nova e melhor redacção, principalmente sobre o modo de se verificar a hypotheca, porque entende que este objecto não deve só ficar dependente do respectivo regulamento; mas que desde já mais alguma cousa deve ir consignada no projecto.
O Sr. Presidente— O Digno Par pede que este artigo e os additamentos a elle offerecidos voltem á commissão.
O Sr. Ferrão—Mas o Digno Par disse, que não se oppunha a que corresse a discussão sobre o resto do artigo.
O Sr. Visconde de Algés disse, que quando parecesse conveniente ao Sr. Presidente, consultasse a Camara se convinha em que o artigo 3.º e additamentos a elle offerecidos voltassem á commissão, para esta os pôr em harmonia, e dar nova redacção ao mesmo projecto, cuja discussão continuaria a respeito dos seguintes artigos. Por conseguinte já se vê, que não queria que se tolhesse a palavra a quem della quizesse usar.
O Sr. Ferrão—Eu começarei por dizer ao Digno Par o Sr. Barão de Porto de Moz, que quando uma localidade qualquer se acha em circumstancias como aquellas em que está a ilha da Madeira é obrigação de todo o Governo, e portanto dos representantes da nação prestar-lhe auxilio. Mas veja-se bem, que a medida que por este projecto se adopta não é uma medida de salvação, mas sim de protecção para a ilha da Madeira.
E não é para notar, que ás razões de direito e de justiça se addicionem aqui as razões de sentimentalismo; porque os legisladores, por isso que representam a nação, que se compõe de homens, tambem tem coração para sentirem, para deplorarem as desgraças de uma parte da mesma nação, e não admira, debaixo dos impulsos do coração, tomar algumas medidas de interesse nacional.
O Sr. Presidente—V. Ex.ª pediu a palavra sobre a ordem, e foi por este motivo que eu agora lhe dei a palavra, aliás teria, antes de dar-lha sobre á materia, posto a votos a proposta do Sr. Visconde de Algés.
O Sr. Ferrão—Más o Digno Par o Sr. Visconde de Algés concorda em que continue a discussão do projecto.
O Sr. Presidente—Tem a palavra.
O Sr. Ferrão — Respondendo ao Digno Par o Sr. Barão de Porto de Moz, que disse que a antiga legislação só sujeitava a alguns encargos dos vinculos os rendimentos dos mesmos vinculos, e nunca o casco ou a propriedade, observarei que por este artigo do projecto tambem se não querem sujeitar senão os rendimentos dos vinculos, nem outro podia ser o sentido, por que de outro modo se iria atacar indirectamente a instituição vincular, e contrariar ou revogar a respectiva legislação patria, segundo a qual as disposições fundamentaes desta instituição não se podem revogar sem expressa disposição, e eu não vejo que esta expressa disposição se ache neste projecto. (O Sr. Bardo de Porto de Moz—Mas no projecto diz-se, que se revoga a legislação em contrario.) Diz-se, é verdade, essa declaração vai em todas as leis, mas a derogação geral não dispensa a especial quando é precisa por direito.
Sr. Presidente, é um principio de direito, que uma disposição especial não póde ser derogada se não por outra tambem especial. Especial, e fundamental, é a prohibitiva da alienação dos bens que constituem um vinculo (cuja propriedade no casco não póde ser affectada.) Logo a hypotheca nos mesmos bens, em termos geraes, não póde comprehender o onus real em seus effeitos, se não quanto a rendimentos: por isso que, para ser outra cousa, se careceria de uma disposição especial em contrario, e aqui neste projecto não se encontra similhante disposição.
Mas, Sr. Presidente, no que eu tambem não posso concordar é na idéa, já por mim contrariada, de que para se verificar a hypotheca é necessaria a annuencia dos immediatos successores.
Escuso repetir o que todos sabem, pois é certo que conforme ao direito consuetudinario do reino, posto que fossem ouvidos os immediatos successores, nunca se exigia a annuencia delles para terem logar as licenças, que se impetravam, para se obrigarem os vinculos a certos encargos provenientes dos emprestimos que os administradores dos vinculos contraíam.
