O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1322

1322

CAMARA DOS DIGNOS PARES

SESSÃO EM 12 DE ABRIL DE 1864 PRESIDÊNCIA DO EX.MO SR. CONDE DE CASTRO

Vice-presidente

Secretarios, os dignos pares

Conde de Peniche

Conde de Mello

Ás duas horas e meia da tarde, achando-se presente numero legal de dignos pares, declarou o sr. presidente aberta a sessão.

Lida a acta da precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver observação em contrario. '

Deu-se conta da seguinte correspondencia:

Um officio do ministerio da marinha e ultramar, pedindo que lhe sejam devolvidos os papeis que a esta camara enviou relativos aos acontecimentos ultimamente occorridos em Timor, em virtude de um requerimento do digno par Miguel Osorio.— Para a secretaria.

Do ministerio da fazenda, remettendo copia authentica da nota indicativa do tabaco despachado para consumo na alfandega grande de Lisboa nos cinco annos civis contados de 1857 a 1861, satisfazendo o requerimento do digno par conde d'Avila.

O sr. Conde d'Avila: — Sr. presidente, muito folgo que tivessem chegado os esclarecimentos, que requeri pelo ministerio do reino sobre o tabaco importado n'este paiz nos annos de 1857 a 1861. Agora tenho outro requerimento que vou dirigir á camara para que ella resolva que se peçam ao mesmo ministerio os esclarecimentos de que trato n'esta nota que vou enviar para a mesa:

Requeiro, que se peça ao governo pelo ministerio dos negocios da fazenda queira remetter a esta camara com a possivel brevidade as notas da emenda, a que se refere o mappa, que se encontra no relatorio, que precede a proposta do governo para a abolição do monopolio do tabaco, sobre o augmento do consumo d'este genero em Portugal desde 1834. No caso de não haver tempo para se tirarem copias das mesmas notas, que são indispensaveis para a discussão da referida proposta n'esta camara, requeiro que se peçam os originaes, que serão devolvidos apenas examinados.

Sala das sessões, 12 de abril de l864. = Conde d'Avila.

O sr. Presidente: — Manda-se expedir.

O Orador: — Peço a V. ex.ª toda a brevidade a este respeito, porque é objecto importante e urgente.

O sr. Presidente: — Vae ter logar a segunda leitura da proposta do sr. Sebastião José de Carvalho sobre a reforma da lista, pela qual se faz a chamada na camara.

Leu a o sr. secretario conde de Peniche.

O sr. Presidente: — Esta proposta, como não é seguida de nenhum projecto de lei, póde ser resolvida pela camara se assim o entender, ou póde ser remettida a uma commissão.

Vozes: — A commissão.

O sr. S. J. de Carvalho: —.......................

O sr. Conde de Thomar: — Era melhor que V. ex.ª propozesse se deveria ir a uma commissão sem declarar qual era (apoiados).

Posto á votação se devia ir a uma commissão qualquer foi approvado.

O sr. S. J. de Carvalho: —.......................

O sr. Secretario (Conde de Mello): — Para a mesa nunca é de pouca importancia qualquer votação, seja o assumpto mais ou menos importante; e não é o que V. ex.ª acaba de dizer: eu contei o numero dos dignos pares que estavam na sala, eram 46, vi que não havia metade e mais um levantados, e declarei e mais o meu collega ao sr. presidente, que não estava vencido, mas na terceira votação havia 26 levantados; já se vê que 26 é mais de metade.

O sr. S. J. de Carvalho: — Eu propunha que se nomeasse uma commissão especial.

O sr. Moraes Carvalho: — Sr. presidente, nomeou a camara uma commissão para dar o seu parecer sobre um projecto de um digno par, e já, depois d'esta houve uma outra questão igual e foi tambem á mesma commissão; eu pedia a V. ex.ª que propuzesse á camara se se deve considerar como permanente a commissão do regimento, para lá irem todas as propostas d'esta natureza?

Poz-se á votação e foi approvado.

O sr. S. J. de Carvalho: —......................

O sr. Marquez de Vallada: — Expoz que desejava fazer uma pergunta ao nobre duque de Loulé, mas como elle não estava presente, e o assumpto de que ía tratar era grave, qualquer outro dos srs. ministros poderá de certo responder.

A sua pergunta reporta-se a um projecto que se tinha promettido quando o ministerio tomou conta dos negocios publicos e se collocou á frente d'elles, a organisação da policia; e não só da capital, mas de todo o reino; e isto acha-se em um -dos artigos do pomposo programma com que este governo subiu ao poder.

