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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

EXTRACTO DA SESSÃO DE 20 DE MARÇO DE 1858.

PRESIDENCIA DO EXMO. SR. VISCONDE DE LABORIM,

VICE-PRESIDENTE.

Secretarios, os Srs. Conde de Mello

Visconde de Balsemão.

As duas horas e quarenta e cinco minutos da tarde, achando-se presentes 27 Dignos Pares, declarou o Sr. Presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da precedente, que se julgou approvada, na fórma do regimento, por não haver reclamação em contrario.

O Digno Par, 1.° Secretario, deu conta da seguinte correspondencia:

Um officio do Ministerio do Reino, remettendo 100 exemplares dos relatorios administrativos de 1856.

Mandaram-se distribuir.

Não havendo mais correspondencia, antes de se entrar na ordem do dia, e estando presente o Sr. Ministro da Fazenda, pediu a palavra o Digno Par o Sr. Joaquim Antonio de Aguiar.

O Sr. Aguiar—

(Acta da dita sessão.) « S. Ex.ª desejou que o Digno Ministro informasse o modo porque se tinha provido para que funccionasse o Conselho de Estado.»

O Sr. Ministro da Fazenda — Sr. Presidente, parece-me que a pergunta que o Digno Par fez é uma interpellação ao Governo, e neste caso entendo eu, que no regimento desta Camara ha regras prescriptas que se devem seguir, a respeito das interpellações; entretanto não tenho duvida em declarar a S. Ex.ª—que apesar de, que este negocio pertence especialmente ao Sr. Ministro do Reino, como reconheceu o Digno Par, comtudo eu sei que o Sr. Ministro do Reino tem adoptado as providencias necessarias para que as duas secções, administrativa, e do contencioso administrativo do Conselho de Estado, funccionem, e essas providencias são aquellas que se podiam tomar para fazer que nessas secções haja o numero de membros que é indispensavel para os seus trabalhos. O Sr. Aguiar____

(Da acta.) «Não se deu por satisfeito, e que esperava que S. Ex.ª respondesse quaes foram essas medidas a que S. Ex.ª se referia.»

O Sr. Ministro da Fazenda—Sr. Presidente, eu creio que fui bastante explicito na resposta que dei: disse eu —que tinham sido adoptadas as providencias necessarias, e que se podiam tomar, para fazer com que houvesse numero legal nas duas secções do Conselho de Estado. São estas as providencias a que alludi: entretanto creio que não fui ouvido, e por isso repeti agora as palavras que pronunciei, e espero ter satisfeito o Digno Par.

O Sr. Aguiar....

(Da acta.) «Formulou as suas perguntas.»

O Sr. Ministro da Fazenda—Sr. Presidente, a Lei manda que os doze Conselheiros de Estado effectivos, que compõem o Conselho de Estado, nesta qualidade, sejam distribuidos pelas duas secções em que o Conselho de Estado se divide; que na secção administrativa haja sete Conselheiros de Estado effectivos, e na do contencioso haja cinco, tambem effectivos. A distribuição destes Conselheiros de Estado pelas duas secções é prerogativa do Governo, de cujo exercicio o Governo não tem de dar contas a ninguem.

Na qualidade de Conselheiro de Estado, sei que um Conselheiro de Estado que funccionava na secção do contencioso passou para a secção administrativa, e que outro Conselheiro que funccionava na secção administrativa passou para a secção do contencioso: esse ultimo Conselheiro de Estado sou eu; mas não sei que eu tivesse sido transferido para o contencioso para presidir a essa secção. Nesta parte ha inexactidão nas informações que deram ao Digno Par. A Lei manda expressamente, que não comparecendo na secção o Conselheiro de Estado Presidente dessa secção, presida o Conselheiro de Estado mais antigo. Aconteceu precisamente que nas sessões em que eu fui funccionar no contencioso, não compareceu o Conselheiro de Estado mais antigo do que eu.... (O Sr. Marquez de Vallada—Registramos.) Registrar o que?! Eu não faço nada mais do que expôr o que diz a Lei. A Lei diz, torno a repetir, que na falta do Presidente da secção presida o Conselheiro de Estado mais antigo—aconteceu precisamente, que na secção em que eu funccionava não compareceu o Presidente, e não havendo nenhum Conselheiro de Estado mais antigo do que eu, fui eu presidir; mas no mesmo momento em que comparecesse outra mais antigo, era a esse cavalheiro que pertencia a presidencia, e não a mim: por consequencia eu não sou Presidente da secção do contencioso, funciono nessa secção como Conselheiro de Estado effectivo que tenho a honra de ser, e presido á sessão nas occasiões em que nenhum Conselheiro de Estado mais antigo do que eu se apresenta.

Parece-me que tenho respondido á primeira pergunta que me dirigiu o Digno Par. Vamos á segunda.

Chamaram-se alguns Conselheiros de Estado extraordinarios que não estavam era serviço, de um sei com certeza que foi chamado, e afigura-se-me mesmo que foram chamados dois; mas para o Digno Par pouco importa que sejam dois, basta que fosse um: posso pois assegurar que um foi chamado a servir n'uma das secções do Conselho de Estado.

Creio que tenho satisfeito o Digno Par.

O Sr. Aguiar...

O Sr. Ministro da Fazenda — Sr. Presidente, tendo ouvido as observações que fez o Digno Par, julguei que não eram dirigidas a mim, e então suppunha-me dispensado de lhe responder, porque não comprehendo bem o objecto que S. Ex.ª tem em vista. O Digno Par fez-me uma pergunta, eu respondi, e depois fez outras observações. (O Sr. Aguiar...) Eu não sei qual era o objecto que S. Ex.ª tinha em vista, e se pertendia fazer uma interpellação ao Governo, eu não sou o Ministro do Reino. (O Sr. Aguiar...) Eu já o disse: o Digno Par fez algumas perguntas com relação a factos de que eu tinha conhecimento, e por consequencia já respondi a essas perguntas. Mas se S. Ex.ª quer que eu responda ás observações que fez, seria por certo recorrer a um sophisma grosseiro, se eu me declarasse incompetente para responder ás observações de S. Ex.ª

O Sr. Aguiar—Pede a palavra para uma explicação.