Quando o artigo Desembargo do Paço consultava sobre taes requerimentos qualquer que fosse a opposição dos immediatos successores, nem por isso deixava de consultar favoravelmente, quando se mostrava a conveniencia de assim se proceder.
E não me venham argumentar com os direitos adquiridos dos immediatos successores, por que nestes o que ha apenas é uma esperança, e não propriamente um direito; o direito certo e adquirido quem o tem é o administrador, mas aquelle que ha de succeder na administração do vinculo só tem, repito, esperança e nada mais: nem mesmo na ordem descendente, porque todos os presumidos successores, por serem os immediatos, podem ser substituidos por outros, pois que um nascimento, ou a morte, póde frustrar a esperança.
Feitas estas reflexões concluo, que nenhum dúvida tenho em que o artigo 3.° do projecto seja votado como se acha, mas tambem não ponho dúvida em que os additamentos offerecidos sejam remettidos á commissão.
O Sr. Visconde de Fonte Arcada—Tenho visto o artigo 3.° atacado por alguns Dignos Pares e defendido por outros; eu porém tenho sobre elle uma grande duvida, a qual já foi tocada pelo Digno Par o Sr. Conde de Thomar, porém os Dignos Pares que depois faltaram respondendo a varios argumentos nada disseram sobre ella, que julgo de muito peso (leu o artigo 5.°) por este artigo ficam hypothecados ao pagamento das acções os bens livres, e não chegando estes os de morgado, morre porém o accionista antes de ter pago a acção; e os bens livres não chegam para o pagamento do emprestimo; pergunto, nesta hypothese tendo os bens vinculados ficado tambem hypothecados ao pagamento da divida, e respondendo por ella, a quem fica pertencendo a acção ou acções; ao herdeiro do vinculo? Isto é uma cousa que não intendo, porque os bens livres, que tambem pagaram a acção podem pertencer a outros herdeiros, aqui intendo que deve haver algumas explicações, porque isto é uma divida contrahida para pagar uma acção ou acções, que tem um valor; o que me parece impossivel é que não haja quem tenha dado mais importancia a este ponto.
Por consequencia, á vista de todas as observações que se tem feito e desta que apresento, parece-me que o artigo deve voltar á commissão, porque me parece que se não deve passar de leve por esta minha observação.
Na ilha da Madeira, como se sabe, a cultura não é igual á nossa; os proprietarios dão as suas terras a terço ou a quarto, que recebem daquelles que effectivamente cultivam a terra, e se se olhar a isto não me parece que seja possivel a disposição do artigo da emenda do Sr. Conde de Thomar.
Finalmente, a commissão tomará na consideração devida todas estas reflexões, e dirá o que lhe parecer.
O Sr. Visconde d'Athoguia não extranha que lhe fossem combatidas as razões que produziu, porque preferindo o bem geral ao particular— só esse fim tem em vista.
Tambem não foi por sentimentalismo que apresentou um quadro real, que conhece bem, do estado em que se acha a ilha da Madeira; mas combateu-se o remedio, que se lhe quer dar, por insufficiente, e ao mesmo tempo achou-se que esse remedio era um gigante para atacar a instituição vincular: na opinião de SS. Ex.ª a Madeira não fica prospera com quarenta contos, mas os morgados morrem porque podem ter de pagar uma quantia de tres contos de réis cada um!
Aos que dizem que se não póde salvar a ilha, o orador vai dizer como ella se salva. Passou a fazer a historia do modo como naquella ilha se tinha introduzido a cultura da batata doce, que tem sido um ramo de salvação em muitas épocas; para mostrar que tem uma bem fundada esperança de tornar mais prospera aquella ilha com estes 40 contos.
Estes quarenta contos vão formar, pelo menos, duas fabricas de assucar; uma para o norte e outra para o sul. Estabelecidas ellas, e vendo-se o interesse que tiram seus donos, hão de os Dignos Pares vêr como todos querem estabelecer aquella industria.
