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N.º 35

SESSÃO DE 31 DE MARÇO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. João de Andrade Corvo

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta.-Correspondencia.-Usa da palavra o digno par Agostinho de Ornellas.- O digno par Barros e Sá pede para tomar parte na interpellação annunciada pelo digno par Costa Lobo.- O digno par Pereira de Miranda, manda para a mesa dois requerimentos que se mandaram expedir.- Usam da palavra os dignos pares Sequeira Pinto e conde de Castro.- O sr. presidente pede ao digno par Sequeira Pinto para formular a sua proposta. O digno par manda para a mesa a sua proposta, que é enviada á commissão de legislação. - Ordem do dia: Discussão do projecto de lei n.° 4, o qual foi em seguida approvado sem discussão.- O sr. presidente levanta a sessão, dando para ordem do dia de segunda feira, 6 de abril, a eleição da commissão especial, composta de cinco membros, destinada a examinar e dar parecer sobre a proposta de lei relativa ao bill de indemnidade.

Ás duas horas e meia da tarde, estando presentes 21 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte

Correspondencia

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição de lei que tem por fim relevar o governo da responsabilidade em que incorreu assumindo o exercicio de funcções legislativas no interregno parlamentar.

Esta proposta, de lei ha de ser remettida a uma commissão especial, a qual ha de ser nomeada na primeira sessão.

Um officio do ministerio do reino, remettendo o decreto autographo pelo qual Sua Magestade El-Rei houve por bem prorogar as côrtes geraes ordinarias até o dia 16 de maio do corrente anno.

Ficou a camara inteirada.

Decreto

Usando da faculdade que me confere a carta constitucional da monarchia no artigo 74.° § 4.° depois de ter ouvido o conselho d'estado, nos termos do artigo 110.° da mesma carta: hei por bem prorogar as côrtes geraes ordinarias da nação portugueza até ao dia 16 do proximo mez de maio.

O presidente da camara do" dignos pares do reino assim o tenha entendido para os effeitos convenientes.

Paço da Ajuda, em 30 de março de 1885. = EL-REI.= Augusto Cesar Barjona de Freitas.

Para o archivo.

O sr. Presidente: - Está sobre a mesa a proposta do bill de indemnidade, e para dar parecer sobre elle é preciso proceder-se á eleição de uma commissão especial, que eu proponho seja composta de cinco membros.

Foi approvado.

O sr. Agostinho de Ornellas: - Sr. presidente, eu fui encarregado de participar a v. exa. e á camara, que a commissão dos negocios externos se acha constituida, tendo nomeado para seu presidente o sr. conde do Casal Ribeiro, a mim para secretario, havendo relatores especiaes para os differentes projectos.

O sr. Barros e Sá: - É para mandar para a mesa o seguinte requerimento.

(Leu.}

Leu-se na mesa o seguinte:

Requerimento

Requeiro para ser inscripto a fim de tomar parte na interpellação, annunciada pelo digno par Costa Lobo, ácerca do padroado do Oriente.

O sr. Pereira de Miranda: - É para mandar para a mesa dois requerimentos.

Leu e são do teor seguinte:

Requerimentos

Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, sejam enviados a esta camara os documentos seguintes:

1.° Nota dos juros da divida publica consolidada, tanto perpetua como amortisavel, relativos ao anno de 1884, que foram pagos no estrangeiro, e em que praças, indicando-se o modo por que se fez face a esses pagamentos, e os respectivos encargos de cambio, commissões, corretagens e outros;

2.° Nota dos saques feitos pelo thesouro em 1884 sobre o estrangeiro,
indicando-se o cambio por que foram negociados;

3.° Nota de todos os encargos da conta de credito com o Comptoir d'escompte no mesmo anno de 1884.

Camara dos dignos pares do reino, em 31 de março de 1885. = Pereira de Miranda.

Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, sejam enviados a esta camara os documentos seguintes:

1.° Copia da correspondencia trocada entre o governo e o syndicato portuense;

2.° Copia dos estudos da empreza organisada para tomar conta da concessão feita áquelle syndicato.

Camara dos dignos pares do reino, em 31 de março de 1885. = Pereira de Miranda.

O sr. Presidente: - Os requerimentos que o digno par acaba de mandar para a mesa, vão ser remettidos aos differentes ministerios.

O sr. Sequeira Pinto: - Sr. presidente, por alguns minutos peço a attenção de v. exa. e da camara para uma questão, que tem importancia, por isso que se refere á competencia que a esta assembléa pertence pela lei de 3 de maio de 1878, relativa á sucessão do pariato.

Conversando com alguns dos nossos collegas ácerca dos requerimentos que deram entrada n'esta sessão, e nos quaes varios cavalheiros pedem para succeder no pariato, eu conheci que da sua parte havia duvidas, que classifico de escrupulos constitucionaes, por isso que a lei que auctorisou as reformas politicas está votada, reunida a assembléa constituinte, e apresentado já o parecer da commissão especial da camara dos senhores deputados abolindo a hereditariedade na camara dos pares.

Sr. presidente, parece-me conveniente no proprio interesse

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dos cavalheiros que têem os seus requerimentos pendentes na commissão de verificação de poderes, que a camara se pronuncie sobre a procedencia de qualquer duvida, evitando-se assim a discussão em um parecer que tenha o caracter de pessoal.

O sr. Conde de Castro: - Sr. presidente, eu respeito muito os receios e os escrupulos do meu illustre collega, o sr. Sequeira Pinto, e não me admiro que na commissão de verificação de poderes se apresentasse algumas duvidas relativas á successão do pariato, entretanto parece-me que, tendo sido apenas apresentada a proposta para as reformas politicas, mas não sendo ainda lei do estado, a camara não póde deixar de dar andamento a esses requerimentos especiaes. (Apoiados.)

Se a camara, porém, não o entende assim, e se julga que as duvidas e os escrupulos do digno par podem realmente ser procedentes, parecia-me mais regular que s. exa. formulasse um quesito e depois a camara resolvesse que fosse enviado á commissão d" legislação para dar o seu parecer.

É esta a minha idéa, mas v. exa. e a camara resolverão como julgarem mais conveniente.

(S. exa. não reviu.}

O sr. Presidente: - A camara acaba de ouvir a proposta do digno par, o sr. conde de Castro, a qual termina por pedir ao digno par, o sr. Sequeira Pinto, que formule um quesito ácerca do assumpto tratado por este digno par e que depois esse quesito seja enviado á commissão de legislação para dar o seu parecer.

O sr. Sequeira Pinto: - Sr. presidente, não tenho duvida em ser agradavel ao digno par, o sr. conde de Castro, escrevendo um quesito, mas parecia-me mais conveniente que fosse formulado pela mesa ou por algum dos meus dignos collegas"

Eu não asseverei que tivesse escrupulos, mas que, conversando com alguns dos meus collegas a respeito do assumpto, s. exas. apresentaram algumas duvidas.

As considerações que fiz foram suggeridas por consideração para com esta camara. Se o não fossem, sabia qual o caminho a seguir, que era propor o quesito, e que fosse á commissão de legislação para dar o seu parecer.

Sr. presidente, não fallo só com relação á minha modesta pessoa, refiro-me á conversa que tive com alguns dos meus collegas, e das duvidas que elles apresentaram pelo receio que teem de que qualquer parecer fique entallado n'uma votação. Não tenho duvida nenhuma "m escrever o quesito e mandal:o para a mesa, mas parecia-me mais conveniente que fosse v. exa. que o fizesse, ou mesmo o digno par e meu amigo, o sr. conde de Castro.

O sr. Conde de Castro: - Eu não posso formular o quesito, porque não tenho as duvidas que tem o digno par; mas se s. exa. o não quer fazer, creio que da parte do sr. presidente não póde haver a menor hesitação, e estou certo que a camara approvará que elle vá á respectiva commissão.

O sr. Presidente: - Eu acho muito melhor que Beja o digno par, o sr. Sequeira Pinto, quem formule o quesito.

O sr. Sequeira Pinto: - Vou escrevei-o para o mandar para a mesa.

(Leu.)

É do teor seguinte:

Requerimento

Tendo sido votada a lei das reformas politicas, e apresentado já na camara constituinte o parecer da respectiva commissão, propondo a abolição da herança para succeder no pariato (artigo 6.°), deverá esta assembléa aguardar o resultado do mesmo parecer, suspendendo o exercicio do direito que lhe é conferido pelas leis de 11 de abril de 1845 e 3 de maio de 1878 na parte que respeita á successão no pariato?

Sala das sessões, em 31 de março de 1885. = Sequeira Pinto.

O sr. Presidente: - O quesito que o digno par mandou para a mesa vae ser remettido á commissão de legislação.

Não ha mais ninguem inscripto antes da ordem do dia; vamos entrar na ordem do dia, que é a discussão do parecer n.° 5, sobre o projecto de lei n.° 4.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

PARECER N.º 5

Senhores.- O projecto de lei n.° 4, approvado na camara dos senhores deputados, tem por objecto regularisar a situação anomala dos actuaes professores da escola medico-cirurgica do Funchal, cujos diplomas lhes foram provisoriamente conferidos, e cujos ordenados padecem por tão precaria e deploravel circumstancia.

Esta escola secundaria de medicina foi creada pelo decreto de 29 de dezembro de 1836, que ao mesmo tempo estabeleceu para os professores o ordenado"de 500$000 réis.

Posteriormente, em 1839, a lei de 31 de julho reduziu este vencimento a 4:00$000 réis, ordenando que 263$640 réis fossem pagos pelo estado, e 136$360 réis pelo cofre da misericordia do Funchal. Assim tem permanecido até hoje.

Aconteceu, porém, que por virtude do decreto de 2 de setembro de 1869, foram suspensas neste estabelecimento de instrucção especial as nomeações dos professores, como foram nos lyceus, condemnando por modo igual duas instituições de indole diversa, e cuja categoria não era licito equiparar.

Resultou d'ahi, que em breve espaço, não se havendo procedido á reforma, a que visava aquella suspensão, foram successivamente sendo substituidos os professores vitalicios por outros provisorios, de simples nomeação superior; abonando-se-lhes apenas, e só durante o tempo lectivo, metade dos vencimentos estabelecidos na lei acima referida de 31 de julho de 1839.

Parece á vossa commissão de instrucção publica mais que superfluo insistir na inconveniencia de tão estranhavel situação, sobretudo depois da reforma dos institutos secundarios que augmentou os ordenados dos seus respectivos professores, ficando d'esta sorte remunerados COBÉ mais largueza e liberalidade que os seus confrades da insstrucção superior do Funchal.

A este vexatorio detrimento occorre naturalmente o artigo 2.° do actual projecto de lei.

O artigo 1.° fixa a posição que o segundo elevou da inferioridade era que ao presente jazem os professores da escola funchalense. Assim como pelo artigo 75.° da carta de lei de 14 de junho de 1880 foi permittido aos professores provisorios dos lyceus subirem a proprietarios, provando mais de seis annos de bom e não interrompido serviço, a mesma regra estatue o projecto para os lentes da escola medica do funchal. O longo exercicio equivale bem a um exame extemporaneo; e se não houve rasões para a suspensão do professor provisorio, a leio não faz senão confirmar por expresso o que por elle virtualmente estava adquirido.

Por estas considerações a vossa commissão de instrucção publica é de parecer que deve ser approvado"o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Os actuaes membros provisorios do corpo docente da escola medico-cirurgica do Funchal serão nomeados vitalicios, sem exame, logo que provem seis annos de effectivo serviço.

Art. 2.º É equiparado o ordenado do professor cathedratico d'esta escola ao de professor proprietario dos lyceus centraes; e o ordenado do professor ajudante d'ella ao de professor substituto dos mesmos lyceus.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão de instrucção publica, em 24 de mar-

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ço de 1880.= Bernardo de Serpa Pimentel = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens = Antonio Maria do Couto Monteiro = Conde de Ficalho = H. de Macedo = José Pereira da Costa Cardoso = Thomás de Carvalho.

PARECER N.° 5-A

A commissão de fazenda não tem objecção a oppor ao projecto vindo da camara dos senhores deputados, n.° 4, nem ao parecer da illustre commissão de instrucção publica.

Lisboa, 24 de março de 1885.= A. de Serpa = Augusto Xavier Palmeirim = Visconde de Bivar = Thomás de Carvalho = Barros e Sá.

Projecto de lei n.º 4

Artigo 1.º Os actuaes membros provisorios do corpo docente da escola medico-cirurgica do Funchal serão nomeados vitalicios, sem exame, logo que provem seis annos de effectivo serviço.

Art. 2.° É equiparado o ordenado de professor cathedratico d'esta escola ao de professor proprietario dos lyceus centraes; e o ordenado do professor ajudante d'ella ao de professor substituto dos mesmos lyceus.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 14 de março de 1885.= Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa, presidente = Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos, deputado secretario =Sebastião Rodrigues Barbosa Centeno, deputado vice-secretario.

Foi approvado na generalidade e especialidade, sem discussão.

O sr. Presidente: - Está esgotada a ordem do dia. A proxima sessão será na segunda feira, 6 de abril, sendo a ordem do dia a eleição da commissão especial, que tem que dar parecer sobre a proposta do bill de indemnidade.

Está levantada a sessão.

Eram tres horas e cinco minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 31 de março de 1885

Exmos. srs.: João de Andrade Corvo; Duque de Palmella; Condes, de Alte, de Cabral, de Castro, de Margaride, de Sieuve; Viscondes, de Asseca, de S. Januario, de Soares Franco; Barão de Santos; Ornellas, Aguiar, Pereira de Miranda, Barros e Sá, Palmeirim, Basilio Cabral, Sequeira Pinto, Francisco Cunha, Henrique de Macedo, Mártens Ferrão, Mendonça Cortez, Cardoso, Mexia Salema, José Silvestre, Seixas, Placido de Abreu, Thomás de Carvalho.

Discurso proferido pelo digno par conde de Castro, na sessão de 23 de março corrente, que devia ler-se a pag. 166, col. 1.ª, lin. 19.

O sr. Conde de Castro: - Até que a final, sr. presidente, depois de quatro annos de espera pela reorganisação das nossas alfandegas, depois que o ministro da fazenda do partido progressista, o sr. Barros Gomes, apresentou em 1880 a sua reforma, vem elle de novo á discussão; mas não é um projecto de lei, não é uma proposta desenvolvida, que nós possamos votar, mas sim apenas uma auctorisação concebida nos termos mais amplos e mais vagos que era possivel.

Sr. presidente, é triste cousa, como já disse noutra occasião, que por um excesso de melindre partidario, nós, quando encontrámos na tela da discussão projectos apresentados pelos nossos adversarios, os ponhamos de parte, sem primeiro examinarmos bem as providencias uteis que elles contêem. Assim succedeu com aquelle outro projecto, quando sobrevem a crise politica, em resultado da qual o sr. Barros Gomes foi substituido pelo sr. Lopo Vaz, que o não quiz acceitar.

Mas, sr. presidente, apesar do desejo que eu tenho de ver realisada a reforma das alfandegas, devo confessar; que não posso dar o meu voto a esta auctorisação; e entenda-se bem, que não é simplesmente por uma consideração politica, isto é, porque não tenha confiança politica nos srs. ministros, é porque este projecto de auctorisação não assenta em bases seguras, e portanto não me satisfaz.

O que eu vejo é que n'este assumpto não houve a seriedade que eu desejava que houvesse; porque o sr. ministro apresenta-nos um projecto organisado por tal fórma que se não acredita. O que deveria ser artigos são apenas numeros, a cada um dos quaes correspondem umas certas bases, não havendo por isso discussão na especialidade. No emtanto eu sempre me atreverei a fazer algumas propostas, e creio mesmo que estou no direito de as fazer, desde o momento em que o sr. ministro da fazenda consentiu em que as bases da sua proposta de lei fossem alteradas na outra camara n'um ponto importantissimo, por isso mesmo que traz comsigo uma diminuição de receita. Portanto, o sr. ministro já não póde vir hoje aqui dizer-nos que não acceita nenhuma alteração, e que a camara só póde approvar ou rejeitar a auctorisação que solicita.

Mando, pois, para a mesa uma moção neste sentido.

(Leu.)

Sr. presidente, dá-se um facto, para o qual eu não posso deixar de chamar a attenção da camara, e é o modo como os bons costumes parlamentares estão sendo esquecidos, no que vae envolvida uma grande responsabilidade do governo. Nós estamos passando por um periodo de decadencia parlamentar. Vemos, por exemplo, que as duas casas do parlamento abrem as suas sessões ás duas e meia e tres horas, e que os ministros se apresentam no parlamento, poucas vezes antes da ordem do dia, e muitas vezes só ás quatro horas, para a discussão dos projectos que teem de ser discutidos. Vemos que os esclarecimentos que se pedem ao governo para elucidar as questões, não são, na maior parte, por elle enviados. Vemos que os pares e deputados, membros da minoria, não podem realisar as interpellações que annunciam aos srs. ministros, porque estes se não declaram habilitados a responder. E como se isto não bastasse, o sr. ministro da fazenda apresenta-nos agora uma proposta de auctorisação, que, alem de aggravar as despezas publicas, vae concorrer para desprestigiar o systema parlamentar.

Este governo, tratando se de leis organicas, só sabe dois caminhos: se tem a reformar o exercito ou a armada, recorre á dictadura; se quer reorganisar o serviço das alfandegas, pede uma auctorisação!

Eis-aqui os escrupulos, e a importancia que o gabinete dá á intervenção do parlamento na discussão d'estes graves assumptos.

Mas, sr. presidente, antes de entrar na discussão do projecto de lei,
permitta-me a camara que faça algumas considerações sobre o estado actual da fazenda publica. Tem sido pratica constante, ao entrar em discussão o primeiro dos projectos que acompanham o relatorio do ministro da fazenda, julgar-se essa a occasião propria para tratar da questão de fazenda. E tão certo e verdadeiro é isto, que eu poderia citar discursos do sr. Fontes, como ministro da fazenda, nos quaes s. exa. entendia que a opposição estava no seu direito de entrar nessa discussão, e até me parece, conforme o seu parecer, que a commissão de fazenda d'esta camara é da mesma opinião.

Portanto, vou fazer uma analyse rapida da questão de fazenda, embora alguem possa suppor que essa analyse seria mais bem cabida na occasião em que se discutisse o orçamento. Como, porem, eu tenho quasi a certeza de que não chegaremos neste anno a discutir o orçamento, por

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isso não deixarei neste momento, que eu considero apropriado, de fazer algumas reflexões.

A camara deve estar lembrada de que o digno par, o sr. Mártens Ferrão, relator do projecto de resposta ao discurso da coroa, dirigiu uma pergunta ao governo relativamente á necessidade imperiosa que havia de se discutir o orçamento do estado, e que logo em seguida, como amigo que s. exa. é dos srs. ministros, lhes disse que não exigia uma prompta resposta. O que é certo, sr. presidente, é que se o sr. Mártens Ferrão bem pediu ao governo que não se precipitasse em lhe responder, melhor ainda lhe fez a vontade o sr. presidente do conselho, que nem uma palavra proferiu, e nem um gesto fez, que fosse um signal de acquiescencia da sua parte. Portanto, podemos ter quasi a certeza, repito, de que o orçamento não se discute. Farei, pois, uma succinta analyse da questão de fazenda, o para isso não poderei deixar de recorrer aos meus apontamentos em tudo que diz respeito a algarismos.

Nós temos pelo orçamento rectificado para o exercicio de 1884-1885, base das minhas apreciações, um deficit ordinario de 1.423:000$000 réis.

Sirvo-me de numeros redondos para facilitar mais as minhas demonstrações.

O sr. ministro entende que o deficit de 1.423:000$000 réis poderá ainda descer a 600:000$000 réis, attendendo ao augmento da receita, e ás vacaturas que se hão de dar nos quadros.

Peço licença para dizer ao nobre ministro que me não é possivel acceitar estas reducções, porquanto não creio que s. exa. as possa conseguir, embora sejam bons os seus desejos de realisar esse desideratum. No anno passado, por exemplo, disse tambem s. exa. que o deficit seria apenas de 969:000$000 réis, e agora vejo que teve de lhe ser addicionada a verba de 454:000$000 réis, o que perfaz o déficit de 1.423:000$000 réis, e não o que tinha sido calculado.

Passemos agora á despeza extraordinaria.

Esta despeza tinha sido orçada em 5.238:000$000 réis. Houve, porém, posteriormente um acrescimo de réis 1.782:000$000. Mas porque parte d'esta despeza tinha receitas proprias, baixou a final a despeza extraordinaria a 5.813:000$000 réis.

Ora juntando a esta despeza extraordinaria, depois de feitas todas estas rectificações por s. exa., os 1.423:000$000 réis do deficit ordinario, teremos em conclusão um deficit total bastante superior a 7.000:000$000 réis.

Parece-me que pela demonstração que acabo de fazer, este meu calculo é exacto.. Ora, sendo assim, não será licito perguntar se é realmente serio (e eu dizendo isto não quero offender o caracter de ninguem, porque não é isso proprio da minha educação nem da minha indole), mas não haveria, pergunto, uma. certa leviandade da parte dos srs. ministros pondo na bôca do soberano a affirmativa de que a situação da fazenda publica era sufficientemente desafrontada? E em presença de um deficit superior a 7.000:000$000 réis não seria conveniente moderarmos as nossas despezas, tanto mais quanto circumstancias especiaes o recommendavam, pois a situação dos mercados estrangeiros em relação aos nossos fundos não era nem melhor, nem mais favoravel do que no anno anterior.

Alem d'isto vemos que em 1881, quando o partido progressista saiu do poder, a cotação dos nossos titulos de divida externa era de 54 1/2 por cento, e que hoje oscilla entre 46 e 47 por cento. E não me refiro já á sua maior depreciação, que, a meu ver, e penso que na opinião dos srs. ministros, foi devida á questão do caminho de ferro de norte e leste, quando elles desceram até 43 por cento, pois bem sei que essa rapida descida foi attribuida, e com rasão, a um jogo bolsista.

O sr. ministro da fazenda (e esta é a parte mais interessante do seu relatorio) fez um detido estudo sobre o augmento das nossas receitas, e depois de ter feito os seus calculos, diz-nos que no periodo de cinco annos, isto é, desde 1878-1879 a 1883-1884 a nossa receita tinha crescido na rasão de 1.000:000$000 réis por anno. A opposição não occulia nem põe de parte esse elemento de apreciação, e tanto assim é que o sr. condo de Valbom no seu ultimo e excellente discurso qualificou de verdadeiramente extraordinario o augmento da receita. Mas, sr. presidente, isto não nos póde satisfazer inteiramente, porque se as receitas augmentaram como dez, a verdade tambem é que as despezas têem crescido como vinte.

Que me importa que a receita augmente em um anno 1.000:000$000 réis se as despezas crescem na rasão de 2.000:000$000 réis? E se não vejamos que emquanto no exercicio de 1881-1882 a despeza foi de 31.980:000$000 réis, ella é hoje, segundo o orçamento rectificado, de réis 40.000:000$000!

Portanto, não se podia nem deveria dizer no discurso da corôa que a nossa situação financeira é desaffrontada.

Infelizmente se nós examinarmos essas despezas extraordinarias que acresceram no ultimo anno, havemos de ver que muitas d'ellas não têem uma explicação plausivel, e que outras não se justificam pela necessidade urgente de as fazer.

E a não ser assim, não se comprehenderia que nós não possamos resolver a questão de fazenda, tendo apenas um deficit de 1.423:000$000 réis e havendo um augmento annual de 1.000:000$000 réis nas nossas receitas. E a rasão e no emtanto muito simples, e é porque os juros que se teem de pagar em consequencia do dinheiro que se levanta para fazer face ás despezas extraordinarias, vão augmentar annualmente o deficit ordinario. (Apoiados.) É por isso, pois, que, embora as receitas augmentem, mas seguindo este systema, nunca havemos de chegar a dar cabo do deficit.

O sr. Henrique de Macedo: - Nem querem acabar com elle.

O Orador: - Sr. presidente, devemos ter em vista que o estado actual da fazenda publica merece toda a nossa attenção e pede todo o nosso cuidado.

Devemos ter em vista que um qualquer acontecimento, ainda de pequena importancia para a economia do nosso paiz, poderá vir a causar-nos graves transtornos. Mas o que é muito notavel é que estas recommendações, que estou fazendo, sobre a necessidade de moderar as despezas, se encontram nos relatorios dos srs. ministros da fazenda regeneradores.

Em 1883 dizia no seu relatorio o sr. Fontes:

"Ha dois inimigos da verdade, o optimismo e o pessimismo."

E mais abaixo acrescentava:

" As receitas cobram-se e crescem todos os annos; é preciso, porém, que as despezas não cresçam tanto ou mais do que ellas."

De modo que o sr. Fontes, aquelle a quem nós accusamos de principal gastador, reconhecia esta grande verdade.

O que é certo é que, quando nós lemos os relatorios dos ministros da fazenda regeneradores, parecem-nos uns relatorios quasi á progressista; mas quando se passa á pratica, quando se vae examinar a sua gerencia financeira, essa é invariavelmente á regeneradora. Sempre, sempre.

Mas, sr. presidente, a questão não está só em moderar as despezas, como tambem em tratar de ver quaes são aquellas que não se podem adiar, e para as quaes nós temos forçosamente de fazer sacrificios.

Eu observo, sr. presidente, por exemplo, que temos fatalmente de fazer em pouco tempo despezas extraordinarias para duas ordens de serviços, sendo o primeiro com as obras dos melhoramentos do porto de Lisboa.

E digo que não podemos deixar de as fazer, embora nos custe o sacrificio; e apesar mesmo dó que ouvi dizer aqui

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no outro dia, isto é, que ellas se podiam adiar, porque os estudos datavam do tempo do marquez de Pombal, e até hoje ainda se não tinham feito.

E podiam não se ter levado a effeito no tempo do marquez de Pombal, e ainda ha trinta annos, mas hoje é que as não podemos adiar, nem devemos, quando todas as nações, mesmo as menos importantes, têem melhorado as condições maritimas dos seus portos. Pois nós, que somos primeiramente uma nação agricola, mas que tambem somos uma nação muito commercial, como poderemos concorrer e luctar com as outras, se não tratarmos de levar a eefeito estas obras, que de mais a mais resolvem em grande parte a questão do saneamento da cidade de Lisboa?

Agora a questão colonial. Eu creio que devem ser consideraveis as despezas que temos a fazer com as novas occupações na Africa occidental; alem do que, vão ser ou já foram apresentadas ao parlamento duas propostas para caminhos de ferro, o de Lourenço Marques a Pretoria, e o de Loanda a Ambaca.

Penso que ambos trazem encargos para o thesouro...

(Interrupção que se não percebeu.)

O de Lourenço Marques não trará o encargo de garantia para o estado, mas traz com certeza o outro. E nós hoje, principalmente, não poderemos deixar de fazer estes sacrificios, desde que, como muito bem ponderou o sr. Mártens Ferrão, nos foi reconhecido o direito a territorios, que nos eram contestados, e que nos trazem a necessidade de uma occupação effectiva militar e administrativa. Um districto no Zaire, e um outro, pelo menos, o de Cabinda e Molembo, obrigam-nos a despezas grandes e urgentes, e a que nós não podemos fugir, por mais que queiramos levar por diante o espirito de economia.

Passarei agora a examinar outra despeza extraordinaria, que é a de 427:000$000 réis, com a saude publica. Eu observei que até certo ponto se quiz já armar ao sentimentalismo, recordando o medo que houve no nosso paiz pela approximação do cholera.

Tudo isso é verdade, e eu confesso que não teria tido duvida, se pertencesse á maioria, em propor, quando se discutiu a resposta ao discurso da corôa, um voto de louvor ao governo pela solicitude com que procedera e em especial ao sr. ministro do reino, que aliás não costuma primar em actividade.

Mas o certo é que, obedecendo, talvez, ás instancias dos seus collegas, s. exa. providenciou com energia e acerto. Comtudo, uma cousa é ter evitado a invasão do flagello, e outra é examinar o modo como se gastou o dinheiro.

É possivel que nos contratos e nos ajustes que se fizeram não tivesse havido todo aquelle cuidado que devia haver.

Bem sei que me poderá dizer que nós somos um paiz que não tem administração militar, sendo por isso difficil e custoso estabelecer um cordão sanitario na fronteira; bem sei que me podem dizer que é pequena a nossa marinha de guerra, e que não havia os navios precisos para completar o mesmo cordão na nossa costa; mas dando de barato todas essas faltas, ainda assim não sei como se gastaram 427:000$000 reis! Eu pedi pelo ministerio competente que me fossem enviados todos os esclarecimentos que dissessem respeito á despeza que se fez, e aos contratos realizados para o fretamento de alguns vapores mercantes. Não sei se esses esclarecimentos estão sobre a mesa. Em todo o caso fazem-me falta n'esta occasião.

O sr. ministro refere-se no fim do seu relatorio á necessidade de um accordo para se resolver a questão financeira. Este pedido de s. exa. é realmente justissimo, embora eu não reconheça, nem em s. exa. nem nos seus collegas, auctoridade bastante para proporem esse accordo. O accordo, na verdade, é hoje uma doença epidemica. São uns poucos os accordos que eu tenho visto pedir.

O digno par, o sr. Serpa, lembrou a conveniencia de um accordo para as questões coloniaes, O nosso distincto collega, o sr. Aguiar, pediu um accordo para os negocios do ministerio das obras publicas, e creio que já na outra casa do parlamento se aventou a idéa de um accordo para as questões militares. Ora, se se pedirem e fizerem accordos para todos esses assumptos, não sei deveras qual ficará sendo a missão dos partidos; necessariamente terão de limitar-se a discutir se um qualquer despacho se faz ou não legalmente, e não a tratar de questões de administração, porque para todas estas haverá accordos.

No entretanto sempre farei uma excepção para a questão de fazenda, e direi qual é a minha opinião a este respeito, e como nós poderemos chegar a entender-nos um pouco sobre esses assumptos. Mas o que realmente eu não posso admittir é que a proposta parta ou deva partir d'aquelles que teem precedentes um tanto facciosos, E não digo isto por s. exa. ter sido violento contra os seus adversarios, como notou o sr. Henrique de Macedo, mas sim, e principalmente, porque s. exa. tem hoje a seu lado o sr. Barjona de Freitas e o sr. presidente do conselho. Com que direito, com que auctoridade nos vindes propor um accordo para resolver a questão de fazenda, nós que, em 1881, quando o governo progressista, depois de ter sacrificado a sua popularidade á creação de alguns impostos, e quando procurava pol-os em execução, viestes aqui levantar a questão politica, que teve as consequencias que todos nós sabemos? Pois não se recordam todos que o sr. Barjona de Freitas, pondo-se á frente de um grupo de irrequietos, ambiciosos e insoffridos, como os ha em todos os partidos, aqui veiu propor a celebre moção da gravidade das circumstancias? E que o sr. Fontes, receioso de perder as insignias do cominando, em vez de proceder como seria para esperar da parte de quem tão inclinado é aos accordos, tratou logo de fazer sua essa moção, e de levantar elle proprio a questão politica! (Apoiados.)

Sr. presidente, eu appello para o voto e para a opinião dos homens que costumam ver estas questões desapaixonadamente. O sr. Mártens Ferrão já aqui disse que tinha sido um grande erro politico do exmo. presidente do conselho, e s. exa. não votou aquella proposta. O sr. Mártens Ferrão entendia e muito bem que levantar a questão politica na occasião em que se iam pôr em execução, as leis tributarias, era um grande erro.

Portanto, sr. presidente, nem o governo tem auctoridade para propor accordos, nem o meu amigo e condiscipulo, que sinto não ver presente, amigo desde a universidade, e a quem eu seria incapaz de melindrar na sua ausencia, o sr. Thomás Ribeiro, nem esse que, na discussão da resposta ao discurso da coroa, pronunciou o discurso mais aggressivo contra o partido progressista, tem direito para fallar hoje em accordos. Mas foi tal a paixão politica de s. exa. n'aquelle momento, que chegou á inexactidão de chamar um libello famoso ao relatorio, que o sr. Barros Gomes apresentou ás côrtes em 1880, e eu aproveito a occasião para rectificar n'este ponto o que s. exa. disse.

Esta rectificação desejaria eu fazel-a logo em seguida, mas não o fiz, porque não mo tinha parecido conveniente aquella discussão da resposta ao discurso da corôa, nem para o paiz, nem para o meu partido. Hoje, porém, levanto a accusação que s. exa. dirigiu ao sr. Barros Gomes, dizendo que aquelle relatorio estava muito longe de ser uai libello famoso e que apenas fora o resultado de um grande estudo sobre o estado das nossas finanças. E não somos só nós que o dizemos, pois o mesmo affirmaram então o ministro inglez e o secretario da legação ingleza no seu relatorio. Pois não se sabia, que o partido progressista quando subisse ao poder estava moralmente obrigado a expor ao paiz o estado em que se achava a nossa fazenda, e que havia de aproveitar o primeiro ensejo para o fazer? Mas não se fallava n'esse relatorio em malversações. Não ha um só facto que seja, pelo qual se possa suppor que da parte do sr. Barros Gomes houvesse a menor idéa de ac-

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cusar o partido regenerador de malversações. De má gerencia financeira, sim.

Do mesmo modo a allusão que se tem feito por vezes ao inquerito ás secretarias não tem fundamento. Eu tomei parte n'esses trabalhos, como presidente que fui de uma das sub-commissões, e desafio a quem quer que seja a que me venha provar o contrario. E aproveito a occasião para declarar em meu nome e dos meus collegas, alguns dos quaes eu vejo presentes, que tomamos toda a responsabilidade das conclusões que se encontrem n'esses relatorios, e que nós subscrevemos, onde não ha uma unica expressão offensiva da honra dos ministros regeneradores.

Mas, sr. presidente, tenho-me afastado bastante da argumentação que desejava seguir e preciso voltar ao relatorio do sr. ministro da fazenda.

Confesso que me não satisfaz. Tem incontestavelmente merecimento, como obra de um homem de muita illustração; tem valor nas considerações que faz em relação á receita, quando trata do modo como se fez a fiscalisação e da questão dos direitos do tabaco; mas por outro lado nota-se que se viu de alto a questão de fazenda; que não se estudou a questão em todas as suas ramificações, nem se attendeu a todos os elementos e factores que devem concorrer para a resolver. E para chegar a esta convicção não vou fazer a comparação do relatorio do sr. ministro com os relatorios dos ministros progressistas, do sr. Barros Gomes, do sr. Braamcamp. ou do sr. conde de Valbom; mas sim faço a comparação com os relatorios do sr. Antonio do Serpa ou do sr. Fontes.

Não digo que o sr. Hintze Ribeiro não tenha aptidão para vir a ser um bom ministro da fazenda, mas a verdade é que não entrou com desassombro nessas apreciações. Lendo-se o relatorio do sr. ministro, nota-se que n'elle deixou de tratar um certo numero de questões, todas ellas importantes para a resolução do problema financeiro.

A algumas d'ellas nem mesmo faz referencia.

Temos n'este caso assumpto importante, que é o da revisão das matrizes, e a este respeito o relatorio não diz sequer uma palavra.

Sobre a questão administrativa, que é hoje uma questão essencialmente financeira, tambem nada se lê.

Com relação á reforma da nossa pauta, que é a mais grave, a mais urgente das questões que o sr. ministro tem a resolver, nenhuma, ou poucas palavras, que antes s. exa. as não tivesse escripto.

Por ultimo, e relativamente á questão operaria, questão que hoje occupa a attenção dos verdadeiros estadistas em todos os paizes, e que se entre nós não tem a gravidade com que lá fora se apresenta, todavia já começa a ter importancia, nada nos diz igualmente o relatorio.

N'esta camara já dois homens distinctos chamaram para este assumpto a attenção do governo. Foram os srs. Carlos Bento e Mártens Ferrão; mas a verdade é que o sr. ministro da fazenda não trata d'este assumpto. No emtanto, como eu gosto de ser justo, direi que s. exa. apresentou uma proposta de lei para a reforma da caixa economica portugueza, proposta que por agora não apreciarei, mas que de certo modo está ligada com a questão operaria.

Quanto á revisão das matrizes é muito para estranhar que o sr. ministro da fazenda nada nos diga no seu relatorio.

A lei sobre a contribuição predial, devida á iniciativa do sr. Barros Cromes, estabeleceu o praso de seis annos, dentro dos quaes se deveria fazer essa revisão. Não concordei então, nem concordo ainda hoje com similhante praso.

S. exa. estabeleceu assim um praso largo, por entender que á execução da lei se podiam levantar grandes attritos, porquanto, para rever as matrizes é necessario interferir na propriedade de cada um, e d'ahi proviriam talvez certas resistencias desde o momento em que se quizesse em menos tempo generalisar a revisão.

O nosso grande mal, sr. presidente, em tudo o que respeita ao imposto directo está na desigualdade dos lançamentos, na má distribuição do imposto, e parece-me que o contribuinte não se revoltaria contra os poderes publicos desde que tratássemos, embora isso importasse uma maior despeza, de apressar essa perfeição a que desejâmos attingir.

O sr. Antonio de Serpa, que foi ministro da fazenda e que tem incontestavel capacidade para gerir aquella pasta, dava tanta importancia á necessidade de fazer com que o contribuinte não soffresse extorsões da parte dos agentes do fisco, que em 1879 apresentou uma proposta, combatida pela opposição, mas não por mim, na qual se creavam umas entidades, que s. exa. denominava visitadores fiscaes.

Nós, por causa da politica, esta é a verdade, e todos mais ou menos somos d'isso culpados, frequentes vezes concorremos para que fiquem perdidas muitas iniciativas, e algumas d'ellas de vantagem para o paiz. O sr. Serpa, naquella occasião, não fazia mais do que applicar ao serviço fiscal das contribuições directas um principio utilissimo e que se está hoje applicando a todos os serviços - o principio da inspecção. Estou até persuadido de que se nós, embora com mais alguma despeza, houvéssemos creado esses logares de visitadores, teriamos hoje matrizes mais perfeitas e talvez já não existissem os vexames que soffrem os contribuintes e que muitas vezes redundam contra o fisco.

É cousa notavel, o sr. ministro da fazenda nada nos diz no seu relatorio a respeito de matrizes. Pois deveria dizer.