O Orador — Póde V. Ex.ª explicar-se já...

O Sr. Aguiar...

(Deu a respectiva explicação).

O Sr. Ministro da Fazenda—Eu digo o que sinto a respeito desta questão. Dizia eu—que de certo seria recorrer a um sophisma grosseiro, que a Camara não acceitaria, se eu me declarasse incompetente para responder a algumas das observações que fez o Digno Par; e por isso, convidado de uma maneira tão formal por S. Ex.ª para dar explicações, eu não tenho duvida em faze-lo. Mas começo por dizer á Camara, que quando o Sr. Aguiar disse que era intoleravel o que fez o Governo, eu esperava que S. Ex.ª com a Lei na mão mostrasse que o Governo a tinha violado; mas o Digno Par fez um discurso, em que não demonstrou que tivesse havido áquella violação. S. Ex.ª limitou-se a expôr considerações, de que concluiu, que o facto de ter um Ministro da Corôa, que e Conselheiro de Estado, presidido uma das secções do Conselho de Estado é um facto que S. Ex.ª considera como violação de Lei. Mas qual é a lei, ou o artigo de Lei, que o Governo violou? É o que o Digno Par não julgou conveniente dizer.

Por honra do Conselho de Estado de que faço parte, e prevenindo alguns cavalheiros que estão presentes, e que de certo não deixariam de me apoiar nesta parte, não posso deixar passar algumas expressões que S. Ex.ª empregou, e que entendo no meu conceito que não são muito agradaveis, nem muito lisongeiras para o Conselho de Estado.

O Digno Par entende que um Ministro de Estado, que é tambem Conselheiro de Estado, e que nessa qualidade funcciona n'uma das secções, arrasta pela sua influencia os votos de todo o Conselho, de modo que todas as garantias que dá esse Conselho, pela posição elevada que occupa, pela independencia de que são revestidos os seus membros, desapparecem logo que um Ministro foi lá funccionar!

Eu estou persuadido de que a intenção de S. Ex.ª não era irrogar uma censura tão aspera a uma corporação tão respeitavel, como é o Conselho de Estado; mas a verdade é, que o Digno Par fez entender, que um Ministro que na qualidade de Conselheiro de Estado vAe presidir uma das secções do Conselho de Estado é quem redige as consultas, forçando pela sua influencia a consciencia dos Conselheiros, e é quem os resolve, substituindo assim a sua vontade á opinião do Conselho. Eu espero, que S. Ex.ª retire as expressões, que pronunciou a este respeito, e retirando-os cáe o seu argumento, e deixa de existir o facto escandaloso, contra o qual S. Ex.ª levantou altos clamores, e que consiste na pressão, que um Ministro vAe exercer na secção em que funccionar, se fizer parte do Conselho de Estado.

Quanto á idéa, em que está o Digno Par, ou que parece ter, de que um Ministro presidindo a secção do contencioso, exerce ahi maior influencia do que exerceria se fosse só membro dessa secção, direi, que S. Ex.ª está perfeitamente enganado a este respeito; porque o presidente da secção do contencioso tem nella menos influencia do que qualquer outro dos seus membros: o presidente dessa secção nem póde relatar negocio alguns, nem mesmo tem necessidade de votar quando os negocios já teem tres votos comformes. Estou fallando diante de um cavalheiro que não preside agora essa secção, S. Ex.ª que diga se isto não é assim. (O Sr. Barão de Chancelleiros: — É exacto.) É este pois o facto. Mas o Digno Par o Sr. Aguiar não provou, nem o pódio fazer em vista da lei. que o Ministro de Estado que é Conselheiro de Estado não póde presidir á secção, nem mesmo funccionar nella. Já n'outra epocha sendo eu Ministro de Estado, funccionei como Conselheiro de Estado na secção administrativa, e nunca ninguem entendeu que esse facto importava a destruição dos bons principios. Nesta mesma casa foi distribuida uma collecção importante de documentos expedidos pelo ministerio dos negocios do reino, estando á frente dessa repartição o Digno Par o Sr. Conde de Thomar, relativos á liquidação da companhia das obras publicas; documentos que S. Ex.ª entendeu dever reunir n'um livro para assim responder ás calumnias que se tinham levantado contra a sua administração; dessa collecção se verá que a consulta da secção administrativa do Conselho de Estado relativa a essa liquidação está assignada pelo Digno Par o Sr. Pereira do Magalhães na qualidade de Conselheiro de Estado extraordinario, sendo. S. Ex.ª então ministro das justiças, e por mim, que era então ministro da fazenda. Repito que ninguem achou isto irregular; nem já mais se censurou que eu funccionasse alli sendo ministro, e filo por espaço de dois annos.

Observarei tambem que ouvi ha pouco combates o Digno Par um principio, que agora já vejo que S. Ex.ª acceita.

O Sr. Aguiar...

O Orador—Então o que se deve concluir dahi é, que o Digno Par não tem opinião formada sobre esta questão, e não é este um assumpto que se possa tractar, sem o comprehender debaixo de todas as suas relações,

Sr. Presidente, como V. Ex.ª por certo estará lembrado e toda a Camara, disse eu aqui n'outra sessão, em que se tractou desta materia, e sustentei-o, que o Conselho de Estado funccionando na secção do contencioso administrativo era méramente consultivo. A isto replicou-se dizendo, que era absurdo que o Governo tivesse O direito de se não conformar com a opinião da secção, porque o Governo não tinha assistido ao debate, nem ouvido as razões que se tinham apresentado pró ou contra o negocio de que se tractava. Mas agora (chamo para esta circumstancia a attenção da Camara) acha-se ser tambem um grande absurdo, e o que mais é, um grande crime, que o Ministro de Estado que é Conselheiro de Estado vá funccionar n'essa secção, e veja o que alli se passa na discussão ou debate da materia que se apresenta, e ouça as razões que se adduzem pró ou contra! Maravilha-me isto, Sr. Presidente, sobre tudo quando esta observação é feita pelo mesmo Digno Par, que tinha apresentado aquelle argumento!