Aqui vê-se que não se desenvolvem muitas industrias, porque todos estão á espera que alguem comece para vêr se é boa; mas quando ella é affortunada apparecem logo concorrentes; o que mostra que é preciso que o Governo tome a iniciativa nesta especie de melhoramentos. O que aqui se sente tambem na Madeira se deixa vêr.
O orador não póde acceitar a observação que fez um Digno Par, de que se tinha dito que S. Ex.ª era adversario da ilha da Madeira: elle orador não disse isso de S. Ex.ª, nem o diz tão pouco do Sr. Visconde de Balsemão, que comtudo todas as vezes que se tem apresentado medidas a favor da ilha da Madeira as tem combatido; pois tomando o principio vincular como condição tine que non, não cede a cousa mais pequena, nem a favor dos seus amigos e parentes.
Apesar disso não faz ao Digno Par a injustiça de tel-o por adversario da Ilha da Madeira, porque em tudo mais conta com S. Ex.ª como seu parente e amigo. E em quanto aos additamentos do Sr. Conde de Thomar sabe só que os madeirenses podem perder a esperança do resultado desta medida. Referindo-se á observação do Sr. Visconde de Fonte Arcada, disse que apesar de não ser legista, observa que a lei estabelece o modo de pagamento. Se houver bens livres, não ficam sujeitos os vinculos, mas se os não houver ficam obrigados os vinculos, e a acção pertence a quem a pagar.
O orador entende que já vae tarde esta medida tão benefica para a Ilha da Madeira, e por isso respeitando muito, como respeita o Digno Par auctor da moção para que este artigo volte á commissão, não póde votar pela alteração que é proposta nos additamentos, nem pretende combater as suas rasões com que S. Ex.ª a sustentou; oppõe-se contudo a que vão á commissão, limitando-se a expôr, como tem feito os motivos que o levam a querer beneficiar aquelle paiz; concluindo por dizer que, quanto mais se retarda a approvação deste projecto, peior será para os habitantes da ilha da Madeira.
O Sr. Visconde de Algés—O proprio auctor da proposta é que quer que vá á commissão.
O Sr. Barão de Porto de Moz não tomaria a palavra, nem havia de vir occupar de novo a Camara, se tivesse de usar por muito tempo da par lavra, já se tem dito o que ha a dizer, e agora só resta votar o artigo, ou mandal-o á commissão, como lhe parece que a Camara está resolvida a fazer, e isso é uma razão de mais para ser brevíssimo.
Observa que, quando fallou em sentimentalismo, não condemnou o sentimento, que é uma cousa diversa. Leis feitas por sentimentalismo não deseja que se façam, com sentimento sim. Pois o que é o homem, o que é o legislador sem sentimento? Não se confunda pois o que é distincto. Cousas ha que não podem aperceber-se, nem julgar-se senão pelo sentimento; outras porém exigem o emprego da razão. O legislador deve entregar-se menos aos impulsos do seu coração, e mais ao bom senso para fazer com espirito firme as Leis; com sentimentalismo nunca as poderá fazer. Se se ouvisse o Sr. Visconde d'Athoguia podia-se acabar já com esta discussão, porque a Lei vai tarde (O Sr. Conde de Thomar—Sobre a ordem); a ilha da Madeira vai em grande prosperidade, porque a cultura da canna do assucar vai tão extensa, que este beneficio vai muito tarde.
O orador quando fez a reflexão, porque não era argumento (o Sr. Visconde é que lhe deu essas honras), que a quantia era tão pequena, que qualquer cidadão, mesmo não muito abastado, podia salvar a ilha da madeira fazendo este emprestimo, por ser uma quantia que não excede as faculdades de ninguem; não pertendeu fazer um argumento, mas uma mera observação em ordem a mostrar que para o fim de obter-se uma quantia tão pequena, não se devia ir vulnerar uma instituição, que deve ser atacada frente a frente por aquelles que lhe são adversarios, e não enfraquecida por meios tortuosos, e destruida aos pedaços; e nem se devia tão pouco dizer, que essa somma era para salvar a provincia, porque a quantia era tão pequena, que, ou era illusão no estado em que se dizia estar a ilha, ou sómente servia para mostrar que esse estado se exagerava por meio do sentimentalismo.