Já aqui n'esta camara houve alguem que fizesse reparo em uma certa citação latina que se encontra neste documento.

Eu não venho censurar o nobre ministro por ter fortalecido os seus argumentos, os seus raciocinios, com uma citação latina.

Isso prova que, alem de financeiro, s. exa. é um homem erudito. Não trato, pois, de o metter a ridiculo, nem de lhe dirigir epigrammas por causa da citação; mas o que é certo é que ella destoa completamente.

Se manusearmos os relatorios de fazenda desde 1834 para cá, encontraremos n'elles muito boas rasões, umas da propria lavra de seus auctores, e outras dos melhores economistas; mas, citações latinas, é cousa que não vemos. De latim só a palavra deficit se encontra, e essa invariavelmente, em todos os relatorios a que me refiro.

Se o sr. ministro da fazenda, em questão de matrizes e a proposito do latim, fosse um pouco mais longe, se quizesse romanisar um tanto o nosso direito fiscal, poderia talvez fazer um grande serviço a este paiz.

S. exa., que é erudito e de certo conhece o que eram as finanças no tempo dos romanos, deve saber que elles tinham o censo, que correspondia á nossa matriz, e que attendiam muito a uma cousa que tanto preoccupa os economistas modernos, e que é a perequação do imposto.

N'esse intuito tinham elles os censitores-peraequatores, os quaes deviam proceder ao lançamento da collecta pela maneira mais justa, para que o contribuinte se não podesse queixar; e todo aquelle a quem se lançava uma contribuição injusta, desproporcional aos seus haveres, era indemnisado pelo fisco, isto é, recebia o dobro do valor da collecta que injustamente lhe fôra lançada.

Não peço que se faça outro tanto, mas desejaria, sim, que não passasse em proverbio, como já passa entre nós, que é mais facil, mais commodo e menos vexatorio, soffrer a extorsão do fisco, do que reclamar a annullação do imposto ou ainda uma simples indemnisação. Entre nós o processo está por tal modo estabelecido, que o contribuinte prefere pagar sem o minimo protesto, e poucas vezes julga conveniente fazer a sua reclamação!

Tratemos agora da questão administrativa.

S. exa. o sr. ministro da fazenda, n'este ponto, mas não

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seguindo o exemplo do sr. Fontes Pereira de Mello, nem uma palavra no seu relatorio nos dia sobre o assumpto que hoje se apresenta com um caracter de muito maior gravidade do que aquella que podia ser-lhe attribuida em epochas passadas.

Esta questão é actualmente importantissima debaixo do ponto de vista financeiro, e como a tal respeito o governo se não tem occupado, o actual sr. ministro da fazenda julgou que não estava constituido na obrigação de se referir a ella.

Mas eu, sr. presidente, ao contrario, entendo que todos os homens publicos devem tratar desta questão, que é realmente seria; entendo que é necessario reformar o codigo administrativo, embora o sr. Thomás Ribeiro insinuasse em uma das passadas sessões, que seria muito inconveniente tocar n'aquella arca santa.

Não concordo, como vêem, com a opinião de s. exa., e, antes julgo que é de extrema necessidade reformar o codigo de 1878.

O sr. Henrique de Macedo: - Apoiado.

O Orador (continuando): - Quero um codigo liberal, e não um codigo anarchico; e o de 1878 dá logar a uma certa anarchia, contra a qual eu tenho ouvido protestar muitos homens dos mais distinctos do meu paia. A questão financeira prende com a questão administrativa, como passo a demonstrar.

Segundo o codigo de 1878, as juntas geraes, as camaras municipaes, e as juntas de parochia podem contrahir emprestimos, sem previa auctorisação, uma vez que os encargos d'esses emprestimos não excedam 10 por cento das suas receitas.

Até aqui tudo é rasoavel, pois que uma qualquer corporação administrativa que contrata um emprestimo, cujos encargos não excedem. 10 por cento dos seus rendimentos, com certeza não fica com as suas finanças compromettidas. Mas como podem contrahir emprestimos mais avultados, as juntas geraes com a approvação do governo, e as camaras e as juntas de parochia com a auctorisação das juntas geraes, é por isto que eu digo e repito que é indispensavel que o codigo administrativo de ao governo n'um caso, e no outro ás juntas geraes a força e a auctoridade bastante para poderem resistir a estes pedidos extraordinarios e exagerados de emprestimos.

Ora. se nós, pelo estado em que se acham as nossas finanças, formos obrigados amanhã a augmentar os impostos, recorrendo á bolsa do povo, o que encontraremos, estando ella exhaurida por todas essas exigencias excessivas das corporações administrativas?

Mas, sr. presidente, a questão administrativa, que eu digo que prende com o nosso orçamento, não é só a questão em geral d'essas corporações, é tambem e em especial a questão do municipio de Lisboa. Á primeira vista parece que as finanças de um municipio nada ou pouco podem ter com as finanças do estado; mas de facto não é assim, e por isso o sr. presidente do conselho tanta importancia lhe deu nos seus relatorios de 1867 e 1883, que apresentava então propostas tendentes a melhorar a situação do municipio de Lisboa.

Esta situação melhora-se por dois modos, sendo um puramente administrativo e o outro financeiro.

O sr. conde de Valbom, que sinto não ver presente, escreveu ha annos um livro que intitulou Estudou sobre administração, no qual tratou largamente da organisação municipal, e em particular do municipio de Lisboa. É preciso organisal-o de modo que o governo central exerça uma certa e não pequena fiscalisação, pois é claro que o municipio de uma grande capital administra grandes sommas e a sua gerencia póde ser boa ou má, como a que estamos presenciando, e que demonstra a necessidade d'essa intervenção por parte do governo.

Mas por outro lado tambem precisâmos cuidar em lhe fornecer os meios de que elle não póde prescindir. Não é com os 224:000$000 réis do subsidio concedido pelo estado que o municipio fica habilitado para fazer face aos muitos serviços d'elle dependentes, e a uma certa ordem de melhoramentos, que eu aliás entendo que se devem levar a effeito.

Mas infelizmente nós vemos o municipio de Lisboa contrahindo emprestimos sobre emprestimos, tendo sido destinado o ultimo que contrahiu a pagar os juros da emprestimos anteriores!. Ora, pergunto eu, se com uma gerencia financeira como esta, de que se trata, não está este municipio mui proximo do que se chama a bancarota?! (Apoiados.)

Não quero dizer com isto que eu desconfie de que haja nessa gerencia desvios ou prevaricações.

Devo até declarar que sou respeitador e amigo de alguns dos vereadores, e que sou amigo e admirador do presidente da camara, e que louvo a sua iniciativa; mas uma cousa é a iniciativa, outra é a má gerencia financeira.

Sr. presidente, o que não é possivel em todo o caso é continuar a camara municipal de Lisboa a deixar de receber o que lhe é devido. Sei muito bem que isto de alguma fórma vae contrariar os planos financeiros do sr. ministro, mas não posso deixar de dizer que é atroz o que se está passando.

Pois não vemos nós que o municipio de Lisboa paga réis 7$000 por cabeça, e que os habitantes d'esta cidade concorrem com 1.400:000$000 réis para o estado, producto da receita do imposto de consumo, acrescendo ainda que a contribuição sumptuaria e o imposto sobre o sêllo são em grande parte pagos pelo contribuinte da capitai?! Pois então n'estas circumstancias havemos de deixar o municipio de Lisboa completamente desajudado do governo, quando é certo que este municipio tinha direito a receber esses 1.400:000$000 réis?

Não é possivel.

E é por isso que em 1883 o sr. presidente do conselho apresentou uma proposta, pela qual metade do que produz o imposto de consumo na capital ficava pertencendo á camara municipal de Lisboa. Dessa metade tirava ainda o governo a parte necessaria para fazer face. a certos encargos de caracter municipal, e a meu ver muito bem, para assegurar o seu pagamento, como são as despezas com as guardas municipaes, com a policia civil, com os subsidios a varios estabelecimentos de beneficencia, etc.

Ainda assim, apesar d'essa deducção, augmentava o subsidio á camara municipal em 82:000$000 réis. Esta era para já a solução a que se podia chegar.

Ha um outro ponto que não vejo tratado no relatorio e para o qual preciso de reclamar a attenção do governo, assim como a de todos que se interessam pelas finanças do paiz: é a questão da reforma da pauta. A este respeito o sr. ministro da fazenda diz-nos o seguinte:

"Não julgo que, na actual situação politica do paiz, apropositado ensejo se dê para alterar substancialmente as leis que regulam o lançamento e a cobrança das nossas contribuições directas, no proposito de assim alcançar um valioso acrescimo nos rendimentos do estado; não desejaria tambem fazer agora profundas modificações nos nossos direitos pautaes, perturbando com ellas o movimento regular das transacções do commercio. "

Ora, eu não sei realmente a que se refere o sr. ministro, quando diz que, em consequencia da situação politica do paiz, não pôde, ou não quer, reformar a pauta. Não sei se, quando falla em situação politica, se refere ao facto de termos n'esta occasião umas camaras revisionistas, e de se tratar de alterar a nossa lei fundamental. Mas se pelo facto de procedermos á reforma da carta não devemos occupar-nos de outras, e ha perigo em que o façamos, parece-me que tambem não foi muito opportuno o acto dictatorial para a reorgonisação do exercito e da armada.

A verdade é que muitas vezes os governos têem dado

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como pretexto para não reformar a pauta, a necessidade que ha de inqueritos e estudos sobre o assumpto.

E sem querer aqui fazer uma analyse retrospectiva de todas as tentativas, que não se lhes póde applicar outro nome, para reformar a pauta aduaneira, só direi que já em 1860, quando o sr. conde do Casal Ribeiro, notavel estadista que tem prestado eminentes serviços ao paiz, e a quem devemos a remodelação do nosso systema tributario, que vigora ainda hoje, salvo pequenas modificações, já então o sr. conde do Casal Ribeiro, no seu relatorio, dizia que não podia fazer uma verdadeira reforma da pauta, sem uma grande copia de estudos e de inqueritos, e que, por este motivo se não compromettia a apresentar n'aquella sessão legislativa, note-se bem, a mesma reforma. Mas são já decorridos vinte e cinco annos desde que, s. exa. nos fez essa promessa, e depois d'aquella epocha apenas se fizeram algumas pequenas alterações!

O sr. Antonio de Serpa, no seu relatorio de 1879, que tenho aqui presente, mas que não leio para não fatigar a attenção da camara, dizia-nos que já tinha muito adiantados os trabalhos para uma reforma, trabalhos que por elle tinham sido commettidos a uma commissão extra-parlamentar.

Estou intimamente convencido que se s. exa. não tivesse saído dos conselhos da coroa, teria levado por diante a sua idéa, pois ninguem póde contestar o conhecimento e a proficiencia de s. exa. em tudo quanto se relaciona com os assumptos economicos e financeiros.

Lendo, porém, o parecer da commissão de fazenda desta camara, notámos que ella escreveu o seguinte: "comtudo a vossa commissão não póde deixar de ponderar que, propondo-vos a approvação do projecto de que se trata, não esquece que um augmento de receita, não inferior ao que póde provir do melhoramento da fiscalisação, deveria resultar da reforma da nossa inutilmente complicada, defeituosa e em muitos artigos excessiva em direitos, pauta geral das alfandegas."

Ora, se nós compararmos esta declaração com as palavras que ha pouco referi e que o sr. ministro escreveu no seu relatorio, vemos que a commissão d'esta camara, quiz fazer a s. exa., não direi um reparo ou uma censura, pois isso não seria proprio de amigos, mas pelo menos quiz dar-lhe uma correcção fraterna, servindo-me assim de uma expressão fina e espirituosa do meu fallecido e sempre chorado amigo, o sr. bispo de Vizeu.

O sr. Fontes Pereira de Mello já nos prometteu, pelo modo mais solemne, quando em 1882 geriu a pasta da fazenda, que havia de empregar todos os exforços para apre sentar uma reforma, e a final no anno seguinte, veiu apenas propor o augmento de direito sobre alguns generos de primeira necessidade!

N'este ponto, pois, estou em desaccordo completo com o gr. ministro da fazenda, e inteiramente de accordo com a commissão de fazenda d'esta camara.

Nós não podemos deixar de fazer, e quanto antes, essa reforma, não é possivel conservar a nossa pauta aduaneira no estado defeituoso e complicado em que ella se encontra e ao mesmo tempo com direitos de 50, 70, 100 e 200 por cento sobre o valor das mercadorias. Isto não póde continuar assim. Creio mesmo que a pauta existente ainda é mais complicada do que a de 1837.

O grande dictador e financeiro, Passos Manuel, quando fez aquella reforma, dizia no seu relatorio que nós precisava-mos de uma lei clara e explicita. Ora, eu penso que a nossa pauta actual está agora peior do que estava então.

Alem d'isto é preciso convencermo-nos de que poderemos adquirir uma receita valiosa, uma vez que se faça a reducção dos direitos. Os romanos, que merecem tanto a sympathia do sr. ministro da fazenda, quando tratavam de salvar o seu deficit, augmentavam a taxa que se pagava nas alfandegas.

Era esta a sciencia financeira d'aquelles tempos. Hoje, porém, não se faz já isso; modificam-se, diminuem-se os direitos para obter maiores receitas. Não digo em absoluto, mas em muitos artigos é exactamente da diminuição do direito, da sua modicidade, que resulta o augmento da receita.

É preciso muito cuidado com o systema que se tem seguido de aggravar os direitos.

O sr. ministro da fazenda diz no seu relatorio que a experiencia ainda não está feita com relação ao tabaco. Agrupa um certo numero de algarismos, tira d'elles conclusões, e entende que nós não podemos ainda attribuir a diminuição do rendimento d'este imposto ao aggravamento feito em 1879 pelo sr. Serpa.

Eu não sou desta opinião. Já em 1879 combati aquelle projecto, e combati-o sem paixão politica, com rasões e fundamentos, como o proprio sr. Serpa póde dar testemunho. E hoje quanto a mim a diminuição d'aquella receita deve-se attribuir a essa elevação, que tornou o direito superior a 700 por cento do valor do genero. E se não vejamos como a venda annual feita pelas fabricas tem diminuido depois do ultimo aggravamento.

Foi ella em:

Milhões de kilogr.

1878....................... 2:073

1879 ...................... 1:809

1880 ...................... 1:941

1881 ................... .. 1:853

1882 .................. ... 2:025

1883 ...................... 1:941

1884 ...................... 1:711

Ora, se nós compararmos a venda effectuada em 1878, anno anterior á lei que augmentou o direito, com a venda realisada no anno de 1884, notâmos para menos uma differença de 262 milhões de kilogrammas. Isto prova, pois, que o aggravamento do imposto sobre o tabaco foi alem do que as circumstancias o permittiam.

Mas, sr. presidente, dir-me-ha o sr. ministro da fazenda, ainda em relação á referencia da pauta, que é preciso a este respeito proceder a um inquerito. Oh! sr. presidente, pois não existe já publicado o inquerito feito em 1881 ás nossas industrias, inquerito que se contem em seis volumes, alem dos inqueritos especiaes que se fizeram em 1862 e 1863, e em 1865 por occasião da exposição internacional do Porto, sob a direcção do sr. Fradesso da Silveira?

E apesar de tudo, o que é verdade, é que os srs. ministros declaram sempre que não estão habilitados com um inquerito quando se lhes falla na reforma da nossa pauta.

Ha, porém, um outro ponto que deve merecer especialmente a attenção do sr. ministro da fazenda, e é a grande desharmonia que existe entre a nossa pauta e a pauta hespanhola. Isto é um negocio muitissimo grave. Eu já n'outra occasião, discutindo a questão de fazenda, me referi a esse ponto, mostrando então a grande differença que existe entre os direitos que pagam certos artigos da nossa pauta comparados com os da pauta hespanhola. A differença contra a nossa pauta é horrorosa, e este negocio é muito serio, e mais serio, por isso mesmo que, ao passo que nos conservamos completamente indifferentes, e que dormimos sobre o caso, a ponto de que o sr. ministro da fazenda nada nos diz sobre o assumpto no seu relatorio, na Hespanha, onde abundam economistas distinctos, e entre elles os chamados livre-cambistas, se faz todo o possivel, não só para que as reduccões na sua pauta continuem a ser effectuadas, mas se demonstra quanto as receitas d'aquelle; paiz teem augmentado em consequencia d'essas reducções. Ainda não ha muitos dias que em Madrid se realisou um grande meeting de
livre-cambistas, em que tomaram parte os srs. Ruiz Gomez e Moret, dois distinctos economistas e financeiros do paiz, vizinho, que não se contentaram em

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pedir reducções na pauta, mas provaram o considerarei augmento de receita que linha havido em resultado das redacções já realisadas.

Ora, eu não me importa que augmente em Hespanha a receita, mas o que não quero é que ella cresça á nossa custa, com o nosso empobrecimento. Contra isto é que eu protesto. Por isso peço para este assumpto, que é gravissimo, toda a attenção do sr. ministro, pois nós não podemos continuar a descural-o. E digo mais, póde o governo augmentar o pessoal da fiscalisação na raia, póde concentrar tambem as suas forças no interior do paiz, mas póde crer tambem que todos estes seus esforços, serão em grande parte inuteis e baldados, emquanto existir a actual desharmonia entre as duas pautas.

É notavel, sr. presidente, a idéa para que s. exa. parece inclinar-se, de concentrar a fiscalisação em certos pontos do paiz de preferencia a augmentar o pessoal de fiscalisação na raia.

Ora, eu não sou muito d'este parecer, é permitta-me a camara que sobre esta questão eu me soccorra da opinião de um cavalheiro, que é seguramente, um dos homens que eu conheço, mais entendido n'estes assumptos alfandegarios, não só porque tem d'elles uma grande experiencia e um largo tirocinio, mas porque possue uma intelligencia clara, prompta e lucida; refiro-me ao sr. Correia Heredia. Este cavalheiro, n'um trabalho muito importante que publicou em 1876, referindo-se á chamada fiscalisação auxiliar, a qual creio que já não existe hoje, mas que em todo o caso se exercia tambem em pontos do interior do paiz, fazendo referencia a essa fiscalisação, dizia, com muita graça, e com o acerto que todos lhe reconhecem, o seguinte:

"Este systema de deixar aberta a raia e a costa, e mandar vigiar os descaminhos de direitos no interior do paiz, faz-me lembrar o plano dos exercitos miguelistas, deixando entrar o exercito libertador no Porto e em Lisboa, para depois virem disputar-lhe a posse d'estas duas cidades nas linhas d'ellas já fortificadas. A fiscalisação auxiliar parece ter sido inspirada n'este plano, e com certeza dá o mesmo resultado."

Aqui tem, pois, o sr. ministro e aqui tem a camara qual é a opinião de um homem, que eu julgo muito competente n'estes assumptos, sobre a idéa de concentrar a fiscalisação no interior do paiz.

Pelo que respeita á questão colonial já eu disse o bastante. O sr. ministro não se referiu a ella no seu relatorio, nem ás despezas que necessariamente nos ha de acarretar a occupação dos territorios que nos foram reconhecidos na conferencia de Berlim. Não tratarei, portanto, mais deste assumpto e farei algumas considerações sobre uma outra questão, a que v. exa. não alludiu tambem, questão grave e momentosa e que actualmente está occupando a attenção de todos os governos; refiro-me á questão operaria. O meu illustre amigo, o sr. Mártens Ferrão, quando tomou a palavra, na qualidade de relator do projecto de resposta ao discurso da corôa, tratou aqui desta questão; o sr. Antonio Augusto de Aguiar, quando foi ministro, tomou algumas providencias, e o sr. ministro da fazenda no relatorio apenas se refere á reforma da caixa economica, apresentando uma proposta de lei. Esta questão é essencialmente financeira e por dois lados; financeira, pela natureza das reformas que é preciso fazer, e financeira tambem pelos meios de que nos estamos servindo para acudir ás greves. Os operarios dirigem-se muitas vezes ao ministerio das obras publicas a pedir trabalho, e o ministro dá-lhes, ás vezes, o que não lhes póde dar, quero dizer, vae despender com elles mais do que a verba que está inserida no orçamento para taes obras.

Ora este expediente é summamente perigoso. Eu desejo ver tratada de um ponto de vista mais elevado esta grave questão, chamada a questão operaria. Bem sei que se não poderá resolver o problema, que é bastante difficil, mas poderemos attenuar, em todo o caso, e quanto possivel, os effeitos d'essas crises. Nós, felizmente, não nos achamos, por emquanto, na situação em que se encontram algumas nações, como, por exemplo, a Allemanha e a Inglaterra, onde a grande industria está muito desenvolvida, e onde se dão muitas vezes graves crises, em consequencia do emprego das machinas em larga escala. A nossa industria não está tão adiantada como n'aquellas nações, mas vae ainda assim progredindo, e, portanto, precisâmos de estar preparados a fazer face a essas crises. Alguma cousa já se tem feito no nosso paiz,

O sr. José Luciano, quando tratou do ensino secundario, estendeu o ensino profissional a certas localidades, e o nosso distincto collega, o sr. Aguiar, tomando em consideração este assumpto, organisou ha pouco as escolas de ensino de desenho industrial. Mas ha muitas outras medidas que eu julgo de grande conveniencia adoptarem-se. Uma d'ellas vem a ser a reducção dos direitos sobre os generos de geral consumo. Ha muito a fazer no sentido de tornar mais barata a alimentação do operario. O preço dos generos mais necessarios á vida está elevadissimo. Este objecto é muito importante e exige a attenção dos poderes publicos.

E n'este ponto parece-me que podemos em grande parte, sem dependencia de grandes estudos e inqueritos, melhorar muito a situação das classes trabalhadoras.

A politica, sempre a politica, concorre muitas vezes para que nesta terra se deixe de fazer muita cousa util! O sr. Saraiva de Carvalho apresentou ha annos uma proposta de lei, que tem sido elogiada por todos os nossos homens publicos e de todos os partidos. Refiro-me á lei que regula o trabalho dos menores e das mulheres nas fabricas, e bem assim as relações entre os patrões e operararios. Leis iguaes estão hoje admittidas com execução em quasi todos os paizes, mas nós não a temos. Mas o sr. Saraiva de Carvalho já não pertence infelizmente ao numero dos vivos, e ainda até hoje não houve um ministro que fizesse approvar esse projecto!

Desenvolver por todos os modos o espirito de previdencia é tambem muito necessario, e não se desenvolve unicamente com as caixas economicas, mas tambem com outras instituições de soccorro para a doença e para a velhice. Esta questão é muito complexa. Pois nós não estamos vendo todos os dias que as pequenas economias dos operarios são totalmente absorvidas pelas loterias, tanto nacionaes como estrangeiras! O sr. ministro da fazenda, creando na sua proposta de lei do sêllo um imposto sobre as loterias estrangeiras, presta um serviço que eu muito applaudo.

Tudo isto é a questão operaria, em relação á qual foi ha poucos dias apresentado na camara dos senhores deputados um projecto, regulando a estatistica e a inspecção do trabalho nacional. Este projecto é da iniciativa de um deputado republicano, e eu folgo de ter occasião de me referir a elle, pois sei que não foi apresentado com intuitos politicos, como o seu auctor declarou, mas simplesmente para satisfazer a uma grande necessidade publica e aos seus sentimentos, que são democraticos, como são os meus, e como são de certo os de toda esta camara.

Este projecto, que tende a regular o trabalho nacional, tem disposições muito acceitaveis, e eu desejava que o governo se pronunciasse a respeito d'elle, senão para o adoptar na sua totalidade, pelo menos para que aproveitasse todas as disposições sensatas e praticas que n'elle se contêem. Refiro-me ao projecto do sr. Consiglieri Pedroso.

Sr. presidente, examinarei agora muito rapidamente algumas das propostas de lei apresentadas pelo sr. ministro da fazenda.

Entre estas ha uma que altera o imposto do sêllo, augmentando algumas das suas taxas.

Realmente não posso concordar com este augmento, porquanto é doutrina assente e reconhecida por todos os economistas, que o imposto do sêllo é um d'aquelles que para

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poder ser productivo carece de ser rasoavel e modico, porque desde o momento em que não seja rasoavel, dá Jogar á fraude, e não produz, alem de que vão crear embaraços ás transacções commerciaes. Com o imposto sobre as loterias estrangeiras concordo eu, mas com o augmento da taxa sobre o papel sellado não posso conformar-me. Já paga 40 réis e não sei realmente como o sr. ministro póde addicionar-lhe outros 40 réis, indo assim duplicar este imposto!

E a proposito lembra-me ainda citar Mousinho da Silveira, que no decreto de 16 de maio de 1832, sobre a reforma judiciaria, porque elle suppunha fazer um grande serviço no seu paiz tornando barata a administração da justiça, determinou no capitulo 8.º, que trata das "custas e multas judiciaes", artigo 271.° § unico, que o uso do papel sellado seria dispensado nas questões forenses. Esta era a opinião do grande Mousinho da Silveira, e não sei. sr. presidente, porque o sr. Hintze Ribeiro não viu a questão pelo mesmo lado.

O imposto de registo está no mesmo caso. .Este, como está estabelecido, já hoje difficulta o movimento da propriedade, e embaraça as transacções, tornando só assim um imposto vexatorio. Mas o sr. ministro da fazenda, como se ainda não fosse bastante, estabelece agora n'esta proposta que tudo quanto é actualmente isento da contribuição de registo, ficará sujeito ao imposto do sêllo!

É um modo subrepticio de tributar as transmissões de pae para filho, o que ninguem até hoje se atreveu a fazer.

Como, porém, estou a fallar com toda a sinceridade, devo acrescentar que já li n'um jornal que a commissão de fazenda da camara dos senhores deputados fizera algumas observações ao sr. ministro a este respeito, e que s. exa. (não sei se é verdade) annuíra a eliminar esta disposição. Se assim foi, dou os devidos louvores ao sr. ministro por esse seu procedimento.

Relativamente ás outras medidas que s. exa. propõe sobre a caixa de aposentações e sobre a caixa economica portugueza, declaro que, abraçando e apoiando completamente o pensamento do sr. ministro, me reservo comtudo para tratar d'esses projectos quando vierem á discussão.

Passarei agora a fazer algumas considerações sobre o projecto que está em discussão. Eu já disse quanto era ampla, extraordinaria, e sem precedentes esta auctorisação que o sr. ministro da fazenda nos pede, e sobre tudo quanto é artificioso este meio de que s. exa. lançou mão para que todas as alterações e modificações que nós aqui podessemos fazer não inutilisassem o meio que s. exa. tinha architectado. Examinemos, porém, o projecto.

Eu já disse que a alteração feita na camara dos senhores deputados dava todo o direito a esta camara de fazer alterações ás bases sobre que assenta a auctorisação pedida pelo sr. ministro.

Temos, em primeiro logar, a administração geral das alfandegas e contribuições indirectas.

Sobre este ponto o sr. ministro seguiu, por assim dizer as pisadas do sr. Barros Gomes. A proposta que então fôra apresentada pelo ministro da fazenda do gabinete progressista tratava, a meu ver, com muito fundamento de chamar os empregados que estavam nas alfandegas a fazerem serviço na direcção geral, e chamava-os porque s. exa. entendia, e entendia muito bem, que era convenientissimo, para o bom andamento dos negocios, estabelecer uma mais intima relação entre a direcção geral e as casas fiscaes. Eu estou, por conseguinte, inteiramente de accordo com este pensamento da reforma.

Mas agora pergunto eu ao sr. ministro ou ao sr. relator da commissão, qual é o motivo por que s. exa. só vae buscar ás alfandegas os chefes das quatro repartições e os dois technicos do conselho geral das alfandegas, e não traz de lá tambem os outros empregados subalternos? Assim succedia no projecto do sr. Barros Gomes, no qual respeitando-se os direitos adquiridos dos actuaes empregados, se tratava comtudo de lhes dar o mais conveniente destino.

Segundo uma das bases a direcção geral passa agora a chamar-se administração geral, e o director geral passa a ser administrador geral. A primeira vista só parece ser ridicula e frivola esta mudança de nomes, mas eu vou mostrar ao nobre ministro e á camara que não é isenta de inconvenientes, porque, a meu ver, ha vantagem em que na divisão dos serviços das repartições publicas haja quanto possivel uniformidade. Ora, se nós temos a direcção geral das contribuições directas, a direcção geral de contabilidade, e a direcção geral da thesouraria, porque não havemos de ter tambem uma direcção geral das alfandegas? A idéa não é nova, mas as circumstancias é que eram muito diversas.

No seculo passado, o director da alfandega de Lisboa chamava-se provedor da alfandega grande de Lisboa, e era ao mesmo tempo o feitor mór de todas as outras alfandegas. Depois esse feitor mór passou a chamar-se administrador geral das alfandegas; mas isto trouxe taes inconvenientes, era tal a anarchia que existia, fazendo cada alfandega o que queria, por não haver lima repartição central, que o grande Mousinho da Silveira tratou de a crear, a fim de obviar a este mal, como elle diz no seu relatorio.

Pois, sr. presidente, o sr. ministro da fazenda entendeu dever retrotrahir a reforma até esse tempo.

Mas temos mais a observar. Temos que este administrador geral, com os quatro empregados, chefes das quatro repartições, e os dois technicos, que fazem parte do conselho geral das alfandegas, todos estes empregados deixam os seus logares vagos no quadro, logares que são logo preenchidos, em vista do que, digam o que disserem, sophismem como podérem, o que é fóra de duvida é que esses individuos, quando findo essa commissão, não poderão occupar os seus logares, que estarão preenchidos, e terão de ficar addidos, havendo por conseguinte uma duplicação de empregados.

Segue-se o outro capitulo, que trata do serviço interno das alfandegas, ácerca do qual vou dirigir algumas perguntas ao nobre ministro.

O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - Ouço perfeitamente. Logo responderei ás perguntas do digno par.

O Orador (continuando): - O sr. ministro diz no seu relatorio que vae fazer a reforma das alfandegas sem augmento de despeza, mas eu leio nas duas seguintes bases uma declaração em contrario. Dizem ellas:

"O governo procederá á revisão e fixação dos quadros do pessoal das differentes alfandegas, em harmonia com as exigencias do seu expediente... Na revisão dos quadros do pessoal das alfandegas, poderá o governo diminuir ou augmentar o numero dos empregados das diversas categorias já existentes, e crear uma nova classe de terceiros verificadores."

Estou em perfeito accordo com esta idéa de crear essa clesse de terceiros verificadores, idéa talvez a mais importante da reforma, porquanto o serviço da verificação é muitas vezes desempenhado por aspirantes e terceiros officiaes que não têem o tirocinio nem as habilitações necessarias, e, por conseguinte, nada mais conveniente do que a creação d'estes logares.

Mas, sr. presidente, o que se precisa saber é quantos terceiros verificadores se vão crear?

O sr. Barros Gomes, na sua proposta, creava doze, mas reduzia outros tantos logares nas classes dos aspirantes e nos terceiros officiaes.

Precisava tambem que o sr. ministro me dissesse qual é o seu pensamento com respeito á separação do quadro das alfandegas da raia do das alfandegas maritimas.

O sr. Heredia, se bem me recordo, já no seu relatorio fazia sentir a necessidade de se proceder a essa separa-

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ção, que é muito importante, por isso mesmo que, segundo o decreto de 1869, os logares de aspirantes das alfandegas maritimas de primeira classe são preenchidos, por accesso, pelos aspirantes das alfandegas da raia. E o que succede d'ahi?

Succede que, não havendo verificadores bastantes, muitas vezes, individuos, não direi analphabetos, mas emfim com muito poucas habilitações, e sem pratica, desempenharem aquelle cargo nas alfandegas de Lisboa e do Porto.

E é por isso que o sr. Barros Gomes na sua reforma entendia como muito conveniente acabar com essa escala dos aspirantes das alfandegas da raia para as alfandegas maritimas. Mas o sr. Barros Gomes, se por um lado tolhia o accesso aos aspirantes das alfandegas da raia, por outro e em compensação
augmentava-lhes o ordenado, que, de 120$000 réis que tinham, e têem, passavam a ter 150$000 réis.

Ora, isto era logico e conforme com os bons principios de administração, e eu nesta parte atrever-me-hei a dar um conselho ao sr. ministro da fazenda, que é o de, na reforma que vae fazer, procurar reduzir quanto possivel o numero dos empregados, tratando ao mesmo tempo de melhorar os seus ordenados.

Se s. exa. estivesse resolvido, a acceitar este alvitre, eu não teria duvida era approvar esta auctorisação para a reforma das alfandegas.

Pois, realmente, que habilitações poderá ter um aspirante de alfandega da raia que apenas ganha 10$000 réis mensaes?

Que responsabilidade se lhe poderá exigir?

Isto é irrisorio, e não póde ser.

Outro ponto com o qual eu tambem não me conformo é o seguinte.

Estabelece-se por este projecto a alternativa, de que as direcções da" alfandegas de Lisboa e Porto possam ser desempenhadas por directores especiaes nomeados pelo governo, ou por commissões compostas de empregados das respectivas alfandegas, para esse fim designados tambem pelo governo. Eu sei que isto se faz e se tem feito, mas como principio é que eu preferia que não fosse consignado na lei. Quando n'um caso extraordinario (que é possivel dar-se) o ministro não encontre um director para uma alfandega, que elle nomeie n'esse caso uma commissão, é muito acceitavel, e não seria eu que por este facto o havia de censurar, mas estabelecer como principio esta doutrina, é que é inadmissivel. Eu sou o primeiro a confessar, que s. exa. fez uma boa escolha dos empregados que nomeou para as commissões directoras das alfandegas de Lisboa e Porto, e especialmente em relação aos d'esta ultima, dos quaes tenho mais conhecimentos, posso aqui dar testemunho do bom serviço que prestam, com o qual eu sei que o sr. ministro está muito satisfeito. Agora o que eu digo, é que é muito mais difficil ser exercida aquella commissão por differentes empregados, do que por um só, por isso que a parte deliberativa deve ser confiada a um só individuo para que possa haver unidade de pensamento. E, portanto, não concordo com esta disposição.

Ha alem d'este um outro ponto em que divirjo de s. exa., e é o que diz respeito aos conselhos de direcção. Eu quereria que estes conselhos, em vez de serem deliberantes, fossem apenas consultivos, que os directores não podessem resolver sem os ouvir, mas que as deliberações a final fossem tomadas pelo director e não pelos conselhos.

Vou por fim occupar-me do ultimo capitulo, que é o da fiscalisação externa das alfandegas. A meu ver, este serviço deverá melhorar muito quando se de ao corpo de fiscalisação uma organisação quanto possivel militar.

Já essa organisação foi prevista em 1879 pelo sr. Antonio de Serpa, na sua lei relativa ao imposto do tabaco.

Esta foi tambem a idéa do sr. Barros Gomes, quando apresentou o seu ultimo projecto, e é igualmente d'esta opinião o sr. ministro da fazenda. Portanto, todos nós estamos conformes em dar ao corpo de fiscalisação uma organisação quanto possivel militar.

Noto, porém, que pelo projecto que se discute, estes corpos aduaneiros ficam dependentes de tres ministerios. Ficam dependentes do ministerio da fazenda, em tudo que é fiscalisação, e sujeitos aos ministerios da guerra e marinha em tudo que é disciplina. Ora este serviço assim dependente de tres ministerios receio muito que não possa dar um bom resultado, e que d'ahi nasçam grandes conflictos e muitos embaraços e difficuldades. Pois nós não poderiamos effectuar uma organisação quasi militar, mas independente, chamando em commissão uns poucos de officiaes do exercito para commandarem e disciplinar esses corpos?

Creio que sim.

Em todo o caso eu não combato abertamente o que se propõe, mas declaro que tenho muitas duvidas sobre o resultado que poderá dar esta parte da reforma.

Mas, sr. presidente, ha ou não ha augmento de despeza com esta auctorisação?

Faço esta pergunta, porque já tenho ouvido versões muito differentes. O sr. relator da commissão de fazenda da camara dos senhores deputados declarou que se fazia a reforma sem acrescimo de despeza, e a commissão de fazenda d'esta camara, composta aliás de amigos do governo, chega a indicar quaes são os augmentos de despeza. Portanto, isto faz-me acreditar que ha effectivamente um augmento de despeza, que é grande e que resulta principalmente do modo por que se quer fazer esta reforma,

O sr. Barros Gomes, com o seu projecto, ía augmentar o corpo da fiscalisação, mas por outro lado o que elle fazia tambem era diminuir o numero dos empregados superiores, que de 127 passavam a 75, havendo portanto uma diminuição de 52 d'esses empregados, reduzindo-se assim a despeza, que era de 44:900^000 réis, a 28:200$000 réis. Não era desde logo que se realisava a economia, mas emfim já ficava consignada essa reducção no quadro, devendo haver em um futuro, mais ou menos proximo, um decrescimento de 16:700$000 réis na despeza.

Era esta uma economia importante que se fazia, e com esta e com outras redacções é que o sr. Barros Gomes chegava ao resultado de obter uma fiscalisação regular sem uma grande despeza.

Era assim que eu desejava que o actual sr. ministro da fazenda procedesse, ou que em ultimo caso nos declare qual é a intenção em que s. exa. está, qual o uso que tenciona fazer da auctorisação que pede; porque a verdade é, que s. exa., não abusando do arbitrio que as bases lhe dão, poderia tirar grande vantagem d'esta auctorisação, que a camara de certo lhe não recusará.

No emtanto eu inclino-me a crer que a despeza será augmentada, e não será pouco.

Os 150:000$000 réis que em 1879 o sr. Antonio de Serpa pediu para melhorar a fiscalisação, esses já lá vão, isto é, já tiveram o seu destino, a sua applicação; agora é preciso muito mais dinheiro, e não é só o augmento que o sr. ministro suppõe, ou o que a commissão de fazenda presume. A commissão diz-nos no seu parecer o que passo a ler:

"A despeza com a reorganisação dos serviços aduaneiros, para que o governo pede a auctorisação legislativa dentro das bases que acompanham o projecto, não excederá a que vem descripta no orçamento para os mesmos serviços, segundo a legislação actual. Mas haverá augmento de despeza: 1.°, com a aposentação dos empregados aduaneiros e fiscaes que se acharem impossibilitados; 2.°, com as pensões ás viuvas e filhos menores de treze annos da empregados da fiscalisação externa que morrerem em consequencia de conflicto com os contrabandistas; 3.°, com os melhoramentos materiaes a fazer na alfandega de Lisboa."