Agora permitta-se-me observar, que com amargura ouvi o Digno Par accusar o Governo, por não vir a esta Camara pedir licença para poderem funccionar no Conselho de Estado os Dignos Pares que são membros delle: mas peço ao Digno Par o Sr. Aguiar que me diga com a mão na consciencia, se tendo o Governo declarado que, segundo a sua opinião, tal licença não era precisa; se tendo posto em duvida a legalidade da resolução tomada por esta Camara, e tendo proposto na outra casa do Parlamento a interpretação authentica do respectivo artigo da Carta, o Governo póde vir aqui pedir tal licença? Não póde: e eu peço a S. Ex.ª que comprehenda a delicada situação em que está o Governo, e que attenda sobretudo a que não foi o Governo que julgou impedidos esses Dignos Pares, foram elles que disseram que se julgavam impedidos para irem funccionar ao Conselho de Estado, por virtude da resolução adoptada por esta Camara, sem audiencia do Governo! O Digno Par o Sr. Aguiar pretende nada menos do que o Governo, que decla-

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rou não podér acceitar a resolução desta Camara, e que só a acceitaria convertida em Lei, venha apesar desta sua declaração, fazer á Camara um pedido ao qual repugna a sua consciencia! Isto não póde ser, nem o Governo o fará nunca, pelo menos em quanto os Ministros actuaes occuparem estas cadeiras. O desejo de S. Ex.ª era fazer passar o Governo por baixo das forcas caudinas, mas não o conseguirá porque o Governo tem em seu favor a razão e a legalidade, e atrevo-me a dizel-o, a opinião de todos os homens sensatos, que comprehendem esta questão.

O Governo não podia deixar de fazer o que fez. Tomou-se aqui uma resolução sem a sua audiencia, que o Governo entendo, que não entrava nas attribuições desta Camara. Para pôr termo a esta divergencia de opinião o Governo propõe a interpretação authentica do artigo da Carta, que o Governo julgou ferido por aquella resolução. Haverá alguem que ouse taxar este procedimento de irregular? Mas o Governo fez mais: providenciou para que funccionassem as duas secções do Conselho de Estado, a fim de que não soffresse o serviço publico. Mesmo quando tivesse havido alguma irregularidade, que se não prova ter havido, nessas providencias, não eram os Dignos Pares que crearam esses embaraços ao Governo, que tinham direito de o vir censurar por aquillo que só era obra sua; a não quererem os Dignos Pares confessar o que está nas convicções de todos, mas que SS. Ex.ªs negam, que SS. Ex.ªs pretendem converter este incidente em arma politica para derribar o gabinete.

A não ser assim seria uma atrocidade inaudita o estar a fazer estas accusações ao Governo. Julga o Digno Par que eu tenho muito prazer em ir funccionar na secção do contencioso? Se o pensa assim engana-se, porque nenhum tenho, e talvez já eu alli não vá na primeira sessão que houver, por não ser necessario que eu continue a fazer esse sacrificio, que só faço por bem do serviço publico, e pelo que julgava merecer louvores, e não censuras.

E se o Digno Par se persuade, ou está convencido de que o facto de estar um Ministro funccionando na secção do contencioso administrativo do Conselho de Estado é um negocio muito grave, o Governo nenhuma difficuldade tem em que este negocio se examine n'uma commissão, que dê um parecer sobre elle, e que se discuta com a seriedade que merece o assumpto; mas o que realmente lhe doe é vêr a maneira dogmática por que se pretende tractar esta questão, dando-se por demonstrado o que ainda o não está, e parecendo querer-se levar de salto uma questão, que não é tão facil de resolver, como julga o Digno Par, e sobretudo no sentido em que deseja o Digno Par.

Mas o Digno Par confessou uma circumstancia que me encheu de prazer, e foi, que em França o Ministro da Justiça presidia ao Conselho de Estado, mesmo quando se tractava de negocios contenciosos (O Sr. Aguiar....) Quer dizer alguma cousa, e eu lhe digo o que quer dizer.

Sr. Presidente, em França os Ministros são todos membros natos do Conselho de Estado, tendo assento e voto todas as vezes que lá querem ir; e o Ministro da Justiça é quem preside, mesmo quando se tracta de negocios contenciosos: sendo isto assim, como o proprio Digno Par confessou, digo eu, todos esses argumentos de destruição da independencia do Poder Judicial, que S. Ex.ª adduziu, todos esses absurdos que S. Ex.ª pretendeu demonstrar que existiam com o procedimento do Governo, vemos nós que tambem se dão em França, nem a nação atrasadíssima, como a deve crer o Digno Par! E se a Lei de 3 de Maio de 1845, que organisou entre nós o Conselho de Estado, com as duas secções—administrativo, e do contencioso administrativo—foi copiada inquestionavelmente da legislação franceza, como e que se pretende que para interpretarmos aquella Lei não temos direito de ir consultar a legislação franceza, e de resolver as duvidas que possam levantar-se entre nós, estudando o que se faz em França em casos similhantes? Sobretudo quando as nossas Leis conteem os mesmos principios que se acham nas Leis daquelle paiz, e a longa discussão que teve logar na outra casa do Parlamento, por occasião de se discutir a Lei de 3 de Maio de 1845, base da nossa legislação actual sobre o Conselho de Estado, demonstra que só se teve em vista estabelecer entre nós os principios consignados na legislação franceza? Não levemos a confiança que temos em nós mesmos ao ponto de dizermos, que aquillo que se faz em França, que aquillo que alli e sustentado por homens tão eminentes, e jurisconsultos tão distinctos são escandalos e absurdos!... Diga-se muito embora, porque isso e verdade, que lá ha quem escreva contra essa legislação; mas não ha um só jurisconsulto que a interprete, como o Digno Par quer interpretar a nossa Lei de 3 de Maio. Quando se tracta a questão de jure constituto, todos veem a questão como eu a vejo; mas tractando a questão de jure consentindo, sustentam alguns outros principios, o que é uma cousa muito diversa. O Digno Par está a confundir as duas questões—sustenta as doutrinas que quereria vêr na Lei, mas que lá não estão, e quer obrigar o Governo a interpretar a Lei, segundo essas doutrinas. Isto não póde ser. Eu interpreto a Lei pela sua lettra, e pelo seu espirito, e em vista das opiniões que se expenderam na outra Camara, e alli foram abraçadas quando se discutiu essa Lei, e em vista da legislação franceza que lhe serviu de base; e estou persuadido de que não haverá um só jurisconsulto que me não dê razão.