Quanto ao Sr. Ferrão, observou que S. Ex.ª disse, que quando citara a legislação antiga quizera dizer — que só o rendimento estava affectado: que assim era, que ambos estavam de accôrdo em direito, quanto ao facto que não, porque a disposição que está no projecto é inteiramente contraria. O orador passou em continuação a lêr as palavras em que está concebido o n.º 3.° deste artigo para mostrar que a legislação antiga, que só affectava o rendimento dos bens vinculados postos em hypotheca ficava derogada por este projecto se fosse convertido em lei.
Portanto, que ambos estão de accôrdo quanto ao direito, gue é necessario revogar a legislação antiga; mas que o não estão quanto ao facto, por
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que ao mesmo tempo que o Sr. Ferrão suppõe que o projecto a não revoga, o orador está convencido do contrario.
Ainda queria fazer algumas observações sobre os direitos adquiridos; e pede perdão ao Sr. Ferrão do que vai dizer.
Pois a esperança não é tambem um direito? A morte, essa priva de tudo, e por isso não será nunca um direito. A legislação antiga, e o bom senso, o que e mais, dispõe que se o immediato successor, mandado ouvir sobre a hypotheca dos bens vinculados pela importancia do emprestimo, não tiver razão, o emprestimo se faça, não obstante essa opposição; mas agora que se reputa necessaria nova legislação que prescreve outras regras não se póde deixar de estabelecer provisões que obstem a que se desfalque o vinculo, e se vendam os bens delle quando a divida não tiver sido paga. Não basta dizer que por a legislação antiga isso está prevenido, porque essa legislação fica derogada se o projecto em discussão fôr convertido em lei, como se acha.
O Sr. Ferrão—Tenho a observar que o Digno Par Barão de Porto de Moz não attendeu ao meu argumento, ou eu não me expliquei de fórma que S. Ex.ª o entendesse.
Disse eu que taes dispensas na lei se concediam antigamente por uma Provisão que se expedia pelo Desembargo do Paço, sobre immediata Resolução Regia.
Esta dispensa fazia lei especial, mas nunca na sua execução se entendeu que taes dispensas affectassem a instituição vincular, nem portanto a hypotheca sobre os bens os affectasse além dos rendimentos.
E note o Digno Par, que na clausula geral da lei = que fica revogada a legislação em contrario, = com relação á transmissão da hypotheca além da vida do administrador, que é o que importada dispensa, não faz hoje o Poder Legislativo, que o que faziam em cada especie os nossos Reis, por suas Resoluções sobre Consulta do Desembargo do Paço, quando consolidavam todos os Poderes do Estado.
Este accessorio pois da lei não tem a força de comprehensão que se lhe pertende attribuir.
Aqui está por tanto o argumento que eu fiz, e provado assim que o facto está conforme ao direito: comtudo não me opponho a que se faça alguma emenda, que torne bem claro este pensamento, posto que a julgue não necessaria.
E não a julgo necessaria ainda por outra razão.
Ninguem desconhece que toda a lei se deve entender de modo, que della não resultem absurdos em vista deste principio, pergunto eu: pois o projecto de lei em discussão tende por ventura directa ou indirectamente a destruir os vinculos? Seguramente não (apoiados).
Como poderia entender-se isso, em qualquer hypothese, a respeito de uma lei, que tem exclusivamente por fim e objecto salvar toda a propriedade, vinculada ou não vinculada, na ilha da Madeira do estado de decadencia, em que se acha, e prevenir por tanto a ruina dos vinculos na mesma ilha, que compõe a maior parte dessa propriedade?
Tambem o Digno Par pareceu contrariar a distincção que eu fiz entre a esperança e o direito. Disse o Digno Par, pois a esperança não é tambem um direito? Sim, Sr. concedo; a esperança é um direito, mas um direito muito diverso do direito adquirido, e é este que eu contraponho á esperança.
É um direito á cousa, e não sobre a cousa: Jus ad rem, e não jus in re.