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Eu hei de mostrar á camara que, alem destes augmentos, ha ainda outros; mas antes de o fazer vou referir-me aos melhoramentos materiaes na alfandega de Lisboa.

Pedi ha dias que me fosse remettida, pelo ministerio da fazenda, uma nota de todas as sommas gastas com os melhoramentos feitos naquella casa fiscal e seus annexos desde 1864 até hoje. É um periodo longo na verdade; mas é preciso que se saiba qual é a importancia do despendio com essas obras desde então até ao presente.

Pedi pois esses esclarecimentos, porque d'elles desejava servir-me n'esta occasião, pois entendo que é muito mau estarmos, por um errado espirito de economia, a fazer uns remendos e concertos nos edificios, em que a final se gasta muitissimo dinheiro, e que preferivel é gastar por uma só vez o que é absolutamente necessario, embora no momento mais despendioso.

Sobre este objecto o sr. ministro da fazenda julga-se auctorisado a publicar o decreto de 9 de outubro de 1884, isto é, a fazer a despeza com esses melhoramentos.

Eu tenho, porém, uma opinião inteiramente contraria á de s. exa.

Eu entendo que s. exa. não estava auctorisado, e por isso tomo a liberdade de mandar para a mesa o seguinte additamento.

(Leu.)

Observo tambem que um dos melhoramentos que s. exa. quer emprehender é o do prolongamento das pontes naquella alfandega.

Não sei se essa obra irá de algum modo contender com os projectados melhoramentos do porto de Lisboa. E a rasão por que tenho esta duvida é porque a commissão externa, que s. exa. nomeou para estudar a reforma dos serviços aduaneiros, diz muito explicitamente no seu relatorio o seguinte:

"A commissão entendia que deveriam prolongar-se ás pontes até ao sitio onde houvesse fundo sufficiente para descarregarem por acostagem navios de uma certa tonelagem, taes como barcas, brigues ou vapores de lotação media; mas attendeu ás seguintes ponderações:

"1.º Da proposta apresentada ás côrtes, para os melhoramentos do porto de Lisboa, resultam muitas probabilidades de não estar longe o periodo da realisação d'esses melhoramentos; e acontecendo assim, ficaria inutilisada a consideravel despeza em que devem importar os estudos e execução do prolongamento das pontes."

Eis-aqui a opinião de uma commissão nomeada pelo sr. ministro da fazenda, commissão inteiramente estranha ao parlamento, e que portanto, nós devemos suppor isenta de toda a paixão politica. Pois esta commissão entende que a despeza que se vae fazer com o prolongamento das pontes póde vir a ser inteiramente improductiva, desde o momento em que o governo está resolvido a levar por diante os melhoramentos, do porto de Lisboa.

Mas disse eu ha pouco, sr. presidente, que a despeza que resultaria desta reforma das alfandegas não era sómente aquella que vem indicada no parecer da illustre com missão de fazenda.

Em primeiro logar estou convencido de que, podendo ser augmentados os quadros, e portanto o numero dos empregados, a despeza ha de crescer necessariamente.

Mas alem d'esse acrescimo ha de haver tambem o augmento de despeza proveniente da alteração que se fez na camara dos senhores deputados ao projecto primitivo. Essa proposta, apresentada pelo sr. ministro da fazenda, dava aos empregados aduaneiros e fiscaes, tendo vinte annos de serviço, o direito de serem aposentados com dois terços do seu ordenado, e com mais 2 1/2 por cento em cada anno, nos dez que decorrem até aos trinta. Mas esses 2 Vá por cento, que na proposta tinham de sair dos emolumentos dos empregados das alfandegas, saem agora, pela alteração feita pela commissão de fazenda da camara dos senhores deputados, da parte dos emolumentos, que é cobrada pelo thesouro. Portanto, teremos uma diminuição de receita, e quem diz diminuição de receita diz forçosamente augmento de despeza.

Sr. presidente, eu vou concluir e desde já peco desculpa á camara de ter tratado e discutido estes assumptos com tanta largueza, mas não o podia fazer de outro modo.

E, concluindo, torno a declarar que não é simplesmente por falta de confiança politica no governo que eu lhe nego esta auctorisação, mas sim porque entendo que as suas bases podem dar, logar a um grande arbitrio, porque não estou de accordo com algumas d'ellas, e porque em fim sou contrario a este systema de fugir á acção parlamentar pedindo auctorisações em logar de apresentar projectos de lei.

É um grande abuso que se commette, e a proposito permitta-me a camara que a este respeito lhe refira ainda a opinião de Mousinho da Silveira, d'aquelle glorioso dictador, que tendo de reformar pela base as instituições do seu paiz, e numa epocha revolucionaria, o não podia fazer senão por meio de dictadura. Mas o que é certo é que Mousinho da Silveira era tão respeitador da prerogativa e do systema parlamentar, que no decreto de 16 de maio de 1832, na parte em que trata da "Organisação e da administração da fazenda publica" ahi no titulo VI "Da direcção geral das alfandegas", determinava o seguinte:

"Artigo 12.° O director geral das alfandegas, e os administradores das alfandegas de Lisboa, e das sete casas, poderão ser empregados pelo governo no caracter de commissarios perante as camaras, quando se tratar n'ellas de negocios de alfandegas."

Já se vê que Mousinho da Silveira não podia prever que em 1884 se pediria esta auctorisação.

Eu prefiro, sr. presidente, a larga discussão, sobre estes assumptos, e nona a organisação do nosso parlamento nem pela nossa constituição, se póde considerar este o melhor modo de legislar.

Eu entendo que é ao parlamento que compete o exame largo e detido da organisação dos differentes serviços publicos. Não comprehendo este systema de alterar por dictaduras ou por auctorisações os preceitos estabelecidos nas nossas leis organicas, nem ainda o de substituir nos projectos os artigos por numeros, obstando assim a uma discussão que podia ser muito util e proveitosa. Por todas estas considerações, pois, voto contra esta auctorisação.

Creio finalmente, sr. presidente, que não pintei com cores demasiado negras o estado da fazenda publica, e a tal respeito direi ao sr. ministro que se eu sou e fui sempre opposto á propaganda do terror, que s. exa. teme, tambem sou contrario e muito a que dos bancos do poder, parta essa propaganda do descuido, das illusões, e das miragens!

(O orador foi muito comprimentado.)

Discurso do digno par o sr. Antonio de Serpa Pimentel, proferido na sessão de 24 do corrente, e que devia ler-se a pag. 199, col. 1.ª

O sr. A. de Serpa: - Disse que a objecção mais importante que podia suscitar o projecto era ser uma auctorisação; mas que era necessario distinguir entre auctorisações amplas e auctorisações com bases positivas e definidas, como aquella de que se trata. Que estas não são contrarias aos principios constitucionaes, porque a carta preceitua que o poder legislativo pertence ao parlamento, e o direito de regulamentar ao governo. Que as bases em que assenta o projecto, e que d'elle fazem parte, são a parte legislativa que é submettida ás camarás, e que o desenvolvimento destas bases fica a cargo do governo, porque é esta a parte regulamentar. E que esta doutrina mais applicação tem ainda num projecto como o que está em discussão, porque é muito especial, isto é, sobre um serviço

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muito especial, em cujos promenores, ignorados de quem nunca praticou, mal poderia entrar a assembléa.

Disse mais que não concordava com a observação feita pelo digno par o sr. conde de Castro, que se queixava de não vir designado no projecto, por exemplo, o numero que seria creado de terceiros verificadores, porque mais poderia avaliar esta camara se para o serviço seriam necessarios dez, doze ou quatorze, ou outro qualquer numero. Devia haver uma limitação para evitar a possibilidade do abuso; mas que a verdadeira limitação estava na importancia da despeza, que ficava limitada nos termos do projecto.

Como désse a hora, pediu para lhe ficar reservada a palavra para a sessão seguinte, apesar de não ter muitas considerações a fazer.

Discurso proferido pelo digno par o sr. Antonio de Serpa Pimentel, na sessão de 27 do corrente, e que devia ler-se a pag. 201, col. l.ª

O sr. A. de Serpa: - Recordou em resumo o que tinha dito na sessão precedente. Respondendo ao orador que o tinha precedido, o sr. Pereira de Miranda, notou que este digno par parecia conformar-se com o pensamento do projecto, e estava de accordo com muitas das suas bases, apenas a respeito de outras tinha feito reparos ou objecções. Que tinha lamentado a instabilidade que resultava d'estas successivas alterações no serviço das alfandegas, mas que elle, orador, entendia que este inconveniente era menor do que o de deixar o serviço no estado deficiente em que se encontrava. Que o sr. Pereira de Miranda tinha dito que tambem era inconveniente não fixar quaes as obras que deveriam ser effectuadas na alfandega de Lisboa, adduzindo o exemplo das pontes da alfandega, que haviam sido construidas de modo que não correspondiam ao fim que se pretendia. Parecia lhe que o exemplo nada provava, porque, embora se fixasse detalhadamente as obras que haveria a fazer, nem por isso se evitaria que ellas fossem mal construidas.

Que o ministerio da fazenda não poderia fazer mais do que fez no caso das pontes, que era confiar a construcção ao ministerio das obras publicas, onde havia o pessoal technico. Que fôra este pessoal quem construiu as pontes, o que os planos tinham sido approvados pela junta consultiva de obras publicas.

Nas obras hydraulicas, mais do que em nenhumas outras, acontecem os casos que se deram na construcção das pontes da alfandega.

Que o digno par que o precedêra estava de accordo na aposentação dos guardas, que era a grande despeza do projecto, e que sómente o não estava na aposentação dos outros empregados. Que lhe parecia que, se era necessario que houvesse guardas validos, que podessem fazer o serviço, não o era menos que houvesse empregados validos, que o podessem dirigir.

Que era verdade que o vencimento dos guardas aposentados dos vinte aos trinta annos, segundo o systema do projecto, não era inteiramente proporcional, mas que tambem no systema que propunha o digno par não havia proporcionalidade em se dar 75 por cento do vencimento ao guarda que tivesse vinte annos de serviço, ao passo que essa proporcionalidade existia no projecto do governo, dando-se aos guardas que tivessem vinte annos de serviço dois terços do vencimento completo, alem de que este systema agora proposta traria um pouco maior despeza.

Que o inconveniente apontado, de ficarem na administração geral das alfandegas empregados que faziam o mesmo serviço com ordenados differentes, lhe parecia menor do que dar aos empregados das alfandegas que ali viessem servir menor vencimento do que tinham nos logares d'onde eram tirados em commissão, ou do que dar aos empregados da secretaria que servissem n'aquella administração maior ordenado do que tinham os seus collegas das outras direcções do mesmo ministerio de igual categoria.

Que emquanto ao dualismo que o digno par, o sr. Miranda, receava, por ficarem os empregados da fiscalisação externa sujeitos ao ministerio da fazenda para o serviço, e ao da guerra para a disciplina, lhe parecia esse dualismo inevitavel no momento actual.

Que a sua opinião era que a organisação dos corpos da fiscalisação devia ser toda militar. Mas que para executar desde já este pensamento, seria necessario pôr fóra do serviço todos os actuaes empregados que não são militares; mas que isso trazia durante uma certa epocha uma grande despeza, e que era perante esta consideração que todos os ministros da fazenda tinham recuado.

Que para o evitar era necessario um periodo de transição emquanto houvesse um similhante numero de empregados não militares.

Que era necessario começar agora esse periodo de transição, para se chegar mais tarde a uma organisação exclusivamente militar, como na França e em Hespanha.

Terminou fazendo algumas reflexões sobre o grande augmento de receita que poderia resultar do melhoramento da fiscalisação e do augmento do pessoal valido, indispensavel para o serviço, o qual só poderia obter-se pela aposentação dos que são inválidos, que são em muito grande numero.

Que isto traz um augmento consideravel de despeza, mas que este augmento é temporario, visto que o numero dos guardas do quadro effectivo não é augmentado.

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Discursos do digno par conde de Rio Maior, proferidos nas sessões de 25 e 28 de fevereiro, 2 e 4 de março de 1885

Discursos do digno par conde de Rio Maior, proferidos na sessão de 25 de fevereiro de 1885

O sr. Conde de Rio Maior: - Sr. presidente, pedi a palavra para perguntar a v. exa., se já chegaram os documento que eu requisitei pela secretaria d'estado dos negocios da guerra. Se esses documentos já vieram, peço a v. exa. que me diga a rasão por que não foram remettidos para minha casa, visto que não compareci ás sessões d'esta camara por incommodo de saude; se não vieram, aproveito a occasião de estar presente o sr. presidente do conselho e supplico a s. exa. que me explique o motivo por que ainda não foi satisfeito aquelle meu requerimento.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - O digno par pediu alguns esclarecimentos pelo ministerio da guerra, e assim como s. exa., alguns outros dignos pares requereram tambem esclarecimentos pelo mesmo ministerio. Estes esclarecimentos não vieram ainda por circumstancias, cuja responsabilidade me não pertence.

Afianço, porém, que todos os documentos pedidos, tanto n'esta, como na outra casa do parlamento, podem ser enviados sem difficuldade ou inconveniente.

O sr. Conde de Rio Maior: - Sr. presidente, para se ver o estado a que chegou o systema parlamentar entre nós, basta ouvir a resposta, que acaba de dar o sr. presidente do conselho de ministros, á pergunta, que eu lhe fiz. No dia 15 de janeiro dirigi ao sr. Fontes, ministro da guerra, differentes requerimentos para obter varias informações pela secretaria d'estado a que s. exa. preside; estamos a 26 de fevereiro, e, apesar d'estes documentos não offerecerem difficuldade ou inconveniente na remessa, ainda não foram mandados.

Não eram documentos complexos e complicados, eram documentos de facil expediente, existentes todos no ministerio da guerra, e que rapidamente podiam ser enviados.

Não disponho de empregados, como dispõem uma secretaria d'estado, no emtanto devo declarar á camara, já obtive por minha iniciativa e trabalho particular uma parte d'esses esclarecimentos, e, quando tiver a palavra na discussão, que vae começar, da resposta ao discurso da corôa, direi a v. exa. e á camara, quaes são muitas das despezas, resultantes da reforma do exercito, feita em dictadura, e quanto custou a compra do palacio do campo de Santa Clara.

Vou ler novamente os requerimentos, que fiz em 16 de janeiro, para os dignos pares, meus collegas, poderem reconhecer a justiça da minha queixa:

"Requeiro uma relação do numero de praças de pret, que actualmente existem em serviço effectivo, designando quantos soldados ha em cada regimento."

Entendo, sr. presidente, perfeitamente, a rasão por que o sr. ministro da guerra não quer satisfazer a este meu requerimento, é porque nós temos actualmente regimentos microscopicos, em quantidades homeopathicas, e s. exa., como lhe pedi designação de quantas praças de pret ha em cada regimento, não quer responder á minha pergunta, porque a resposta provará que o alargamento dos quadros trouxe enorme augmento de despeza, sem dar por isso maior força ao exercito.

Requeri mais: "uma nota da despeza feita n'este anno corrente de 1884-1885 com os subsidios de marcha a militares".

É tambem importante este esclarecimento, a celebre reforma do exercito teve como consequencia grandes passeios militares; e não passearam tambem os cavallos e muares, porque os não havia; alem d'isso o microbio obrigou a muitas outras marchas.

Nós, segundo o orçamento rectificado, que acaba de ser apresentado á camara dos senhores deputados, gastámos com o tal microbio 400 e tantos contos, e creio que pelo ministerio da guerra tambem se gastaram por este motivo largas sommas.

As marchas e contra-marchas, que a reforma do exercito trouxe como consequencia, e o confronto d'estas ostentações guerreiras, que só illudem os innocentes, lembram aquelles comparsas do theatro, que representam grandes exercitos, e que desapparecem por detraz dos bastidores para tornarem a apparecer do outro lado. (Apoiados.)

Requeiro mais:

"A escriptura da compra do palacio do campo de Santa Clara e o orçamento das obras projectadas."

Sr. presidente, o palacio do campo de Santa Clara foi comprado, primitivamente, pelo sr. Burnay por 8:300$000 réis, e as obras orçadas andam, segundo me consta, por 20:000$000 réis.

Demonstrarei, quando tiver a palavra, na discussão da resposta ao discurso da corôa, o que significam esses esbanjamentos.

É necessario que discutamos todas estas cousas.

O parlamento não se inventou para o silencio, o systema constitucional não é o silencio, é a discussão; e é triste o precedente, estabelecido ultimamente, que, emquanto não acaba uma discussão n'uma camara, não póde haver discussão na outra; de maneira que, se os srs. deputados tivessem começado hoje a discutir o bill de indemnidade, a camara dos dignos pares continuaria a ficar fechada, porque nenhum dos srs. ministros nos faria a honra de vir aqui; e digo isto, por ver que nem em todas as sessões da outra casa do parlamento, na discussão da resposta ao discurso da corôa, estiveram presentes todos os membros do gabinete, inclusive o sr. presidente do conselho de ministros, e algum entre s. exas. podia ter-nos honrado com a sua presença.

Por ultimo desejo affirmar, terminantemente, que não pertence aos srs. ministros escolherem a occasião em que a opposição tem de usar dos documentos, que ella pede.

Desde o momento em que não ha inconveniente em mandar á camara os documentos requeridos, pertence a nós servir-nos d'elles, quando nos aprouver. Não é só no bill de indemnidade que temos de fallar d'essa dictadura da vaidade, como lhe chamou um illustre parlamentar na camara dos senhores deputados; na discussão da resposta ao discurso da corôa, que é um debate altamente politico cumpre-nos pedir ao governo conta das suas responsabilidades por esse desgraçado acto.

Não cuide o sr. presidente do conselho de ministros, a quem me dirijo, especialmente, porque as principaes responsabilidades são suas, que se furta ás consequencias parlamentares da sua má politica e pessima administração, e a discussão da resposta ao discurso da corôa breve o provará.

Tenho todos os documentos mais necessarios para a discussão, e creia o sr. Fontes que, perante a camara e o paiz, ha de liquidar-se a quem cabe a responsabilidade de ter sido violada a carta, e augmentada a despeza illegal e excessivamente. (Apoiados.)

Sr. presidente do conselho, v. exa. no anno passado, n'uma discussão importante, disse n'esta camara "que se defendia como um leão, e que, como sentia em si garras, mesmo sem querer podia, talvez, mal ferir alguem."

Pois é tempo agora de mostrar as suas garras, porque os ataques hão de ser violentos, e como o exige o protesto solemne, que tem de ser lavrado, pelo acto inaudito de se

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violar a constituição do estado, quando nenhuma circumstancia attenuante póde ser apresentada, que desculpe este facto tão illegal.

Termino, por ora, as minhas considerações.

Discurso proferido pelo digno par o sr. conde de Rio Maior, sobre o projecto de resposta ao discurso da corôa, na sessão de 25 de fevereiro, e que devia ler-se a pag. 61, col. l.ª

O sr. Conde de Rio Maior (sobre a ordem): - Mando para a mesa a seguinte proposta.

Additamentos aos paragraphos seguintes do projecto de resposta ao discurso da corôa

Ao paragrapho onde se diz:

"A camara reconhece a importancia e gravidade dos assumptos ora submettidos á conferencia internacional de Berlim, e, aguardando a communicação que pelo governo de Vossa Magestade lhe será feita dos resultados da conferencia, confiando que não poderão ser a violação do direito publico por que a Europa se rege, affirma mais uma vez o dominio da nação nos limites estabelecidos na carta constitucional, sem contestação reconhecida pelas nações cultas.

Acrescente-se o seguinte additamento:

"... e espera que na presente sessão legislativa lhe serão communicados pelo ministro dos negocios estrangeiros os documentos relativos á conferencia internacional de Berlim, para que, antes de encerrados os trabalhos parlamentares, possam as côrtes avaliar, se na dita conferencia os interesses legitimes do paiz foram acautelados prudente e patrioticamente pelo governo e pelos enviados diplomaticos de Vossa Magestade."

Ao paragrapho onde se lê:

"Examinará a camara, com a attenção que lhe é dever, as providencias com caracter legislativo promulgadas pelo governo de Vossa Magestade no intervallo das sessões, e as rasões de conveniencia publica que o aconselharam."

Acrescente-se:

"Sentindo que na occasião, em que a carta constitucional vae ser reformada, o governo julgasse de reconhecida e inadiavel urgencia promulgar em dictadura a reforma do exercito, violando a carta e alterando a lei de meios, sendo certo que a primeira condição de independencia e liberdade do povo portuguez é o respeito de todos os cidadãos pelos principios e leis constitucionaes."

Ao paragrapho onde se lê:

"A camara, Senhor, considera da maior importancia, o equilibrio da despeza com a receita publica; para o conseguir e manter envidará, como sempre tem feito, todos os seus esforços, e crê que este deve ser, e é de certo, o principal empenho da nação."

Leia-se:

"A camara, Senhor, considera da maior importancia e urgencia o equilibrio, etc."

Ao paragrapho onde se lê:

"Inspirada por estes principios, que considera fundamentaes no regimen da fazenda publica, a camara examinará cuidadosamente o orçamento geral do estado e as differentes propostas que o governo de Vossa Magestade promette."

Acrescente-se:

"Affirmando a camara mais uma vez a inadiavel necessidade de regular, efficazmente, n'estas propostas a despeza de accordo com a receita do estado."

Finalmente ao paragrapho onde se lê:

"A camara compraz-se de reconhecer que a importancia e desenvolvimento progressivo das forças productivas da nação asseguram o fiel cumprimento de todos os seus encargos, e os recursos necessarios para não afrouxar na senda do progresso, que e o elemento mais importante na politica dos povos."

Leia-se:

"A camara compraz-se de reconhecer que a importancia e desenvolvimento das forças productivas da nação asseguram o fiel cumprimento de todos os seus encargos, sendo uma escrupulosa economia a primeira condirão para poder haver os recursos necessarios para não afrouxar na senda do progresso, que é o elemento mais importante na politica dos povos. = O par do reino, Conde de Rio Maior."

Sr. presidente, não pergunto, quando este governo julga opportuno saír? Esqueço n'este momento os precedentes mais ou menos humoristicos de algumas crises passadas, o que examino hoje, é se ha perigo para o paiz e para a dynastia, continuando a ser chefe do governo o sr. Fontes Pereira de Mello.

S. exa. disse que detestava o programma da Granja.

Não me cumpre defender esse programma, não tenho a honra de pertencer a esse partido, mas como a palavra foi empregada por um tão illustre parlamentar, direi que, diante dos meios e fins politicos do sr. presidente do conselho de ministros, eu detesto o seu systema e os seus processos de governar.

Considero inconveniente e ridicula a reforma politica; inconveniente porque, embora julgue fatal depois da lei de 15 de maio a reforma da constituição, todavia, entendo que não melhora o nosso systema politico, e desvia a attenção publica do nosso negocio mais importante, da gravissima questão de fazenda.

Largos debates têem havido sobre as reformas politicas, tornal-os-ha a haver, como são necessarios, uma vez que tem de reformar-se esta camara; mas, usando da phrase do digno par o sr. Costa Lobo, visto esta camara ter de acabar na sua, actual organisação, é necessario que ella cante o canto do cysne, e proclame os serviços por ella prestados á nação e á liberdade, e que, empregando, utilmente, as suas horas derradeiras, trate no discurso da corôa, que é o exame de toda a politica do governo, a questão financeira e as questões importantissimas, referidas no documento valioso, que Sua Magestade dirigiu ás côrtes no dia da sua abertura.

Ridicula reforma politica!

Ridiculo o mandato imperativo que n'ella se propõe ridiculo limitar as attribuições do poder moderador, no que diz respeito ao perdão e commutação das penas, impostas aos ministros do estado, quando não consta que até hoje nenhum d'elles fosse accusado nem condemnado, e ridiculo e inconveniente é, porque direi tudo hoje, estabelecer no projecto da reforma politica que Sua Magestade possa saír do reino, durante tres mezes, sem licença do parlamento, quando é certo que em nada tem prejudicado a Sua Magestade este artigo da carta, e é positivo que as relações de deferencia e cortezia entre os dois altos poderes do estado são vantajosas, para ambos, e estreitam os laços, que unem El-Rei aos representantes da nação.

E, como, sr. presidente, estou hoje aqui cumprindo um sagrado dever, aproveito a occasião para dizer que tendo combatido no anno passado o artigo da reforma da carta, que diz respeito ao beneplacito, approvo, sem me importar da contradicção em que o governo se encontra, approvo, repito, que, de accordo com o ministerio, a commissão da reforma da carta da camara dos senhores deputados eliminasse do projecto o artigo, que estabelecia a reforma da materia do benaplacito, attendendo á paz das consciencias, e á liberdade, que nada ganhava com as novas restricções. Digo isto, não para fazer cumprimentos a pessoa alguma, mas para cumprir o sagrado dever, que me impuz, de fazer politica, satisfazendo, unicamente, aos dictames da minha consciencia.

Sr. presidente, detesto este medonho esbanjamento financeiro, que se traduz na baixa dos nossos fundos, nas oscillações precarias do preço dos nossos fundos, e nas dif-

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ficuldades da emissão do ultimo emprestimo, a ponto de se poder dizer que o recurso ao credito acabou, emquanto não houver ordem nas finanças.

Embora tenha mais tarde de na e referir, largamente, á questão de fazenda, direi sobre ella desde já alguma cousa.

Todos estes assumptos podem discutir-se na resposta ao discurso da corôa; estou no parlamento ha já bastantes annos; todas as vezes que se discute a resposta ao discurso da corôa apparecem uns certos oradores, mais receiosos das verdades, que se podem dizer, que da desordem politica e financeira, que alastra por toda a parte, e affirmam que é necessario restringir essa discussão.

Enteado o contrario: ha situações, como esta, em que a discussão da resposta é indispensavel, e eu não posso deixar de tratar da questão de fazenda, quando, por exemplo, vejo que a dotação dá junta do credito publico augmentou este anno 1.378:000$000 réis, o que significa o infeliz progresso que vae tendo a nossa divida consolidada, e embora haja uma correcção a fazer, pois são réis 807:000$000 para menos os juros e amortisações a cargo do thesouro, todavia esta correcção tem tambem outra correcção, que é o augmento sempre crescente da divida fluctuante, motivada em parte pelos abusos da despeza, com a circumstancia aggravante de ser esta feita contra lei.

Em abril de 1884, os nossos fundos sustentavam um preço ainda elevado, hoje depois da dictadura, depois das difficuldades do ultimo emprestimo, depois do tremor de terra, na phrase do sr. Aguiar, que sentiu norte leste em 13 de setembro, depois do projecto para as obras do porto de Lisboa, projecto que, segundo diz o sr. presidente do conselho, ainda n'esta sessão legislativa póde ter opportunidade, depois de tudo isto, finalmente, os nossos fundos desceram em Londres a 44 1/2 e se já subiram alguma cousa, estão ainda longe da obter um preço, que nos seja lisonjeiro.

Quanto ao emprestimo estão os seus titulos nas carteiras dos banqueiros e não se esqueça que o Stoch exehange só cotou a parte da subscripção, reservada á cidade de Londres.

Não olvido no meio d'estas ruinas a responsabilidade que cabe aos especuladores, como tambem me não sáe da memoria quanto damno trouxe ao nosso credito o contrato de 9 de maio de 1879, feito pelo sr. Serpa com o Comptoir d'escompte.

Fulmino tambem a desordem administrativa, porque ella ha de trazer (e já trouxe parcialmente) a bancarota dos municipios; ha de esgotar a bolsa dos contribuintes com enormes e injustificados impostos, lançados sem criterio nem responsabilidade, impossibilitando o thesouro de recorrer ao imposto, quando as exigencias do estado a isso o obrigarem.

Estes resultados já os vimos o anno passado nas desordens Caminha e, ultimamente, no Porto, depois em Braga.

Visto fallar no Porto, devo dizer, ouvi com espanto declarar ao sr. presidente do conselho na camara dos senhores deputados, por occasião da greve dos carreiros, que teve ali logar, que se tinham encontrado entre os presos alguns homens, não pertencentes a esta classe. Todos sabem, sr. presidente, que se tratava de uma questão que aggravava nas suas consequencias o preço da alimentação publica, portanto não admira que outras classes estivessem interessadas no assumpto; nos jornaes do Porto li n'essa occasião ter treplicado o preço das hortaliças, e o leite, por exemplo, augmentou muito no preço; o litro, que se pagava a 240 réis, pagou se a 300 réis.

Lamento que o sr. presidente do conselho declarasse no discurso da corôa que a situação da fazenda publica era completamente desaffrontada, quando todos nós sabemos, infelizmente, que tal não é a situação.

De passagem direi, achando extraordinaria esta palavra desafrontada, fui ao velho diccionario do Moraes e encontrei que é desaffrontada a praça que está desapressada de inimigos, e em frente d'esta praça, da esperança do equilibrio do orçamento, está o sr. Fontes e os seus processos de augmento de despeza.

S. exa. julga com estas palavras vãs, que vem no discurso da corôa, enganar alguem?

Illude-se, completamente, porque em Portugal todos sabem, o estado precario da fazenda publica, e lá fóra, tambem, esta melindrosa situação financeira é conhecida.

Para provar esta minha asserção, mais tarde, na continuação do meu discurso, terei ensejo de ler á camara a opinião de um estrangeiro illustre, fallo do relatorio financeiro, sobre as finanças portuguezas, do sr. Baring, secretario da legação ingleza, a camara verá, então, como pensam os estranhos a respeito do estado da nossa fazenda, e julgará da inutilidade das declarações côr de rosa do discurso da corôa!

Insistindo n'este ponto, direi que em Inglaterra os agentes diplomaticos em vez de irem passar o melhor tempo do anno na capital, em Londres, conservam-se nos seus logares, cumprindo com os seus deveres diplomaticos, e estudando os paizes e a marcha dos governos, junto dos quaes estão acreditados.

Entre nós inventou o sr. Fontes um systema completamente diverso.

Estou resolvido, sr. presidente, a tratar as questões de fazenda nos seus traços geraes, com a amplitude, com a largueza que o assumpto requer; mas, por agora paro n'este ponto, e continuando no exame das cousas, que eu condemno, referir-me-hei de passagem ás nossas habilidades diplomaticas, que bem se traduzem nos documentos publicados nos livros branco, amarello e azul, que assim se chamam as collecções de despachos diplomaticos, apresentados ao parlamento em Portugal, França e Inglaterra. Lerei muitos d'esses despachos, e saber-se-ha como foram defendidos os interesses do nosso paiz.

A camara lembra-se, de certo, que o governo fez saber que adiava a abertura da actual sessão legislativa pelo receio de que no parlamento se soltasse alguma palavra indiscreta ácerca dos negocios internacionaes, que estavam pendentes; felizmente esse infundado e injusto receio não tem hoje rasão de ser, porque as negociações tratadas na conferencia de Berlim estão concluidas. Podemos discutir muito á vontade, como discretamente fallariamos, se ainda as negociações estivessem pendentes; mas actualmente não ha reticencias, todos aquelles que se interessam pelo bem patria, podem emittir desassombradamente sobre essa deplorabilissima questão o seu modo de ver, franco, sincero e leal.

A camara lembra-se, tambem, da celebre questão de Lourenço Marques, essa, negociação iniciada por v. exa., sr. presidente, e depois continuada com vantagem pelo sr. Braamcamp, e a camara recorda-se do adiamento proposto pelos srs. Hintze e Vilhena, debaixo dos auspicios do sr. Fontes, e o sr. presidente do conselho póde estar certo que a actual opposição, discutindo a questão do Zaire, não imitará esse passado, e menos patriotico procedimento. (Apoiados.)

Estou fallando de cousas, que me não é agradavel discutir, mas que, no cumprimento do meu dever, julgo indispensavel examinar.

Leio os jornaes, diariamente, e por elles sei o que se passa fóra e dentro do meu paiz, e vi, depois de 31 de outubro, que a imprensa portugueza discutia a interpretação, dada ao artigo 112.° da carta, no qual se declara que o Principe Real, logo que tiver dezoito annos completos, será de direito conselheiro d'estado.

Sei, sr. presidente, o que os jornaes disseram em referencia a uma certa sessão do conselho d'estado, e, sem querer por fórma alguma entrar nos arcanos das sessões do conselho d'estado, direi, todavia, que me parece que não

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foram cumpridas as disposições do artigo 112.° Tratarei d'este assumpto a seu tempo.

Reputo inconstitucionalissimo todo o procedimento do governo na data a que me referi; sobretudo condemno a reforma do exercito, decretada em dictadura, foi um acinte muito particularmente dirigido ao meu particular amigo o sr. conde do Casal Ribeiro, que sinto não ver presente, acinte, que deu em resultado um grande augmento de despeza, que se quer cohonestar com a receita proveniente da immoralissima remissão dos recrutas a dinheiro.

Detesto tudo isto, e detesto, igualmente, essa compra do palacio do campo de Santa Clara.

Apresentarei, quando examinar a reforma do exercito, a portaria do sr. ministro da guerra, que deu procuração ao general Valdez para, em nome do governo, comprar esse palacio; hei de fallar do processo pendente por causa de uma servidão de aguas, e sobre isto farei algumas perguntas.

Tenho o despacho do juiz sobre esta pendencia, tudo isso ha de ser apresentado á camara, para que o paiz saiba as condições em que foi feita a compra.

O sr. Fontes não gosta d'estas discussões, gosta mais das dictaduras, dos augmentos de despeza, feitos por determinação unica da sua vontade soberana; mas permitta-me s. exa. que eu diga; Cromwell mandou pôr escriptos na casa do longo parlamento, porém, s. exa. não é Cromwell, e como não ha escriptos aqui, podemos ir continuando a censurar tantos abusos, feitos n'este paiz livre, e que devia merecer mais favor ao sr. Fontes.

Se ámanhã governasse o partido republicano, se por infelicidade immensa houvesse um cataclysmo n'este paiz, de fórma que a monarchia constitucional baqueasse, vingando a republica, eu havia de combater tão obnoxio governo, mas sem estar precisamente ao lado do sr. Fontes, porque se houve um momento na minha carreira parlamentar em que dei o meu fraco apoio a s. exa., difficil será poder repetir-se este facto, tão longe estou da maneira de ver politica do sr. presidente do conselho.

Se os republicanos hoje vencessem, assim como têem augmentado, diria eu com magna, é a culpa do sr. Fontes, e o resultado da sua má politica.

Estas palavras não são minhas, são de um estadista eminente, do digno par o sr. conde do Casal Ribeiro.

Este respeitavel homem d'estado tinha esta opinião em 1879, e hoje, annos depois, continua a pensar do mesmo modo. Dizia s. exa. em 1879 na camara dos pares: «mas o que affirmo é que o governo promove o recrutamento do partido republicano, não é possivel por modo nenhum, nem por consideração alguma admittir que scientemente ou inconscientemente o governo esteja ali fazendo republicanismo n'aquellas cadeiras. Sciente ou inconscientemente a verdade é o que está fazendo. E o exemplo auctorisa e tenta a mocidade, e terrivel tentação é aquella!»

E o sr. conde do Casal Ribeiro hoje, n'um escripto publicado nas Novidades, diz: «estes, os regeneradores, não se haviam pejado de comprehender candidaturas republicanas nas officialmente protegidas em 1878».

Li este periodo para a camara ver que o sr. conde do Casal Ribeiro em 1885 continua a sustentar a sua opinião de 1879.

Sr. presidente, seguindo a ordem das minhas idéas, vou agora occupar-me da ultima crise ministerial. Saíram do ministerio os srs. Aguiar e Lopo Vaz, o que deu logar a ficar rachitico o gabinete, presidido pelo sr. Fontes. Se estivesse presente o sr. Pinheiro Chagas pedir-lhe-ía desculpa de dar titulos ao ministerio do sr. Fontes, porque esse direito cabe melhor s. exa. a quem pertence. A crise teve a sua origem official na proposta, apresentada pelo sr. Aguiar para os melhoramentos do porto de Lisboa. A despeza com essas obras estava calculada em réis 15.000:000$000, e esse orçamento, julgam pessoas auctorisadas, póde elevar-se a 38.250:000$000 réis. É opinião, creio eu, do distincto engenheiro o sr. Eça que o custo d'essas obras ha de exceder esta ultima quantia. Em Inglaterra a maxima altura dos lados marginaes é inferior áquella que vem indicada no projecto dos 38.250:000$000 réis.

É certo que o sr. Aguiar saíu do gabinete pelos obstaculos, que encontrou a sua proposta, e saíu muito bem. S. exa. não podia continuar no governo, porque era incompativel com os seus collegas: logo o provarei. O projecto, absolutamente fallando, era vantajoso, como negocio de administração e financeiro tinha os inconvenientes já apontados, e a excessiva baixa de fundos publicos significa eloquentemente que o paiz não póde com tantas e tão extraordinarias despezas.

Se o sr. Aguiar, aberta a questão constitucional, responsavel da dictadura, conhecendo a questão de fazenda em toda a sua gravidade, deixou os seus collegas por causa do abandono d'estes na questão do porto de Lisboa, e não quiz esperar para partilhar com os actuaes ministros as glorias e as honras da questão do Congo, são factos estes dos quaes não peço responsabilidade ao sr. Aguiar, e o sr. Fontes é que póde queixar-se; porém, a não reunião da commissão de fazenda, para evitar discutir a questão do projecto dos melhoramentos do porto de Lisboa, era um acto de opposição do sr. Hintze Ribeiro, signatario tambem do projecto, e o sr. Aguiar não podia acceitar um equivoco, adoptando a phrase que, a proposito do Zaire, empregava o sr. Serpa, respondendo a lord Granville.

Em que condições foi ministro o sr. Aguiar e o sr. Chagas, o melhor do casal do sr. José Dias Ferreira? S. exas. entraram para o ministerio por causa das reformas politicas, e está presente o meu amigo, o sr. Manuel Vaz Preto, que melhor sabe do que eu, quaes eram as condições.

Saíu o sr. Aguiar e ficou o sr. Pinheiro Chagas, pergunto: com a saída d'este cavalheiro prejudicou-se o pensamento primitivo, o programma com que s. exas. tinham entrado para o gabinete?