São estas as considerações que eu tinha a fazer, e peço desculpa á Camara por ter ido mais longe do que eu queria; mas não pude deixar de o fazer para assim responder ao Digno Par.

O Sr. Conde de Thomar...

O Sr. Ministro da Fazenda — O Digno Par acabou dando-me um argumento que me colloca na melhor situação possivel, porque S. Ex.ª que se não lembra de um facto acontecido comsigo mesmo em 1849, em que sendo Presidente do Conselho e Ministro do Reino resolveu uma consulta que estava assignada por dois collegas seus, Conselheiros de Estado, não sei como quer hoje sustentar a interpretação que dá á Lei de 3 de Maio de 1845, invocando as suas reminicencias do que aconteceu nessa época, sobretudo quando eu apresento documentos irrefragaveis, que demonstram que S. Ex.ª nem sempre entendeu essa Lei como a entende hoje.

É verdade que S. Ex.ª tinha as opiniões que tem hoje, em 1843, quando apresentou na Camara electiva a sua proposta para a organisação do Conselho de Estado; mas S. Ex.ª omitte tudo o que se passou depois em 1845, quando S. Ex.ª retirou aquella proposta, e annuiu a opiniões diametralmente oppostas: e não admira que S. Ex.ª tenha perdido da memoria esses factos que constam dos Diarios da Camara dos Senhores Deputados, quando S. Ex.ª está já desmemoriado tambem do que aconteceu em 1849 e 1850, resolvendo as consultas da secção administrativa do Conselho de Estado, relativamente á liquidação da Companhia das obras publicas.

Eis-aqui a razão porque eu digo que isto é uma questão grave, que se não resolve de repente, e por incidente. Agora quando S. Ex.ª fôr examinar os factos ha de reconhecer que os seus argumentos vão caíndo pela base á medida que eu vou fazendo estas indagações (O Sr. Conde de Thomar...)

Deixe-me S. Ex.ª raciocinar conforme a minha fraquíssima intelligencia o permittir; S. Ex.ª depois ha de esmagar-me com a força da sua dialéctica, mas eu para repellir os seus argumentos hei de empregar os recursos que tenho.

A argumentação toda, Sr. Presidente, tem versado sobre a impossibilidade de ir um Ministro funccionar nas secções do Conselho de Estado, e presidir n'uma dessas secções. Eu não podia deixar de responder a isto— que S. Ex.ª estava censurando o seu proprio acto. porque sendo Ministro do Reino em 1849, 1850 e 1851 consentiu que dois Ministros, seus collegas, que eram Conselheiros de Estado, funccionassem nessa qualidade na secção administrativa, na qual um delles podia presidir, assim como eu presidi agora na secção do contencioso, isto é, em falta do Presidente e dos Conselheiros de Estado mais antigos do que eu.

Veja pois V. Ex.ª Sr. Presidente, veja a Camara como a questão se vai esclarecendo, e como se vai tornando patente, que o procedimento que o Governo tem adoptado agora a este respeito está já sanccionado pelos precedentes dos proprios Dignos Pares, que agora tão cruelmente o aggridem.

Ha comtudo um argumento do Digno Par que me espanta, depois da demonstração irrespondível, que eu já aqui apresentei; demonstração de tal força, que S. Ex.ª mesmo reconhece que para destruir o effeito della carece de se soccorrer á circumstancia de ter estado doente na occasião a que me refiro, isto é, quando foi discutida na outra Casa do Parlamento a Lei de 3 de Maio de 1845. Mas um Ministro póde desculpar-se em tal caso com essa circumstancia, que não é tão exacta, como S. Ex.ª pertende, e como eu desmonstrei?

Pois o relator da commissão não disse repetidas vezes, que estava de accôrdo com o Governo, e sobretudo com o Ministro do Reino? Esse relator da commissão não era irmão de S. Ex.ª, que até, creio eu, era seu companheiro de casa? Podia S. Ex.ª ignorar, que aquelle cavalheiro dizia que a commissão, de accôrdo com o Governo, tinha reconhecido que o projecto de 1843 era erroneo, e por isso lhe apresentava em substituição outras bases? Pois S. Ex.ª póde dizer que ignorava o que se passava, tendo os seus collegas e amigos que o visitavam, e tendo os proprios parentes que melhor o podiam informar por todos os motivos?! E S. Ex.ª não fez declaração alguma depois de acabada a sua doença?! Pois referendeu a Lei, e póde dizer que o seu pensamento de 1845 era o mesmo que o de 1843, quando em 1845 reconheceu que o pensamento de 1843 era erroneo?

Mas a verdade é, Sr. Presidente, que a coartada de ter estado doente durante essa discussão não póde admittir-se; porque se S. Ex.ª faltou por doente a algumas sessões assistiu comtudo á maior parte dellas, e principalmente á de 26 de Fevereiro, em que a commissão retirou o projecto de 1843, declarando erroneas algumas das suas bases. S. Ex.ª tomou mesmo a palavra na sessão de 28 do mesmo mez, e fallou no sentido das novas bases apresentadas pela commissão. Mas deixemos isto de parte, e que eu só referi para que a Camara conheça bem qual é o espirito, que preside a este debate pelo lado da opposição, e voltemos a tractar esta questão na sua origem, já que a isso me obriga o Digno Par. Lerei, talvez pela terceira vez, alguns documentos: peço perdão á Camara se a enfado com esta leitura; mas que remedio, se o Digno Par está sempre a insistir nos argumentos que eu já destrui.