A distincção, portanto, que fiz não foi arbitraria, porque se firma em principios de direito.
A esperança pois é cousa muito distincta; os seus effeitos e importancia são muito diversos, e eu fiz a differença para attenuar o argumento que se produziu, para se fazer valer o direito (esperança) dos immediatos successores, e é certo que tanto a nossa legislação e direito consuetudinario não considerava a esperança como sendo a mesma cousa, que por ella se mandava ouvir o immediato successor, mas sem offensa do direito do administrador, e com justa razão, porque o direito adquirido é uma cousa, e a esperança para adquirir esse direito é outra muito diversa.
O Sr. Visconde d'Algés vai dizer poucas palavras, e essas são simplesmente com relação ao que ouviu ao Digno Par o Sr. Visconde d'Athoguia: que S. Ex.ª tinha dito que não votava pela moção de ordem que o orador fez para voltar o artigo á commissão, porque entendia que elle estava nos termos de podér votar-se tal qual se acha redigido; o que lhe fez suppôr que S. Ex.ª diria isto por que se conformava com os additamentos do Digno Par o Sr. Conde de Thomar; mas S. Ex.ª disse que não. Oppõe-se a que volte este artigo á commissão, pedindo-o um membro della em nome da propria commissão; o que lhe parece que devia bastar para que o Digno Par não fizesse opposição a este pedido.
O Sr. Visconde d'Athoguia observa que o que disse foi que com quanto esta medida fosse já tarde, approvava com tudo o projecto de lei em discussão, porque este emprestimo dos 40:000$000 réis ia remediar em parte os males que está soffrendo a ilha da Madeira, e era para que este beneficio lhe fosse feito sem demora que votava igualmente contra a remessa á commissão dos additamentos do Digno Par o Sr. Conde de Thomar: que os tachygraphos certamente terão tomado nota do que elle orador disse com toda a exactidão, e dellas se verá o que foi que elle disse.
Não sabe como o Digno Par o Sr. Barão de Porto de Moz póde tirar das suas palavras argumento para nada se fazer a favor da ilha da Madeira. Quando disse que esta medida ia já tarde é porque tinha como certo que ella devia ter-se posto em pratica ha mais tempo, a bem da cultura da canna do assucar. O Digno Par tirou a consequencia de que por que vai tarde não se deve approvar; e o orador tira a de que, com quanto vá tarde este beneficio, deve fazer-se quanto antes; porque é certo o dictado de que mais vale tarde do que nunca. E por isso pede que não se tire das suas palavras uma illação em sentido contrario.
O Sr. Conde de Thomar: referindo-se ao Sr. Visconde d'Athoguia, observou que S. Ex.ª apenas se limitou a declarar que não só não concordava em que o projecto voltasse á commissão, mas que nem podia votar pelos additamentos offerecidos ao artigo 3.°, não dando porém as razões em que se fundava para assim proceder, e nestas circumstancias a Camara, que não ouvia as razões de S. Ex.ª para se oppôr, não podia deixar de. adoptar os mesmos additamentos, e de votar que tanto estes como o artigo 3.° voltassem á commissão, mesmo até porque o auctor dos additamentos, e os proprios membros da commissão concordavam neste ponto, a fim de que na mesma commissão o projecto podesse receber uma melhor redacção.
O orador pede que quanto antes o artigo 3.º e os additamentos alli voltem. É muito natural que ainda dure mais algum tempo a discussão deste projecto, porque os Dignos Pares terão de fazer novas reflexões sobre elle, e principalmente sobre o artigo 5.°, que já começou a ser impugnado; e em quanto a discussão corre, a commissão vai trabalhando na redacção do que já está adoptado, terminando por conseguinte a discussão com mais brevidade (apoiados).