Quando s. exas. subiram aos conselhos da corôa estava, porventura, resolvido que, alem da questão politica, seriam as principaes questões a tratar a questão do caminho de ferro, que teve o seu terremoto em 13 de setembro, e a questão do porto de Lisboa?

Estas questões são graves, e por isso me parece que a saída de s. exa. deve ter alterado um pouco a politica do gabinete, porque aquelles dois cavalheiros tinham, certamente, como membros do partido constituinte, um programma determinado a respeito das reformas politicas e a respeito das questões de administração.

Não sei, se o sr. Aguiar pensa do mesmo modo que o sr. Pinheiro Chagas ácerca da alteração, que houve no artigo do beneplacito, por isso chamo a attenção de s. exa. para este ponto e para a responsabilidade solidaria, que tem o sr. Chagas, visto a alteração, que houve na primeira proposta do governo.

Parar é morrer, diz o sr. Fontes, pois n'este caso uns param e morrem, e outros param e não morrem, aperfeiçoam-se, e isto está na altura da gravidade das circumstancias. Ao sr. Hintze não lhe pergunto, porque sáe, e sim, porque fica sempre. (Apoiados.) S. exa. tem o privilegio de bola-fóra; mas o sr. Fontes deve ter cuidado com isto. Lembra-me agora o que diz Lucrecia Borgia, ameaçando o duque Affonso, o seu quarto marido! O sr. Hintze póde zangar-se com o sr. Fontes, e dizer-lhe quatro crises já são bastantes, é a s. exa. que pertence agora saír!

Liquidemos primeiro, o sr. Hintze Ribeiro assignou a proposta do sr. Aguiar por obsequio a s. exa.? Em negocios d'esta ordem não ha obsequios. Assigna se ou não se assigna.

Tambem não posso acreditar que o sr. ministro da fazenda assignasse a proposta do sr. Aguiar, sem ver o seu alcance financeiro. Projectava o sr. Hintze deixar morrer este projecto na gaveta da commissão?

Sr. presidente, esta situação é curiosa, e curiosas são as

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respostas que o sr. ministro tem de dar a estas minhas perguntas. O sr. presidente do conselho declarou que, se houver opportunidade, talvez ainda n'esta sessão o projecto dos melhoramentos do porto de Lisboa seja approvado. Pergunto, n'este caso quem é o vencido, é o sr. Aguiar, o sr. Hintze, ou o sr. Fontes? O sr. Fontes não é com toda a certeza. S. exa. tenciona atravessar esta situação invernosa em que nos achâmos, e breve vem o mez de março, com a sua primavera cheia de flores e promessas.

N'esta historia da crise ha outro ponto, que convem examinar. O sr. presidente do conselho declarou que a corôa não lhe tinha recusado a recomposição, porque a não tinha pedido. É curiosa esta declaração.

Pois não são necessarios outros ministros? Pois o sr. presidente do conselho quer, tambem, tomar as responsabilidades do ministerio das obras publicas, e o sr. Barjona as do ministerio da justiça?!

Sinto-me inclinado a acreditar que é verdade o que por ahi se diz: que o sr. presidente do conselho quiz chamar dois cavalheiros para o ministerio, e que a corôa recusou-se por ter negado a recomposição ao partido progressista.

Foi violada a carta constitucional, a opposição é poderosa; todavia diz-se que o partido progressista se retrahirá na discussão das reformas politicas! Portanto a situação é gravissima, o ministerio mantem-se, e não governa.

A opinião publica é pouco favoravel ao sr. presidente do conselho; peço licença para citar algumas palavras de um illustre ministro de Leopoldo I, o sr. Decker.

Dizia elle:

«No meu entender, uma das situações mais perigosas que póde crear-se para um paiz constitucional, é governar com uma maioria que póde ser accusada de não representar fielmente os sentimentos e os desejos da nação.»

Sr. presidente, embora o governo se tenha mantido, a opinião publica está cansada com estes abusos de despezas, com tantos actos irregularissimos, praticados por este ministerio.

Por consequencia, é indispensavel a mudança da situação politica.

O anno de 1884 findou, e ficará marcado na historia portugueza, como uma das datas mais fataes para a historia constitucional do nosso paiz; foi mau o anno para os nossos antigos direitos coloniaes e para a pratica do nosso regimen representativo. (Apoiados.)

Estas palavras ouvi-as eu a um distinctissimo estrangeiro, certamente o não inspirava a paixão politica, a que elle era completam ente estranho e indifferente. Os annos do soberano, em 31 de outubro, foram aproveitados para mostrar bem claramente ao paiz que entre nós só existe o governo pessoal.

O governo escolheu aquelle dia de festa para os portuguezes para muito intencionalmente ligar as responsabilidades de El-Rei ás suas, e este facto sob qualquer ponto de vista, que possa ser encarado, é digno da maior condemnação. Nas considerações, que tenho a honra de submetter á apreciação da camara, prefiro discutir os factos mencionados na resposta ao discurso da corôa na ordem chronologica em que elles se deram, e não seguindo a fórma por que vem mencionados no mesmo documento.

Os annos do soberano em 1884, assignalam uma era tristissima para este paiz!

Fallemos pois de 31 de outubro, fallemos da reforma do exercito, fallemos do adiamento das côrtes, e fallemos, tambem, da violação do artigo 112.° da carta constitucional!

O governo, decretando a reforma do exercito em dictadura, praticou um abuso enormissimo, e mostrou que tinha pelos corpos legislativos o mais soberano desprezo, (Apoiados.) patenteando, igualmente, que nenhuma consideração lhe merece, o que, muito explicitamente preceituam os artigos 13.°, 14.° e 45.° da carta. (Apoiados.)

O artigo 13.° declara: o poder legislativo pertence ás côrtes com a sancção do Rei; o artigo 14.° diz: as côrtes compõem-se, de duas camaras, camara dos pares e camara dos deputados; e o artigo 45.° determina: a proposição, opposição e approvação dos projectos de lei compete a cada uma das camaras. Esta é a doutrina, estes são os principios!

Tomei nota resumida das respostas, que o sr. presidente do conselho deu ás vehementes accusações feitas pelo sr. Costa Lobo, meu digno e illustre collega, e ás palavras, que o sr. Fontes empregou em sua defeza, opponho eu os artigos citados da carta constitucional, e o mais que vou dizer.

O sr. presidente do conselho affirmou que o poder legislativo é que fazia as leis e o executivo é que as executava. Grande novidade nos dou o sr. Fontes!

Todos sabem que as leis são feitas pelo poder legislativo, e executadas pelo executivo; mas era necessario ser a doutrina auctorisada por s. exa. (Riso.)

Tambem nos affirmou o sr. presidente do conselho, que a dictadura foi illegal! Sabiamos isso; mas prove s. exa. em como ella foi filha de uma grande necessidade publica, urgente e indispensavel. Esta é a questão.

Diz o sr. Fontes, provei o meu respeito pelas côrtes, apresentando o bill de indemnidade.

É curiosa a declaração!

O governo não podia deixar de apresentar o bill, era formalmente obrigado, porque apesar de ter maioria na outra casa do parlamento, os membros d'aquelle corpo politico, maioria e minoria, têem bastante coragem e brio para propor a accusação ao gabinete, se elle continuar na presença do parlamento a estar fóra da lei.

Fui vice-presidente da com missão de inquerito ás secretarias d'estado, nomeada em 1879, e o sr. Fontes sabe muito bem que, apesar de lhe ter feito opposição violenta, fiz justiça a quem a devia fazer, e o partido regenerador publicou n'essa occasião um folheto, que louvava o meu procedimento. Fui justo como era do meu dever; pois hoje approvaria a accusação do governo, se este fallasse á sua imperiosa obrigação de apresentar o bill. Repito, o governo não podia deixar de cumprir esta obrigação constitucional, seria o ultimo do seus abusos. Se o não fizesse, tenha d'isso a certeza, maioria e minoria proporiam a accusação.

Mas, pergunto, quando apresentou o governo o bill?

As camaras reuniram-se em 16 de dezembro, e o bill foi apresentado no dia em que começou a discussão da resposta ao discurso da corôa na camara dos senhores deputados. A demora foi grande. Disse o sr. presidente do conselho, que já houve outras dictaduras, e que o ministerio progressista foi dictador, como se um erro podesse desculpar outro erro; comtudo o caso é diverso.

Não defendo as dictaduras progressistas; mas affirmo que nunca houve uma dictadura em circumstancias iguaes, feita na vespera da reunião de uma camara constituinte, convocada para reformar a carta, que n'esse mesmo momento os ministros violam, e quando se demonstra que não havia necessidade de similhante arbitrariedade.

Não é, portanto, abuso discutir esta gravissima infracção da carta; o artigo 133.° diz: As côrtes geraes no principio das suas sessões examinarão, se a constituição politica do reino tem sido exactamente observada, para prover como for justo, e é isto o que estamos fazendo.

O sr. Fontes, tendo maioria nas duas casas do parlamento, vinte e quatro horas depois de encerradas as côrtes assume a dictadura!

Houve tres prorogações; porque não prorogaram novamente, como se fez no projecto para o syndicato do caminho de ferro de Salamanca?

O sr. conde do Casal Ribeiro convidou na sessão de 3 de abril o sr. presidente do conselho a declarar;

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Se em obediencia aos principios e boas praxes do systema representativo está resolvido, uma vez approvado o projecto de lei de reformas constitucionaes, a promover que a acção legislativa d'esta camara, na presente sessão, se limite a discussão da lei eleitoral, orçamento e leis indispensaveis para a regular governação do estado; e ainda d'aquellas que por motivos attinentes ás relações internacionaes, ou por caracter de reconhecida e inadiavel urgencia, não possam dispensar a immediata collaboração do parlamento.

O sr. Fontes respondeu em 4 de abril: Os juizes, porque ha mais de um, são o governo e as camaras legislativas, se o governo e as camaras entenderem que um projecto pela sua natureza, pelas circumstancias que o acompanham, pelo assumpto a que se refere, merece importancia, precisa de ser submettido á apreciação do parlamento, discutido e convertido em lei, e claro que são o governo e o parlamento os juizes naturaes.

«N'estes termos, com esta interpretação, não tenho duvida alguma em dizer que é a minha opinião que á pergunta é dado responder o governo de uma maneira satisfactoria; porquanto, alem das reformas constitucionaes. s. exa. comprehende todas aquellas que podem ser de urgencia para a administração publica, e essa urgencia só o governo e as camaras podem reconhecer.

«N'estes termos, com estas explicações, eu acceito a proposta do digno par.

«Já se vê, portanto, que as camaras não ficam privadas do direito de discutir outras leis, depois de votarem qualquer lei eleitoral, e este exemplo deve igualmente provar que se não póde absolutamente dizer que seja preciso que a camara dos deputados se encerre nos limites estreitos apresentados pelo digno par, dado o caso que a auctoridade, moral lhe faltasse para votar quaesquer leis.

«A proposta do digno par está concebida em termos que n'ella cabe a discussão ou votação de quaesquer assumptos de importancia. E as côrtes não costumam occupar-se de assumptos que não tenham importancia, uma vez que a urgencia d'elles seja reconhecida pelo governo.

«Mas á camara dos pares quem póde dizer que dia não representa devidamente aquillo que devia representar?

«Ninguem.

«Esta camara representa devidamente o paiz, porque a reforma que está pendente refere-se unicamente á sua constituição.»

Esta é a resposta dada pelo sr. Fontes ao sr. conde do Casal Ribeiro, na sessão de 4 de abril, e foi n'esse discurso, por todos os motivos notavel, que s. exa. nos fallou no leão e nas garras com que este se defende, discurso que provavelmente ficará conhecido por este titulo (pelo discurso de leão) como o celebre do Garrett a respeito do Porto Pirêu.

Mas dizem, a opposição reclamava todos os dias que as eleições se fizessem o mais depressa possivel e como podia conciliar-se esta exigencia com uma nova prorogação das côrtes?

É verdade, esta perfida opposição queria isto, mas queria por entender que era conveniente saír o mais rapidamente possivel do periodo anormal em que nos achavamos, e que uma vez que fosse resolvida a reforma, era necessario concluil-a de prompto; mas a opposição affirmava o seu empenho de votar as leis indispensaveis, (Apoiados.) Está provado que os juizes d'essas leis, como dizia o sr. Fontes, eram o governo e as côrtes.

Pergunto eu agora, disse o sr. Fontes que não prescindia da reforma do exercito? Não, nada disse, calou-se, e no dia seguinte, depois de ter fechado as côrtes, publicou em dictadura essa reforma! Porque fez s. exa. isto?

Porque o sr. presidente do conselho tinha receio da lucta com o sr. conde do Casal Ribeiro! Esta é a verdade.

S. exa. diz bem, quando affirma que esta camara, mesmo depois de votada a reforma politica e a lei eleitoral, tem auctoridade para discutir e approvar qualquer projecto de reconhecida e inadiavel urgencia; mas a dictadura prova que s. exa. não é sincero, s. exa. não é um conservador convicto, tem o seu pensamento politico voltado do avesso, já o disse aqui o sr. visconde de Chancelleiros, e por isso parece aquillo que não é.

Ninguem é mais revolucionario do que o sr. presidente do conselho. Ouça-o, quem deve ouvir. S. exa. diz-se um homem de ordem, e põem a fazenda publica na maior desordem, e, quando lhe faz conta, deita á margem o seu respeito pela constituição do estado!

Sr. presidente, ha um ponto que eu não examinaria, se não estivesse presente o digno par e respeitabilissimo caracter, que muito considero, o sr. Aguiar, mas, visto ter a fortuna de ser escutado por s. exa., peço licença para explicar o motivo, porque affirmei que o digno par era incompativel no ministerio com o sr. Fontes, e creio que se não fosse uma leal camaradagem, e o desejo de evitar a crise politica, já s. exa. de muito tempo teria deixado a cadeira de ministro. Tenho condemnado a dictadura, porém quem a ha de fulminar é o sr. Aguiar.

Verdade é, e desculpe a comparação, que não está á altura de s. exa.; o copo estava já cheio, e uma gota fel-o trasbordar.

Cito o discurso do digno par, em 7 de fevereiro de 1882, na discussão da resposta ao discurso da corôa, condemnando a dictadura do sr. Sampaio, dizia o sr. Aguiar:

«Seria a dictadura moderna, a dictadura de facto, necessaria em tempos excepcionaes, quando após grandes luctas, desastres successivos, guerras prolongadas ou commoções intestinas, em que as paixões mais temerosas abalam a sociedade como a agitação de um lago levanta á superficie a vasa profundissima, é indispensavel entregar a direcção de um só homem a sorte e o destino do povo?

«Seria a dictadura, á qual um grande espirito chamava: um véu corrido sobre a liberdade que se esconde n'esses momentos, como se escondem as estatuas dos deuses?

«Não foi tambem. O que foi então a dictadura? Uma dictadura sem classificação historica, porque não tem precedentes. Uma dictadura nova, se quizerem. Não foi um véu corrido sobre a liberdade, mas um véu levantado.

«Levantou-se a cortina, que velava a estatua da anarchia mansa. Foi mais um eclipse da constituição para se provar que, nem mesmo essa que temos, se cumpre.

«O povo portuguez é ignorante, nunca leu nem meditou a carta constitucional, disseram os dictadores, nós veremos como elle paga os impostos, apesar de não ter alcançado o governo auctorisação para o fazer e como vem ainda em cima votar comnosco nas eleições.

«Nenhum d'estes factos se teriam passado se houvesse entre nós mais algum respeito a opinião publica e mais algum amor ás leis.»

Sr. presidente, paro aqui por um momento na citação, que estou fazendo, para pedir á camara que note a severidade da linguagem; ainda esta manhã, lia eu nos Annaes de Tacito, como elle condemnava os que tinham dado cabo da republica, e da antiga constituição dos romanos, e as palavras, que ha eram muito parecidas; dizia o escriptor latino:

«Igitur, verso civitatis staiu, nihil usquam prisci et integri moris; isto é depois que a constituição foi derrubada não existia já signal dos antigos costumes.»

Isto diz Tacito a respeito dos abusos do imperio romano. Pois, sr. presidente, as palavras de Tacito são tambem muito apropriadas á nossa situação.

Continuo com a leitura do discurso do sr. Aguiar:

«Apoz a dissolução da camara em junho, o ministerio podia ter feito em acto continuo as eleições, e concluidas estas o seu dever era convocar as côrtes, regularisar a sua situação perante ellas embora pouco depois as adiasse até janeiro, a pretexto de novos estudos.

«Nada d'isto, porém, aconteceu. Realisadas as eleições em agosto, continuou o ministerio até novembro em dictadura; no dia 14 d'este mez foi substituido pelo actual governo

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presidido pelo sr. Fontes, que da mesma fórma se deixou ficar em dictadura, e que ainda hoje eu considero em dictadura, apesar de estarem as côrtes abertas, porque não cuidou por emquanto de lhes apresentar o bill de indemnidade.

«Em que estão aqui acatados os principios e as formulas Constitucionaes?

«É porque não observaes a constituição, que tendes por ella tão grande amor? Temeis que outra não possa deixar-vos tanto á vossa vontade?

«São estas interrogações outros tantos pontos interessantes de discussão, que não vale a pena encetar agora, ficando pelo que disse, em resumo, provado, que eu não podia guardar silencio, depois de se haverem praticado tantos factos que desacreditam o systema representativo, o qual todos nós devemos ter empenho em sustentar.

«A discussão da resposta ao discurso da corôa era o momento mais proprio para a apresentação d'estas breves reflexões. A falta de respeito ás leis é um dos maiores vidos dos portuguezes, e mal de nós se os governos, imitando o vulgo, continuam a ser os primeiros a desprezal-as.»

Sr. presidente, concordo completam ente com todas as reflexões d'este illustre parlamentar; mas peço licença para observar que a situação hoje é peior que em 1882, então não tinha o sr. Sampaio maioria na camara dos senhores deputados, acabava de entrar no poder, e em junho estava no fim do anno economico, precisando cobrar os impostos para o governo poder viver, e em 1884 não se dava nenhuma d'estas circumstancias, e quanto ao bill de indemnidade, por causa da reforma do exercito, o sr. Fontes cuidou só de o apresentar no dia em que começou a discussão da resposta ao discurso da corôa, na camara dos senhores deputados, e por ora não teve discussão, apesar das côrtes se terem aberto em 15 de dezembro! (Apoiados.)

Como se não bastasse esta auctoridade, ternos tambem a do sr. Pinheiro Chagas, que a 28 de fevereiro d'esse mesmo anno, dizia na camara dos senhores deputados o seguinte:

«Eu é que declaro que não consinto sem protesto, que em mim sejam desconsiderados os meus eleitores, que o governo esteja fazendo aquillo que só nós, senhores deputados da nação portuguesa, podemos fazer: votar impostos e repartir as despezas publicas.»

Sr. presidente, o sr. Pinheiro Chagas repartiu as despezas illegalmente, como ministro, violando a carta, violando a lei de meios, e o seu governo fez aquillo que só as côrtes podem fazer, lançou o peior de todos os impostos, a immoralissima remissão dos recrutas a dinheiro, segundo a phrase do sr. Fontes, e o recrutamento é o imposto de sangue, aquelle que mais custa a pagar! (Apoiados.)

Mas, o sr. Chagas foi mais longe na sua condemnação das dictaduras, disse s. exa.:

«Se houvesse a certeza de que o Rei seguiria sempre e em todas as occasiões as normas da justiça e da prudencia, que não faria senão tudo quanto fosse proprio para o desenvolvimento e progresso da nação, realmente não eram necessarias as constituições. (Apoiados.) Mas, como esse ideal era impossivel de conseguir, não houve remedio senão limitar e dividir os poderes de modo que uns aos outros se podessem cohibir, de modo que não corressem perigo os direitos, os fóros e as franquias dos cidadãos, e que se não postergassem as regras da boa administração e da boa politica. Para que estas leis supremas se não violem, fizeram-se as constituições; para que as constituições se não violem, estabeleceram-se artigos e formulas, que as defendem; quando se vê que essas precauções não bastam, criam-se outras. É este o caso actual.»

Não digo eu isto, dil-o o sr. Pinheiro Chagas, e é s. exa. quem lavra a sentença para os ministros que assim procedem.

N'outra sessão de um outro anno, dirigindo-se o sr. Pinheiro Chagas ao sr. Serpa, collega do sr. Fontes exclama:

«Realmente, d'antes quando se citavam no parlamento contradicções tão manifestas e claras, como as que se têem citado, quando se lia a um ministro da corôa as suas palavras proferidas em qualquer sessão, e que estavam em contradicção com os actos, que depois tinha praticado, o ministro envergonhava-se de ver expostas perante o publico as suas contradicções evidentes e manifestas; mas hoje nas altas regiões politicas o pudor politico vae desapparecendo, porque podem fazer quantas citações quizerem, podem apontar todas as contradições, nada perturba os srs. ministros, tudo lhes é indifferente, e continuam para diante com toda a tranquillidade.»

Sr. presidente, ponho termo aqui, e por hoje nas citações. É facto ter havido um contrato bi-lateral entre o governo e as côrtes; estas, não discutindo o orçamento, aprovaram a lei de meios, compromettendo-se o ministerio a cobrar a receita e a fazer a despeza dentro de certas condições, nos termos da mesma lei de meios, e o sr. Fontes s o sr. Chagas que fizeram? Que fez todo o governo, que é solidario, faltou redondamente ao seu compromisso, alterando a receita, alterando a despeza, saindo da legalidade, sem desculpa que possa absolvel-o! Auctorisação, que tinha sido dada na melhor boa fé pelas côrtes para evitar que o governo faltasse aos preceitos da constituição! São estes actos, que merecem a maior censura. (Apoiados.)

Sinto-me cansado, e, olhando para o relogio, vejo que está proximo a dar a hora. Não tendo concluido, pedia a v. exa., sr. presidente, que me reservasse a palavra para a sessão seguinte.

(O orador foi comprimentado por muitos dignos pares de todos os lados da camara.)

Continuação do discurso proferido pelo digno par o sr. conde de Rio Maior, na sessão de 28 de fevereiro de 1885, sobre o projecto de resposta ao discurso da corôa, e que devia ler-se a pag. 65, col. l.ª

O sr. Conde de Rio Maior: - Sr. presidente, é difficil a situação em que me encontro, tendo de fallar na ausencia do sr. presidente do conselho de ministros. É realmente notavel que, depois das severas arguições, que na sessão passada fui obrigado a dirigir-lhe, tratando-se de uma discussão tão grave como aquella que nos occupa, tratando-se, sobretudo, da questão da dictadura, cujas responsabilidades principaes cabem a s. exa.; é notavel - e com isso mais uma vez se prova, quanto baixou entre nós o systema parlamentar - que o sr. Fontes, se não desse pressa em vir assistir ao debate da sessão de hoje. A hora está adiantada, e tendo de continuar o meu discurso, começo por protestar de um modo severo, em nome da dignidade d'esta camara, em nome da suas immunidades, que se dê um facto d'esta ordem, altamente condemnavel, porque, embora eu veja o governo representado n'aquellas cadeiras pelo sr. ministro da fazenda, as principaes responsabilidades da dictadura, torno a repetir, pertencem ao sr. presidente do conselho, ao chefe do gabinete e ministro da guerra.

Ha alguns annos atraz de certo que s. exa. não procederia de similhante fórma; mas que a culpa vá a quem compete; hei de continuar, como se o sr. Fontes estivesse presente, a discutir as questões da sua responsabilidade.

(Entra na sala o sr. presidente do conselho.)

A situação agora é diversa com a chegada, do sr. presidente do conselho.

Antes de entrar na serie de considerações, que terei a honra de submetter á apreciação da camara, insisto ácerca da resposta dada pelo sr. presidente do conselho sobre os requerimentos, que dirigi á mesa, pedindo esclarecimentos pelo ministerio da guerra. As boas, praticas constitucionaes e parlamentares vão sendo esquecidas; entendo que o governo está no seu direito de dizer, a respeito de qualquer requerimento, feito por um par; do reino, que não é conve-

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niente mandar taes e taes documentos á camara. Essa resposta foi dada pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros, quando formulei um requerimento, solicitando documentos relativos á questão do Zaire, pedindo, principalmente, o convite dirigido ao governo portuguez para tomar parte na conferencia de Berlim.

Embora eu achasse que as rasões produzidas pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros, no seu officio de resposta, eram futeis, pois o Livro azul e o discurso, do sr. marquez de Penafiel, na abertura da conferencia, bem indicam que ao governo portuguez cabe a iniciativa da conferencia, não havendo rasão para recusar os documentos que o comprovam, sobretudo a circular ás legações portuguezas de 13 de maio de 1884, comtudo devo confessar que a resposta do sr. Bocage é perfeitamente correcta; porém não está no mesmo caso a declaração do sr. ministro da guerra e presidente do conselho. Os documentos, que requeri, pelo ministerio da guerra, foram pedidos ha mez e meio, e o sr. Fontes diz-nos, agora, que elles virão a tempo para a discussão do bill de indemnidade!

Nego a s. exa. o direito de me determinar, como já lhe disse, a occasião opportuna de eu me servir d'esses documentos; tenho o direito, visto não haver inconveniente em os mandar á camara, de os avaliar e examinar na occasião que me parecer mais opportuna, e esta discussão está n'esse caso; a resposta ao discurso da corôa, uma vez que n'ella se falla, nem podia deixar de ser, nas providencias com caracter legislativo, promulgadas pelo governo no intervallo das sessões, isto é, na dictadura, é o momento mais asado para se pedir explicações por não ter sido observada a constituição, provendo depois as côrtes como for justo, e satisfazendo por esta fórma ao disposto no artigo 139.° da carta constitucional.

Vou cumprir este dever, digo-o com sentimento; não é do meu genio aggredir pessoa alguma, mesmo quando a politica me obriga; entretanto, o que ponderei na ultima sessão foi apenas o panno da amostra, porque a violação da carta força-me a dirigir ao governo expressões muito severas.

Domina n'este debate a idéa de procurar que a discussão da resposta ao discurso da corôa seja breve, para dar legar a que esta camara fique outra vez silenciosa, durante largo espaço de tempo, passando-se quasi os tres mezes de sessão, sem se exigir do sr. presidente do conselho explicações terminantes dos actos illegaes por s. exa. praticados.

Sr. presidente, não é impertinente o levantar hoje aqui as questões, que vou tratar.

O digno par e meu collega, o sr. Costa Lobo, disse em uma das passadas sessões, e muito bem, que tinha sido desacatado o artigo 139.° da carta, eu tambem já o repeti, resta agora demonstral-o.

A dictadura resume-se em duas datas importantes: os factos passados no dia 19 de maio, dois dias depois de encerrado o parlamento, e os factos praticados em 31 de outubro, cinco dias antes da inauguração dos trabalhos da actual camara revisora, que pelo decreto de 24 de maio estava convocada para 5 de novembro. Não se cumpriu o decreto de 24 de maio, e foi esquecida a promessa solemne, feita em 22 de abril, n'esta casa, pelo sr. presidente do conselho ao digno par o sr. Henrique de Macedo!

O sr. Henrique de Macedo: - Apoiado.

O Orador (continuando): - O sr. Fontes comprometteu-se a abrir as côrtes a tempo, empenhando-se para que a reforma politica se completasse no anno de 1884, e depois em 31 de outubro, facilmente, abandonou esse compromisso, justificando um tal abandono com argumentos completamente inacceitaveis. Quando se apresentou a lei de meios, houve, como já disse, um contrato bi-lateral, celebrado entre as côrtes e o governo; porque este tinha necessidade de cobrar os impostos para fazer face ás despezas, e o governo obrigou-se a regular a mesma despeza dentro de certos e determinados limites. Pois bem; os srs. ministros faltaram a esse contrato, e violaram a constituição nos seus artigos 13.°, 14.° e 45.°

Ouvi dizer a um distincto orador, que pretendia desculpar o acto do governo, que esta reforma, quasi tinha passado nas côrtes. Este quasi, é notavel! De maneira que, por esta theoria, basta um projecto ter sido quasi approvado, para elle ser convertido em lei!

Peço á camara que aprecie esta palavra, verdadeiramente conforme com a gravidade das circumstancias. Calcaram-se aos pés as garantias constitucionaes, dadas ao paiz pela carta no seu artigo l5.° e § 8.°, quando declara: É da attribuição das côrtes fixar annualmente as despezas. Rasgaram-se os fundamentos da lei de meios, o governo tinha promettido não saír da legalidade, e foi lançar uma luva á camara dos pares, entendendo bastar a camara dos senhores deputados para um projecto ser convertido em lei! Não pretendo fazer rhetorica, desejo só satisfazer aos deveres da minha consciencia.

Diga o. sr. presidente do conselho a rasão, por que combateu o sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa, quando aquelle illustre cavalheiro pediu á camara um voto de confiança para poder fazer a reforma do exercito?

Quer a camara saber o que respondeu o sr. Fontes ao sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa, general benemerito, e distincto ornamento do exercito portuguez?

O sr. Fontes disse em 7 de junho de 1880, n'esta camara, combatendo o projecto do sr. João Chrysostomo:

«Póde haver quem supponha que pretendo crear embaraços ao andamento do projecto em discussão; mas eu não tenho culpa de que á ultima hora, depois de estar aberta a sessão legislativa desde 2 de janeiro, tendo-se tratado n'este periodo de perto de seis mezes muita cousa insignificante, no ultimo dia da sessão é que a reforma do exercito e das repartições e estabelecimentos dependentes do ministerio da guerra, assumpto que ninguem julgará de pouca gravidade, venha aqui, para ser discutida, não com bases definidas, mas sob a fórma de uma auctorisação pedida pelo governo para esse fim, o que equivale a um amplo voto de confiança (Apoiados.) dado não se sabe a quem. (Apoiados.)

«É preciso saber qual é a força de que podemos dispor em harmonia com os recursos financeiros e com a população do paiz, quando se dê a hypothese de termos que repellir qualquer aggressão estranha.»

O sr. Fontes disse mais:

«Todos saberá que a artilheria, nos ultimos annos, tem tomado um grande incremento na guerra; nós precisâmos, pelo menos, trezentas bôcas de fogo, suppondo que o exercito é de 100:000 homens, e pergunto eu: Quer o sr. ministro da guerra organisar o exercito em harmonia com esta necessidade, ou quer limitar se a fazer alguma cousa que, embora de momento pareça melhor, sirva apenas para embaraçar qualquer organisação futura?» .

Sr. presidente, contraponho a esta opinião do sr. Fontes em 1880 o seu relatorio para a reforma do exercito em 1884. Escreveu s. exa.:

«A artilheria, porém, mesmo depois do augmento proposto, é que fica muito abaixo do indispensavel, segundo a proporção moderna, para um exercito, ainda quando não seja maior de 100:000 homens, 30 baterias ou 180 bôcas de fogo, sem contar algumas pecas de montanha, não chegam a representar 1,8 da força total em 1:000 homens. Seria preciso o dobro, pelo menos, para que esta arma ficasse em bôas condições. Não permittem, comtudo, as nossas circumstancias financeiras, desde já, que se eleve tão consideravelmente a despeza. O melhoramento que se propõe, é de muita importancia, e n'outra occasião mais propicia será elevada a artilheria ao ponto que é necessario attingir, para que esta arma satisfaça, numericamente fallando, ás exigencias da guerra na actualidade.»

Vamos novamente ao discurso do sr. Fontes em 7 de

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junho de 1880, pergunta s. exa. mais ao sr. Abreu e Sousa:

«Qual é a opinião de v. exa. a respeito do corpo de estado maior? Quer acabar com elle, como têem feito algumas nações? Quer conserval-o? Quer organisar uma entidade nova, onde entrem as capacidades das diversas armas?»

Responde o relatorio do mesmo sr. Fontes em 1884:

«Completado o estado maior general com mais um general de divisão, e dois de brigada, o que não é muito relativamente ao augmento dos quadros, será a despeza ainda acrescentada com 3:880$000 réis.»

Sr. presidente, nem mais uma palavra encontro; o sr. Fontes em 1884 não respondeu ás perguntas por s. exa. feitas em 1880, basta-lhe hoje acrescentar a despeza em 3:880$000 réis! (Apoiados.)

Mas em 1880 o sr. Fontes ainda perguntou:

«Quer o governo fazer a reforma, augmentando alguns regimentos?

«Isso não serve de nada, não é reforma?»

A dictadura de 1884, e os regimentos homeopaticos da actualidade respondem á affirmação do sr. Fontes em 1880.

Vamos adiante. Estamos ainda em 1880, e exclama o illustre parlamentar, então opposição:

«O que é verdade é que este projecto podia ficar para o anno. Não proponho o adiamento, mesmo porque ultimamente me tenho posto no costume de não propor cousa nenhuma; mas se alguem o propozer voto-o. Muito menos proponho a rejeição do projecto; mas se, apesar d'estas considerações, que fiz, o governo persistir em que elle seja hoje discutido, terei então de votar contra o projecto.»

Aqui está, sr. presidente, como as opiniões do sr. Fontes mudaram, e como em 1884 quer s. exa. aquillo que condemnava e rejeitava em 1880! Reconheço as necessidades, e as reformas urgentes do exercito, sem ser militar tenho estudado o assumpto; mas o que o sr. ministro da guerra fez não foi uma reforma valiosa, foi apenas um augmento de despeza!

A dictadura da vaidade, e eu emprégo a palavra não com sentimento hostil, mas porque traduz exactamente a situação, a dictadura da vaidade, repito, foi uma traição ás instituições, e dá direito ao partido republicano poder gritar com fundamento que a carta não se cumpre; esta má politica do governo é perigosa e fatal.

Protesto contra o facto do sr. presidente do conselho de ministros ligar o nome do augusto chefe do estado a esta reforma, fazendo-a no dia 31 de outubro; é gravissimo, não bastava ao sr. Fontes os ataques, que já houve na imprensa contra El-Rei, s. exa. quer que se repitam?!

Fallou-nos o sr. Fontes no anno passado em Peel e Perier, e citando-nos este ultimo homem d'estado, lembrou, como ameaça disfarçada, a nomeação de pares feita antes de ser abolida a hereditariedade em França em 1831.

Pergunto ao sr. presidente do conselho, quando é que Peel e Casimir Perier praticaram actos parecidos com a dictadura de 1884?

Nem no reinado da minha Victoria, nem no de Luiz XVIII e Luiz Filippe se fizeram cousas iguaes. Os homens de estado que governam actualmente em Hespanha e Italia não ousariam imitar o sr. Fontes na dictadura de 19 de maio, completada em 31 de outubro, feita quando se pretende reformar a carta, no momento da revisão constitucional, e muito de proposito digo revisão, por saber quanto o sr. presidente do conselho embirra com a palavra constituinte.

Julgava o sr. presidente do conselho de ministros que não havia de levantar-se aqui uma voz para o condemnar e dizer-lhe as verdades? Engana-se redondamente; o sr. Fontes governa este paiz ha muito tempo, tem muitas e grandes responsabilidades, e pelo menos, quanto a mim, hei de estar aqui até á ultima hora para condemnar os seus actos violentos!

São curiosos os considerandos do decreto dictatorial da 19 de maio sobre a reforma do exercito; tenho-os aqui e vou ler o primeiro:

«Considerando que a auctorisação para a reforma do exercito, apresentada pelo meu governo ás côrtes, foi approvada pela camara dos senhores deputados e pelas commissões respectivas da camara dos dignos pares do reino, etc.»

Citei o anno passado n'esta assembléa um grande homem, que preside aos destinos da nação hespanhola, citei Canovas del Castillo, quando em 1869, na constituinte hespanhola, se tratava de fazer predominar a opinião da camara dos deputados nas leis do orçamento e credito publico, no caso de haver divergencia entre os representantes da camara baixa e o senado; dizia o grande estadista hespanhol, não se cobre impunemente de ridiculo um dos altos corpos do estado, e a proposta apresentada tende a esse fim!

Sr. presidente, o considerando do decreto de 19 de maio está n'este mesmo caso, dar como motivo bastante para promulgar uma lei o ter ella parecer favoravel das commissões respectivas da camara dos pares, é cobrir esta camara de um grande ridiculo, é annullal-a! (Apoiados.)

E este parecer não foi approvado por unanimidade!

Protesto contra taes abusos e taes violencias. Temos agora nas commissões da camara dos pares um novo comité de salut public, do qual o sr. Fontes é o Saint-Just.

Não cause espanto fallar em Saint-Just, porque este nome já foi citado pelo governo o anno passado na reforma eleitoral, como sendo o iniciador da representação de minorias.

Mas, como disse, o parecer das commissões não foi unanime na approvação. Estão assignados com declarações os srs. conde do Casal Ribeiro, Barros e Sá, conde do Bomfim, José Joaquim de Castro e visconde de S. Januario.

Creio que o sr. visconde de S. Januario fez parte da commissão, encarregada de organisar a reforma do exercito, em conformidade do decreto dictatorial de 19 de maio, s. exa. obedeceu ao ministro da guerra como militar; porém aqui, como par do reino, assignou com declarações.

Fallando da reforma do exercito e da sua opportunidade, vem a pello perguntar ao sr. Fontes, se o accordo para as reformas politicas era só para deitar abaixo ou era para reconstruir? Se o accordo tinha acabado, votada a lei de l5 de maio, que determinou a reforma de alguns artigos da carta, parece-me que este acto politico, tão louvado, significou pouca cousa, teve um alcance muito limitado; se porém outro foi o pensamento do sr. presidente do conselho então n'este caso julgo a sua politica muito inhabil, pois d'ella resultou o rompimento do accordo, dando motivo ao partido progressista para o declarar terminado, e admira isto em pessoa tão adestrada n'estes arranjos e manejos politicos; mas o sr. Fontes julgava opportuno que o accordo não ficasse na promulgação da lei de 15 de maio, e s. exa. tinha esta opinião o anno passado e tem-na ainda presentemente.

Reporto-me á sessão na camara dos pares, de 15 de março de 1884.