No projecto apresentado em 1843 na outra casa do Parlamento para a organisação do Conselho de Estado liam-se os artigos seguintes:

«Art. 48.° As consultas da secção administrativa não tem força de obrigar senão depois de resolvidas pelo Governo.»,.

«Art. 52.º A secção do contencioso delibera em ultima instancia salvo o recurso, de que ao diante se falla, sobre os recursos etc...»

«Art. 60.° Os accordãos da secção do contencioso serão motivados.»

Este projecto está assignado pelo Sr. Antonio Bernardo da Costa Cabral. (O Sr. Conde de Thomar....) É a doutrina que sustenta, mas que já tinha abandonado em 1845. (O Sr. Conde de Thomar—Não abandonei.) O projecto, Sr. Presidente, dizia, que as consultas da secção administrativa, note-se bem, da secção administrativa não se tracta da secção, do contencioso, que era, segundo este projecto, um tribunal independente), não tinham força de obrigar senão depois de resolvidas pelo Governo. Permitta-se que diga que esta disposição era inutil, não prova a ignorancia que naquelle tempo havia sobre estas questões; peço desculpa desta lingoagem. (O Sr. Marquez de Vallada—De quem era a ignorancia?) Podia ser minha, podia ser de V. Ex.ª e de todo o mundo. (O Sr. Marques de Vallada—Minha não natus non eram.) Tanto melhor para V. Ex.ª (O Sr. Marquez de Vallada—Quiz saber para registar.) Não precisava ter esse incommodo; porque nós lemos um registo authentico que são os Srs. Tachygraphos, que tomam nota de tudo o que aqui se diz. Eu referi esta disposição para a pôr em parallelo com os artigos 52.° e 60.°, que já li, que provam exuberantemente, que segundo o projecto do Digno Par em 1843 a secção administrativa era méramente consultiva, em quanto que a secção do contencioso era um tribunal independente, que resolvia em ultima instancia, e por accordãos seus, que não careciam de sancção do Governo, as questões que lhe eram submettidas. Mas veio este negocio á discussão em 1845, e o relator da commissão na outra Camara disse entre outras cousas o seguinte:

«Segundo esse plano (o de 1843) havia uma «secção contenciosa, que era verdadeiramente um «tribunal administrativo, para julgar e fazer executar pela sua propria auctoridade as suas decisões. A commissão entendeu, que isto era um «erro em administração; ponto este, que tem sido «levado a maior evidencia em França, na sessão «de 1834, e na de 1843. Esta consideração não «podia deixar de fazer alterar o systema da commissão, e é a razão, porque a mesma commissão «de accôrdo com o Governo entendeu, que não «devia haver differença com relação ao meio de «execução das votações de uma e de outra secção; que não devia haver differença entre a secção administrativa e a contenciosa, e que nenhuma devia ter o direito de executar por sua apropria auctoridade as suas decisões, por isso «mesmo que isto não podia deixar de embaraçar «o Governo na sua acção, e tornal-o um verdadeiro authomato.»

Não sei como era possivel que a commissão se exprimisse em termos mais cathegoricos para demonstrar, que a um systema tinha substituido outro systema diametralmente opposto, e que essa substituição fóra feita de accôrdo com o Governo. Infere-se porém daqui ainda outra cousa, e é que a commissão na redacção da sua substituição tivera em vista a legislação franceza, e a discussão, que tivera logar a respeito della. Sirva isto de resposta ao Sr. Aguiar, que me perguntou ha pouco o que havia de commum entre a nossa legislação a este respeito e a legislação franceza.

Segundo esses principios appareceu na substituição o artigo 14.°, que suppre os artigos 48.°, 52.° e 60.º do projecto de 1843, e que diz o seguinte:

«Por qualquer modo que o Conselho de Estado «funccione, as suas deliberações serão reduzidas «á fórma de consultas, as quaes só obrigarão depois de resolvidas pelo Governo.»

Aqui está a differença essencial dos dois systemas. No primeiro a secção administrativa era consultiva; e a do contencioso era um tribunal independente. No segundo ambas as secções são consultivas, nenhuma tem jurisdicção propria, uma não differe da outra. A Lei de 3 de Maio de 1845 está redigida segundo o ultimo systema, e custa a comprehender como o Digno Par, que o abraçou, retirando o seu primeiro projecto, queira agora interpretar essa Lei segundo as doutrinas, que S. Ex.ª mesmo em pleno Parlamento declarou erroneas. Eu espero porém, que uma Camara tão illustrada como esta não deixará de fazer a devida justiça á errada argumentação do Digno Par.

Accrescentarei só o que já disse aqui n'outra sessão, e vem a ser, que durante o debate na outra Camara, estiveram sempre em presença os dois systemas; porque o Sr. José Maria Grande sustentou denodadamente o projecto primitivo do Governo, e combateu palmo a palmo todas as alterações propostas pela commissão; o que obrigou o seu relator a estar sempre na brecha para defender a substituição, no que foi valentemente auxiliado pelos Srs. Ferrão, e Carlos Bento, que eram membros da maioria.

Esse debate não deixa a menor duvida a quem estudar de boa fé esta questão.

Eu sinto, que se tenha pretendido tractar este assumpto por perguntas destacadas, e por incidente: desejava que se annunciasse uma interpellação em fórma, e que se fixasse dia para estarmos aqui todos os Ministros: questões tão graves de direito administrativo não se podem tractar assim.