O Sr. Visconde d'Algés: o que disse e agora repete, é que era novo o impugnar-se que o artigo de um projecto voltasse á commissão, assim como os additamentos a esse artigo offerecidos, quando o proprio auctor dos additamentos o pedia, e quando os membros dessa commissão concordavam na necessidade de tudo alli voltar, a fim de se lhe dar nova redacção, e pôr as differentes disposições já adoptadas em harmonia umas com as outras. E tanto mais era para admirar a impugnação do Digno Par a que os additamentos e artigo voltassem á commissão, que S. Ex.ª se limitava a combater a proposta sem expôr á Camara quaes eram as razões em que para isso se fundava; e neste caso não tinha a Camara outro expediente a adoptar senão approvar os additamentos e envial-os com o artigo á commissão.
Expendendo estas opiniões não teve nem tem intenção alguma de offender ninguem, e muito menos o Digno Par a -quem se refere, porque quando cada um aqui expõe com franquesa e liberdade as suas idéas e combate as outras nunca é com o fim de offender (apoiados); e por sua parte nunca se offendeu nem offenderá quando as suas opiniões forem combatidas.
O Sr. Visconde de Balsemão — Sr. Presidente, depois do que acabou de dizer o Digno Par o Sr. Visconde d'Athoguia, cujas palavras fizeram em mim uma impressão desagradavel, eu não podia deixar de pedir a palavra para ainda dizer alguma coisa.
Depois do que havia dito o Digno Par o Sr. Barão de Porto de Moz, que se persuadiu, e creio que bem, que esta disposição consignada no artigo 3.° relativa aos bens de vinculos ia derogar a legislação existente vincular, eu entendi que devia apresentar a proposta, que effectivamente fiz, para que fosse conservada a legislação antiga respectiva ao objecto de que se tracta, e com esta modificação eu não tinha duvida de approvar o artigo, porque eu, Sr. Presidente, desejo tanto como qualquer Digno Par que mais deseje a prosperidade da ilha da Madeira; comtudo entendo não possa ter mais direito do que tinha o Douro que, se não está em peiores circumstancias daquellas em que se acha a ilha da Madeira, estará talvez nas mesmas, mas até hoje não tenho visto que para alli se tenham adoptado medidas algumas tendentes a attenuar-lhe os males que soffre, e se naquella parte do paiz eu não tivesse alguma propriedade e interesse, de ha muito que já teria apresentado uma ou outra proposta, que não apresento, porque não quero que se julgue que faço politica de campanario. No entanto não tenho duvida em approvar esta medida geral para a ilha da Madeira, adoptando comtudo os additamentos propostos pelo Digno Par o Sr. Conde de Thomar.
Vozes—votos, votos.
O Sr. Presidente—A proposta do Digno Par o Sr. Visconde d'Algés consiste em que volte á commissão o artigo 3.° do projecto com todos os additamentos offerecidos.
Assim se resolveu.
O Sr. Visconde d'Algés: lembra que tambem propôz que não ficasse prejudicado o andamento da discussão do projecto; que voltando apenas á commissão o artigo 3.° e additamentos a este offerecidos, a discussão continuasse sobre o resto do projecto, pois que ainda talvez muito houvesse que dizer, principalmente ácerca do artigo 5.°, que já alguns oradores tinham impugnado na. discussão da generalidade do projecto.
O Sr. Presidente — Continuará a discussão sobre o resto do projecto na proxima sessão, que terá logar na quarta-feira, visto ter já dado a hora. A Camara trabalha ámanhã em commissões. Está fechada a sessão.
Passava das cinco horas da tarde.
Relação dos Dignos Pares que estiveram presentes na sessão do dia 15 de Março de 1858.
Os Srs.: Visconde de Laborim; Duque da Terceira; Marquezes: de Fronteira, de Pombal, e da Ribeira; Condes: das Alcaçovas, da Arrochella, da Azinhaga, do Bomfim, do Farrobo, de Linhares, da Louzã, de Mello, de Paraty, da Ponte de Santa Maria, do Sobral, e de Thomar; Viscondes: d'Algés, d'Athoguia, de Balsemão, de Benagazil, de Castro, de Fonte Arcada, de Ovar, e de Ourem; Barões: de Chancelleiros, e de Porto de Moz; Mello e Saldanha, Sequeira Pinto, Ferrão, Margiochi, Aguiar, Larcher, Isidoro Guedes, e Silva Sanches.