Disse s. exa.:

«Em todo o caso, sr. presidente, não será uma vantagem para a causa publica, não será, não direi uma gloria para o governo (porque não me occupo de fazer o meu panegyrico, nem o dos meus collegas) mas uma satisfação para elle, o ter conseguido o consenso d'estes ultimos e a sua collaboração para de harmonia fazermos a reforma de alguns artigos da constituição do estado? Não fará um ser-

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viço ao paiz o governo que conseguiu mesmo congraçar algum partido mais avançado, fazendo-o ficar áquem das suas aspirações? E, na phrase de um intelligente membro d'esta camara e meu amigo, o sr. Henrique de Macedo, não será vantagem publica fazer por este meio com que a constituição do estado seja respeitada por todos?

«Estas vantagens obteve-as o governo, conseguindo o accordo com o partido progressista.»

Ultimamente na sessão de 23 de janeiro, na camara dos senhores deputados, dizia tambem o sr. Fontes:

«Em quanto ao accordo com o partido progressista, já li á camara os documentos sobre que elle assenta, e portanto todos podem ver qual é a sua importancia e o seu alcance.

«A minha opinião é que esse accordo não se refere unicamente á approvação d'este projecto; refere-se tambem ao supplemento do mesmo projecto ou ás reformas que d'elle hão de resultar.»

Sr. presidente, para que indispoz o governo contra si o partido, cuja collaboração julgava indispensavel para fazer a reforma? Tenho direito de perguntar isto; foi o ministerio quem declarou a reforma impreterivel, e indispensavel, e tambem util e opportuno o accordo dos partidos para a poder realisar. (Apoiados.)

Veja a camara qual é a politica do sr. Fontes, é uma politica sem leme; n'uma occasião quer a todo o transe o accordo para poder fazer a reforma politica, e n'outra vez sacrifica-o á vaidade de provar ao sr. conde do Casal Ribeiro que a vontade do sr. presidente do conselho é a primeira lei d'este paiz.

O sr. conde do Casal Ribeiro pelo seu talento e pela sua auctoridade impedia a approvação do projecto sobre a reforma do exercito, o sr. presidente do conselho de ministros, para satisfazer ao seu amor proprio, publica dois dias depois de encerradas as côrtes o decreto de 14 de maio, esquecendo o accordo, as suas declarações parlamentares, e as condições em que tinha sido votada a lei de meios.

Sr. presidente, como a discussão que tenho a seguir é longa, vou mandar para a mesa duas propostas escriptas, porque podia ser que o sr. presidente do conselho de ministros deixasse de tomar nota, e é indispensavel haver sobre ellas uma resposta.

Tenho a honra de dirigir ao sr. presidente do conselho as perguntas seguintes, e peço a s. exa. respostas categoricas e terminantes:

1.ª Perante o retrahimento do partido progressista na discussão do projecto das reformas politicas, e na falta de accordo entre este partido e o governo, confirmada pelas declarações feitas na camara dos senhores deputados, julga o governo possivel realisar actualmente as referidas reformas?

2.ª Tendo declarado o sr. presidente do conselho, na sessão de 17 de setembro de 1883, na camara dos senhores deputados, que no empenho de realisar as reformas politicas julgava conveniente reforçar-se com alguns membros do partido constituinte, e tendo saído do ministerio o digno par o sr. Aguiar, ficando no poder o sr. Pinheiro Chagas, pergunto: romperam-se por este facto as relações politicas do governo com o partido constituinte, ou continua o sr. Pinheiro Chagas a representar nas cadeiras ministeriaes a harmonia a que aspirava o sr. Fontes quando fez o accordo com o illustre chefe do partido constituinte?

Faço, sr. presidente, a primeira pergunta ao sr. presidente do conselho em consequencia do retrahimento, officialmente declarado, do partido progressista na discussão das reformas politicas, conhecido pelos jornaes e pela declaração feita pelo sr. Braamcamp, na camara dos deputados, de que o accordo estava completamente roto. O accordo era indispensavel para as reformas, e por isso o espirito do seculo esteve engarrafado tanto tempo, como dizia bem na camara dos senhores deputados o sr. Pinheiro Chagas ao sr. Fontes, combatendo-o violentamente.

Hoje, porém, que o accordo está roto, pergunto ao sr. presidente do conselho o que tenciona fazer?

Ha uma segunda pergunta; desejava saber o estado das relações do governo com o partido constituinte?

Saíu o sr. Aguiar, ficou o sr. Chagas, s. exas. entraram por causa das reformas politicas, como na sessão de 17 de dezembro de 1883, na camara dos senhores deputados, declarou o sr. Fontes; estimava que o sr. presidente do conselho dissesse se ha harmonia com o illustre chefe d'este grupo politico, ou se romperam as hostilidades?

Dizia o sr. Fontes em 17 de dezembro de 1883: «Então o ministerio de que eu tinha a honra de fazer parte, visto que o nosso principal empenho era o de levar por diante as reformas politicas, que já tinhamos tido a honra de apresentar á camara, e que se acham pendentes do seu illustrado exame, julgou conveniente reforçar-se com alguns membros do partido constituinte, que tinham por base do seu credito politico exactamente essas reformas.»

Durante á gerencia do sr. Aguiar houve factos importantes, houve o tremor de terra norte leste de 13 de setembro, que eu peço ao sr. presidente do conselho o obsequio de me dizer se sentiu, houve a questão dos melhoramentos do porto de Lisboa, que tambem julgo uma questão grave, e que teve já consequencias financeiras muito serias para os nossos fundos publicos; porém, estes actos de administração, interressantes para se poder avaliar o que pensava e pensa hoje o partido do sr. Dias Ferreira, não tem o alcance politico da reforma da constituição, base, segundo o sr. Fontes, do credo politico constituinte.

Portanto, explique nos o sr. presidente do conselho a situação que resultou da ultima crise; o sr. Aguiar e o sr. Pinheiro Chagas eram o melhor casal do sr. José Dias Ferreira, mas quem saíu do casal?

O illustre chefe constituinte é actualmente um amigo ou inimigo do gabinete?

Passando a outra ordem de idéas, devo responder n'este momento a uma pergunta, que muitas vezes se me tem feito. Dizem me, mas porque é que vós que sois conservador, vos mostraes intransigente com a reforma da carta, proposta pelo sr. Fontes, não sabeis que o partido progressista quer uma reforma mais radical?

Respondo o seguinte: tenho a honra de representar hoje, pelas relações de familia, um dos nomes mais illustres da França da restauração, fallo de mr. Hyde de Neuvilie, antigo embaixador era Lisboa, e ministro de Carlos X; perguntavam a este homem d'estado, porque não dava elle o seu apoio ao ministerio Polignac, e Hyde de Neiwille respondeu, porque não quero ser colloborador da queda da dynastia.

Refiro a anecdota, deixando aos meus collegas dar-lhe a applicação.

A questão politica em Portugal póde ir mais longe do que muitos julgam. O caso é gravissimo, o partido republicano progride a olhos vistos, tenho aqui documentos que o affirmam.

Trouxe tudo quanto era necessario para a completa demonstração das proposições que emitto. Leio n'um jornal importante escripto no norte do paiz o seguinte: «Olhem para o que se passa no Porto, reparem como a propaganda alastra pelas populações quasi ruraes de Alemtejo e Algarve. Em junho ainda foi possivel aos homens monarchicos de todos os partidos suplantar o esforço, aliás vigoroso e possante dos republicanos. Hoje já assim não succederia. Amanhã será ainda peior.»

N'outro jornal escrevem:

«O sr. Dias Ferreira é ainda, como muitos outros, um monarchico de convicção, e que lucta, disputando o terreno palmo a palmo, para salvar a monarchia da ruina, e restituir-lhe o prestigio, que a mão funesta do sr. Fontes lhe tem roubado. É monarchico sim mas ás solicitações da

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opinião publica por um lado, e os protestos da sua propria consciencia por outro lado, já fizeram com que elle podesse encontrar-se com os inimigos da monarchia num terreno commum. Não se encontraram para o convivio dos mesmos principios, mas encontraram-se já para solidariedade das queixas e da defeza. Não é uma fusão, e menos ainda uma confusão; mas é já um principio de alliança, e passa-se rapidamente de um para outro lado!»

O sr. presidente, do conselho de ministros não lê jornaes, então é bom que ouça estes, e possa avaliar o estado da opinião publica, e informar-se d'estes symptomas.

Sr. presidente do conselho, isto é gravissimo, veja a doença, olhe para estas cousas!

Sou impertinente, talvez o seja, combati quanto pôde, e honro-me muito d'isso, essa reforma administrativa, que infelizmente é lei, indiquei os seus inconvenientes, e, em relação ao abuso dos impostos locaes, tenho eu e outros collegas, pedido urgentes providencias; mas a reforma tem muitos outros defeitos na sua descentralisação excessiva, e na independencia inconvenientissima em que collocou as administrações districtaes, municipaes e parochiaes.

Ha em Lisboa juntas de parochia, compostas exclusivamente de republicanos, que se servem dos seus cargos para fazer propaganda impune, pondo principalmente a escola ao serviço das suas nefastas idéas! É urgente prohibir esta propaganda, feita á custa do contribuinte.

Sr. presidente, hei de tratar a questão financeira com alguma largueza, e embora pertença á discussão do orçamento dar-lhe todo o desenvolvimento, convem examinar desde já o estado geral das finanças portuguezas, d'esse orçamento, que o sr. Fontes promettia equilibrar e cujo deficit sobe todos os annos. A despeza propria dos ministerios augmenta 313:000$000 réis, e essa despeza pertence ao orçamento ordinario, cujo deficit, dizia o sr. Fontes, estava irremediavelmente morto. São 313:000$000 réis, mas o sr. presidente do conselho não se importa com estas pequenas cousas, ri-se d'estas observações. Se o assumpto não fosse tão grave, dir-lhe-ía: rira bien qui rira le dernier.

Sr. presidente, vou fallar na Allemanha e no principe de Bismarck, n'esse homem illustre, que tornou tão grande o seu paiz, e cujo nome está ligado a uma serie não interrompida de victorias. Sabemos como o chanceller de ferro póde conciliar os seus mais vigorosos adversarios, estabelecendo n'um dia o Culturkampf e no dia immediato concordando com Windthorst na modificação das leis de maio, conhecemos as suas propostas e decretos para proteger a agricultura e a industria contra os perigos do livre cambio, e as providencias por elle adoptadas para crear seguros para velhos e invalidos, combatendo os socialistas com as proprias armas d'elles, e combinando a força de um immenso prestigio com a flexibilidade necessaria, fundada no profundo conhecimento dos verdadeiros interesses sociaes da sua poderosa nação; sabemos tudo isto, mas o que não encontrâmos na vida politica de tão extraordinario homem de estado, é um acto que se assemelhe com a dictadura de 19 de maio.

O principe de Bismarck tem dissolvido muitas vezes o reichstag, porém nunca rasgou a constituição, decretando dictatorialmente a lei, que não passou no parlamento.

Nunca elle fez isto, porque o aviltamento das instituições traz comsigo o aviltamento da nação!

Vou citar dois exemplos da vida parlamentar do eminente estadista: refiro me ao facto de Bismarck pedir á camara a prorogação da lei contra os socialistas. O que succedeu então?

Levantou-se o chefe do centro, o respeitavel Windthorst, e disse: «eu sou adversario da socialistas, mas fui tambem contrario ás leis de meios e, portanto, não posso dar um voto favoravel a uma lei de excepção.»

Fallou depois o distincto parlamentar, chefe dos liberaes progressistas, o sr. Richter, e declarou, com o espanto de todos, que a lei de excepção não tinha impedido o mais audaz dos attentados, e que na grande festa de Niederwald, onde se inaugurou a estatua da Germania, para celebrar as victorias ganhas contra os francezes, a familia imperial, os principes e as maiores notabilidades de Allemanha não tinham voado pelos ares, victimas de uma explosão de dynamite, por motivo de uma alteração atemospherica, pelo augmento da humidade no ar!

O sr. Richter propoz, portanto, o adiamento do projecto de lei. Dias depois o imperador recebia de gala no seu anniversario natalicio, e exprobava aos deputados a sua resistencia ao projecto do governo, e Bismarck, tendo vindo ao reichstag, em soccorro do seu collega Puttkamer, declara que é necessario que o parlamento diga sim ou não, que á rejeição responderá a dissolução e que os governos federaes cumprirão o seu dever.

Sr. presidente, 189 deputados contra 157, responderam favoravelmente ao appello do imperador e do principe de Bismarck, e o projecto de lei foi approvado! Eis aqui como se procede em Allemanha; mas eu vou buscar outro exemplo muito recente.

O principe de Bismarck, allegando o augmento sempre crescente dos negocios diplomaticos, e o estado precario da sua saude, pediu ao parlamento que lhe fosse concedido mais um sub-director do ministerio dos negocios estrangeiros, tendo o ordenado de 20:000 a 20:000 francos, e n'esta proposta poz a questão de confiança politica; pois sabe v. exa. o que aconteceu? Os deputados rejeitaram o pedido do chanceller, e os amigos do grande estadista propozeram pagar-lhe por subscripção publica este ordenado! Não houve dictadura.

Sr. presidente, todos sabem que na reforma da carta se falla no mandato imperativo e em outras cousas insignificantes; mas d'aquillo que se devia fallar, é que não se falla, devia-se estabelecer que todo o cidadão póde recusar pagar o imposto, quando o governo, desobedecendo ás leis, pratica abusos como aquelle que tenho condemnado. O sr. presidente do conselho praticou um acto inaudito, s. exa., ministro da guerra, chefe da força publica, ensinou ao exercito a desobediencia!

É pequena a falta do regimento n.° 2 de lanceiros. Os soldados não entraram no quartel ás horas do recolher, porque ao 19 de maio correspondeu logo o 22 de setembro. Os lanceiros podiam dizer ao sr. presidente do conselho: não é muito que nós venhamos para o quartel fóra de horas, quando vós, nosso chefe, desacataes por esse modo a carta constitucional!

Sr. presidente do conselho, onde está a syndicancia feita ao regimento de lanceiros? Soffreram innocentes e culpados, e ainda uns e outros se encontram na mesma situação; é duro para officiaes briosos e honrados.

Hei de empregar toda a minha energia, toda a força de que disponho, para condemnar estes e outros actos do sr. presidente do conselho.

S. exa. disse que havia dois annos que tinha promettido a reforma do exercito, e não podia faltar a essa promessa. É curiosa esta affirmação, só n'este ponto se não podia contradizer o sr. Fontes; porém, a culpa não é de s. exa., a culpa é nossa que discutimos tanto tempo as reformas politicas! É notavel esta declaração da parte d'aquelle que fez politica obstruccionista na famosa questão dos coroneis, unica vez em que esta camara foi obstrucionista; e quem vem lançar-nos tal accusação, por nós discutirmos no anno passado a reforma politica, a lei eleitoral, a reforma penal, a organisação da penitenciaria, os contratos dos caminhos de ferro, a lei do sal e aguardente, e finalmente a lei de meios? Não era o nosso dever? (Apoiados.)

Não chegámos a discutir a reforma do exercito, porque, como o sr. Fontes dizia, combatendo a proposta do sr. João Chrysostomo, era tarde para se tratar d'essa questão, que nos apparecia na ultima hora, e se o sr. Fontes queria essa reforma, repito, prorogasse as côrtes. As finanças do paiz

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não permittem o enorme alargamento, que se fez, dos quadros do exercito, sem vantagem alguma para a força publica. Era tambem isto o que o sr. Fontes affirmava, respondendo ao sr. João Chrysostomo. A reforma não trouxe organisação ao exercito, mas sim a sua desorganisação. Recordarei um facto notavel.

No decreto da reforma estabelece o sr. presidente do conselho que, estando o exercito em pé de paz, cada regimento tenha dois majores, e em pé de guerra tres. Não havendo dois majores, perigava a disciplina.

Pois, sr. presidente, o regimento de infanteria n.° 12, estacionada na Guarda, é um dos corpos do nosso exercito sempre com maior numero de praças e mais sobrecarregado de serviço; apesar d'isso, ha quatro annos que não tem major, embora a imprensa da localidade haja por differentes vezes censurado, asperamente, tamanho abuso.

Não me canso de o repetir, é gravissimo augmentar tanto a despeza no estado das nossas finanças, mais grave é ainda violar por esta fórma a carta, dois dias depois de encerradas as côrtes, na vespera de se reunir uma camara revisora, convocada expressamente para emendar a constituição do paiz, no que é indispensavel para prevenir abusos, que o governo nos denuncia. Todos sabem, foi por acinte ao sr. conde do Casal Ribeiro que se publicou em dictadura a reforma do exercito.

Havia um meio mais simples de corrigir no futuro as demasias parlamentares do sr. conde.

Tenho aqui um pequeno projecto de lei, vou lel-o, e mandal-o-hei para a mesa, se o sr. presidente do conselho se conformar com elle.

«Artigo 1.° O sr. conde do Casal Ribeiro não duvidará no futuro da conveniencia politica dos arranjos militares do actual governo, que não é ministerio transitorio e para bem d'este paiz governa sempre e permanentemente.

«Art. 2.° O governo para impedir taes resistencias do sr. conde póde praticar actos de dictadura, violando a constituição, compromettendo os altos poderes do estado, aggravando a despeza e apressando a bancarota.»

Este projecto é muito simples, e resolve a questão; mas parece-me que o sr. presidente do conselho não o acceita. (Riso.)

(Pausa.)

Sr. presidente, a reforma do exercito foi feita para se adquirir popularidade, talvez para malquistar a camara dos pares com o mesmo exercito. Respeito muito este grande defensor da ordem publica e da nacionalidade portugueza; mas entendo que o exercito não está acima da constituição.

A carta é quem governa.

Porém a reforma do exercito teve outro motivo, que vou dizer; havia muitos alferes graduados nos cursos militares, admittiram-se maior numero do que os fixados por lei, e calculava-se que o ultimo dos alferes graduados de cavallaria seria ainda alferes, quando o primeiro já fosse coronel; suspeitava-se que muitos d'esses alferes eram republicanos, e queria-se reconquistal-os para a monarchia por uma larga promoção; porém esta dá o resultado contrario, o promovido hoje terá mais tarde difficil accesso ás patentes superiores, e o desequilibrio na promoção será no futuro ainda maior.

Esta foi uma das rasões da reforma, este é o resultado certo da illusão em que se vive.

O decreto de 19 de maio foi o prefacio da reforma do exercito. E que necessidade havia de um decreto tão revoltante pelo desprezo, que mostra pelo parlamento, quando esse decreto tinha apenas por fim iniciar os trabalhos da commissão da reforma do exercito, pois a verdadeira dictadura é o acto de 31 de outubro?

Não chego a comprehender.

O adiamento das côrtes e a reorganisação do exercito ligam-se perfeitamente, o primeiro era necessario para o segundo ter logar. Houve o receio do cholera; mas o cholera, que felizmente não veiu, não satisfez as aspirações politicas do governo, e então inventou-se o adiamento das corres por causa do congresso de Berlim; disseram ser util não abrir o parlamento, porque podia haver alguma pergunta inconveniente; mas eu acho extraordinario o adiamento para 15 de dezembro, continuando o congresso a funccionar; as côrtes podiam estar fechadas, visto nada terem feito, depois de dois mezes e meio de sessão. O receio do governo era injusto e injurioso, os srs. ministros lembram-se, naturalmente, dos seus actos parlamentares, por occasião da celebre questão do tratado de Lourenço Marques!

Mas o sr. Fontes tinha feito uma promessa solemne n'esta camara, e, respondendo ao digno par o sr. Henrique de Macedo, s. exa. disse em 27 de abril:

«Deseja o digno par saber se o governo está resolvido a empregar os meios ao seu alcance, para que a reforma, na hypothese de ser votada, se complete antes da proxima sessão legislativa.

A este respeito eu direi o seguinte:

«O governo ha de empregar todos os seus esforços para que as eleições se façam o mais breve que for possivel, talvez no mez de junho, e ha de promover pelos meios ao seu alcance que a nova camara se reuna, DEPOIS DE CONSTITUIDA AINDA ESTE ANNO, e tambem se ha de, empenhar, para que a reforma se complete, mas não póde tomar o compromisso absoluto de que essa reforma seja completada antes da proxima sessão legislativa.»

Pois feita esta promessa, decreta o governo em 31 de outubro o seguinte:

«Usando da faculdade que me confere a carta constitucional da monarchia, no artigo 24.° § 4.°: hei por bem, tendo ouvido o conselho d'estado, nos termos do artigo 110.° da mesma carta, adiar para o dia 15 do mez de dezembro do corrente anno, a convocação das côrtes geraes da nação portugueza, as quaes tinham sido convocadas para o dia 5 do proximo mez de novembro por decreto de 24 de maio ultimo.»

Adiadas, sr. presidente, as côrtes para 15 de dezembro, propoz o gabinete a reforma politica na camara dos senhores deputados em 27 d'esse mez, quatro dias antes de terminar o anno de 1884! (Apoiados.)

Sr. presidente, o artigo 139.° da carta, determinando que «no principio da sessão se examine, se a constituição politica do reino foi exactamente observada, para prover como for justo», deve ser cumprido; é isto o que nós estamos fazendo com a discussão da resposta ao discurso da corôa. Apresentou o governo o bill de indemnidade, e como podia deixar elle de cumprir este dever? Maioria e minoria accusariam o sr. Fontes, se s. exa. não satisfizesse a esta obrigação impreterivel.

(Pausa.)

Estou condensando, sr. presidente, as minhas idéas, porque não quero cansar a camara, desejava concluir hoje, e formular o mais brevemente possivel os argumentos que desejo apresentar.

No dia 31 de outubro, dia de tanto jubilo para os portuguezes, foi tambem violado segundo referem, o artigo 112.° da carta constitucional. Este artigo diz: «O Principe Real é membro do conselho d'estado, logo que tiver dezoito annos completos»; a lei entende que, chegado a essa idade, o herdeiro da corôa tem a qualidade necessaria para dar voto sobre os graves negocios do estado, e mais competente deve ser aos vinte e um annos de idade, em que é assignada, pelo codigo civil, artigo 311.°, sem distincção de sexo, a maioridade. Completos os vinte e um annos, o maior fica habilitado para dispor livremente da sua pessoa e bens, e gosa dos direitos negados aos menores e interdictos.

Pois, sr. presidente, segundo parece, esta não é a regra na sociedade politica em Portugal, e a imprensa refere que o Principe Real foi privado dos seus direitos de conselheiro d'estado por ter completado os vinte e um annos.

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Não discuto o que se passou no conselho d'estado, não peço a acta do que n'elle foi tratado, mas refiro-me a um facto importante, affirmado pela imprensa; por isso posso commental-o no parlamento, e, visto o esquecimento, que lavra, da obediencia devida á carta, declaro: O Principe Real é de direito conselheiro d'estado; não foi uma graça que recebeu, exerce um cargo determinado pela constituição, ninguem, entenda-se bem, ninguem póde prival-o de exercer esses direitos, que o codigo fundamental lhe estabelece.

Sr. presidente, tenha v. exa. a certeza que eu não hei de saír da ordem, estou apenas repetindo por estes tempos, que correm, o artigo 112.° da carta constitucional.

Vou citar ainda o principe de Bismarck. O principe imperial da Allemanha, segundo dizem, nem sempre e favoravel á politica do chanceller allemão, pois mr. de Bismarck nomeou-o, ultimamente, presidente do conselho d'estado, e embora as attribuições d'este alto corpo sejam diversas das attribuições dos conselheiros d'estado portuguezes, comtudo o argumento aproveita e eu offereço-o á consideração do sr. Fontes.

O dia 31 de outubro foi fatal, violou-se a carta nos seus artigos 13.°, 14.° e 45.°, reformando-se em dictadura o exercito, violou-se o artigo 15.° § 8.°, que dá ás côrtes a attribuição de fixar annualmente as despezas publicas, violou-se a lei de meios, violou-se a promessa solemne feita na camara dos pares de se empenhar o governo para que a reforma se completasse em 1884, violou-se o decreto de 24 de maio, que convoca as côrtes geraes para o dia 5 de novembro, violou-se, dizem, o artigo 112.° da carta, que impõe ao Principe Real o exercicio do encargo de conselheiro d'estado, rasgou-se o accordo feito com o partido progressista, que se affirmava indispensavel para se poder realisar a reforma politica, lançou-se a luva á camara dos pares, escarnecendo d'ella; finalmente comprometteu-se ainda mais o mau estado da fazenda publica, e todos estes attentados do governo foram reservados para um dia de gala, para o anniversario natalicio do soberano, querendo assim comprometter Sua Magestade nas immensas reponsabilidades d'este desgraçado ministerio!

Dizem, sr. presidente, que o sr. Fontes não tem feito nada! Esta observação é injustissima, s. exa. tem feito muita cousa, muitas vezes peior que nada. Os fundos portuguezes têem baixado, a divida fluctuante tem engrossado e o partido republicano tem medrado, e o sr. presidente do conselho não tem feito nada?!

Póde-se dizer que a carta não foi cumprida, que as garantias constitucionaes não existem; mas o sr. presidente do conselho não parou, porque na opinião de s. exa. parar é morrer!

Alguns corroboram esta phrase com a historia; não parou Nuno Alvares Pereira, não parou Vasco da Gama, não pararam tantos outros; mas esses grandes homens tinham o respeito pelo seu Rei, e o sr. Fontes não respeita as instituições, não respeita os artigos da carta.

Deixemos, porém, isto, e vamos ao orçamento, vamos ver as consequencias de tão errada politica.

Temos:

Receita do orçamento do estado de 1885 a 1886...........31.378:490$000
Despeza........................... 33.265:651$968

Deficit official...... 1.887:161$968

Ha depois o deficit incolor; este é um deficit, que vem na segunda pagina do relatorio do sr. ministro da fazenda, e que está ali apenas para encher papel, não faz mal a ninguem, não tem importancia, porque nada significa; este deficit apresenta-se pela fórma seguinte:

«Não será, pois, menos apropositado acreditar que pela diminuição das despezas e pelo acrescimo das receitas, nos termos acima indicados, se terá diminuido o desequilibrio do futuro orçamento, a ponto de o reduzir, em numeros redondos, a 800:000$000 réis.»

É o sr. Hintze Ribeiro que o diz.

Temos em seguida o deficit, que appellidarei o deficit envergonhado, esconde-se no Cabo das Tormentas do sr. ministro da fazenda, na pagina 68 do orçamento do seu ministerio, e, segundo se lê, este deficit é de 1.218:000$000 réis.

Sr. presidente, disse que esta pagina 68 era o Cabo das Tormentas do sr. Hintze Ribeiro, e effectivamente lá se encontra toda uma familia illustre, muito conhecida do sr. presidente do conselho, chama-se a divida fluctuante, e tem o seu ramo mais velho, os filhos segundos, os consanguineos e affins.

Vamos a ver como isto é:

Ramo mais velho, divida fluctuante em 30 de novembro de 1884.. 1:200:000$000

Filhos segundos, deficit em sete mezes de 1884-1885........... 711:000$000

Consanguineos, deficit ordinario de 1885 a 1886............. 1:218:000$000

Affins, despeza extraordinaria de 1885 a 1886................ 5.000:000$000

Ditos, armamento..............: 900:000$000

Total............ 9.029:000$000

Esta é a divida fluctuante, já promettida, officialmente, para o anno de 1885-1886, cujos encargos hão de subir a 373:200$000 réis, e mais hão de ser com a despeza extraordinaria do ministerio da guerra e outras, que não estão declaradas: saber-se-ha para o futuro.

Sr. presidente, rectificando já a divida fluctuante em 30 de novembro, e sem esquecer, para nos consolar, das chamadas operações de thesouraria, iremos sempre lembrando, segundo as notas d'essa divida publicadas no Diario do governo, que subiu ella em 31 de dezembro a réis 2.169:000$000, e em 31 de janeiro a 3.361:000$000 réis, mais 1.192:000$000 réis que no mez de dezembro! Fallo em numeros redondos por ser mais facil fazer-me comprehender.

Em dezembro fizeram-se varias operações para o pagamento do coupon, e diz-se que os encargos de algumas não são inferiores a 9 por cento.

O governo, apresentando o orçamento rectificado para 1884-1885, affirma que a despeza extraordinaria cresce.......... 2.067:000$000

abatendo, diminuições de despeza ....... 285:000$000

temos, despeza extraordinaria a mais.... 1.782:000$000

Se descontarmos os encargos para armamento, que já vão incluidos, como disse, na pagina 68 do orçamento do ministerio da fazenda, na importancia de......... 900:000$000

temos, despeza extraordinaria.......... 882:000$000

cujos encargos, calculados ao juro de 6 por cento e addicionados aos 373:200$000 réis, juros já contados na referida pagina 68, dão um total de 425:000$000 réis.

Na minha humilde opinião, estes são os juros, confessados nos documentos, apresentados pelo sr. ministro da fazenda, da divida fluctuante de 1885-1886; mas ha de ser mais, como o futuro mostrará.

Depois de uma consolidação, cujos titulos os banqueiros têem ainda nas carteiras, e depois das difficuldades do stock-exchange, é triste ver o caminho, que vamos seguindo e observar como a nova divida fluctuante vae engrossando.

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246 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Sr. presidente, o deficit de 1885-1886, segundo o orçamento, é de............ 1.218:000$000

A despeza extraordinaria (vide pagina 68 ditada............... 5:000:000$000

Total............ 6.218:000$000

Mas devemos acrescentar o deficit das provincias ultramarinas, e despeza extraordinaria da reforma do exercito, que tem de se completar; o deficit da camara municipal de Lisboa, que o governo ha de procurar attenuar pelos recursos do thesouro, e Deus sabe se o opportunismo nos obrigará a votar ainda n'esta sessão essa despeza enorme de 15.000:000$000 réis para as obras de melhoramento do porto de Lisboa. Alem disto veremos na ultima da hora da sessão legislativa desfilar muitos projectos, que aggravarão a despeza das nossas compromettidas finanças.

Sr. presidente, o que mostra bem os intuitos do governo e o terrivel caminho seguido na questão fazendaria, é o orçamento rectificado para 1884-1885; vejamos o que nelle se declara.

Receita ordinaria e extraordinaria......31.953:000$000

Despeza ordinaria..... 33.070:000$000

Despeza extraordinaria.. 7.020:000$000 40.090:000$000

Deficit........... 8.137:000$000

Vejamos as differentes verbas de que se compõe esta despeza extraordinaria, e notemos de passagem que entre ellas está o venerando microbio, que eu comprimento respeitosamente, e que representa a importante quantia de 427:000$000 réis, fôra o que naturalmente sé gastou pelo ministerio da guerra com gratificações e subsidies de marcha.

A despeza extraordinaria do orçamento rectificado é a seguinte:

Para armamentos do exercito, nos termos do decreto dictatorial de 19 de maio de 1884............................ 900:000$000

Obras nos edificios das alfandegas de Lisboa ................. 182:726$134

Despezas extraordinarias de saude...... 427:906$270

Pagamentos de, débitos do thesouro á extincta junta do deposito publico .... 20:000$000

Compra de um palacio em Santa Clara para o ministerio da guerra......... 80:0710975

Despeza com os emigrados hespanhoes .. 39:000$000

Repartições extraordinarias de quarteis e outras despezas militares........... 32:697$120

Expedição de Massingire e outras despezas das provincias ultramarinas...... 180:000$000

Reparações em navios de guerra....... 56:990$889

Construcção da ponte D. Luiz I sobre o Douro....................100:000$000

Construcção do novo edificio do correio.. 48:000$000

Total do augmento.. 2.067:392$388

O governo diz, porém, que ha de haver diminuições em outras verbas (sem dizer quaes) na importancia de 285:000$000 réis, o que reduz aquelle augmento a 1.782:000$000 réis.

D'estas rectificações, que hão de ser rectificadas pelas contas finaes, conclue-se já que a despeza extraordinaria fixada pela lei de 23 de maio de 1884 é de...... 5.238:000$000

As rectificações no orçamento.......... 1.782:000$000

Total............. 7.020:000$000

Tenho a notar que as reparações extraordinarias de quarteis, incluindo outras despezas, é fixada n'este orçamento rectificado em 32:000$000 réis, e o sr. ministro da guerra, no seu relatorio da reforma do exercito, calcula-os em 100:000$000 reis! Note, tambem, a verba diminuta para a construcção do novo edificio do correio, que o orçamento diz ser apenas de 48:000$000 réis. Falta-nos a conta das despezas do congresso postal, os bufetes, jantares e passeios.

Sr. presidente, esta despeza extraordinaria de réis 1.782:000$000, lembra-me uma celebre conta de armamento de 1.700:000$000 réis, que o sr. Manuel Vaz Preto, na sessão de 14 de junho de 1882, julgava nada provar! Observo igualmente, a respeito da compra do palacio em Santa Clara, que se gastaram 80:000$000 réis, e pergunto de que cofre saíu esta despeza, se ella teve o visto do tribunal de contas?

Alem de tudo, quanto, acabo de indicar, temos mais a conclusão da linha ferrea do Douro, o pagamento em breve tempo do subsidio ao syndicato Salamanca, o subsidio da linha ferrea de Valle de Tua, os encargos da linha ferrea da Beira Baixa, questão, que depende da solução do conflicto, levantado em 13 de setembro, na assembléa geral da companhia real dos caminhos de ferro portuguezes, o ramal de Vizeu, as obras da linha ferrea do sul e sueste, o porto de Leixões, o caminho de ferro de Ambaca, e os melhoramentos do porto de Lisboa, se ainda n'esta sessão houver para isso opportunidade!

Seriam magnificos estes projectos todos, se não trouxessem no seu conjuncto a significação da nossa imprevidencia com relação á fazenda publica.

Vou dirigir uma pergunta ao sr. Fontes, hoje tambem ministro das obras publicas. Sabemos o que s. exa. pensa a respeito do projecto dos melhoramentos do porto de Lisboa, mas qual é a sua opinião sobre o projecto das escolas praticas de agricultura, apresentado pelo sr. Aguiar? As casas para estas escolas serão construidas pela verba, inscripta no orçamento para reparação de edificios publicos? Como é conhecida a insufficiencia d'esta verba, faz isto suppor que no futuro os monumentos nacionaes serão deixados arruinar de todo. Como é pago o pessoal das mesmas escolas?

Diz o relatorio do sr. Aguiar:

"O custeamento das escolas desejaria o governo que se consignasse no orçamento em uma verba especial. Mas tambem n'este ponto entendeu por agora que não deveria crear-se nova despeza, para que não haja o minimo pretexto para ser combatida uma lei tão salutar.

"E por isso que se propõe que o custeio das seis primeiras escolas, avaliado em 3:000$000 réis por cada escola, saia da dotação das estradas districtaes e municipaes. Esta dotação, que é em media de 300:000$000 réis por anno, póde soffrer, sem que as vias de communicação se resintam de menor desenvolvimento, uma deducção annual de 20:000$000 réis. O paiz não deve ter mais interesse na multiplicação das estradas, do que no augmento da producção, nem as primeiras podem bem justificar-se, sem que este se verifique. Alem d'isso a deducção estabelecida tem ainda outro fundamento.

"A carta de lei de 15 de julho de 1862, que auctorisou o governo a conceder subsidios para estradas districtaes e municipaes, parece que deveria ter sofrido modificações, depois que a nova lei administrativa concedeu aos districtos a aos municipios largas attribuições, e faculdades para lançar impostos. Longe de assim acontecer, o governo continuou inscrevendo no orçamento do estado sommas consideraveis para o mesmo fim."

Sr. presidente, custa a crer que depois dos muitos encargos, que já têem os municipios, dos abusos por parte d'estes em lançar impostos, das reclamações de todo o paiz contra tamanhos sacrificios, ainda venha propr-se a modificação da lei de 15 de julho de 1862, que auctorisou o

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SESSÃO DE 31 DE MARÇO DE 1885 247

governo a conceder subsidios para estradas districtaes e municipaes!

Pergunto, qual é a opinião do sr. Fontes a respeito d'este projecto? Se elle passar, s. exa. não será o Chanceller-mór da arruaça, como dizia o sr. Costa Lobo, mas o Pilatos da futura anarchia.

E que dizem os amigos mais dilectos do sr. presidente do conselho, a respeito da sua gerencia financeira? Um d'elles, que tambem tem responsabilidades graves na organisação do orçamento do estado, escrevia ultimamente:

"Agora mais do que nunca é preciso termos como lei, que não póde ser transgredida, o seguinte trecho do admiravel relatorio do illustre estadista Fontes Pereira de Mello, descrevendo o estado da fazenda publica em 23 de fevereiro de 1882:

"Não basta, porém, que se vote o que está proposto, mas que se não augmentem despezas, nem attenuem receitas que venham perturbar o desejado equilibrio.

a Eu não pretendo levar o rigor d'este principio, ou antes, d'este fim que queremos alcançar, até ao absurdo, ou mesmo á exageração. Ha pequenas despezas, que podem ligar-se com organisação de serviços, que seria loucura rejeitar, uma vez provada a sua conveniencia e necessidade. Não são estas, comtanto que se não abuse, as que põem o orçamento em perigo. Mas o que é, sobretudo, indispensavel é que o espirito de economia e o proposito inabalavel de extinguir o déficit domine todos os nossos actos, e presida a todas as nossas resoluções.

"É preciso que todos estejamos convencidos de que esta é a primeira e a mais impreterivel das necessidades publicas. Qualquer desvio sensivel d'este caminho, irrevogavelmente, traçado, annullará todos os nossos esforços, e tornará irremediavelmente, estereis, mais uma vez, todos os sacrificios."

Sr. presidente, este escriptor, amigo do governo, acrescenta depois de ter feito esta citação, o seguinte:

"Escrevia isto o nobre presidente do conselho, com applauso geral em 1882, quando o orçamento ordinario para 1882-1883 dizia o seguinte:

Receita................................. 28:550$000

Despeza.............................. 30:837$000

Deficit.............. 2:307$000

"Hoje, depois de novos tributos, diz o orçamento ordinario:

Receitas............................... 31:378$000

Despezas......................... 33:256$000

Deficit.............. l:878$000

"Então estavam os fundos consolidados portuguezes em Londres a 52 1/8 e em Lisboa a 03,95; hoje estão respectivamente a 46 9/16 e 48,80; apesar das receitas arrecadadas nos ultimos tres annos terem subido notavelmente.