Os dois srs. ministros que se achavam presentes deviam

dar a devida importancia a similhante questão, tanto mais que elle, orador, acabava de lêr em um dos jornaes da capital, que o governo recebêra um despacho telegraphico, participando que trinta ladrões de Italia tinham vindo estabelecer a sua sede em Portugal. Ora parece que já cá tinhamos poucos. Seria para vir illuminar com as luzes do progresso do roubo (porque tambem ha progresso no roubo) aos seus companheiros e collegas que talvez trabalhassem mal, e alguns mesmo que já se teriam deixado d'aquelle trabalho; e aquelles que são mais illustres e mais distinctos n'esta arte, não bó na arte de roubar mas na de assassinar, acham-se no ca60 de os amestrar.

E certo que Lisboa presenciou havia poucos dias um caso digno de lamentar, parece que foram italianos, que se dizem envolvidos já em roubos e assassinatos, os prepetradores d'este attentado. Estes homens suspeitos costumam mesmo entrar no reino, dando-se sob diversos empregos ou officios como agentes de companhias, commissarios da agencias... Isto acontece em toda a parte, mas o que é certo é que estes factos sao antigos, como já teve a honra de dizer numa interpellação que n'esta casa dirigiu ao sr. Mártens Ferrão, quando se tratou da moeda falsa. N'essa occasião mostrou que, se as ligas dos criminosos eram antigas, tambem as ligas dos homens de bem e dos governos contra essas especies de attentados eram antigas. O que é de certo necessario, util e urgente é, que o governo tome todas as medidas para uma nova organisação da policia, porque embora a policia tenha feito muito mais do que era de esperar, embora os empregados d'ella tenham prestado bons serviços, porque sobretudo folga de poder prestar a sua homenagem aos empregados, e- n'essa occasião a prestava tambem ao sr. marquez de Sabugosa, illustre membro d'esta casa, que ha pouco deixara de estar á frente d'este districto, e que teve o maior desejo de cumprir em tudo com os seus deveres; mas pelos obstaculos que encontram sempre os governadores civis, a falta de meios, e uma boa organisação da policia, não podem chegar ao fim que desejara.

Deseja portanto uma resposta, e vem a ser, se porventura antes de acabar esta sessão o governo tenciona apresentar uma medida para melhor organisar a policia de todo o reino?

É necessario, por consequencia, que se tome uma medida verdadeiramente util e efficaz, para obstar quanto possa ser aos attentados contra a segurança individual, e contra a segurança publica em geral.

O er. ministro da justiça, que havia pouco pedíra a palavra, quereria de certo responder ás considerações que acabava de apresentar. Aguarda a resposta de s. ex.ª

O sr. Ministro da Justiça (Gaspar Pereira): — Sr. presidente, peço á camara que me releve se dou uma resposta muito concisa á pergunta que acaba de me ser feita pelo digno par marquez de Vallada.

A segurança publica é um objecto da mais alta importancia, e tem merecido sempre ao governo a sua maior solicitude; por isso não era possivel que o governo deixasse de ocupar-se com todo o cuidado de um assumpto tão importante.

O er. S. J. de Carvalho: — Peço a palavra.

O Orador: — Eu sei que o sr. Anselmo José Braamcamp, quando se achava á testa da secretaria dos negocios do reino, tinha muito ti peito este objecto da segurança publica, e apresentou um projecto ácerca da organisação da policia; sei que o sr. duque de Loulé, actual presidente do conselho e ministro do reino, tambem tem os mesmos desejos, os quaes são partilhados por todos os seus collegas.

O sr. Conde de Thomar: — Peço a palavra.

O que porém não posso dizer ao digno par com exactidão é quando se ha de realisar um melhoramento. Repito portanto que o governo toma muito a peito este negocio, e se for possivel ha de apresentar ainda n'esta sessão alguma medida que attenda ao melhoramento e organisação da nossa policia ou promover a que foi apresentada, a fim de que a segurança publica melhore quanto possivel seja.

O sr. Marquez de Vallada: — Peço a palavra.

O Orador: — Quanto a essa sociedade a que alludiu o digno par — posto que não tenha esse nome proprio; parece-me que se lhe deve chamar antes ajuntamento de ladrões — posso assegurar que o governo ha de empregar todos meios de policia preventiva para evitar os crimes, e quando elles se cheguem a realisar não deixarão esses estrangeiros de encontrar entre nós o castigo que merecem os seus attentados.