E se o Digno Par já se não lembra de que durante o seu ultimo Ministerio dois Ministros seus collegas, que eram Conselheiros de Estado, foram funccionar no Conselho de Estado, não me admira de que se tivesse tambem esquecido da doutrina estabelecida no Decreto que organisou o Tribunal do Thesouro (O Sr. Conde de Thomar —Peço a palavra), promulgado em 1844, sendo S. Ex.ª tambem Ministro. Pois como funccionava o Tribunal do Thesouro nas questões do contencioso da fazenda publica? É como está funccionando actualmente a Secção do contencioso administrativo do Conselho de Estado: não se fez mais do que transferir para o Conselho de Estado a resolução das questões, que antes pertencia ao Tribunal do Thesouro. Este Tribunal tomava conhecimento dos recursos interpostos pelos collectados e pela fazenda publica, note-se bem, o Tribunal do Thesouro tomava conhecimento destes recursos, e quem era o Presidente do Tribunal do Thesouro? Era o Ministro da Fazenda. E quem resolvia as consultas do Tribunal do Thesouro? O Ministro da Fazenda. E quem ordenava que se interpozesse recurso por parte da fazenda contra as collectas, que por diminutas lesavam os interesses do Thesouro? O Ministro da Fazenda. Este Decreto pertence a uma das administrações do Sr. Conde de Thomar, e esteve em vigor sendo Ministro o Sr. Aguiar.! Fazem parte desta Camara quatro cavalheiros que pertenceram a esse Tribunal: são o Sr. Visconde de Castro, o Sr. Visconde de Castellões, o Sr. Barão de Chancelleiros, e o Sr. Visconde de

Algés: o Sr. Ferrão funccionou tambem nesse Tribunal como Procurador geral da fazenda. Então não se julgou facto escandaloso esta pressão, que é um termo que faz hoje effeito, que exerce um Ministro de Estado sobre a decisão dos seus no Conselho de Estado, quando lá funcciona: devendo notar-se, que em quanto os Conselheiros de Estado são vitalicios não o eram os membros do Tribunal do Thesouro. O Sr. Conde de Thomar quiz mostrar que estas expressões do Sr. Aguiar não faziam offensa aos Conselheiros de Estado, e que eu os defendera para captar a sua benevolencia. S. Ex.ª enganou-se, porque eu não preciso captar benevolencia de ninguem naquella posição em que S. Ex.ª me collocou. Basta-me só que me façam justiça. Mas não será offensa o dizer-se a uma corporação composta de homens, collocados na mais elevada posição social, que essa corporação não póde exercer livremente as funcções que lhe confere a Lei, só porque vai funccionar no seu seio um Ministro de Estado, que é tambem membro della?

A argumentação do Digno Par o Sr. Conde de Thomar firma-se em fundamentos falsos, firma-se em que a nossa legislação actual está de accôrdo, não com a legislação franceza, mas com a opinião dos auctores que teem escripto contra essa legislação, e eu já provei, e estou prompto a provar de novo, que a legislação franceza é a fonte da nossa legislação sobre a organisação actual do Conselho de Estado. S. Ex.ª sustentou tambem, que entre nós os Conselheiros de Estado, em quanto Ministros, não funccionaram nunca nas Secções do Conselho de Estado, e eu provei o contrario com o meu proprio exemplo. Os artigos que S. Ex.ª leu, tambem do Decreto de 9 de Janeiro de 1850, referem-se só aos Conselheiros de Estado que não são Ministros, e eu não fui funccionar ao Conselho de Estado como Ministro, mas como Conselheiro de Estado. Diz S. Ex.ª que é uma distincção que não se póde fazer, pois é a propria Lei, que S. Ex.ª cita, quem faz essa distincção quando prohibe ao Ministro o votar no Conselho de Estado, salvo sendo Conselheiro de Estado.

Disse o Digno Par, que como havia quatro Conselheiros de Estado effectivos na Secção do Contencioso Administrativo, que eram Pares do Reino, e como todos elles obedeceram á decisão desta Camara, o Governo não podendo lêr um Conselheiro de Estado effectivo, que presidisse á Secção, transferira um desses Conselheiros de Estado para a Secção Administrativa, e um da Secção Administrativa para a Secção do Contencioso, a fim de que este presidisse essa Secção. Assim e; mas pergunto a S. Ex.ª aonde está aqui o mal? Queriam os Dignos Pares que a Secção do Contencioso não funccionasse? Parece que sim, parece que o fim do Digno Par e o do Sr. Aguiar, era que não sendo absolutamente possivel que funccionasse essa Secção, sem a permissão da Camara, o Governo fosse obrigado a vir aqui por força pedir licença. Eu entendo, Sr. Presidente, que era da dignidade desta Camara não fallar por ora nesta questão: o Governo entregou já a questão a quem a podia entregar, a questão está nas mãos de quem deve estar, e o Governo empregou todos os meios que devia empregar em vista da Lei para fazer funccionar as duas Secções do Conselho de Estado; e entendo que os Dignos Pares deviam dar agradecimentos ao Governo, porque veio tirar desta Camara um odioso que pesava sobre ella. Supponha a Camara, que era impossivel que a Secção do Contencioso funccionasse por causa do estorvo posto por esta Camara, de quem se havia de queixar o publico? Do Governo de certo que não, porque não ha ninguem que entenda imparcialmente, que sendo levantado um conflicto entre uma das Casas do Parlamento e o Governo, deve logo ceder o Governo: nem esta Camara o póde querer, porque se o quizesse, o que não creio, ficava provado, que a resolução, que a Camara tomára, tivera unicamente por fim crear embaraços ao Ministerio, e obriga-lo a retirar-se. A Camara é muito esclarecida para comprehender que a Carta lhe deu uma missão muito mais elevada do que a de fazer e desfazer, caprichosamente, Ministérios; sobre tudo quando ella não póde deixar de reconhecer que o Governo faz o seu dever na posição delicada, que lhe crearam, e que não é obra delle.!

O Sr. Conde de Thomar.....

O Sr. Aguiar....

(Da acta) «O Digno Par (sobre a ordem) apresentou a seguinte proposta:

«A Camara dos Pares, ouvidas as explicações do Governo sobre as providencias que tomou para que as Secções Administrativa e do Contencioso Administrativo do Conselho de Estado, podessem funccionar, tendo em consideração que taes providencias são irregulares, o que não succederia se o Governo se conformasse com as resoluções da mesma Camara sobre este objecto, passa á ordem do dia. — J. A. de Aguiar.»