"Parece-nos, pois, occasião de, seguindo á risca os preceitos do illustre estadista, que preside ao governo, mandar guardar no armario das cousas perigosas todas as coroas de gloria, que se traduzirem em derrocada para as finanças."

Bastava esta citação; mas esse auctorisado amigo do governo vae mais longe na sua apreciação, e em outro artigo diz: "Nunca o thesouro se viu mais ameaçado do que no momento presente!"

Offereço ao sr. presidente do conselho as reflexões d'este seu correligionario politico, e elle tem rasão; vejo no orçamento de.1885-1886, o seguinte: receita, 31.378:000$000 réis, encargos da divida 16.667:000$000 réis; isto é, mais de 50 por cento do rendimento é levado pelos juros da nossa divida! Podem dizer, é necessario descontar na despeza os titulos na posse da fazenda, mas eu contei-os tambem na receita, e portanto a minha observação fica de pé, com todo o seu valor.

Já no principio do meu discurso foi indicado por mim o augmento de 1 378:000$000 réis na dotação da junta do credito publico, e a compensação, que tinha, nos 807:000$000 réis para menos nos juros e amortisações a cargo do thesouro; mas tambem logo disse que o augmento constante da divida fluctuante, e os muitos abusos de despeza por parte do governo corrigiam de uma maneira desfavoravel esta diminuição de 807:000$000 réis.

Os 807:000$000 réis não passam de miragens do nossa orçamento, e para ver como a despeza ordinaria vae sempre crescendo, pensem que só no serviço proprio dos ministerios a despeza augmenta em 1885-1886 a importante quantia de 313:000$000 réis.

Disse o anno passado aqui que a bancarota dos municipios havia de preceder a do estado, e quer a camara ver como a minha funebre prophecia se vae realisando? A camara municipal de Lisboa, cujas finanças chegaram ao ultimo estado de ruina, pediu emprestados 1.451:000$000 réis em 1881, e ultimamente levantou, por meio de um syndicato, outra quantia importante; porém, sabem os meus collegas, o que aconteceu?

O governo teve de mandar lavrar duas portarias para o thesouro entregar annualmente ao banco de Portugal réis 106:000$000 para o pagamento dos encargos dos referidos emprestimos, não querendo o banco tratar directamente com a camara! Tal é a confiança que ella inspira.

Disse eu mais na sessão passada: o emprestimo que se vae levantar de 18.000:000$000 réis, é o ultimo emquanto não houver ordem nas finanças. Os factos succedidos dão-me infelizmente rasão; os titulos ainda não se acham collocados, e o Stock-exchange só, cotou a parte da subscripção reservada á cidade de Londres. Tarde se poderá consolidar a actual divida fluctuante e a outra que está nascendo.

Prometteu o sr. Fontes matar o deficit ordinario, e no orçamento de 1883-1884 foi este de 259:000$000 réis; no de 1884-1885 importa em 918:000$000 réis; e no de 1885-1886 alcança a somma de 1.887:000$000 réis, ou para fallarmos correctamente, como diz a pag. 68 do orçamento do ministerio da fazenda já citada, será o seu importe de 1.218:000$000 reis!

Assim vae o deficit ordinario subindo de anno para anno, e de certo nenhum bem lhe fará o tal tremor de terra norte leste de 13 de setembro que, repito, não sei se o sr. Fontes sentiu, e que tambem, ha de prejudicar as nossas finanças, quaesquer que sejam as cartas que se escrevam.

Sr. presidente, feitas estas considerações geraes sobre o orçamento e finanças do nosso paiz, vou referir-me especialmente ao orçamento do ministerio da guerra, que soffre as consequencias da dictadura de 19 de maio.

Segundo este orçamento para 1885-1886 temos: despezas para mais 91:000$000 réis, despezas para menos réis 76:000$000.

Ora n'estas despezas para mais acredito eu, são reaes: na secretaria da guerra ha de gastar-se mais 2:000$000 réis, no estado maior do exercito e commandos militares 5:000$000 réis, nos corpos das diversas armas 70:000$000 réis, em diversas despezas 13:900$000 réis, e nas praças de guerra e pontos fortificados 117$000 réis. Total réis 91:017$000.

Observo que estes 70:000$000 réis nos corpos das diversas armas são alem dos 270:000$000 réis, decretados pela dictadura de 19 de maio, e que se acham comprehendidos nos 4.858:000$000 réis de despeza auctorisada pela carta de lei de 23 de maio e decreto de 3 de junho de 1884. Esta despeza é verdadeira, é. muito real; agora o que não posso apreciar da mesma maneira, são os réis 76:000$000 de despeza para menos, que o mappa comparativo declara.

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248 DIARIO DA CAMARA DOS MONOS PARES DO REINO

A despeza com os officiaes em diversas commissões é em 1884-1885 de 45:900$000 reis, e em 1885-1886 o sr. Fontes poz-lhe um cifrão!

Admiro tanta severidade. A despeza com as companhias de invalidos e reformados, em 1884-1885 é de 16:900$000 réis; e em 1885-1886 tambem tem cifrão, e ha mais outras despezas que em 1885-1886 diminuem de 13:400$000 réis.

Permitta Deus que no fim do exercicio de 1885-1886 se mantenha esta importante economia. Logo fallarei mais largamente das despezas resultantes da reforma do exercito; das n'este momento quero ainda fazer uma apreciação sobre o orçamento em geral, e que me ía escapando.

Assentes os rendimentos gastos provaveis de 1885-1886, acha-se um deficit igual a 1.887:161$968 réis; o relatorio apouca esta differença, commentando-a assim:

"Este desequilibrio é, em grande parte, resultado de terem sido avaliadas as receitas em soturna inferior ás probabilidades da sua arrecadação, posto que de accordo com os preceitos regulamentares sobre a fórma de coordenar os orçamentos.

"E no emtanto n'este orçamento, apesar de se incluirem receitas novas, que não podaram ser arrecadadas senão em poucas semanas, de 1883-1884, e tendo sido tomadas por base as receitas do anno findo, ou a media dos tres ultimos, segundo as circumstancias, os rendimentos, incluindo os que são descriptos por jogo de contas, isto é, por corresponderem a despezas ás quaes fazem face, são computados em somma inferior a 58:227$000 réis, ao que se acha mencionado na tabella para o exercicio corrente de 1884-1885.

"Entre os rendimentos que são calculados por verba inferior á computada para 1884-1885, encontram-se:

Direitos de importação................... 251:000$000

Imposto especial do vinho exportado...... 6:000$000

Impostos do tabaco.................... 176:5000000

Taxa complementar aduaneira........... 33:100$000

Correios e telegraphos.................. 65:000$000

No total de................ 531:600$000

A nota n.° 28 do rendimento do estado diz. assim: Os direitos de importação de varios generos e mercadorias, modificados não só pela lei de 27 de março de 1882, como pelo ultimo tratado de commercio com a Franca, produziram nos dois ultimos annos economicos:

No continente

Nas ilhas

1882-1883.............5.669:683$167 348:705$261

1883-1884.............6.641:521$547 350:910$737

Para cálculos.......6.650:000$000 -$-

Addicionando a receita provavel, nos termos do decreto de 10 de junho de 1884, do despacho de aguardente estrangeira, em virtude das disposições da lei de 6 de junho ultimo............... 160:000$030 -$-

Orçamento para 1885-1886 - Reis........6.810:000$000 351:000$000

Como se ve n'esta nota, os rendimentos dos annos de 1882-1883 e 1883-1884- foram menores que o calculado agora para 1885-1886; resta saber como o calculou o governo para 1884-1885; o orçamento ainda nos diz que a tabella da receita para este mesmo anno o considerou assim:

No continente........................ 7.072:000$000

Nas ilhas............................ 340:000$000

7.412:000$000

Isto é, mais 419:567$000 réis do que tinham sido em 1883-1884; de que vale então calcular-se para o proximo sumo economico menos 251:000$000 réis, se a tabella a que esta diminuição se refere vinha augmentada em réis 419:000$000.

Observações iguaes se podiam fazer de outros rendimentos, que o sr. ministro julgou dever seu especificar, e calculados muito abaixo do que poderiam ser; mas o governo não entendeu necessario indicar outros, que foram com largueza computados, e que eu não mencionarei agora para não cansar a attenção da camara, que me escuta com tanta benevolencia.

Sr. presidente, disse no principio do meu discurso, que o discurso da corôa, declarando a situação da fazenda publica completamente desaffrontada, só enganava quem se queria illudir, a nós portuguezes não, bem pois sabemos, como mal se acham as finanças do paiz, e aos estrangeiros tambem não; infelizmente está provado pela baixa em Londres dos nossos fundos que a situação da fazenda não está boa; peço licença para ler á camara o que escreveu o sr... Baring a este respeito no seu relatorio financeiro, enviado ao governo inglez. E conveniente não estarmos com illusões, vejamos o mal como elle é, e demos-lhe remedio emquanto é tempo.

Este diplomata, secretario em Lisboa da legação ingleza, que não passeia em Londres, e segue a sua carreira diplomatica, obrigado pelos deveres officiaes a relatar sobre o estado financeiro de Portugal, diz, na pag. 427 do seu relatorio, o seguinte:

"Os calculos do sr. Fontes sobre o augmento do rendimento foram muito destruidos pelo grande despacho antecipado, que se fazia dos generos de larga importação e consumo no paiz, e sobre os quaes se pretendia elevar as taxas. E a diminuição não foi inferior a 1.000:000$000 réis. Os 6 por cento addicionaes deram pouco mais ou menos 846:000$000 réis, e do imposto sobre o sal e aguardente não se obteve o que se esperava. O deficit ordinario do exercicio de 1882-1883 não é inferior a 2.200:000$000 réis.

O sr. Baring acrescenta:

"O systema financeiro portuguez e tão complicado, e as contas de um anno misturam-se por tal fórma com as do anno immediato que, embora pareça estranho, não é sempre facil dizer qual seja o verdadeiro deficit de um determinado anno."

Na pag. 428 diz mais o illustre relator:

"O sr. Hintze Ribeiro examina a questão do imposto, e declara que não pede ir buscar augmento de receita ás contribuições directas, embora da reforma das matrizes possa esperar acrescimo na contribuição predial. Os impostos indirectos prestam-se a um estudo consciencioso. A pauta, diz o sr. Hintze, é complicada, mas nem por isso, acrescenta o sr. Baring, mostra o ministro intenção de a simplificar (shows no intention of simplifing it.)"

Na pag. 429 diz o sr. secretario de Inglaterra:

"A verdadeira rasão, segundo o sr. Hintze, dos impostos; indirectos não" renderem o que deviam e podiam render, está no contrabando que domina na fronteira e na costa (is rife on the land frontier and on the coast.) O sr. Hintze, parece não ver que os pesados direitos da pauta são o maior incentivo pata o contrabando, e como remedio propõe elle algumas correcções no serviço fiscal e aduaneiro; mas nem mesmo que os empregados de alfandega estivessem hombro com hombro ao longo da fronteira hespanhola, e toda uma esquadra de canhoneiras cruzasse no comprimento da costa, se poderia evitar o mal, que diminue a receita, do thetouro."

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Sr. presidente, termino as citações do sr. Baring, e para concluir com a questão financeira direi, não esqueçamos o estado do cambio com o Brazil.

Acabada a guerra do Paraguay vieram d'aquelle imperio grandes capitães para Portugal, não soubemos aproveitar os annos de prosperidade, e hoje a situação mudou completamente, aggravada talvez ámanhã com a questão da escravatura! Pensemos em tudo isto. (Apoiados.)

Examinado o nosso estado financeiro, condemnada a dictadura, como uma flagrante violação da carta, vejamos agora as consequencias financeiras d'este acto inconstitucional, e o augmento de despeza, que trouxe para o ministerio da guerra, despeza ordinaria e extraordinaria, nem toda ainda conhecida.

Segundo o relatorio do sr. Fontes, que precede o projecto da reforma do exercito, temos a despeza seguinte:

Quadro de officiaes de 1 regimento de artilheria................ 12:948$000

Dito de 2 regimentos de cavallaria........ 24:228$000

Dito de 6 regimentos de infanteria........ 88:236$000

Transformação de 12 batalhões em regimentos de caçadores...... 16:992$000

Differença animal do vencimento das praças

graduadas de 1 regimento montado. .... 4:993$200

Dita dita para 2 regimentos de cavallaria.. 3:8800600

Dita dita de 6 regimentos de infanteria.... 17:729$000

Forragens para 459 cavallos e muares de artilheria ............... 42:721$425

Somma...........211:733$225

Despeza com a primeira reserva.......... 32:18$0000

Dita com a segunda dita................. 19:584$000

Estado maior general................... 3:88$0000

Somma........... 2.67:377$225

O sr. ministro diz ser conta redonda..... 270:000$000

Obras com reparações de quarteis....... 100:000$000

Armamento.......................... 900:000$000

Compra. de gado para o quarto regimento de artilheria......... 50:000$000

Total...........1.320:000$000

É para notar que no orçamento rectificado se diz: reparações extraordinarias de quarteis e outras despezas militares 32:1690120 réis, quando no relatorio do sr. Fontes escreveu s. exa. o seguinte:

"Tambem proponho que sejam prorogadas as disposições da carta de lei de 15 de junho de 1882 por mais seis mezes, a contar da data da publicação da que auctorisar a reforma do exercito, sem comprehender o contingente de 1883, e sendo applicado o seu producto, em geral, para despeza de quarteis. Suppondo que esta lei produz, pelo menos 200:$000000 réis, o que não é exagerado, póde tirar-se d'esta somma, nos dois primeiros annos, o que faltar para a remonta da artilheria, e as pequenas quantias que ainda for preciso gastar com os alferes graduados, que não couberem nos quadros. O resto., de certo na importancia de mais de 100:000$000 réis, irá no referido periodo engrossar a verba destinada, no orçamento para quarteis militares. "

Mas diga-nos s. exa., anão continuar immenso ridiculo, de termos regimentos homeopathicos, como os jornaes referem diariamente, pois o sr. ministro ainda não se dignou mandar á camara as informações, que eu lhe pedi a este respeito, quantos soldados praças de pret são precisos para satisfazer ás exigencias da reforma, e dos novos quadros? Quantos soldados são necessarios para o quarto regimento 4e artilheria?

Segundo a reforma (Diario do governo de 5 de novembro de 1884) a composição de um regimento de artilheria de campanha em pé de paz (quadro n.° 8) é no total do quadro de 361 homens, estado maior e menor do regimento, capitães, primeiros e segundos tenentes, primeiros e segundos sargentos, primeiros e segundos cabos, ferradores e clarins; mas falta addicionar os soldados praças de pret, e estes pelo menos hão de ser outros tantos, dando um total de 722 homens. E os 6 regimentos de infanteria, os 12 batalhões de caçadores, os 2 regimentos de cavallaria, e o batalhão de engenheiros; quantos soldados praças de pret exigem? A reforma é simplesmente um alargamento de quadros, para satisfazer a promoção dos officiaes, sem augmento real da força publica. Assim o creio.

Sr. presidente, calculemos mais 6:000 soldados, praças de pret, e não hão de ser bastantes; se o sr. ministro não ousa pedil-os agora no orçamento de 1S85-1886, pedil-os-ha mais tarde, por exemplo no futuro orçamento rectificado. Vejamos qual é a despeza correspondente.

Tenho aqui os documentos, sei qual é a despeza com o pret, pão, massas e fardamento, e digo, sem receio de o sr. ministro da guerra me poder contestar a minha affirmação, que a media, calculando muito por baixo, da despeza mensal de cada homem é de 40500 réis, o que dá num anno a quantia de 54$000 réis.

Sendo multiplicada por 6:000 homens, é o total da despeza.......... 324:000$000

Compra, pelo menos, de 600 cavallos para os 2 novos regimentos de cavallaria a 180$000 réis cada um, preço da remonta...........................108:000$000

Forragens para sustento dos ditos pelo preço medio da tabella de 1883-1884 (255 reis) documento n.° 6 do relatorio.......... 55:845$000

Subsidio de rancho a 15 réis diarios por cada praça arranchada, segundo a tabella mandada adoptar pelo quartel general da divisão, e não incluindo o deficit que costuma ser abonado pela administração militar, na conformidade das ordens do ministerio da guerra........ 32:85$0000

Instalação dos novos quarteis, mobilia, secretaria, carreiras de tiro (artigo 187.° do decreto de 31 de outubro de 1884) .... 15:000$000

Equipamento, arreios para os 2 regimentos

de cavallaria e 1 de artilheria........ 20:000$000

Compra do palacio do campo de Santa Clara............ 80:071$000

Somma............... 635:766$000

E addicionando a despeza acima referida. 1.320:$000000

E o total..............1.955:766$000

E note, sr. presidente, que eu ignoro se nos 255 réis, preço das forragens, estão incluidos os 18 réis diarios por cada cavallo ou muar para ferragem, curativo e concerto de arreios; pois sendo assim a despeza ainda será maior.

O sr. ministro da guerra calculou no orçamento rectificado para reparação de quarteis e outras despezas militares, no presente exercicio, a quantia de 32:$000$000 réis; só as obras projectadas no edificio de Santa Clara sobem a mais de 20:000$000 réis, não sabendo eu exactamente a cifra, porque o sr. ministro não me mandou por ora o esclarecimento pedido; em Aveiro no convento de Sá, convertido em quartel, estão empregados cento e quarenta homens, se as obras durarem um anno, a despeza será grande.

Sr. presidente, ha no relatorio do sr. Fontes uma reflexão que, confesso, não entendo; diz s. exa.: "No momento actual faltam, para o completo da nossa cavallaria em

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tempo de paz, mais que o numero de cavallos, correspondentes a dois regimentos. Feita a nova organisação, e preenchidos os quadros dos officiaes, não é difficil adquirir cavallos no paiz e fôra d'elle".

Não percebo o motivo por que é difficil hoje ter os cavallos indispensaveis para os regimentos, e augmentados estes com outros dois regimentos de cavallaria, logo haja facilidade na acquisição de cavallos. E, fraca a minha intelligencia para comprehender argumento tão profundo!

Mas será isto, que acabo de dizer, impertinencia minha? Responda á pergunta o sr. Fontes; dizia s. exa. em 12 de abril de l872:

"Não estivesse eu aqui n'esta posição, e acreditando que é necessario gastar mais, ainda que não muito mais, para melhorar as condições do exercito debaixo dos differentes pontos de vista, eu não teria de subordinar os meus desejos,- as minhas aspirações, ao que me dictam a minha consciencia a considerações proprias, o meu conhecimento dos serviços publicos, o meu amor ao serviço militar, porque me honro de ser soldado; mas n'esta posição, tenho de subordinar todas essas considerações mais altas, mais importantes, que se não podem protrahir de forma alguma, porque dessas depende o ser ou não ser o paiz, (Muitos apoiados.) a organisação do exercito, e com elle a de todos os serviços publicos e melhoramentos do paiz. (Muitos apoiados.)

"Se eu, levado pelos meus desejos, fosse occupar-me do desenvolvimento e melhoramento do exercito n'um tempo em que tremo de fazer despezas, fallaria _ á minha consciencia, aos meus deveres como homem publico, como ministro que sou de outra pasta e como presidente do conselho; e contrariaria a opinião do paiz, que primeiro que tudo quer que se resolva a questão financeira. (Vozes: - Muito bem.)"

Aqui está, sr. presidente, como as considerações que tenho tido a honra de submetter á attenção da camara, estão auctorisadas pelo proprio sr. presidente do conselho. (Apoiados.)

Ainda uma observação antes de concluir esta parte do meu discurso.

Eu, sr. presidente, gosto de ler, mesmo sobre cousas militares, e mandei vir o celebre relatorio do estado maior de Moltke sobre a campanha de França; leio na primeira livraison, pagina 48, que a ordem de mobilisação do exercito allemão foi dada a 16 de julho de 1870, no dia 17 foi o primeiro dia d'esta importante operação militar, e a 19 o rei Guilherme tomou o commando em chefe das suas tropas. Na pagina 92 acrescenta-se que no dia 24, á noite, estava feita a concentração do exercito, e o quartel general ficava em Billigheim.

Dir-me-hão, mas a mobilisação extremamente, rapida é ás vezes inconveniente. Sei o muito bem; no livro do barão de Von der Goltz, a Nação amada, leio:

"E perigoso, precipitar a mobilisação, porque se perde o sangue frio e a lucidez de espirito necessaria.

"Qualquer que seja a opinião formada a este respeito, contentemo-nos de manter o preceito que a mobilisação e concentração do exercito deve ser feita com o grau de rapidez compativel com a boa ordem; sem exceder o limite, alem do qual as forças do homem fraquejam, e os elementos empregados perdem a sua elasticidade."

Sr. presidente, no relatorio da reforma do exercito do sr. Fontes diz-se apenas sobre esta importante questão o seguinte:

"Entretanto os quadros ficam completos, e adquirido que seja o material e animal necessario, em poucas semanas o exercito fica habilitado a entrar em campanha com toda a sua força."

Pergunto a s. exa., quantas semanas são estas?

Outro escriptor, fallando do livro de Von der Goltz, e n'este mesmo ponto, declara que a opinião do militar allemão prova quanto é vantajoso ter as tropas aquarteladas na sua maior parte perto da fronteira, em logar de as repartir em toda a extensão do territorio, não excluindo este principio a conveniencia de approximar o soldado, quanto possivel, da terra que é a sua naturalidade.

Pergunto, foram acautelados estes principios na reforma decretada; que pensamento presidiu á escolha dos quarteis?

É tempo de concluir as considerações principaes, que devia apresentar, sobre a principal despeza, resultante da reforma do exercito, ordenada pela dictadura; resta-me fallar na compra do palacio do campo de Santa Clara. Pedi esclarecimentos, não me foram mandados, PORÉM tenho aqui alguns para supprir essa falta.

O palacio do campo de Santa Clara, comprado primitivamente pelo sr. Burnay em 17 de abril de 1880 por réis 8:300$00, foi vendido ao governo em 24 de novembro de 1.884 pela quantia de 80:000$000 réis. O representante do sr. ministro foi o sr. general Travassos Valdez, e foi auctorisado por uma portaria, que determina que o vendedor tornará a venda boa, defendendo o estado nas questões que te moverem ácerca d'ella, nos termos dos artigos 1046.° e 1l.581.º do codigo civil, e que o resto do convento da Graça, salvo do incendio, possa adaptar-se a um hospital provisorio de cholera e outras epidemias, como opina a inspecção sanitaria; e reconhecendo-se pelas informações a que se procedeu que o palacio do campo de Santa Clara, denominado palacio dos condes de Rezende, tem as condições necessarias para quartel, seja comprado o dito palacio a Henrique Burnay, que voluntariamente se presta a vendel-o pela quantia de 80:000$000 réis.

Sr. presidente, desejava poder examinar a opinião da inspecção sanitaria, e as informações a que se procedeu para a compra do palacio de Santa Clara; não tenho esses documentos, que me não foram mandados; mas vou apresentar á camara uma opinião de grande valor, é a do sr. Ennes, facultativo militar, representante de Portugal no congresso internacional de hygiene em Turim. Em 1880 escreve este illustrado clinico, numa memoria lida ao congresso:

"Digamol-a immediata e francamente, os nossos quarteis, constituidos na sua origem para outros fins, não teêm condições de salubridade, não podem continuar a servir, e ainda menos se podem transformar para que as tropas os habitem sem perigo. Pedimos aos poderes competentes não a transformação (correction) dos nossos quarteis, o que é impraticavel e um triste remedio, mas a adopção unanime do systema Tollet; e o assumpto é tão importante que sem descanso gritaremos aos nossos confrades do exercito: "sentinellas medicas da saida das tropas, vigiao e obrae!"

E tenho mais para ler: um distinctissimo facultativo d'esta capita], que não é pessoa da minha intimidade, mas que é um cavalheiro a quem muito considero e respeito, sabendo que eu levantei aqui esta questão, escreve-me:

"Aquella apropriação é economicamente um esbanjamento, e hygienicamente um attentado contra todos os principios de hygiene militar.

Não estou auctorisado para publicar o seu nome, mas posso mostrar particularmente a carta ao sr. ministro da guerra, se s. exa. desejar lel-a.

Sr. presidente, a escriptura de compra estabelece que o palacio é comprado com todas as suas respectivas pertenças e servidões tudo no estado em que se acha, declarando-se que existe uma acção pendente em juizo ácerca da servidão de aguas, que caem no predio confinante da rua do Paraizo, pertencente a Luiz João Pinto; PORÉM o governo nada tem com a questão, ficando garantido pela evicção do direito (cod. civ. art. 1049) contra os resultados, que houver.

É perfeitamente correcta esta precaução; mas depois disto, em 28 de novembro de 1884, o sr. Burnay requereu em juizo que se suspendessem as intimações para uma vistoria, e se desse vista ao ministerio publico por deixar o

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SESSÃO DE 31 DE MARÇO DE 1885 251

supplicante de ter interesse na causa, em consequencia de ter vendido o predio.

Em 6 de dezembro o mesmo sr. Burnay, insistindo em novo requerimento, repete não ter já interesse na causa, justificando o requerimento com a apresentação da escriptura de venda do palacio, feita ao estado, e o meritissimo juiz no seu despacho diz: não tem logar a vistoria, porque nenhuma das partes a quer promover, e mando que se sigam os termos, continuando de vista ás partes, devendo considerar-se parte Luiz João Pinto e a fazenda nacional, salvo o que a final vier a ser julgado sobre a sua legitimidade.

Sr. presidente do conselho, pergunto categoricamente a v. exa. que ordens foram dadas ao ministerio publico em vista d'estes factos?

Está o governo resolvido a não tomar as responsabilidades da causa, usando do direito que lhe é garantido pelo artigo 1:049.° do codigo civil portuguez?

Estas são as perguntas, que faço ao sr ministro.

Sr. presidente, desejo fallar ainda a respeito da questão do Zaire.

(Olhando para o relógio da sala.)

A hora está adiantada, faltam apenas cinco minutos, e a camara ve como estou fatigado; portanto, peço a v. exa. que me seja permittido terminar o meu discurso de. hoje, e que me seja facultado, tambem, o ficar com a palavra reservada para a sessão seguinte, para poder concluir as considerações, que necessito ainda apresentar..

(O orador foi comprimentado por muitos dignos pares)

Continuação do discurso proferido pelo digno par, conde de Rio Maior, na sessão de 2 de março de 1885, sobre o projecto de resposta ao discurso da corôa, e que a pag. 58, col. l.ª

O sr. Conde de Rio Maior: - Sr. presidente, antes de encetar a serie de considerações, que tenho de apresentar ácerca do tratado do Zafre, permitia me a benevolencia da camara que eu resuma os pontos principaes das minhas observações, sobre a marcha politica do governo, traduzindo-as em interrogações precisas e categoricas das quaes peço ao sr. presidente do conselho que tome nota, para ter a bondade de me responder sobre todas ellas.

Alem das duas perguntas escriptas, mandadas por mim para a mesa, e que foram lançadas na acta, pergunto ao sr. presidente do conselho, qual é o motivo por que não declarou, antes de encerrada a sessão do anno passado, que não prescindia da reforma do exercito?

É muito necessario obter de s. exa. uma resposta franca e clara a este respeito, é indispensavel conhecer a rasão politica, que impediu o sr. Fontes de declarar á camara que, se o projecto não fosse convertido em lei, antes do fim da sessão, elle o publicaria em dictadura.

Qual foi a rasão por que se desviou dos seus deveres constitucionaes, praticando um acto tão revolucionario?

Debaixo de outro ponto de vista, pergunto, tambem, ao sr. ..presidente do conselho, porque não concluiu a syndicancia aos factos passados em 22 de setembro de 1884? A revolta do regimento de lanceiros foi um facto grave; conclua-se esta syndicancia, e não continuem a confundir-se innocentes e culpados; os officiaes briosos e disciplinados devem deixar de ter as responsabilidades dos actos de indisciplina, que não praticaram.

E, repito, muito necessario concluir esta syndicancia.

Em relação á compra do palacio do campo de Santa Clara, pergunto ao sr. presidente do conselho, para que s. exa. me de uma resposta clara e positiva, de que cofre sairam os 80:000$000 réis para se poder realizar a acquisição d'este edificio, e se este pagamento teve o visto do tribunal de contas?

Pergunto ainda mais, Emquanto importam as obras, que ha a fazer, para transformar o palacio em quartel para um dos regimentos do nosso exercito, e qual é a opinião de s. exa. a respeito da memoria do medico-cirurgião militar o sr. Ennes, como concilias, exa. essa esclarecida opinião, com o facto da compra do palacio?

Quaes são as informações da secretaria da guerra, debaixo do ponto de vista militar, sobre as vantagens d'este quartel?

Um bom quartel deve ter uma praça de armas e outras cousas, que julgo não haver em Santa Clara.

Quem paga, de que cofre sae o dinheiro para as obras do convento de Sá em Aveiro, e todas as outras, que se estão fazendo em diversos pontos do reino para alojamento das tropas? A camara ouve as minhas perguntas e ha de ouvir tambem as respostas do sr. Fontes.

Sr. presidente, segundo o relatorio do projecto de reforma do exercito, a despeza fixada e. que tem de ser feita immediatamente, é de 1.320:000$000 réis, como disse na sessão passada; não póde o sr. ministro da guerra negar esta minha affirmação. Não é esta a despeza, sr. presidente do conselho? Que rasões apresenta v. exa. para justificar estes enormes gastos?

Pergunto mais. Quantos soldados, praças de pret, necessita o sr. ministro para os novos regimentos de infanteria, para os doze batalhões de caçadores, para o batalhão a mais de engenheria, e para os dois regimentos de artilheria? Quantos homens, praças de pret, são necessarios para todos estes novos regimentos? Qual é a despeza com esses homens? Creio na minha insciencia que não póde continuar a haver só o mesmo numero de praças que havia com os antigos quadros; portanto, saibamos quantas são essas praças.

A quanto sobe a despeza de massas, pret, pão e forragem? Qual o deficit provavel que terá de pagar a administração militar para satisfazer ás despezas extraordinarias do rancho? Calculando, como hontem disse, em 6:000 praças e em lõ réis a despeza diaria do rancho de cada uma, diga o sr. Fontes se não chegámos á importante verba de 32:000$000 réis?

Qual é a despeza com a compra de cavallos para os novos regimentos de cavallaria, que vão ser creados? Qual a despeza com as forragens-?

São estas as perguntas, que faço ao sr. ministro, e ás quaes s. exa. deve satisfazer. E expresso o artigo 139.° da carta, o qual sempre repito, declara que as côrtes geraes, no principio das suas sessões, examinarão se a constituição politica do reino tem sido exactamente observada para prover como for justo; portanto é necessario saber a rasão que levou o governo a violar a carta, e os encargos que resultam d'essa violação.

Sr. presidente, recebi esta manhã pela volta das onze horas, o Diario do governo, onde vem o relatorio financeiro do sr. ministro da fazenda; mal o pude correr; mas vi logo o augmento dos impostos, consequencia necessaria do augmento da despeza, representada: esta, pela divida fluctuante, depois consolidada, e cujos encargos o contribuinte tem de saldar em ultima instancia. O relatorio confirma as minhas affirmações de hontem, á despeza extraordinaria rectifica-se em 7.020:000$000 reis! Rectifica-se! Peço ao sr. Fontes o favor de me ouvir.

(Pausa.)

Estou-me referindo á questão de fazenda; s. exa. teve toda a responsabilidade da má situação da fazenda publica; embora haja o ministro respectivo, e diga-nos o sr. Fontes, se as observações do sr. Baring citadas hontem, não são graves? Mas o governo, para melhorar o serviço da alfandega, continua attendendo principalmente á sua idéa constante, augmentar a despeza, e a questão economica fica posta de parte. Não. se esqueça o sr. presidente do conselho e o governo d'aquella observação humoristica do illustre diplomata inglez: ase não houver alteração na pauta, ainda que os guardas fiscaes estejam hombro com hombro ao longo da Tonteira, nem assim o contrabando se evita.

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Sr. presidente, entre as propostas que o sr. ministro da fazenda apresentou á camara dos senhores deputados, e que teremos occasião de apreciar, ha uma, que me reservo para tratar particularmente: refiro-me ao imposto sobre as lote rias estrangeiras. Discutirei essa questão, e desde já faço todas as reservas a respeito da proposta, apresentada por s. exa.

Mas, sr. presidente, já que tive a fortuna de receber hoje o Diario do governo, onde vem publicado õ relatorio do sr. ministro da fazenda, chamo ainda para elle a attenção da camara. Este documento é muito extenso e não me é possivel fazer agora largas considerações; um relatorio n'esta ordem não se póde apreciar em meia hora, todavia ha algumas phrases, que me cumpre levantar.

O sr. ministro da fazenda diz no seu relatorio o seguinte: "Hoc quisquis non videt, coecus; quisquis videt nec laudat, ingratus; quisquis laudanti réluctatur, insanus est."

E curioso ver, sr. presidente, como se ousa fallar assim, quando todos nós sabemos qual é realmente o estado da fazenda publica! Citações latinas!

Tão é incrivel, sr. presidente, le-se e não se acredita!

O governo do sr. Fontes faz estas affirmações; pois eu tambem vou procurar aos clássicos latinos uma citação, e será ainda o Tacito, cujos Annaes já lembrei no principio do meu discurso, dizia elle: Non tamen sine usu fuerit intropiscere illa, primo adspectu levia, ex quis magnarum scepe Verum monitus oriuntur: quer dizer; não deixa deter Utilidade considerar estes factos á primeira vista pouco importantes, e no seu aspecto geral tirar d'elles grande lição.

Applico o caso aos diversos factos referidos com relação á reforma do exercito, e que têem ligação com a idéa principal, que domina o meu espirito; o esbanjamento deploravel da fazenda publica, durante o ministerio do sr. Fontes.

Diz ainda o sr. ministro da fazenda n'este curioso relatorio: "Tanto mais que, sem hesitar e na inteira sinceridade da minha convicção o digo, a situação da fazenda publica longe está de dever inspirar receios". Combine s. exa. esta sua opinião com a de alguns amigos mais dilectos do governo, com a dos auctores dos orçamentos do estado, e que partilham com o gabinete a grave responsabilidade do estado da fazenda publica, e veja s. exa. o que elles dizem? Affirmam estes collaboradores nos processos de orçamentologia que a situação do thesouro e perigosa, e elles que o dizem, é que o sabem.

Ponho ponto n'esta ordem de considerações e, para terminar o meu já longo discurso, passo a tratar da questão do Zaire. Discutil-a-hei o mais succintamente possivel; mas tendo declarado que me havia de referir a essa negociação diplomatica, não devo deixar de me occupar n'este assumpto gravissimo da actual politica portugueza.

Antes quero affirmar que não é tão difficil, como muitos julgam, a nossa occupação dos vastos territorios, que nos pertencem, no continente negro.

Populosas tribus, sobas e regulos respeitam a bandeira das quinas: tenho presente um livro interessante, intitula-se Quarenta e cinco dias em Angola, e nelle se mostra, como nos consideram ao norte do. Zaire, diz o livro:

"Chamam Cabindas a uma certa raça de pretos que, comquanto não pertençam aos nossos estados, se acham em grande numero em Loanda, onde vão procurar trabalho, e conversando com um d'esses Cabindas conhecemos o verdadeiro sentido, que elles ligam á palavra branco, perguntámos-lhe se elle entendia a lingua que lhe fallavamos, e respondeu: Me falla flancé, inglé, e lingua de blanco. A lingua de branco é a portugueza!"

Faço outra citação, tirada de um jornal francez, que recebi, O Phare de la Loire, diz este jornal, depois de descrever a nossa ultima occupação de Banana e Boma pela marinha portugueza: para podermos negociar com a gente do paiz, somos obrigados a fallar portuguez.

Sr. presidente, como patriota, que sou, affirmo, é questão de honra e brio nacional, depende d'ella o nosso futuro e continuarmos a dominar n'estas tão vastas regiões, onde fomos os primeiros a implantar a religião e a civilisação, a descobrir essa parte da Africa, que hoje todos nos cubicam, e querem adquirir para si. Os portuguezes, alem dos seus direitos tradicionaes, que não podem ser contestados, são muito estimados pelos pretos, o que não acontece á gente das outras nações. Nem se diga que Portugal, é nisto refiro-me a todos os governos, tem descurado as colonias. Não. é assim. Temos em Lisboa, n'uma praça publica, uma estatua do marquez de Sá da Bandeira, padrão de gloria, prestado á memoria de tão prestante varão, e attestado authentico dos esforços do Portugal para abolir a escravatura. Portugal soffreu os desgostos da celebre questão Charles et George por causa da sua resistencia contra o trafico!

Embora o que se passa no parlamento portuguez seja pouca sabido lá fóra; comtudo sempre ha um echo das nossas palavras, e é conveniente que a Europa ouça que todos os portuguezes protestam contra a injuria, que os ignorantes nos lançam, de cobrirmos com a nossa bandeira o vergonhoso commercio de carne humana. (Apoiados.)

Temos procurado constantemente o progresso das nossas colonias, tenho aqui um livro curiosissimo do illustre marquez de Sá, intitulado Trabalho rural africano e administração colonial, e a pag. 207 d'esse livro leio:

"No orçamento das provincias ultramarinas para o anno economico de 1871-1872, as receitas orçadas em moeda forte, são as seguintes:

Estado da India..................... 446:308$000

Macau e Timor...................... 341:262$000

Moçambique........................ 177:179$000

Angola............................280:741$000

S. Thomé.......................... 80:875$000

Cabo Verde........................137:926$000

1.464:291$000

"Comparando com a receita de 378:000$000 réis, anterior a 1834, acha-se que esta é quasi o quádruplo d'aquella. Para este mesmo anno era calculada a receita dos impostos indirectos de Angola, em 177:800$000 réis, e a receita effectiva n'esta provincia foi de 319:899$000 réis. No anno de 1872-1873 a receita foi superior a 400:000$000 reis."

Sr. presidente, dizia isto o sr. marquez de Sá, e no mappa geral da receita e despeza das provincias ultramarinas no anno economico de 1384-1885 (Diario do governo de 15 de dezembro de 1884) leio eu: provincia de Angola, impostos indirectos 541:400$000 réis, total da receita 638:052$000 réis, vendo-se por este documento o progressivo augmento da receita da nossa importante colonia.