O sr. S. J. de Carvalho: —.......................

O sr. Conde de Thomar: — Expoz que a segurança publica, como o havia reconhecido o sr. ministro da justiça, não é tal como se poderia desejar; mas s. ex.ª, para mostrar que o governo tem tido em consideração este objecto, disse que estivera n'aquellas cadeiras do governo um ministro, o qual teve desejos de organisar a administração publica e este ramo de policia. De certo que todo o empenho do sr. ministro n'este negocio se traduz por um desejo que já teve um ministro, que hoje não existe, de ter tido os brios de organisar este ramo de serviço publico. Ora, elle, orador, desejaria que o governo se não limitasse aos desejos do passado, e que se occupasse de factos no presente.

Toda a camara sabe que na sessão passada elle, orador, apresentou um projecto de lei tendente a organisar em parte a administração publica, para depois haver tambem uma boa policia. Emquanto não houver bons empregados de administração, podem os srs. ministros adoptar as medidas que quizerem que serão frustradas. Todos sabem que tendo sido approvado este projecto, quasi por unanimidade, o sr. ministro do reino se dirigiu a elle, orador, pedindo-lhe que desistisse da continuação da discussão d'aquelle projecto, porque tinha um trabalho mais completo sobre aquelle objecto, o qual ía apresentar na outra casa, e effectivamente apresentou. Pôde aquelle trabalho que apresentou ter defeitos, e até mesmo havia de indicar alguns quando se tratasse da discussão d'elle, mas ninguem póde duvidar que tambem tem provisões muito proficuas para a organisação do serviço publico.

Vinda esta questão á discussão por occasião de uma interpellação, dirigiu-se elle, orador, ao sr. ministro da marinha, que então se achava presente, e lhe perguntou quaes as intenções do governo sobre este objecto. A isto respondeu s. ex.ª dizendo, que o governo tendo achado n'aquelle projecto provisões que não podiam ser adoptadas, e em vista mesmo de uma certa opposição que tinha apparecido, o reconsiderara, mas que o governo se occupava d'isto incessantemente, e que ainda n'esta sessão se havia de occupar da sua discussão e adoptar medidas para melhorar aquelle ramo de serviço publico.

Ora, já se vê que a par dos desejos que teve um ministro, que já não existe, ha estas promessas continuadas do governo se occupar do assumpto. Mas perguntou se a sociedade póde contentar-se com os desejos passados e com promessas que se não realisam? Não póde ser. É necessario que os srs. ministros, desde que fazem promessas ao parlamento de apresentarem projectos de lei que tendam a organisar qualquer ramo de serviço publico, não fiquem em palavras, realisem essas promessas e não venham successimente fallar em desejos e fazer promessas que nunca se podem realisar.

Pediu a palavra para fazer estas observações, e portanto já via o sr. ministro da justiça que elle, orador, não podia dar-se por satisfeito com a resposta de s. ex.ª ao sr. marquez de Vallada. Quando elle, orador, falla n'estes negocios não é suspeito, porque essas leis de administração publica, pelas quaes ainda se rege o paiz, todas se acham referendadas por elle.

Não tem empenho em sustentar a sua obra, porque se hoje fosse ministro teria de certo apresentado projectos de lei para reformar parto da obra que havia feito com os seus collegas, pois a experiencia tem mostrado que algumas das disposições que se contêem no codigo administrativo, e alguns regulamentos, carecem de ser reformados. Todas as pessoas que têem estado á frente da administração publica têem reconhecido, pela experiencia, que é preciso modificar estas leis.

O sr. Marquez de Vallada: — Também se não deu por satisfeito com a resposta do sr. ministro, se bem que lhe agradece a urbanidade da sua explicação. Reserva-se, portanto, para quando estiver presente o sr. duque de Loulé, ao qual pedirá o cumprimento das promessas feitas ante o parlamento.

O sr. Ministro da Fazenda (Lobo d'Avila): — Acha inutil esta discussão, por não conduzir a resultado algum. E certo que as reformas importantes não se podem fazer, de um jacto, e sim successivamente, pois mesmo um antigo amigo nosso diz que quem muito enfeixa pouco ata.

Deve tratar te, portanto, de ir adoptando o que for mais urgente, e que as circumstancias permittam ir fazendo gradualmente.

