10 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
aggravadas e resultantes em grande parte da crise geral que pesa sobre todos os paizes europeus e americanos.
Qual das duas crises é a mais grave, qual a que se nos impõe mais eminente, e cuja solução se torna urgente demandando o esforço commum e a cooperação de todos?
É evidentemente a crise economica.
O nosso paiz por vezes se tem encontrado num estado de relativa prosperidade e, pela indole especial da nossa raça, ao menor vento propicio alargavamos-nos em emprehendimentos que as forças da nação não comportavam. Foi assim que demos ás obras publicas um desenvolvimento larguissimo, o que nos trouxe exagerados encargos; e para essa sementeira todos nós contribuimos, imaginando que daria preciosos fructos. Muitos teem dado e outros podem vir a dar; porém as esperanças que se traduziram em factos ou não corresponderam ao que se esperava, ou não se têem realisado tão rapidamente como se esperava e seria para desejar, nem tão rapidamente, em summa, como sobre o thesouro pesaram os encargos correspondentes a esses emprehendimentos.
Emquanto isto se passava na metropole nós comprehendiamos, e bem, que uma das forças principaes da nação portugueza está no nosso mundo colonial. Nós temos condições especiaes de raça e historia que affirmam a nossa individualidade politica na Europa mas essa individualidade accentua-se pela valia do nosso dominio colonial, porque póde haver imperio mais potente, mas não ha nenhum que tenha mais profundas rasões no passado e alicerces mais fecundos no presente. Com esta comprehensão das probabilidades do desenvolvimento do nosso imperio colonial, e da influencia que elle podia dar ás nossas relações commerciaes e politicas, fomos talvez mais longe do que deviamos ir, não poupando despezas, não fugindo diante de sacrificios, não regateiando esforços de qualquer natureza, para dar ás nossas colonias um grandissimo desenvolvimento. D’ahi veiu grande augmento dos deficits; e augmento das despezas publicas, pelos encargos avultadissimos que nos trouxe o desenvolvimento das nossos colonias. O sr. Thomás Ribeiro, por exemplo, creou a provincia da Guiné. Era uma esperança; o que deu ella? Centenas de contos despendidos durante muitos annos, e causas estranhas á vontade de s. exa. levaram aquella provincia a grande estado de decadencia, vendo a sua importação e exportação affrouxarem todos os dias, e a sua exportação de madeiras quasi desapparecer. Deus me livre de pensar que do imperio colonial portuguez se deve destacar a Guiné; mas se não temos no momento actual força para lhe dar o desenvolvimento que ella exige, melhor é que nos contentemos com gastar 40 contos de réis por anno, do que imaginarmos que augmentâmos a nossa força colonial, compromettendo as finanças da metropole e dispendendo aos centos.
O que acontece com a Guiné acontece com o Congo, com Timor e mesmo com Moçambique; e n’isto não vae qualquer intenção de aggravo a s. exa.; mas tem sido o pensamento de todos os homens politicos, durante largos annos, de dar grande desenvolvimento ás colonias, aggravando assim extraordinariamente as circumstancias do thesouro; e é preciso que isso acabe.
Não é preciso augmentar o imperio colonial; é preciso reduzir a administração colonial á maxima economia.
Cabo Verde e S. Thomé, por exemplo, que não nos trazem grandes encargos, basta reduzil-as a viver dos seus proprios recursos. Quanto ás provincias ultramarinas que não podem tel-os por emquanto, aguardemos o futuro, e esperemos asada occasião e sobra de recursos para promovermos o seu desenvolvimento, quando d’ahi nos não resultem encargos fataes para o nosso futuro economico e financeiro.
Mas de tudo isto, do augmento dos quadros do funccionalismo, do larguissimo desenvolvimento das obras publicas, dos esforços porventura superiores ás nossas forças para a ampliação do nosso imperio colonial, de tudo isto o que resultou?
Por um lado avolumaram-se consideravelmente os encargos da divida publica e são esses que não podem desapparecer só pela vontade do governo; por outro lado preparou-se inconscientemente a crise economica que hoje nos assoberba.
A crise do thesouro resolve-se com a boa vontade e o concurso de todos, do governo e do parlamento. E indispensavel que isto se realise sem perda de tempo, e nesta parte estou de accordo com o sr. José Luciano. Reduzam-se todas as despezas publicas quanto se possam reduzir; reduzamos ao indispensavel os melhoramentos materiaes, reduzamos o desenvolvimento do nosso imperio colonial ao menor que for possivel sem o comprometter; cuidemos de fiscalisar a receita, cuidemos de augmental-a sem aggravamento da situação economica do paiz e a questão financeira está resolvida. Não é nenhuma empreza herculea, e com o concurso e boa vontade de todos é certa a victoria. Mas é preciso, como disse a sr. José Luciano e muito bem, que o sacrificio seja para todos; que quando se reforma uma repartição publica se não preste ouvidos aos clamores dos que se sentem feridos nos seus interesses particulares e que o paiz inteiro comprehenda que a necessidade de reduzir as despezas se impõe a todos como fatal, indeclinavel. Não podemos viver com deficits permanentes.
Mas supponhamos que hoje ou amanhã, por um esforço não superior ás nossas forças, mas emfim, por um esforço consideravel, conseguimos equilibrar o nosso orçamento. E eu accentuo bem que é uma condição essencial da nossa existencia equilibrar o orçamento. (Apoiados.)
Não é uma questão de predominio ou de prestigio politico para o partido ou para o governo que conseguir esse desideratum. É questão, repito, da nossa existencia. (Apoiados.)
A reducção da despeza publica, a extincção do déficit, impõe-se a todos, sem excepção de ninguem, fatal e inadiavel. É necessario todos cedermos, queiramos ou não queiramos, sob pena de em vez de perdermos alguma cousa, perdermos tudo.
Mas, supponhamos resolvida a questão fazendaria, estaria assim completa a maior tarefa que presentemente incumbe ao governo, ao parlamento e ao paiz? Não. Mil vezes não.
É preciso que a este respeito não haja illusões. De que temos vivido?
Temos vivido recebendo grande importação de capitães do Brazil, em troca de grande exportação de braços.
Temos tambem vivido ha quarenta annos contrahindo importantes emprestimos tambem no estrangeiro.
É bom que n’uns certos limites a emigração seja reduzida e em todo o caso regulada, mas não extincta, porque ella vae estabelecer lá a nossa influencia, vae crear relações commerciaes, e grangear capitães, que poderosamente têem concorrido para a riqueza publica; acabar com ella seria um erro. Regulal-a é outra questão.
Assim é bom que venham capitães do Brazil, mas é tambem necessario que o trabalho nacional garanta futuro áquelles que não o vão procurar em estranhos paizes, se queremos ser um paiz solidamente constituido, com uma organisação economica solida que nos não ponha á mercê dois acontecimentos.
Nós havemos de viver necessariamente do nosso trabalho,, do nosso esforço.
É preciso que este paiz deixe de ser uma nação de amanuenses para ser uma nação de trabalhadores em todas as manifestações da actividade humana.
É preciso que se comprehenda que o governo e o thesouro não são as portarias dos antigos conventos, nem as secretarias d’estado a sopa economica dos que a preferem ao trabalho, (Apoiados.}
È necessario que nos convençamos que o nosso futuro