A electricidade, as carreiras a vapor hão de trazer cada vez maior desenvolvimento do nosso dominio colonial; portanto, pensemos seriamente na nossa África occidental; o commercio do mundo civilisado procura hoje com empenho estas paragens, e é necessario impedir que os aventureiros audazes tirem o que é nosso.

Que fez o marquez de Sá em 1855! Attendeu ás duas consultas do conselho ultramarino, uma de 5 de abril de 1853 e outra de 14 e 20 de outubro de 1854, e occupou o Ambriz.

Tinha lord Aberdeen declarado que a convenção feita entre a Inglaterra e a França, em 29 de maio de 1845, para a suppressão do trafico da escravatura na costa occidental da Africa, não tinha por fim offender de modo algum os direitos de Portugal, e que o declarava por uma vez (at once); mas mais tarde lord Palmerston, interpretando novamente esta convenção diz, em 24 de novembro de 1846, que os direitos de Portugal á soberania exclusiva e á jurisdição, desde o 8° até ao 18° de latitude meridional

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SESSÃO DE 31 DE MARÇO DE 1885 253

tinham sido reconhecidos pelo governo britannico; mas que o seu direito, desde o 5° e 12 até 8° de latitude sul, não fôra reconhecido, insistindo n'este ponto, principalmente depois que o porto de Ambriz foi occupado pelos portuguezes em 1855; porém Portugal continuou na sua occupação por não poder admittir, diz o marquez de Sá, que uma parte contratante,, sem concurso da outra possa fazer vigorar uma nova interpretação das estipulações dos tratados.

Reclamaram Manchester e Liverpool, mas o Ambriz ficou sendo nosso de facto que já o era de direito.

Se a margem direita e esquerda do Zaire tivessem sido occupadas a tempo, seriam nossas como são as 200 leguas de costa, que fica entre o rio Loge e o rio Cunene; isto é, entre o Ambriz e Mossamedes, mas presentemente faz-se exactamente o contrario do que tinha feito Sá da Bandeira.

As negociações estavam principiadas com a Inglaterra, depois quiz-se ir ao Zaire, e como o governo inglez reclamasse a este respeito, houve uma declaração verbal que nem expedição naval, nem navios de guerra seriam mandados ao Zaire, emquanto estivessem pendentes as negociações!

Ultimamente o caso foi peior, foram os nossos vasos de guerra ao Zaire para lá estabelecer fundações, e tendo nós basteado a nossa bandeira, segundo se refere, fomos obrigados em seguida a retiral-a, visto as novas estipulações do tratado de Berlim.

Quaes foram as ordens do sr. ministro da marinha ao governador de Angola? Não se tratou em Berlim da questão de soberania, e estava s. exa. tão mal informado a este respeito, que podesse auctorisar fundações na margem direita do Zaire, quando fossem pedidas pelos indigenas ou quando estranhos quisessem tomar posse d'esses territorios, que tinham de passar breve para o poder da associação africana? E necessario dar resposta n'este ponto, porque o reclama o brio da nação portugueza.

Tenho sobre a carteira uma carta importante, escripta pelo sr. Carlos Augusto de Fontes Pereira de Mello, parente, creio, do sr. presidente do conselho; vem publicada na segunda pagina do Diario de noticias, e diz mui sensatamente, depois de diversas e muito justas considerações, que é urgente a occupação militar do Zaire, e, conjunctamente, com essa organisação militar quer com igual enthusiasmo as missões catholicas, bem organisadas e educadas, a exemplo da missão catholica franceza de Landana e a portugueza de S. Salvador do Congo, missões essas que são o elemento mais fertilisador e fecundo, mais conducente ao progresso e civilisação das nossas colonias, como a historia patria dos seculos felizes de Portugal exuberantemente o comprova.

Sr. presidente, esta doutrina é a minha, é por esta fórma que poderemos conservar a nossa importante colonia. Façamos o caminho de ferro de Ambaca, e sem significar com esta affirmação que eu goste das condições em que está elaborado o projecto, apresentado pelo governo, approvo completamente o pensamento de se fazer quanto antes este caminho, que nos põe em communicação com o interior. E indispensavel evitar que os especuladores se colloquem na região que fica entre Angola e Moçambique; occupemos sem demora Cassange, o Bihé, Bailundo e todos esses vastos territorios, que se ligam tão de perto com a provincia de Angola.

Sr. presidente, tive de fazer estas considerações, inspiradas pelos meus sentimentos de patriotismo, e pelo muito que eu desejo ver engrandecidas as nossas colonias; agora passo a occupar-me especialmente do tratado de 26 de fevereiro, e da conferencia de Berlim.

Ha tres phases importantes n'estas negociações; a primeira começa em 8 de novembro de 1882 e termina em 26 de fevereiro de 1884 com a assignatura, em Londres, do tratado, chamado do Zaire; a segunda estende-se de 26 de fevereiro de 1884 a l5 de novembro ultimo, data da abertura da conferencia de Berlim; finalmente, o terceiro periodo deve contar-se entre 15 de novembro e o dia em que se fez o accordo dos representantes das potencias na alludida conferencia.

As responsabilidades em cada uma d'estas epochas são diversas para o governo e seus representantes; temos, pois, a abertura das negociações com a Inglaterra; a direcção, que estas tiveram; as informações obtidas dos nossos representantes diplomaticos; os maus resultados do tratado de 26 de fevereiro; finalmente o erro de não ter continuado o governo a negociar com a França um tratado de limites na Guiné portugueza, em conformidade da declaração diplomatica, feita pelo sr. Serpa a mr. de Laboulaye era 18 de julho de 1883. Quanto ao segundo periodo, que indiquei, ha a examinar a quem cabe a responsabilidade da iniciativa da conferencia, que se prova ser de Portugal pelos despachos do Livro azul e pelo discurso do sr. marquez de Penafiel, onde vem citado o despacho circular do governo portuguez de 13 de maio ás legações de Sua Magestade Fidelissima, e a nossa satisfação por ver realisado o voto, emittido na referida circular. N'esse momento foi apresentado o memorandum do sr. Mártens Ferrão, declarando, segundo me informam, que "Portugal sairia da conferencia, se não lhe fosse reconhecido o dominio sobre todo o Zaire inferior, porque n'este ponto não admittia transacção". Julio Farre, em circumstancias bem mais desgraçadas, declarou que a França não cedia nem uma pedra das. suas fortalezas, nem uma pollegada do seu territorio, e depois a França teve de ceder!

N'este segundo periodo devemos examinar, se n'essa conferencia, cuja principal responsabilidade é nossa, tivemos alliados, que nos auxiliassem; temos tambem de considerar, qual era o programma do governo no momento de se abrir a conferencia, as instrucções mandadas aos nossos enviados, e como se conciliam as ordens bellicas, dadas ao governador de Angola, com a muita prudencia, que nos levou a assignar o tratado, elaborado na conferencia?

Sr. presidente, declaro muito solemnemente e desde já, não condemno, nem louvo o tratado, não o conheço, não o posso julgar. Não faço politica em questões d'esta ordem, não desejo pronunciar uma só palavra, que prejudique a dignidade ou os interesses nacionaes; mas não sei julgar alguma das estipulações de Berlim com menos severidade do que o proprio sr. Serpa, que negociando com a Inglaterra o tatado de 26 de fevereiro de 1884, escrevia o officio de 26 de junho de 1883, que logo hei de ler.

O que acabo de dizer indica em que termos serão as observações, que hei de emittir a respeito do acto importante, que acaba de se realisar na capital da Allemanha; não conheço por ora os documentos d'esta gravissima negociação, mas li o Livro branco, e embora muito convencido das altas qualidades dos negociadores portuguezes, e do seu desejo de bem servir o paiz, entendo que toda a negociação, que se encontra n'este valioso documento, e o tratado que a termina, trouxeram resultados desgraçados para Portugal, e prejudicaram altamente a nossa situação em Berlim. O tratado de 26 de fevereiro pesou desfavoravelmente sobre os acontecimentos, que se lhe seguiram, é por isso que o discuto, está prejudicado, mas foi o ponto de partida, de onde vieram todas as consequencias.

Estudemos os documentos do Livro branco. Conhecida a exploração Brazza, o sr. Serpa, em 8 de novembro de 1882, no seu officio ao sr. d'Antas, nosso ministro em Londres, diz: novos factos vieram augmentar para o governo portuguez a urgencia de regular, definitivamente, a questão da soberania tradicional de Portugal, sobre os territorios da costa occidental de Africa, situados entre o 5° e 12, e 8° de latitude S"

Sr. presidente, o medo é mau conselheiro, o medo da exploração Brazza levou-nos a recorrer á Inglaterra, esquecendo-nos que, se não fosse a persistente opposição do governo britannico, sem auxilio das outras potencias, como es-

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creve Lord Granville no seu orneio de 30 de junho do 1884, publicado no Livro azlil, Portugal ter-se-ia, provavelmente, estabelecido já no districto do Congo.

O resultado do officio do sr. Serpa foi a nota de lord Granviile ao sr. d'Antas, de l5 de dezembro de 1882, responde o nobre lord o seguinte:

"O momento actual, em que a attenção da Europa está sendo especialmente attrahida para a navegação dos rios africanos, parece um favoravel ensejo para resolver pontos duvidosos, e para estabelecer o direito geral para todas as nações ao livre uso d'essas vias commerciaes.

"O governo de Sua Magestade, portanto, estaria prompto a entrar na negociação de uma convenção que tivesse por base as seguintes condições:

"1.° Que a Gran-Bretanha reconheceria a soberania de Portugal sobre a costa occidental africana entre a latitude 8° e a latitude 5° 12.

"2.,° Que a navegação do Congo e Zambeze e seus affluentes será livre e não sujeita a quaesquer monopolios ou concessões exclusivas.

"3.° Que será adoptada em todas as possessões portuguezas uma pauta com a taxa maxima dos direitos pouco elevada, com a garantia para este paiz do privilegio da nação mais favorecida.

"4.° Que seria dada a devida consideração a todos os privilegios de que até aqui teem gosado os subditos britannicos em virtude de tratados feitos com os chefes indigenas nos districtos do Congo, e que os subditos britannicos seriam equiparados aos subditos portuguezes, pelo que toca á compra ou arrendamentos de terras, operações dos missionarios e lançamento de impostos.

"5.° A suppressão do trafico dos escravos e escravatura.

"6.° A transferencia para a Gran-Bretanha de todos os .direitos ou pretensões portuguezas de qualquer natureza na costa occidenial de África entre o 5° longitude O. e 5° longitude E."

Sr. presidente, esta ultima condição era a transferencia para a Inglaterra dos nossos direitos e posse do forte de S. João Baptista de Ajudá!

Peço á camara que repare na data d'esta nota, que teve resposta do sr. Serpa em 26 de dezembro de 1882, no seu officio ao sr. d'Antas.

Dia o sr. Serpa:

"Emquanto ao tratamento de nação mais favorecida, não ha duvida de o conceder a titulo de reciprocidade; quanto ás pautas poder-se-ha fixar para as nossas colonias de Africa, durante um periodo de dez annos, um maximo nunca inferior ás pautas actuaes, e para os districtos do Zaire, que vão ser occupados, um maximo pouco elevado, representando uma certa percentagem ad valorem. Quanto á base 6.ª, Portugal não tem n'aquella costa outros direitos e pretensões, senão á soberania e posse do forte de Ajudá, e o governo portuguez espera que o de Sua Magestade Britannica não insistirá na adopção d'esta base, que não tem a minima relação com o assumpto de que se trata."

Sr. presidente, em 3 de janeiro de 1883, o sr. d'Antas escrevia para Lisboa ao sr. ministro dos negocios estrangeiros o seguinte:

"Se circumstancias imprevistas não vierem complicar esta negociação, alguma esperança poderei ter de Conseguir que o governo britannico desista da declaração tendente a restringir a acção do governo de Sua Magestade nos territorios africanos; mas de certo não conseguirei que o governo britannico desista da cessão do forte de S. João Baptista de Ajudá, e de compromissos, que assegurem toda a tolerancia para com os missionarios protestantes."

Sr, presidente, pedi aos dignos pares que notassem as datas d'estes documentos; foram escriptos entre 15 de dezembro de 1882 e 3 de janeiro de 1883; porém em 2 de janeiro de 1883 abriam-se as côrtes, e no discurso da corôa dizia-se ao paiz.

"No intuito de aplanar difficuldades e de affirmar os direitos incontestaveis de Portugal sobre as margens do Zaire e territorios de Cabinda e Molembo, tem o meu governo procurado entender-se com o governo de Sua Magestade Britannica. As negociações encetadas e seguidas n'este sentido estão em bom caminho, e é licito suppor que brevemente terminem de uma maneira satisfactoria.

Sr. presidente, não é permittido, tratando com os representantes da nação, proceder o governo por esta fórma, quando o sr. Serpa se negava a ceder ás exigencias do gabinete inglez, quando o sr. d'Antas declarava que as negociações estavam mais complicadas, a corôa dizia: é licito suppor que as negociações brevemente terminem de uma maneira satisfactoria!

Não acceito, como par do reino, este modo de proceder, verdade é que o governo portuguez desculpa-se, porque já tinha muita tenção de ceder; se o forte de Ajudá ainda hoje é nosso, a culpa não é do governo, foi por não ter sido rectificado o tratado de 26 de fevereiro, que caiu por terra perante o Quos ego de Bismarck, na sua nota de 7 de junho de 1884.

Sr. presidente o sr. Serpa, em orneio de l5 de janeiro de 1883, auctorisou o sr. d'Antas a concordar na cessão do forte de Ajudá, é, concedido tudo pelo governo portuguez, o tratado parecia estar prestes a assignar-se, quando tiveram logar as interpellações de Bright e Bourke na camara dos communs, e em vista d'ellas as exigencias britannicas augmentaram. Em 15 de março de 1883 diz lord Granville ao sr. d'Antas:

"As presentes negociações devem a sua origem á renovação, suggerida pelo sr. Serpa ao encarregado de negocios de Sua Magestade em Lisboa n'uma conversa, que se verificou em outubro ultimo, de uma troca de idéas ácerca do assumpto de que se tratou em Lisboa em 1881 entre mr. Morier e o governo portuguez; ... a questão da campanha contra a escravatura ainda não está resolvida satisfactoriamente; é vivamente para desejar que a impressão, que prevalecia contra a lentidão de Portugal na causa da abolição esteja completamente apagada."

Sr. presidente, paro na leitura. Lentidão de Portugal! Onde estão as provas? O nome do marquez de Sá, as diversas leis contra o trafico, votadas pelas côrtes, a questão do Charles et George, protestam contra a injuria, que nos lançam á face.

Lord Granville, continuando na sua altiva, nota, acrescenta mais:

"Considerando o facto de que um commercio legitimo se vae desenvolvendo n'este districto, onde antigamente não havia tranco algum senão de seres humanos, estava disposto o governo de Sua Magestade a pensar que seria para desejar que a fiscalisação e policia estivessem nas mãos de uma potencia europêa, e por amisade por Portugal estava preparado a reconhecel-o como essa potencia, com a plena confiança que o seu procedimento seria justamente apreciado; mas entende que lhe incumbe absolutamente tornar o seu reconhecimento dependente de certas condições. Quando se entender que o que se propõe não é o reconhecimento da validade de antigos direitos mas a admissão, da soberania n'um territorio sobre o qual, na opinião do governo do Sua Magestade, Portugal não tem direito algum, ver-se-ha que a posição do governo de Sua Magestade, debaixo do seu ponto de vista, não é a de pedir concessões em seu favor, mas de as conseguir como uma condição."

O principal secretario d'estado dos negocios estrangeiros da Gran-Bratanha, referindo-se a um pamphleto publicado pela sociedade de geographia de Lisboa, em que se declarava que não era possivel delimitar a fronteira, diz que se póde originar grave perigo de não pôr limites a tão vagas pretensões, e que isto não é um mal imaginario pelo sentimento de desagrado, manifestado pela associação internacional de Bruxellas, e que no interesse da civilisação é indispensavel lima delimitação geographica.

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Sr. presidente, custa a ler a um portuguez sem profunda indignação estas phrases da nota de lord Granville! Mas o nobre lord, affirmando a conveniencia do accordo pelo que toca á liberdade commercial, ainda diz em seguida:

a E necessario precaver-se no novo territorio contra uma pauta prohibitiva, a pauta do governador de Moçambique, que podia ter sido approvada, e um facto que está de pé; conclue finalmente, que não ha vantagem de realisar um mero accordo entre os dois paizes, e fazer um tratado, que não seja approvado pelas outras potencias, cuja acceitação é indispensavel antes de entrar em vigor."

Aqui tem a camara dos dignos pares o estado das negociações em 15 de março de 1883, e o pouco fundamento com que no discurso da corôa de 2 de janeiro d'esse anno se declarava que as negociações estavam em bom caminho, e que era licito suppor que brevemente terminariam de uma maneira satisfactoria!

Era este o momento psychologico, como hoje se diz, em que Portugal devia ter recorrido a uma arbitragem, que já duas vezes em circumstancias parecidas, lhe foi favoravel, e o arbitro, como declarou um illustre orador, na camara dos senhores deputados, estava naturalmente indicado, era Sua Magestade o Imperador de Austria. Não se fez isto, e soffrendo humildemente a arrogante nota da fiel alliada, o sr. Serpa respondeu em 24 de março que o governo de Sua Magestade Fidelissima não fazia d'este negocio questão de amor proprio nacional, e no terreno pratico acceitava a admissão da sua soberania como um negocio de interesse geral da civilisação, a fim de regularisar a situação em que se encontram aquelles territorios!

Davam-se de barato os nossos direitos historicos, e acceitavamos o reconhecimento da nossa soberania, fundada apenas na conveniencia de regularisar a situação em que se encontra aquella parte do continente africano, e em 13 de agosto de 1883 o mesmo sr. Serpa, como se ve da nota, publicada no Livro amarello, francez, nega-se a continuai-as uteis negociações, entaboladas por s. exa. com o governo da republica, para a delimitação dos territorios da Guiné, sem primeiro se estabelecer a base do reconhecimento explicito por parte da Franca dos nossos direitos de soberania entre o 5° 12 e o 8° da latitude sul da costa occidental de Africa!

As erradas informações do nosso encarregado de negocios em Paris, o sr. Azevedo, enviadas ao governo em novembro e dezembro de 1882 contribuiram talvez para a insistencia do sr. Serpa, como tambem influiram fatalmente sobre o seguimento da negociação com a Inglaterra. Tenho pelo sr. Azevedo toda a consideração, é um cavalheiro muito estimavel, mas o sr. Azevedo é apenas um encarregado de negocios, e officialmente não póde ter a importancia de um verdadeiro chefe de legação. Agora mesmo, depois do desmentido, dado pelo governo francez, ás suas informações, está este cavalheiro em Paris, encarregado das nossas relações diplomaticas com a republica franceza, e realmente quando a associação africana machina contra nós, e trata, do seu reconhecimento pelas grandes potencias, e para lamentar que v. exa., sr. presidente, não podesse estar no seu posto diplomatico, prestando a Portugal, o serviço da sua alta intelligencia e profundo saber; mas a politica do sr. Fontes tem grandes exigencias, a v. exa. está em Lisboa, presidindo á camara dos pares,

Sr. presidente, o officio do sr. Serpa de 24 de março de 1883, a que me estou referindo, depois de dar de barato, como disse, os nossos direitos historicos, declara que não receia, como a Inglaterra, que as outras nações recusem o reconhecimento do tratado, e que emquanto á França, alem do tratado de 1786, tem Portugal as declarações explicitas do sr. Duclerc, que mostrou respeitar a reserva dos direitos de Portugal, e pelo que toca á Allemanha este reconhecimento foi tambem, explicito por occasião da captura, do navio Hero em 1870 nas aguas territoriaes portuguezas do porto de Banana, violando-se o nosso territorio.

Sr. presidente, já disse o sufficiente pelo que toca aos officios do sr. Azevedo; mas n'este desgraçadissimo negocio vejo a prova evidente da grande falta de não haver um ministro portuguez permanente em Paris; pois v. exa., tão distincto homem doestado, com o seu elevado criterio diplomatico, asseverou em 4 de novembro de 1883, naturalmente pelo pouco tempo, que teve, para examinar o assumpto, estando em Paris só de passagem, que a expedição Brazza tinha um caracter puramente scientifico, em 10 de janeiro d'esse anno as camaras em França tinham votado um credito de 1.275:000 francos para continuar a obra patriotica, cujo programma consistia principalmente no estabelecimento de postos e estacões sufficientes para constituir uma occupação effectiva do paiz. O livro que tenho presente Le Congo Français par Dutreuil de Rhins confirma o que eu affirmo.

Sr. presidente, em Berlim aconteceu o mesmo, nós não soubemos o que lá se passava, e o sr. marquez de Penafiel nos seus dois officios de 30 de outubro e 5 de dezembro de 1883 nada disso sobre o movimento colonial, que se pronunciava tanto na Allemanha, e sobre o inquerito de abril d'esse anno, ordenado pelo principe de Bismarck para estudar o assumpto. Tenho a honra de ser amigo do sr. marquez de Penafiel, presto homenagem ás suas elevadas qualidades; porém, não posso deixar de lamentar que as exigencias politicas do governo impeçam os nossos diplomaticos de se demorar nos seus postos, resultando d'ahi os graves prejuizos a que acabo de me referir.

Continuo no relatorio, que vou fazendo, das negociações para o tratado de 26 de fevereiro de 1884, e fecho o meu parenthesis a respeito das informações dos representantes diplomaticos de Portugal, informações cujas consequencias desagradaveis se observam em todo o decurso da negociação. Em 1 de junho de 1883 lord Granville responde ás considerações, apresentadas pelo sr. Serpa em 24 de março, e diz o seguinte:

"Acrescentarei somente, em conclusão, que as informações que tem o governo de Sua Magestade, quanto ao reconhecimento geral por parte dos outros paizes, da soberania de Portugal sobre o territorio da costa occidental, de que trata a convenção, não confirmam a opinião do sr. Serpa, que julga poder allegar esse reconhecimento por paria da França.

"O sr. Challemel Lacour, em uma recente conversa com o embaixador de Sua Magestade em Paris, distinctamente negou que as pretensões de Portugal aquella parte da costa fossem admittidas pela França. Refiro-me a isto, para mostrar que o argumento de que fiz uso na minha nota de 15 de marco, ácerca da futilidade de um mero accordo bilateral entre os dois paizes, sem o reconhecimento de outras potencias, se acha assim consideravelmente fortalecido por esta declaração das idéas do governo francez."

Sr. presidente, em seguida o ministro inglez remette um novo projecto de convenção, e entre as principaes estipulações leio o seguinte:

"Que no rio Congo o limite será o Porto da Lenha, que uma commissão, composta dos delegados de todas as potencias interessadas no commercio do Congo, fará os regulamentos da navegação, policia e inspecção dos rios e zelará a sua execução; finalmente que as disposições relativas á liberdade de commercio e navegação no Congo, e os regulamentos que a garantem, e as disposições quanto á isenção dos direitos de transito, serão applicadas, a todos os respeitos, ao rio Zambeze, na costa oriental de Africa, e áquelles dos seus affluentes, que ao presente estejam ou de futuro possam vir a estar sob a jurisdicção de Portugal. Fica entendido que a jurisdicção de Portugal se não estenderá ao rio Chire."

Sr. presidente, sinto estar fatigando a camara com a leitura de todos estes documentos, mas não posso, nem devo deixar de. continuar. O sr. Serpa respondeu em 26 Declarando que: "a jurisdicção portugueza series

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inefficaz, se não comprehendesse toda a primeira parte navegavel ao Congo desde a sua embocadura.

"Acrescentarei de passagem, que muito acima do Porto da Lenha, proximo de Vivi, ultimo ponto em que o Zaire é navegavel, está no Iallala levantado em sitio quasi inaccessivel o padrão portuguez que ali deixaram no seculo XVI os primeiros missionarios da civilisação na Africa austral."

Disse isto o sr. Serpa, que acceitou Noki, como nosso limite no tratado de Berlim! Mas o officio de 26 de junho de 1883, diz mais:

"O governo de Sua Magestade Fidelissima não póde acceitar o ultimo paragrapho do artigo 13.°, que se refere ao Chire, envolvendo uma cessão de territorio que o governo portuguez entende prejudicial á sua colonia de Moçambique.

O sr. Serpa, respondendo finalmente ao que lord Granville affirmou, em virtude das informações de lord Lyons, que o sr. Challemell Lacour tinha declarado não ter reconhecido a França os direitos de Portugal, diz que se em tal declaração, não ha algum equivoco, não é menos certo que ella está em contradição formal com o tratado de 1786, e com as declarações explicitas e formaes do sr. Duclerc.

Lord Granville e lord Lyons em equivoco! Nós é que estavamos equivocados, e estivemos sempre durante esta triste negociação! Sinto, diz mr. Ferry, que os despachos do sr. Azevedo se publicassem, sem antes nos terem sido communicados, é necessario que o erro seja rectificado, appellei para o meu predecessor o sr. Duclerc para saber se o sr. Azevedo comprehendeu bem (avait exactement saisi et determine} o sentido da declaração franceza, e a resposta negativa do sr. Duclerc é terminante a este respeito.

Sr. presidente, quero resumir-me o mais possivel; mas antes de chegar á nota de 7 de janeiro de 1884 do secretario d'estado dos negocios estrangeiros da Grau Bretanha, que é como é ultimatum, inglez n'este longo debate, desejo citar uma outra nota de 17 de setembro de 1883 do mesmo homem d'estado, e n'ella leio o seguinte:

"Voltando ao paragrapho da sua nota em que se refere ao rio do Chire, devo manifestar a surpreza com que li a sua observação, de que era conveniente não tratar n'esta convenção das questões relativas á Africa oriental.. Os termos do artigo 2.° do projecto original proposto pelo governo portuguez eram: a navegação do Congo e Zambeze e seus affluentes será livre e não sujeita a quaesquer monopolios ou concessões exclusivas. As mesmas palavras apparecem no 3.° artigo do projecto portuguez, communicado por v. a 25de julho ultimo. Portanto a questão do Chire, que é o affluente do Zambeze, em que a Gran-Bretanha tem particular interesse, não foi levantada agora pelo governo de Sua Magestade a Rainha como um embaraço novo, mas introduzido primitivamente nas negociações pelo governo de Portugal, e tem naturalmente o seu logar emquanto d'ellas se tratar."

Sr. presidente, tinha rasão lord Granville, a culpa era nossa, e no projecto original portuguez lá está a concessão no Zambeze, que depois mais avisadamente se quer recusar!

Mas, vamos á nota de 7 de janeiro de 1884, que, por assim dizer,: serve de remate á negociação; diz lord Granville que o governo inglez consente em acceitar a estipulação que nenhum territorio é pretendido por Portugal no Chire, alem de 60 milhas pelo curso do rio, acima da sua influencia com o Zambeze, e se esta estipulação for acceita, comente sem reserva na escolha de Noki para limite no Congo.

Quanto á adopção da commissão internacional, que o sr. Serpa julga desnecessaria, e trazia obvias difficuldades politicas, lord Granville entende que s. exa. não comprehendeu inteiramente á natureza da proposta do governo da Bainha, que não sómente é isenta das alludidas difficuldades, mas póde ser valiosa para o governo portuguez, como apoio em questões relativas á fiscalisação da navegação e commercio estrangeiro; portanto o governo inglez concorda com a maior repugnancia na commissão mixta anglo-portugueza, e sómente o faz, porque o governo portuguez lhe declara que a modificação é absolutamente necessaria para assegurar a acceitação do tratado perante a opinião publica de" paiz.

Sr. presidente, lê-se e não se acredita! Esta commissão mixta anglo-portugueza encontrava as maiores resistencias em Portugal, como as teve em toda a Europa; comtudo não nos queixemos do governo inglez ter annuido, pois foi principalmente o artigo relativo á creação d'esta commissão, que fez caír o desgraçado tratado, mal acolhido por nós, e por todo o mundo civilisado!

A nota de lord Granville respondeu em 26 de janeiro de 1884 o sr. Barbosa du Bocage, já então nosso ministro dos negocios estrangeiros, declarando que nos termos em que estava posta a negociação, o governo portuguez não discutia, resolvia acceitar as condições propostas. A negociação estava pois concluida, quando apparece na ultima dá hora, estando já o sr. d'Antas no palacio do ministerio dos negocios estrangeiros, convidado por lord Granville para assignar o tratado, uma reclamação da sociedade internacional africana, dizendo que no limite de Noki, não deve ser comprehendido o estabelecimento d'aquelle nome, fundado pela mesma sociedade, e o governo inglez, o nosso antigo e fiel alliado declara que sem essa reserva não póde assignar!

O governo portuguez ainda mais uma vez cedeu, e o tratado foi finalmente assignado em 26 de fevereiro, para depois a Inglaterra não o rectificar, perante a altivissima intimação do principe de Bismarck; que não dava o seu consentimento!

Todos conhecem o tratado, e não direi agora os seus termos; este tratado morreu, não o lamento, era desgraçado debaixo de todos os pontos de vista. As colonias portuguezas d'Africa ficavam quasi pertencendo á Inglaterra.

Não sou um inimigo da alliança ingleza, bem longe disso, reconheço que a Inglaterra nos tem por vezes prestado bons serviços, e para fallar dos tempos modernos, lembro os acontecimentos de 1841, relativos á navegação do Douro, e a intervenção do governo britannico, que se lhe seguiu, que obrigou o governo hespanhol a retirar o ultimatum do sr. Saenz de Viniegre, ministro de Hespanha em Lisboa; igualmente recordo os bons officios da Inglaterra por occasião da chamada questão das pescarias,. durante o ministerio do sr. duque d'Avila.

Sr. presidente, assignado o tratado de 26 de fevereiro, era necessario explical-o perante as differentes côrtes da Europa, principalmente em Paris e Berlim. Fez-se isso? Parece-me que não, á primeira noticia de estar concluido o tratado, o sr. Julio Ferry em telegramma e officio declara todas as reservas do governo francez; estes documentos são de 7 e 14 de marco de 1884 e só em 28 de março é que o sr. Bocage respondeu, dando algumas explicações!

Louvo sempre que o governo do meu paiz mostra perante o estrangeiro que nós somos um povo independente e digno, que se não curva ás exigencias insolitas de uma grande potencia, suste atando que o direito vale mais do que a força; mas não approvo a nota do sr. Bocage, nos termos em que foi elaborada.

Diz o sr. ministro dos negocios estrangeiros, fallando do forte de S. João Baptista d'Ajuda, que Portugal estava no seu pleno direito, cedendo este forte á Inglaterra, tendo já havido um abandono, que certas rasões de boa administração aconselham tornar definitivo! E notavel este considerando!

O sr. Bocage escrevia isto em 28 de março, esquecendo-se do officio do sr. Serpa de 26 de dezembro, que diz que o governo de Sua Magestade esperava que o de Sua Magestade Britannica não insistiria na adopção d'esta base, que de mais não tem relação com o assumpto, e este officio

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está publicado no Livro branco portuguez, que em 15 de março mr. de Laboulaye remettia ao governo francez!

Não se deram explicações em Paris, onde não tinhamos ministro, não se deram explicações em Berlim, onde aconteceu o mesmo, e o principe de Bismarck em 7 de junho de 1884 enviava ao conde de Munster o despacho, a que já mais de uma vez me tenho referido!

Não quero terminar a narração dos factos passados entre 8 de novembro de 1882 e 26 de fevereiro de 1884, sem accentuar bem o meu profundo sentimento, de que as negociações, começadas com a França em 18 de julho de 1883, para a convenção de limites na Guiné, não continuassem, e que o sr. Serpa lhes possesso ponto, elle que as tinha entabolado, com a declaração da sua nota de 13 de agosto de 1883 que o reconhecimento por parte da França do nosso direito de soberania entre o 5° 12 e 8° de latitude sul na costa occidental da Africa era indispensavel para a conclusão do tratado. Foi um grande erro, e este accordo esteve quasi feito, como bem diz lord Lyons, no seu despacho ao conde de Granville de 15 de outubro de 1884.

Passemos agora, sr. presidente, ao segundo periodo, que indiquei, ás negociações que tiveram logar entre 26 de fevereiro e 15 de novembro, data da abertura da conferencia de Berlim.

Não quero repetir, e necessito concluir, vê-se em resumo pelos despachos do Livro azul, datados de 26 de maio, 7 de junho, 25 de julho e 17 de outubro de 1884, que a iniciativa d'esta reunião internacional foi do governo portuguez, prova-o ainda mais o discurso do sr. marquez de Penafiel, citando a circular portugueza de 13 de maio ás legações de Sua Magestade Fidelissima; portanto não posso acceitar a declaração do sr. Bocage na camara dos senhores deputados, declinando esta responsabilidade para o governo allemão e francez.

Partimos para a conferencia, levando na nossa bagagem o ominoso tratado de Londres, mal conceituados perante a Europa, a quem não tinhamos explicado previamente os nossos direitos, e as nossas exigencias, sem alliados, mesmo, talvez, sem programma do que iamos pedir e reclamar! Veremos os documentos, quando se publicarem.

No terceiro periodo, que medeia entre a reunião da conferencia de Berlim, em 15 de novembro, e o dia em que os representantes das potencias convocadas assignaram o accordo diplomatico, deve-se examinar a correlação que ha entre as instrucções bellicas, dadas pelo sr. Pinheiro Chagas ao governador de Angola, para acudir ao Zaire com forças militares, logo que os indigenas pedissem a nossa protecção ou outras nações quizessem tornar-nos a dianteira, e a prudencia do sr. Bocage, que provavelmente dava instrucções aos nossos delegados na conferencia para patentearmos á Europa, a nossa grande satisfação na presença deste tribunal, que, infelizmente, só se reunia para partilhar o que era nosso, para nos tirar Vivi, ponto em que o Zaire é ainda navegavel, e proximo do qual, como notava o sr. Serpa, em 26 de junho de 1883, está no Iallala, levantado em sitio quasi inaccessivel o padrão portuguez, que ali deixaram no seculo XVI os primeiros missionarios da civilisação na Africa austral!

Sr. presidente, ignoro os termos do tratado feito, as difficuldades encontradas pelos representantes de Portugal, que estou convencido luctaram energicamente na defeza dos nossos direitos; porem n'um artigo recente, publicado pelo jornal de Paris o Figaro, vejo confirmada a triste divisão, que houve n'estes vastos territorios da costa occidental d'Africa, e ainda nos falta saber bem o que é que chamam a bacia commercial do Zaire.

(O orador mostra um mappa.)

Repare a camara neste mappa de Stanley, veja o que pertence á França, o que pertence á sociedade internacional africana, o que fica a Portugal! A Franca entre o Gabão e o rio Kacongo adquire um territorio,, que, diz o Figaro, representa quinze vezes o tamanho da mesma Franca; a associação internacional obtem a margem esquerda do Zaire, a partir de Noki para cima, e a margem direita divide-a em Manyanga com a França, sendo, segundo parece, este o ponto da sua fronteira. A Portugal fica de Noki para baixo até á foz do Zaire na margem esquerda, e na direita apenas Molembo e Cabinda.

Pergunto terminantemente ao governo: á região de Noki a Ango-Ango, na margem esquerda, ficou á Allemanha? O artigo do Figaro assim o declara, chamando-lhe a corretagem do principe de Bismarck.

Sr. presidente, vou concluir.

Creio que fui severo para com o sr. presidente do conselho, não julgo que proferisse uma só palavra, que podesse ser contraria á consideração pessoal, que tenho cor s. exa. Se o fiz é porque a phrase trahiu o pensamento, e desde já a retiro.

Deus e patria são os sentimentos, que dominam p meu espirito e o meu coração! Deus confessado na religião, que me baptisou no berço, e espero me ha de ungir no dia derradeiro da minha vida. A patria consubstanciada n'este solo abençoado onde vivo, nos parentes, que estremeço, nos concidadãos, que me cercam, nas tradições, que me honram, na liberdade, que me proteje!

Proclamemos todos a independencia e a liberdade da patria, cuja primeira garantia é a dynastia reinante, gloria do passado e esperança do futuro!

Sr. presidente, entendo que a politica fatal, seguida pelo governo, póde abalar estes sagrados principios e interesses, por isso me levanto contra ella, não desejo que a grande voz do povo se ouça um dia á porta do sanctuario das leis, repetindo aquella phrase do orador romano: Quousque tandem abutere patientia nostra!

A camara desculpará o muito tempo que lhe tomei.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi muito comprimentado por muitos dignos pares.)

Discurso proferido pelo digno par conde de Rio Maior, sobre o projecto de resposta ao discurso da corôa, na sessão de 4 de março de 1885, e que devia
ler-se a pag. 83, col. 1.ª

O sr. Conde de Rio Maior: - Sr. presidente, sinto ter de usar da palavra, depois do homem eminente, que a camara acaba de ouvir com tanta attenção.

Pedi a palavra sobre a ordem e sobre a materia, mas tendo já discutido largamente as graves questões na tela do debate, preferia não fallar n'este momento, cedendo de bom grado a palavra a qualquer orador inscripto, e reservando-me para mais tarde apresentar mais algumas observações, suggeridas pelas considerações feitas por diversos oradores; todavia, visto caber-me a palavra, vou comprir dever de replicar ao illustre presidente do conselho de ministros, que me honrou, respondendo ao meu discurso, pronunciado perante esta assembléa.

Sr. presidente, tomei nota das importantes ponderações feitas por s. exa., e seguindo-as pela ordem por que foram apresentadas, começarei, respondendo á parte dó discurso, em que s. exa. disse ter gravado na memoria a minha declaração de que nunca mais faria politica com s. exa.

O sr. presidente do conselho, notando muito particularmente esta affirmação, e sentindo-a pelo apreço em que diz ter as minhas qualidades, favor que muito lhe agradeço, observou que a minha consciencia me tem obrigado a acompanhar, por vezes, ora uma ora outra politica, que tenho combatido todos os governos, e que a minha opposição tenaz e intransigente era filha da minha organisação.

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Sr. presidente, a memoria de s. exa. está falha n'esta parte.

Não foi esta propriamente a phrase por mim empregada, embora a idéa se approxime, mas devo repellir a accusação de ser eu um homem intransigente com todos os governos, e só dominado pelo espirito de constante opposição.