Emquanto á policia é a falta de recursos o que tem obstado a que este ramo de serviço chegue ao que é para desejar; mas o governo occupa-se seriamente deste assumpto, para ver se é possivel ainda na actual sessão apresentar uma proposta sobre tão momentoso objecto.

O sr. S. J. de Carvalho: —.......................

O sr. Marquez de Sabugosa: — Apear de julgar muito importante o negocio que incidentemente agora aqui se ventilou, qual é o da organisação da policia da capital, não foi para entrar n'essa questão que pedi a palavra, reservando-me para o fazer quando n'esta casa seja apresentada uma proposta do governo sobre o assumpto, pois estou persuadido que se não demorará em a sujeitar á approvação do parlamento. Foi sómente para responder a uma observação que o digno par o sr. Sebastião de Carvalho fez a meu respeito, que pedi a palavra.

Disse s. ex.ª que a imprensa periodica tinha noticiado, que o motivo porque pedíra a minha demissão de governador civil do districto de Lisboa fóra o de divergir da opinião do governo na importantissima questão dos expostos. Pede a lealdade que não deixe passar esta asserção sem a rectificar devidamente.

Agradecendo por esta occasião aos dignos pares os srs. Sebastião de Carvalho e marquez de Vallada as palavras benevolas que ss. ex.ªs me dirigiram, direi que não foi pela causa indicada que pedi a minha demissão. Bem longe de estar em divergencia com o governo sobre a questão dos expostos, eu adoptei completamente as bases que pelo governo me foram dadas, e confeccionei o projecto de regulamento para esse serviço no districto, conforme me fóra determinado, apresentando o á consideração da junta geral d'este districto na sua ultima sessão. O que não póde deixar de magoar me n'essa questão foi o modo por que a mesma junta geral resolveu o projecto, pois que não só o reprovou in limine, mas não o substituiu por nenhum outro; e o que tambem me causou assombro, confesso, foi ver esse projecto desapprovado pela maioria da mesa da santa casa da misericordia de Lisboa, quando, tendo essa mesma corporação apresentado anteriormente a sua opinião sobre a reforma do systema actual das rodas, opinava pela aceitação dos principios que serviram de base no projecto de regulamento. Ver infelizmente assim tratados pontos de administração de tanta gravidade, não póde deixar de desgostar.

Repito, portanto, que não divergi da opinião do governo n'este tão importante assumpto. Era esta a rectificação que precisava fazer, que se não fiz logo que a imprensa periodica noticiou o contrario foi porque não tive conhecimento

Página 1323

1323

d'essa asserção, sendo impossivel lêr diariamente todos os jornaes que se publicam na capital, e mesmo sempre responder a todas as interpretações que se dão aos actos da nossa vida publica, quando essas interpretações não importam um ataque á nossa honra.

ORDEM DO DIA

continua a discussão do artigo 5.° do projecto n.º 360 sob o parecer 318

O sr. Presidente: — Tem a palavra o digno par o sr. Osorio, que a tinha pedido sobre o artigo 5.º

O sr. Osorio de Castro: — Sr. presidente, vou entrar na discussão do projecto, a qual versa sobre o artigo 5.°

Creio que será difficil conciliar agora a attenção da camara, depois de se ter occupado por tanto tempo de outra materia importante; mas eu, pela minha parte, usando da palavra, cumprirei com os meus deveres, conforme me dicta a minha consciencia.

Primeiro que tudo, desejo dar algumas explicações ao digno par o sr. Ferrão, que rejeitando, e instando, por parte da commissão, para que a camara rejeitasse tambem o additamento que eu apresentei, me parece que se fez cargo de responder ao que eu nunca tive intenção de dizer.

S. ex.ª, quando fallou, procurou mais representar á camara que eu tinha confundido a especie, do que attender á observação que eu havia feito. Não serei eu que deixe de reconhecer a proficiencia do digno par em todas as materias; mas n'esta occasião não confundi a especie, o que a. ex.ª quiz foi lançar sobre mim a nota de menor conhecedor da materia.