O Sr. Presidente declara que o regimento no artigo 36.°, determina que todas as propostas que não acabarem por um projecto de lei, fiquem em cima da mesa para nova leitura, a não ser pedida a urgencia.

O Sr. Aguiar....

O Sr. Presidente neste caso consulta a Camara sobre a urgencia.

A votação approvou-a, e entrou em discussão.

O Sr. Ministro da Fazenda—Eu estimo que o Digno Par trouxesse a questão a este terreno, mas V. Ex.ª comprehenderá que é uma nova questão que se apresenta agora, porque até agora tractou-se unicamente de pedir explicações ao Governo sobre a maneira como funccionaram as Secções Administrativa e Contenciosa do Conselho de Estado, e agora faz-se outra cousa, dá-se por assentado que o Governo violou as Leis, e inflinge-se por isso uma censura ao Governo. Está a Camara dos Dignos Pares, está o cavalheiro, que mandou para a Mesa essa proposta, habilitado a dizer com a mão na sua consciencia, que o Governo violou as Leis?. Se a Camara dos Srs. De

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putados decretar a accusação do Ministerio por essa violarão» quem o ha de julgar, se esta Camara se tornar suspeita emittindo antes de tempo a sua opinião sobre este assumpto? Confesso francamente, que o que estou vendo produz em mim um tal desalento, que a unica considerarão que me retem na situação, em que me acho, 6 a consciencia do meu dever, é a convicção de que estou pugnando aqui pelos principios constitucionaes, que vejo postergados por aquelles, que tanta obrigação tem do os defender.

Nesta proposta vê-se, Sr. Presidente, uma revelação solemne de que o que se queria era obrigar o Governo a abdicar da sua dignidade, vindo acceitar como interpellação authentica de um artigo da Carta aquillo que é mera opinião desta Camara. Rogo a um dos Srs. Secretarios que tenham a bondade de lêr esse notavel documento, ou que tenha a bondade de me remetter. (O Sr. Secretario Conde de Mello— Eu leio.) Se V. Ex.ª permitte, eu estimarei mais lê-lo aqui (leu).

«A Camara dos Pares, ouvidas as explicações «do Governo sobre as providencias que tomou, «para que as Secções Administrativa, e do Contencioso Administrativo do Conselho de Estado podessem funccionar, tendo em consideração «que taes providencias são irregulares, o que «não succederia se o Governo se conformasse «com as resoluções da mesma Camara sobre este «objecto, passe á ordem do dia. — J. A. de Aguiar.»

Estão desmascaradas as baterias! Disto é que eu gosto. Agora se vê por que é que se tomou a resolução sem audiencia ou assistencia do Governo. (O Sr. Aguiar...) O Sr. Ministro não tem direito de entrar nas nossas intenções. (O Sr. Marquez de Vallada — Faltou á ordem. O Sr. Marquez de Fronteira — Apoiado. Vozes — Ordem, ordem. O Sr. Aguiar. Não era o Sr.

Aguiar que tinha direito de n:e chamar á ordem, porque foi S. Ex.ª que no outro dia não fez mais do que, n'uma interpellação sobre este assumpto, dirigir-me expressões injuriosas, entrando constantemente nas minhas intenções: eu não segui nem seguirei o seu exemplo, e felizmente ha alguma cousa superior a nós, que é a opinião dos homens sensatos, que nos ha de julgar a ambos, e eu não temo o seu juizo.

As providencias adoptadas pelo Governo são irregulares, diz o Sr. Aguiar, e S. Ex.ª acha que era regular, que o Governo declarando nesta Camara, que entendia que uma resolução della não podia servir de interpretação authentica de um artigo da Carta; lendo proposto na outra Camara do Parlamento a interpellação authentica desse mesmo artigo, viesse depois de tudo isto desdizer-se nesta Camara, e acceitar como Lei a sua resolução! Espanto-me, que S. Ex.ª lançasse por escripto, e assignasse taes doutrinas! Este documento já pertence á historia, e não ha de fazer nunca honra a S. Ex.ª

Pertende-se, que o Governo é reo de um grande crime, que violou a Constituição, calcou aos pés todos os direitos dos cidadãos, e infringiu todas as garantias constitucionaes; mas está pendente da outra Camara uma interpellação sobre este mesmo objecto, e se essa Camara vir a questão como a vêem os Dignos Pares, a consequencia inevitavel será a accusação do Ministerio; e quem o ha de julga, torno eu a perguntar?

Eu sustento que o Governo fez o que devia fazer, e entendo que esta Camara não está habilitada para se pronunciar sobre uma questão desta gravidade.

Se o Sr. Aguiar tivesse pedido que a sua proposta fosse a uma commissão, eu nada diria, porque appellava para a sensatez dessa commissão, para o seu sangue-frio, para a sua razão esclarecida, e finalmente, para as razões que o Governo havia de dar com os documentos na mão para inovar a regularidade do seu proceder, e a injustiça com que é agredido.

Aqui tem-se tractado de desfigurar esses documentos; mas quando elles forem devidamente analysados pela commissão, ha de se reconhecer o nenhum fundamento da acre censura que se quer infligir ao Governo. Assim é que esta Camara obraria com regularidade, e conforme com os fins da sua instituição: o contrario será dar a esta Camara o caracter, que lhe não pertence pela Carta.

Por mim, como Ministro, faço votos para que a Camara approve esta moção para acabar com uma situação de que não recebo senão amarguras, e que cada dia se me torna mais penosa. Como cidadão portuguez, interessado na manutenção dos bons principios, se a Camara adoptar esta resolução, hei de cobrir o rosto com um véo de lucto, e hei de exclamar — acabou a liberdade no meu paiz, porque onde se deviam vêr os principios de ordem, de moderação e de respeito ás Leis, não se encontram senão paixões.

O Sr. Visconde de Balsemão — Eu não podia deixar de tomar a palavra, porque, não tenho receio de o dizer, considero a proposta do Digno Par como anti-constitucional. Os inconvenientes que della resultariam estão já expendidos pelo Sr. Ministro da Fazenda, que os demonstrou melhor do que eu o poderia conseguir.