Não estou, certamente, ligado a partido algum; mas embora tenha combatido quasi sempre a politica do ar. Fontes, já houve um tempo em que o meu voto não lhe foi contrario, e para o provar declaro, tendo acompanhado a s. exa. em 1882 e principio de 1883 com toda a lealdade, e não approvando o grande numero de pares por s. exa. nomeados, nem a insistencia do governo em levar por diante o projecto do syndicato do caminho de ferro de Salamanca, disse logo, mas particularmente, ao sr. Fontes a minha desapprovação a estes actos ministeriaes, e sentindo a marcha politica do governo, não vim publicamente censural-o, porque esperava ainda então que o gabinete emendasse os seus erros.

Desculpe-me a camara, se n'esta occasião estou a fallar de mim, mas sou obrigado a proceder d'este modo pela declaração do sr. Fontes, de que faço opposição a todos o" governos. Apoiei tambem o ministerio de 5 de março de 1877, presidido pelo sr. duque d'Avila, e acompanhei-o, até que esse ministerio foi victima da ambição irrequieta, ambição que se póde traduzir naquella celebre phrase do jornalista hespanhol, mientras vuelve.

Apoiei tambem o ministerio de 1881 do sr. Sampaio, e não é o sr. presidente do conselho, que me póde censurar por eu ter dado este apoio.

O governo progressista teve o meu auxilio politico no principio do seu governo, e com elle votei o projecto de arrematação do real de agua, e só o sr. presidente do conselho examinar a votação nominal, que então teve logar, verá o meu nome a favor do governo, e o de s. exa. na lista da opposição, como é sempre, quando s. exa. se não senta na cadeira de ministro.

Separei-me do ministerio progressista, quando se tratou do imposto de rendimento, e do projecto do caminho de Torres Vedras, e creio que a minha opinião no assumpto não póde ainda d'esta vez ser rejeitada pelo sr. Fontes, que combateu as propostas ministeriaes; agora em que não concordei foi no systema de opposição, seguido por s. exa. na obstrucionista questão dos coroneis, que a meu ver foi uma politica menos correcta, e não me alistei nas fileiras guerreiras, que á voz de s. exa. propunham e defendiam a celebre moção da altura da gravidade das circumstancias!

Sr. presidente, a proposito dos acontecimentos de 1881, vou referir-me aos conselhos que o sr. Fontes me deu, como illustre parlamentar que é, sobre o modo de se conduzir a opposição, dizendo que a esta não convem discutir largamente a resposta ao discurso da corôa, e que, estrategicamente fallando, a discussão d'este documento, onde todos os assumptos podem ser debatidos, é de muita vantagem para o governo.

Agradeço a s. exa. o grande favor do seu conselho, mas não o acceito.

A opposição de 1885 procede exactamente como procedia o sr. Fontes na discussão da resposta ao discurso da corôa, em 1881.

S. exa. fallava durante dois dias; uma grande parte da sessão de 4 de fevereiro e durante toda a sessão do dia 5, e n'essa discussão ha um facto curioso, os discursos de s. exa. nunca foram publicados, como tambem succedeu com. os que pouco depois pronunciou na notavel questão dos coroneis.

Nunca lemos esses discursos; pois saiba o sr. Fontes que estes meus hão de vir no Diario da camara, tenha o sr. presidente do conselho a certeza de que os hei de publicar, e ainda n'isto diffiro do sr. Fontes, porque tomo a responsabilidade escripta de tudo quanto digo.

A respeito do meu discurso de sete dias, que esta foi a palavra empregada, observo que não fallei durante sete sessões, mas em tres sessões. Faz differença, não foram tres sessões inteiras, foi n'uma parte de tres sessões que a benevolencia dos meus collegas me permittiu fallar, e o sr. presidente do conselho contou sete, mettendo em linha de conta os dias em que os nossos trabalhos estiveram interrompidos, pois naturalmente s. exa. no seu amor pelo systema parlamentar junta os dias de silencio aos dias de debate, para provar que entre nós se executa fielmente a constituição.

Queixa-se o sr. Fontes Pereira de Mello que a opposição lhe impõe as responsabilidades politicas de todos os actos do governo; pergunto, não é isto constitucional, não é conforme com o systema adoptado pelo sr. Fontes de centralisar em si toda a acção governativa? É sabido que excepto com o sr. Barjona, s. exa. é quem manda sempre.

Vamos, porem, á questão do Zaire, que foi a ultima tratada pelo illustre orador, que me precedeu, e que é um dos assumptos de maior importancia actualmente para o futuro de Portugal. Declaro novamente e de um modo bem terminante e claro, não discuti o tratado de Berlim, que não conheço, não disse uma unica palavra de censura a este respeito, disse apenas qual era a partilha, aquillo que todos os portuguezes já sabem pelos telegrammas e pelas noticias publicadas nos differentes jornaes, o que salta aos olhos, quando reparo no mappa de Stanley. .

Olhem para este mappa e vejam qual a porção de territorio, que coube á associação internacional, o que vem a caber á Franca e aquillo que fica ao nosso Portugal.

Estou portanto no meu direito, como portuguez e como amante das nossas glorias, de lastimar que a Europa não Atendesse mais as nossas reclamações, fundadas no direito internacional e nas glorias da nossa honrada historia patria.

Foi isto o que eu disse, foi debaixo d'este ponto de vista, que apresentei variadas considerações, que, a final, estão no animo de todos.

Para que dizem, portanto, que ataquei o tratado? Não o disse: mas olhem, repito, para o mappa de Stanley e vejam tudo quanto perdemos; esse vasto territorio, entre o rio Kuango e Noki, deixou de ser nosso, e é bem maior esta região que a situada entre Noki e a Ponte do Padrão na foz do Zaire; mais uma vez repito, o sr. Serpa disse que a jurisdicção portugueza seria inefficaz se não tivesse toda a primeira parte navegavel do Congo desde a sua embocadura, e nós obtivemos isto? Reconheço, perfeitamente, que no estado das cousas Portugal não podia deixar de transigir, e era obrigado a tratar com a associação internacional africana, concordo em todos estes postos; porém não nos peçam um enthusiasmo, que não podemos ter.

Sr. presidente, ainda outro ponto: não houve uma unica palavra minha, que podesse molestar os negociadores portuguezes em Berlim.

A camara sabe a franqueza com que fallo, e, se eu entendesse o contrario,
fal-o-ia, embora com sentimento meu; mas não posso censurar o que não conheço, e a minha convicção é que em Berlim os representantes do paiz, dada a má situação diplomatica em que nos achavamos, empregaram todos os meios ao seu alcance para conseguir os melhores resultados.

Notei apenas, com relação ao discurso, pronunciado pelo nosso ministro plenipotenciario, o sr. marquez de Penafiel, a quem me prezo de considerar como amigo, que se tivesse mostrado tanta satisfação, de nos acharmos n'uma conferencia onde só íamos para nos tirarem uma parte do que era nosso.

O traçado de Londres e os incidentes que se lhe seguiram pesavam por culpa do governo fatalmente sobre Portugal.

A camara sabe o que foi esse tratado, não representou elle o reconhecimento dos nossos antigos direitos, bem o

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declarou lord Granville, mas apenas o encargo de fiscalisar e policiar uma vasta região, que o commercio europeu pretende hoje explorar. A Inglaterra não cedia, impunha condições para ainda n'esta parte da Africa poder apparecer a bandeira das quinas, que os indigenas desejam respeitar!

Permitta-me o sr. Mártens Ferrão que lhe diga, o tratado de Londres foi uma desgraça, alem de tudo era uma futilidade, como dizia o mesmo homem de estado inglez, pois negociavamos, sujeitavamo-nos a imperiosas condições, ignorando ainda se as outras grandes potencias consentiam no reconhecimento das vantagens, ou para melhor dizer das conquistas britannicas, que a nossa fraqueza tão mal consentia.

Sr. presidente, nem explicavamos o que cediamos, nem diziamos porque cediamos, e d'isto é responsavel o governo, que não via, nem sabia que a Franca fazia todas as reservas na questão do reconhecimento dos direitos portuguezes, e que a Allemanha estava bem longe de se desinteressar na questão colonial da Africa occidental.

Não será tambem da responsabilidade do governo o ter falhado a negociação com a Franca sobre a convenção de limites?

Sr. presidente, é triste ter de recorrer ás notas e despachos publicados nos parlamentos estrangeiros, porque o governo portuguez não quiz enviar-nos por ora os documentos. Não é porque esta materia não possa ser discutida, os parlamentos estrangeiros já mais de uma vez a têem debatido.

No Livro amarello francez encontra-se o officio, por mim já citado, de 15 de marco de 1884, escripto por mr. de Laboulaye a mr. Jules Ferry, em que se diz: "é curioso lembrar que Portugal propunha delimitar comnosco a Guiné, e a região do Congo no momento em que se via desanimado pela exigencia da Inglaterra de fixar em Porto da Lenha, a 30 milhas da costa, o limite da soberania portugueza".

E no Livro azul, a pag. 9, lê-se: "os dois governos estiveram quasi a ponto de se entender".

E porque não terminaram a negociação? Bem sei que um tratado de limites não é o mesmo que o reconhecimento de direito da soberania; porem este accordo das duas nações, se tivesse sido concluido, tinha alcance, e foi muito para lamentar que não terminasse satisfactoriamente. Em 13 de agosto de 1883, o sr. Serpa rompia as negociações com o governo francez, dizendo não poder continuar a negociar, sem a base do reconhecimento explicito dos nossos direitos, e em 24 de março de 1883, tinha declarado o mesmo sr. Serpa ao governo inglez que não fazia questão de amor proprio nacional da allegação do governo inglez, de que os direitos historicos de Portugal não estavam provados.

Sr. presidente, todos os argumentos provam que o governo portuguez foi quem creou a má situação, encontrada em Berlim á nossa chegada á conferencia; não concluimos com a França, terminámos com a Inglaterra, fazendo o péssimo tratado de 26 de fevereiro, e tornámo-nos suspeitos aos olhos da Europa, como cumplices da ambição desvairada da Gran-Bretanha, e auctores de injustificaveis pretenções, que as grandes potencias teriam admittido, como bem fundadas, se fossem comprovados a tempo os nossos gloriosos direitos.

Tal foi a situação politica de Portugal em 15 de novembro, quando a conferencia se abriu!

Diz, comtudo, o sr. Mártens Ferrão, que não tem alcance a questão de quem teve a iniciativa d'este acto diplomatico.

Peço desculpa a s. exa. para não concordar com a sua proposição, não é indifferente saber-se isto, para apreciar a quem cabe as mais immediatas responsabilidades dos resultados obtidos, e para se poder avaliar a prudencia da iniciativa, tomada por um governo que se achava na posição, que acabei de descrever; porém ha mais, o sr. ministro dos negocios estrangeiros declarou na camara dos srs. deputados que a iniciativa da conferencia foi do governo allemão, e o sr. presidente do conselho affirmou aqui que a responsabilidade primaria d'este acto era nossa, e que, se era preciso, s. exa. tomal-a-ía toda sobre si.

Sr. presidente, o sr. Mártens Ferrão inclinou-se mais á affirmação do sr. Bocage, segundo s. exa. a responsabilidade é da Allemanha.

Considero este ponto grave, e chamo a attenção do sr. Mártens Ferrão para o que vou dizer:

Citou s. exa., me parece, a nota do Livro amarello de 13 de setembro de 1884, onde se encontra pela primeira vez a idéa de uma conferencia europea para regular a questão do Congo, e disse que esta era a prova de ser a iniciativa da conferencia do governo allemão. Respondo a s. exa. que no Livro azul estão os officios de 26 de maio e 25 de julho de 1884, de lord Ampthill ao conde de Granvilie, e o celebre despacho de Bismarck, de 7 de junho, que são mais antigos que o de 13 de setembro, e que mostram que a iniciativa foi do governo portuguez.

O sr. Mártens Ferrão: - Ha antes d'isso o officio de 26 de abril, que é mais antigo.

O Orador (continuando): - Pouco importa que haja esse officio mais antigo, dou inteiro credito aos despachos do Livro azul,, por mim citados, e d'elles se conclue, terminantemente, que a iniciativa da conferencia foi nossa.

Repito, ainda hoje, o que já disse, conformando-me com a opinião de um illustre orador da camara dos senhores deputados, devia-se ter recorrido á arbitragem, e o arbitro naturalmente indicado era Sua Magestade o Imperador de Austria,

Era isto o que se devia ter feito; mas o governo, que a respeito de todos os assumptos, procede de fórma a merecer as mais severas observações, entendeu exactamente o contrario.

São estes os factos que lastimo, são estas as circumstancias, que profundamente deploro. As idéas, que apresento, não dimanam do meu facciosismo, ou da minha intransigente opposição ao ministerio, pertencem tambem aos amigos do governo.

Permitta-me a camara a leitura de um artigo do illustre ex-ministro o sr. Thomás Ribeiro, publicado no seu jornal As Republicas:

"Está pois reconhecido, tambem por nós, o novo estado do Congo, no rio Zaire.

"A bandeira azul com garatujas bordadas a oiro, e a associação internacional ou cosmopolita, composta de elementos bohemios da Europa e da America, se acaso o são, que ainda se não sabe, do estado civil d'aquella gente, nem das suas naturalidades, que principiou a vida no sertão por escravisar negros, em nome da liberdade, e por inaugurar a mais desaforada propaganda do calumnias e de intrigas, estão, por nós tambem, reconhecidas. Quando passar aquelle glorioso pendão por diante das nossas fortalezas ou navios, a bandeira das quinas saudará a signa dos aventureireiros e traficantes, que ainda não fizeram senão desconceituar-nos ante a Europa, e roubar-nos na Africa. Assim o quiz Bismarck, o omnipotente, que teve de crear direito novo para accommodar o mostrengo n'um codigo accommodaticio d'uma politica sem nobreza."

Estas palavras não são minhas, são do meu honrado amigo o sr. Thomás Ribeiro. Diz mais este artigo, que é importante:

"Como era prudente fazer a Europa cumplice dos seus attentados, convocou-a, para a sempre celebre conferencia de Berlim, em que todos os interessados votaram e assignaram a renuncia des seus direitos e interesses, como os nobres da constituinte franceza renunciaram aos seus privilegios.

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"As nações da Europa que ainda não tinham colonias, caíram em as adquirir agora, sob o regimen hypocritamente liberal que elles proprios votavam em odio aos antigos senhores! É sempre o auctor da guilhotina a morrer na machina que inventára."

Não sou eu, sr. presidente, que critico a reunião da conferencia de Berlim, é um amigo dilecto do sr. presidente do conselho, é esse que foi seu collega no ministerio, servindo era diversos e importantes cargos.

Sr. presidente, desejo terminar hoje, porque não quero de forma alguma ficar com a palavra reservada, e, portanto, visto o adiantado da hora, vou condensar os meus argumentos, procurando responder aos pontos principaes do discurso do sr. Fontes. Vamos á questão politica, deixemos o Zaire em paz.

S. exa. disse que, depois da lei de 15 de maio, a reforma constitucional era impreterivel, e mesmo sem o accordo do partido progressista, tinha de a fazer. Mas porque esteve então tanto tempo engarrafado o espirito do seculo, como espirituosamente exclamava o sr. Pinheiro Chagas, quando combatia violentamente o sr. Fontes?

S. exa. dizia no anno passado nesta camara que o accordo era necessario, que o accordo era para construir e não unicamente para derribar, e ainda o repetiu este anno na camara dos senhores deputados, porem s. exa. acrescenta hoje que não tem a responsabilidade do rompimento.

Notavel declaração!

Pois não sabemos nós que esse rompimento foi motivado pela dictadura e pelo adiamento das côrtes? (Apoiados.)

Sr. presidente do conselho, as responsabilidades de v. exa. resultam d'essa vaidosa dictadura, que comprometteu mais a fazenda publica, e que é ainda uma atroz violação da carta constitucional.

O sr. presidente do conselho disse aqui no anno passado, respondendo ao sr. conde do Casal Ribeiro, que todos os projectos, que reputava de urgente e inadiavel necessidade, seriam sutimettidos á discussão; mas com relação ao projecto da reforma do exercito calou-se, não usou da sua iniciativa de ministro para pedir que fosse discutido na ordem do dia, e dois dias depois das camaras encerradas, promulgou a reforma em dictadura!

Desafio que me provem, não com palavras, mas com factos, que houve outro paiz, onde se praticou um acto similhante.

Procure s. exa. na vida de Peei ou de Perier, e veja se algum d'esses illustres estadistas, ou ainda algum outro violou por fórma igual a constituição do seu paiz. Mas havia necessidade de fazer as eleições. É exacto, a opposição queria que o periodo de transição acabasse o mais rapidamente possivel, queria, visto ter de ser, que a reforma politica se realisasse dentro do anno de 1884; porém a opposição, provando não ser facciosa, queria, tambem, que o governo se habilitasse com todas as leis indispensaveis para bem poder governar. Restava demonstrar perante as côrtes que a reforma do exercito estava n'este caso.

Não é prohibido pelo regimento d'esta camara julgar discutida a materia de qualquer projecto; as maiorias governais e as minorias combatem e são vencidas pelo numero de votos; portanto, se o sr. presidente do conselho julgava indispensavel a reforma do exercito, prorogasse as côrtes por mais alguns dias, pedisse o voto dos seus amigos, governasse e não procurasse só manter-se, evitando a lucta parlamentar com o illustre orador seu adversario, o sr. conde do Casal Ribeiro, e preparando horas- depois de encerradas as côrtes, no silencio do seu gabinete, esse decreto, que claramente demonstra o mais profundo desprezo pela constituição do paiz! S. exa. é um habil parlamentar, porém s. exa. temia medir-se com o seu antagonista. Esta é a inteira verdade.

Sr. presidente, foi muito importante o discurso pronunciado pelo digno par, que me precedeu, o sr. Mártens Ferrão, não só pelos assumptos que tratou, como pela auctoridade da palavra de s. exa. Houve uma parte do seu discurso, que foi a mais pungente censura feita ao governo, sentado n'aquellas cadeiras; s. exa. declarou que preferia que a reforma do exercito tivesse sido approvada em côrtes, porque não gostava de dictadura. Que mais é necessario dizer?

S. exa. affirmou que, se tivesse assento na camara dos senhores deputados, tomaria a iniciativa de propor que o principio estabelecido na constituição belga, relativo ás dictaduras, fosse introduzido na nossa constituição, para as prohibir para sempre. Não indica isto a conveniencia de acautelar o futuro, para evitarmos outro 19 de maio?

Como estou notando as graves considerações feitas por este digno par, peço, tambem, ao governo que não esqueça os prudentes conselhos dados por tão illustre orador, a respeito da questão de fazenda. S. exa. disse: não se póde recorrer todos os dias aos emprestimos e aos impostos: é bem verdade isto, e como todas as palavras do nosso collega têem uma alta significação, não olvidemos que s. exa., como relator do projecto de resposta, bem affirmou que o principal empenho da nação era o equilibrio da receita com a despesa da nação, não disse do governo; medite o sr. presidente do conselho no que indica esta palavra do sr. relator.

Ouvi mais a s. exa., o sr. Mártens Ferrão, que a discussão do orçamento é impreterivel, excepto quando gravissimas circumstancias do estado obrigam á simples apresentação da lei de meios.

Torno nota d'esta boa doutrina, e veremos como o ministerio procede, pela minha parte quasi adivinho as actuaes intenções do governo; faz votar o discurso da coroa, depois o bill de indemnidade, a reforma politica, de cuja discussão creio que se retrahe o partido progressista, e por ultimo apresenta-nos a lei de meios, fechando depois as cantaras, sem se importar com o estado precario da fazenda e da administração publica.

Não governa, mas mantem-se no poder, e isto é o seu unico pensamento, a sua principal idéa, está conforme com a gravidade das circumstancias.

Conhecemos, perfeitamente, o vosso programma, srs. ministros, é por isso que aproveitâmos estes curtos momentos, dizendo todas as verdades.

Vamos ainda á questão da reforma politica; depois de ter sido votada a lei de 15 de maio, dizeis vós, é impreterivel alterar os artigos da carta, respondo, tendes já provado o contrario, mas, admittida por hypothese a doutrina declaro, falta competencia ao sr. Fontes para a poder realisar. (Apoiados.)

Sr. presidente, já um homem de estado, cuja auctoridade no parlamento é grande, chefe de um partido, disse a maneira por que a reforma podia passar sem graves difficuldades.

Voltemos á dictadura; vou tratando os assumptos pela ordem das minhas notas, tomadas durante o discurso do sr. Fontes.

S. exa. disse, a prova da minha consideração pelo parlamento, é ter apresentado o projecto da reforma do exercito, acompanhando-o no seio das commissões, e ter pedido a v. exa. para o dar para ordem do dia. Aqui está a que se reduz a iniciativa do sr. presidente do conselho; mas promover a discussão, luctar pela proposta de lei, declarar a materia urgente e inadiavel, fazer do projecto questão ministerial, se entende que é esse o interesse do paiz, não ceder da sua approvação, isso não era a obrigação de s. exa., tudo póde remediar-se, passando por cima da constituição e declarando a dictadura, com a reserva de mais tarde apresentar o governo o bill de indemnidade, para einda, pela segunda vez, evidenciar o seu muito respeito pela lei! (Apoiados.}

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Foi a dictadura da vaidade e do medo, medo do sr. conde do Casal Ribeiro, não me cansarei em o repetir, e este grande attentado foi feito nas vesperas de reunir uma camara revisora, para melhorar a carta, garantindo-a contra os abusos confessados!

Respeito pelas côrtes! O sr. Fontes só levou á camara dos senhores deputados o projecto do bill no dia em que começou ali a discussão da resposta ao discurso da corôa; mez e meio depois de reunidas as camarás, pensou em pedir a absolvição das suas culpas.

Deixemos isto, e como pouco tempo me resta para fallar, vamos á questão da compra do palacio de Santa Ciará. Este palacio tão desejado, foi primeiramente destinado para alojamento do micróbio; mas resolveu-se mais tarde que o mesmo microbio passasse para o quartel da Graça, e que para Santa Clara fosse um dos nossos regimentos de infanteria.

O sr. presidente do conselho imaginou que me fulminava com a resposta, que deu ás minhas observações a este respeito, e com a leitura de alguns documentos; mas tendo eu pedido hontem que fossem publicados no Diario do governo todos esses documentos, lidos por s. exa., e que se referem á compra d'aquelle palacio, vejo, com grande desprazer, que tal publicação não teve ainda logar.

Faz-me lembrar isto um facto que se passou com o fallecido Rodrigo da Fonseca Magalhães. Tinha elle um documento para ler, mas partiu os óculos na occasião em que começava a leitura.

Outros oculos não lhe serviram, e o documento não foi lido.

Parece-me que se dá um facto igual com a publicação dos documentos a que me tenho referido, só Rodrigo da Fonseca sabia ler o documento, só o sr. Fontes entende o verdadeiro sentido das phrases das consultas, que s. exa. teve a bondade de nos citar. Não contesto, nem tinha direito para o fazer, a informação do illustre clinico, que julgou favoravel a compra do palacio de Santa Clara: só mente desejava saber por que modo foi consultado; ha uma velha regra de grammatica que diz: apelo caso, porque se faz a pergunta? por este mesmo se dá a resposta".

Disse que não contestava a opinião de pessoa tão auctorisada, e mesmo gostava poder ler tranquillamente, no socego do meu gabinete, os argumentos de cavalheiro tão competente; comtudo não esqueço as sabias reflexões do sr. Ennes, no congresso de hygiene, feitas debaixo do ponto de vista geral, quando ninguem pensava no palacio de Santa Clara.

Não esqueço, tambem, a carta por mim referida de um distincto facultativo da capital, que me honrou com o seu parecer; na opinião d'este homem de sciencia a compra do palacio de Santa Clara foi um verdadeiro attentado contra todas as leis da hygiene.

Dou importancia a esta opinião de um medico notavel, e registo-a para minha instrucção.

Porém ha ainda outra questão, qual é o preço por que foi comprado o palacio? Sabemos pelas declarações do governo que o sr. Fontes, ministro da guerra, entende que foi uma magnifica compra, um ovo por um real. O palacio foi comprado por 80:000$000 réis, e avaliado em 127:000$000 reis.; mas peço ao sr. Fontes que junte aos 80:000$000 réis outra verba; sei, positivamente, que as obras estão orçadas, não digo feitas, em 28:000$000 réis, e sommando os 80:000$000 réis com os 28:000$000 réis, dá o total de 108:000$000 réis, ficando, portanto, 19:000$000 réis de lucro; felicito o governo por esta economia, que importa um acto verdadeiramente patriotico.

O sr. presidente do conselho disse que estava auctorisado para toda esta despeza; pergunto, ingenuamente, a s. exa., como foi dada esta auctorisação? Não sou homem que venha discutir as questões sem as ter examinado attentamente, e não é necessario que o sr. presidente d(c) conselho me mande ler as notas previas

No artigo 3.° do decreto dictatorial de 19 de maio, diz-se o seguinto:

"Art. 3.° São prorogadas por mais seis mezes, a contar da data do presente decreto, as disposições da carta de lei de 15 de junho de 1882, exceptuando da sua applicação o contingente de 1883. As sommas que derem entrada nos cofres publicos, em virtude das disposições d'este artigo, constituirão receita do estado para occorrer ao pagamento dos vencimentos dos alferes graduados, que não tiverem sido promovidos a effectivos, sendo o restante posto á disposição do ministerio da guerra para completar a remonta da artilheria, para obras nos quarteis, e outras despezas militares, além das verbas para tal fim actualmente descriptas no orçamento do estado".

Pergunto ao sr. Fontes, onde está aqui mencionada a auctorisação para a compra de palacios do valor de réis 80:000$000? Obras nos quarteis, não é compra de palacios; portanto, quando s. exa. me declara que o dinheiro saiu da verba da remissão de recrutas, respondo-lhe que s. exa. cornmetteu uma dupla illegalidade; a dictadura é illegal, illegal tambem é ir buscar ao artigo 3.° do decreto uma auctorisação, que lá não está. (Apoiados.)

O artigo 1.° § 1.° do mesmo decreto diz:

"§ 1.° A remissão do serviço militar, auctorisada. pela carta de lei de 4 de junho de 1859, ficará novamente em vigor nos termos da referida lei, considerando-se, porém, que ficam pertencendo á segunda reserva de que tratam os seguintes §§ 7.° e 8.°, os individuos que pagarem a remissão. O producto liquido destas remissões constituirá receita do estado para ter a applicacão que adiante se determina."

Esta applicacão é toda a despeza, que resulta da reforma do exercito, estabelecida pelo mesmo decreto, e só a despeza do ministerio da guerra é calculada em mais réis 270:000$000, quantia em que é computado o producto liquido da remissão de recrutas; responde-me, porém, o sr. Fontes: " A remissão auctorisada pelo decreto de 19 de maio tem produzido 182:880^000 réis, e desta quantia saiu o pagamento do palacio". Replico a s. exa., pondo de parte a dupla illegalidade da compra: como é que julga s. exa. chegar o dinheiro da remissão para satisfazer a tantos encargos?

Vamos agora ás consequencias financeiras da reforma do exercito, que são o bouquet das violações da carta constitucional, e que se traduzem n'um augmento enormissimo de despeza. Pago o palacio de Santa Clara e as obras respectivas, cujo custo total é de 108:000$000 réis, se o orçamento das obras está bem calculado, restam ao sr. Fontes 74:880$000 réis, saldo dos 182:880$000 réis, recebidos, como s. exa. declara, pelo producto das remissões, e admittindo que, no periodo de doze mezes completos, a remissão possa render ainda mais 100:000$000 réis, teremos disponiveis 174:880$000 réis para satisfazer á totalidade dos encargos, que no decreto de 19 de maio, artigo 7.° § 10.° são computados em 270:000$000 réis.

Disse-o e repito, a reforma do exercito traz, segundo o relatorio do sr. Fontes, uma despeza effectiva. de réis 1.320:000$000; esta é a verdade, só com o armamento, que ámanhã póde já estar prejudicado por uma invenção mais moderna, é a despeza de 900:000$000 réis. O dinheiro emprestado traz encargos, e não deixa de ser despeza; porem a tudo acode a divida fluctuante, remedio para todos os esbanjamentos!

Sr. presidente, não disse que a divida fluctuante era já de 9.000:000$000 réis, sei pela ultima nota, publicada no Diario do governo, que ella é actualmente de 3.361:000$000 réis; mas o que affirmei foi a declaração official do ministro dos encargos de uma divida, cujos juros hão de subir a 373:000$000 réis; isto vê-se na pagina 68 do orçamento dos ministerio da fazenda. No que o s. exa. negue o fa-

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262 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

cto de haver uma despeza orçada de 373:000$000 réis, para fazer face aos encargos de 9.000:000$000 réis, que, em 1885 se buo pedir emprestados!

Passemos ao exame da nota preliminar do orçamento do ministerio da guerra, cuja leitura tanto me foi recommendada pelo sr. presidente do conselho.

Respondo a s. exa., li essa nota previa do orçamento, pois não costumo discutir o que não sei, e sempre estudo, antes de vir encommodar a camara com as minhas observações.

Vou dizer, portanto, o que lá só encontra.

Orçamento para 1885-1886 do ministerio

da guerra......................... 4.873:824$657

Auctorisação, concedida pela lei de 23 de maio e decreto de 3 de junho de 1884
para as despezas do ministerio da guerra
no exercicio de 1884-1885........... 4.858:574$310

Differença para menos .. 15:250$347

Segundo o Diario ao governo de 26 de junho de 1884, no resumo da tabella da distribuição da despeza do exercicio de 1884-1885, ha uma nota, que declara que nos 4.858:574$310 réis comprehende-sem os 270:000$000 réis resultantes da reorganisação do exercito, na conformidade do decreto de 19 de maio de 1883.

Disse que a comparação do orçamento de 1885-1886, com a auctorisação concedida para 1884-1885, dava differença para mais 91:.628$264 réis, e que nesta realidade acreditava, porem a differença para menos era de 76:377$917 réis, diminuição, que não me enthusiasma por não julgar que venha a realisar-se.

Sr. presidente, é uma realidade o augmento de réis 91:000$000 de despeza; significa que alem dos 270:000$000 réis gastos pela reforma, ha em 1885-1886 uma despeza a mais com os corpos das diversas armas de 70:000$000 réis, com o estado maior de 5:000$000 réis, com a secretaria de 2:GOO$000 réis, e com diversas despezas de réis 13:000$000.

Disse já tudo isto, não necessito repetil-o agora, indicando os ultimos reaes.

Quanto aos 76:000$000 réis para menos abatem-se réis 45:000$000 no capitulo 6.° dos officiaes em commissão, e 16:000$000 réis no capitulo 9.°, companhia de reformados e invalidos; pois o sr. ministro da guerra com o maior rigor substituiu esta despeza toda por um admiravel cifrão!

Disse eu, permitta Deus que, no fim do exercicio, se mantenha esta importante diminuição de despeza, e s. exa. respondeu-me que eu vi uma diminuição phantastica, mas que se tivesse lido a tal nota preliminar teria achado a explicação, porque tendo-se feito a reforma do exercito, foi preciso effectuar uma mudança de verbas de uns capitulos para outros capitulos, o que não alterou absolutamente nada a despeza do ministerio da guerra, havendo só o augmento positivo de 15:000$000 réis.

Sr. presidente, li mais que a nota preliminar, li o orçamento de 1884-1885, vejo ali que no capitulo 6.º, officiaes em commissão, sobem as gratificações a 29:129$975 réis, e, considerando esta importante Quantia, limito-me a esperar que, no fim do. exercicio de 1885-1886, o sr. Fontes ainda esteja nas mesmas intenções de severa economia. Se assim for muito o estimarei; mas, por ora, não creio, o sr. ministro da guerra não ha de ficar no pequeno augmento de 15:000$000 réis de despeza. As despezas de s. exa. crescem, não baixam.

Examinemos agora o cifrão do capitulo 9.°, companhia de reformados e inválidos, e consideremos a observação do sr. ministro da guerra de que esta despeza de 16:959$175 réis passa em 1885-1886 para os capitulos 5.° e 7.° do orçamento.

Vejamos o que acontece. O sr. ministro por um variado processo de orçamentalogia faz o inverso do admiravel milagre da multiplicação dos peixes, s. exa. carrega ao capitulo 5.° a despeza do hospital dos inválidos militares, e tem na totalidade deste capitulo a differença para menos de 4:862$702 réis; descreve no capitulo 7.° a despeza das companhias de reformados, e dá-lhe a totalidade do capitulo a importante economia de 7:282$065 réis.

Acho isto muito bom, e, repito, Deus queira que seja assim até ao fim do exercicio de 1885-1886.

Quanto á declaração do sr. Fontes de que não ha soldados a mais, e portanto não devo eu fallar nas massas, no pret, nos utensilios, respondo que o alargamento dos quadros ha de obrigar o sr. ministro a propor em breve tempo o augmento da força de 21:000 homens, pois o contrario é difficil de comprehender. São no orçamento de 1885-1886 pedidos 21:000 homens, esperemos o pedido do futuro projecto de orçamento; talvez o rectificado do 1885-1886 trate já d'este assumpto.

Quanto á necessidade de haver quadros para 120:000 homens, peço licença ao sr. Fontes para lhe citar novamente outro trecho do seu discurso de 12 de abril de 1872: dizia s. exa.:

"Mas se nós não temos um exercito tão numeroso como podiamos e deviamos ter, não no effectivo, mas nos quadros, porque nenhuma nação, que está em paz profunda como felizmente nós estamos, deve ter no seu exercito mais do que a força precisa para occorrer ás necessidades do serviço, se não temos nos quadros um exercito numeroso, que possamos organisar e armar de prompto em circumstancias extraordinarias, procede isso em grande parte ainda mais que de defeito da nossa organisação militar, de se não cumprir a lei do recrutamento."

Para aperfeiçoar esta lei, sr. presidente, temos actualmente a immoralissima remissão dos recrutas a dinheiro, que repugna aos bons principios, a moral publica, sobretudo aos mais caros interesses do exercito, como bem disse o sr. presidente do conselho na camara dos senhores deputados, em 7 de abril de 1873.

Continuo com a leitura:

"Se nós cumprissemos a lei do recrutamento, que não é um modelo de perfeição, que tem defeitos, e que é necessario modificar em muitos pontos, se a cumprissemos, podiamos e deviamos ter hoje 70:000 homens promptos a poderem ser chamados ás fileiras de um momento para o outro, porque, sendo o contingente annual de 10:000 homens, devendo servir oito annos, tres no exercito e cinco na reserva, são, multiplicados pelos oito annos, 80:000; dando 10:000 para quebras podiamos, repito, e deviamos ter promptos sempre á primeira voz, se se cumprisse a lei do recrutamento, 70:000 homens."

Ora aqui tem o sr. presidente do conselho a sua opinião auctorisada} declarando que, comprida a lei do recrutamento, podiamos ter hoje 70:000 homens promptos para o serviço, e na paz profunda, que desfructâmos, é esta força sufficiente, e estes são os argumentos com que posso combater a reforma feita por s. exa. Estes argumentos não são meus, o sr. ministro é que mo's fornece.

Diz o sr. Fontes, os corpos ficam mais fracos, mas acabam os destacamentos, que elles forneciam para as localidades, onde antigamente estavam destacamentos dos antigos corpos.

Foi esta a observação, do sr. ministro da guerra, e acho-a tão curiosa, que me é difficil ter animo para lhe responder; o regimento dava um destacamento antigamente, e agora dá essa mesma força ou maior para compor um novo regimento.

Pergunto a s. exa., qual é a vantagem?

Sómente uma questão de nome; perdoe-me s. exa., este seu argumento lembra a celebre observação do seu relatorio da reforma do exercito a respeito dos cavallos, que faltam para o completo da nossa cavallaria em tempo de paz,

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SESSÃO DE 31 DE MARÇO DE 1885 263

mais que o numero correspondente a dois regimentos, mas afeita a, nova organisação, preenchidos os quadros, não é difficil adquirir cavallos no paiz e fóra d'elle".

Problema difficil, que o sr. Fontes resolveu admiravelmente pelo preenchimento dos quadros, que têem o condão de inventar cavallos, que faltavam até aqui para dois regimentos de cavallaria, e que vão apparecer para esses e para os outros dois, novamente creados!

O sr. conde de Valbom disse no seu discurso, e é bem verdade, que peia reforma do exercito, havendo a mesma forca de 21:000 homens e maior numero de regimentos, o exercicio de batalhão não póde fazer-se; isto serve tambem de commentario ao que o sr. Fontes contou a respeito dos destacamentos, que os corpos não têem de dar. Aos regimentos falta-lhes a força precisa para os exercicios, por isso pouco nos consola a economia noa destacamentos, que o sr. ministro da guerra nos promette.

Quanto ao que s. exa. affirmou a respeito da despeza das obras do convento do Sá em Aveiro, fico sabendo que a camara municipal paga as obras do novo quartel! As camaras municipaes estão sobrecarregadas de encargos e despeza; mas agora tambem fazem quarteis, e depois mais contribuições serão lançadas sobre o contribuinte. Boa lei e bom systema!

Ia-me esquecendo perguntar ao sr. Fontes, porque é que s. exa. nada nos disse a respeito do major de infanteria n.º 12, na Guarda, que, segundo parece, não permaneceu no corpo perto de quatro annos. Gostava saber a- rasão desta falta, e da exigencia da reforma de haver no pé de paz dois majores effectivos.

Vou concluir, porque não quero fatigar mais a attenção da camara. Já repliquei a todos os argumentos do discurso do sr. presidente do conselho; resta-me notar que, reclamando o paiz boa administração e boas finanças, o governo responde a todas as queixas, publicando hoje o relatorio de fazenda do sr. Hintze Ribeiro, e julga justificar por esta fórma a sua gerencia.

Sr. presidente, quando nós procurâmos saber o verdadeiro estado da divida fluctuante, o ministerio declara que o deficit ainda vive para ser pago pela divida fluctuante futura, e dá nos latim em compensação do equilibrio financeiro, que não diligenciou, nem quiz obter!

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi cumprimentado por muitos dignos pares.)

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