Eu já disse da outra vez, retirando o voto que havia prestado, que a interpretação que se tinha dado a um artigo da Carta não estava regular, não podia Ter força sem ser reduzida a lei que passasse pelos tramites que estão prescriptos. Agora esta proposta do Sr. Aguiar importa outra interpretação tambem, em quanto a mim, incompetente. Pergunto, se a outra Camara resolver a questão que lhe está affecta de modo differente do que se resolveu aqui, quaes são as consequencias? Se esta Camara tiver votado como o Digno Par quer — que o Governo infringiu as leis — qual o resultado? Parece-me que quanto mais se saír além do campo em que citamos maiores serão os embaraços que resultarão para esta Camara no futuro.

Na proposta do Sr. Aguiar é que eu vejo a postergação de todos os principios, por quanto evidentemente a esta Camara o que pertence é dar sempre o exemplo da moderação e imparcialidade, não votando jámais qualquer resolução que possa comprometter a sua dignidade como Tribunal de Justiça.

Eu poderia outra vez entrar na materia, e sustentar a opinião que se nega, mostrando que o Conselho de Estado nas duas secções é méramente consultivo; não desejo, porém, entrar de novo em questões desta ordem com jurisconsultos tão exímios, e que lêem formado já a sua opinião; mas eu tambem tenho em meu apoio os sabios juristas mr. Merlin e mr. Sirey, e outras auctoridades francezas, que seguem a doutrina que eu tenho sustentado, e mostrado, que o contrario seria crear um quinto podér; que a constituição franceza não admittiu por isso que o Conselho de Estado em França tinha substituido o Conselho do Rei, que antigamente exercia tal jurisdicção, que podia cassar mesmo os accordãos do Tribunal de cassação, e essas attribuições lhe foram em parte cerceadas no Conselho de Estado ultimamente organisado, porque lá estava, não só pela lei que ha annos regia, mas sobre tudo, depois que ultimamente furam estabelecidas as novas bases pela legislatura franceza, dependente a sancção dos accordãos do podér executivo.

Deixo, porém, esta questão que está passada, e limito-me aquillo para que pedi a palavra, que foi para me oppôr a esta proposta anti-constitucional, que comprometto gravemente a situação dos Dignos Pares, podendo tornarem-se hoje partes naquillo mesmo em que podem vir a ser juizes no futuro.

O Sr. Conde de Thomar

(Da acta.) «O Digno Par, fazendo algumas observações sobre a proposta do Digno Par o Sr. Joaquim Antonio de Aguiar, apresentou a seguinte substituição:

«A Camara dos Pares, ouvidas as explicações do Governo sobre o modo por que providenciou para funccionarem as secções administrativa e do contencioso administrativo do Conselho de Estado, não as julgando satisfactorias, passa á ordem do dia. = Conde de Thomar.»

O Sr. Presidente propõe á votação a admissão da proposta que o Sr. Conde de Thomar apresentou em substituição da do Digno Par o Sr. Aguiar.

Foi admittida.

O Sr. Presidente, visto que está admittida, declara-a em discussão, e concede a palavra ao Sr. Ministro das Obras Publicas.

O Sr. Visconde d'Algés (sobre a ordem) pergunta ao Sr. Presidente, se no relogio da casa já deu a hora?

O Sr. Presidente declarou parecer-lhe que ainda não.

O Sr. Visconde d'Algés—Se não deu, está proxima a dar; e pede que neste caso se consulte primeiro a Camara sobre se deve ou não prorogar-se a sessão.

Entende que o negocio está ainda pouco esclarecido para se podér votar já a indicação do Digno Par. A discussão que tem havido é provavel que não satisfaça a Camara para tal caso, por ser negocio muito lato, e carecer de ser mais desenvolvido. Entende que a discussão deve continuar. Entretanto obedecerá a qualquer resolução da Camara.

O Sr. Ministro da Fazenda (sobre a ordem) — Eu estou ás ordens da Camara; mas V. Ex.ª comprehendo perfeitamente que os Ministros não podem deixar de fallar entrando no novo debate que, no meu entender, se ha de necessariamente abrir, e nós estamos dispostos a sustentar os bons principios, e a nossa posição. Se a Camara quer prorogar a sessão, parece-me isso um pouco violento para quem está a trabalhar desde pela manhã; não obstante, se a prorogação se votar sujeitar-nos-hemos; mas eu previno desde já a Camara, que hei de fallar largamente sobre o assumpto.

O Sr. Visconde d'Algés: repete ser sua opinião que a materia não está sufficientemente ilustrada para se votar logo.

O Sr. Aguiar...

(Da acta) «Pediu a palavra para retirar a sua proposta, conformando-se com a substituição feita pela proposta do Digno Par o Sr. Conde de Thomar»

O Sr. Presidente consulta a Camara se concede que o Digno Par haja de retirar a sua proposta A Camara conveio.

O Sr. Presidente declara que seria a ordem do dia para a seguinte sessão de segunda-feira a continuação da mesma, e os projectos de lei que vinham para a presente; e assim dá por levantada a deste dia.

Relação dos Dignos Pares que estiveram presentes na sessão do dia 20 de Março de 1859.

Os Srs.: Visconde de Laborim; Duque da Terceira; Marquezes: de Ficalho, de Fronteira, de Niza, de Pombal, da Ribeira, e de Vallada; Condes: da Arrochella, da Azinhaga, do Bomfim, do Farrobo, de Fonte Nova, da Louzã, de Mello, de Paraty, da Ponte, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, do Sobral, e de Thomar; Viscondes: d'Algés, d'Athoguia, de Balsemão, de Benagazil, de Castro, e da Luz; Barões: de Chancelleiros, de Pernes, e da Vargem da Ordem; Mello e Saldanha, D. Carlos Mascarenhas, Margiochi, Aguiar, Larcher, Isidoro Guedes, Eugenio d'Almeida, Brito do Rio, e Aquino de Carvalho.

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