Sr presidente, eu não neguei que pertencia aos tribunaes a interpretação das leis, porque seria desconhecer um direito que lhe assiste, pois até d'elle faz clara e precisa menção a reforma judiciaria n'um dos seus artigos (no artigo 1:243), que declara que os juizes não podem denegar justiça em caso algum, ainda mesmo sob pretexto de deficiencia ou falta de clareza na lei; por isso eu não podia deixar de reconhecer este direito que compete ao juizes, quanto á interpretação doutrinal, pois que a interpretação authentica é aquella que só nós podemos dar; no momento porém em que fallei não fiz esta distincção porque desconhecesse que ella existia, mas porque a carta constitucional no § 6.° do artigo 15.° declara que nos pertence a interpretação das leis, posto se deva entender que trata da interpretação authentica, pois é innegavel que a doutrina pertence a cada um dos tribunaes, que a podem dar como entenderem, e assim o fazem sempre. Mas é isto applicavel? Poderia aqui ser admittido o principio de que, aonde a lei não distingue, nós não podemos distinguir? Dir-se-ha: mas isso faz se no supremo tribunal de justiça, e elle tem um voto consultivo e affirmativo. Eu, porém, não posso deixar de dizer, que não sei se o supremo tribunal de justiça poderá interpretar a lei doutrinalmente n'este caso, porque elle só é chamado a dar um voto consultivo, e ao governo é que compete contar a antiguidade; e não se venha dizer que lhe pertence tambem o voto affirmativo, porque se não póde admittir que o tribunal consulte contra expressa determinação da lei, ou introduza nella uma cousa que não contem. Isto é que não póde ser. Mas dado mesmo este caso, sendo mesmo certo que os juizes tenham a faculdade de interpretar a lei neste caso, como a interpretação doutrinal não obriga, nem aos outros tribunaes, nem ás secções do mesmo, a seguir uma determinada opinião, podiam portanto juizes nas mesmas circumstancias ficar em differentes posições em consequencia de resoluções do mesmo tribunal; então isso é mais uma circumstancia para que nós não deixemos ir a lei com esta ambiguidade. Por consequencia tudo que acabo de expor era rasão mais que sufficiente para que deixássemos ir na lei um paragrapho, em que se dissesse — exceptuam-se porém todos os casos de força maior—, e não sujeitar todos a uma lei que não deixa logar nenhum a que se possa fazer alguma cousa a favor dos individuos.

Dada esta explicação que julguei do meu dever, vou entrar na apreciação do artigo que actualmente está em discussão e para que pedi a palavra.

Diz o artigo 5.° (leu).

Aqui temos os motivos justos ou não justos a serem apreciados.

Eu sei já que s. ex.ª se ha de preparar para me responder que n'esta circumstancia de serem ou não justos os motivos é que está a vantagem da lei, mas, sr. presidente, é esta concessão que eu não desejaria de fórma alguma deixar ficar, sem primeiro estabelecer uma fórma regular que me dê tantas garantias para o serviço publico, como eu quero tambem para a apreciação dos motivos dos juizes. É isto que eu desejo, porque não quero que fique ao arbitrio do governo a posição dos empregados judiciaes de primeira instancia.

Sr. presidente, póde-se dizer muito bem que as consultas do supremo tribunal de justiça que são exigidas para as aposentações terão logar; mas eu não vejo nenhuma determinação na lei para evitar que se possa exercer uma vindicta em algum dos juizes; e visto que a lei marca só os trinta dias de licença, é necessario que o juiz esteja logo no seu logar, porque o sr. ministro, o que fica é com a auctorisação de prover todos os logares, aonde se não apresentem immediatamente os proprietarios, não consentindo que sejam occupados pelos substitutos. Ora á vista d'isto é preciso que se determine claramente como garantia quaes são os meios de que o governo se ha de servir para averiguar as circumstancias de justiça que se podem dar na ausencia do juiz, a fim de que tenhamos a certeza de que não é a paixão nem o odio que obriga um ministro, qualquer que elle for, a obrar de uma certa e determinada maneira.

Sr. presidente, todas as garantias que nós possamos dar hão de ter sempre por si o principio da justiça, e o que for de justiça não deve ir de fórma alguma offender os outros individuos que dão á sociedade tudo quanto lhes pertence, e que têem direito á protecção da mesma sociedade; e então não devemos negar aos juizes a faculdade de se poderem manter contra o arbitrio, que porventura possa querer apresentar-se tomando o logar do direito.

Parece-me, por consequencia, sr. presidente, que a emenda que mando para a mesa deverá ser aceita, embora não apresente a seu favor outras considerações que poderia fazer, e de que me abstenho agora, porque esta questão importante já occupa a camara ha muitos dias. E por este motivo que me restrinjo, para que se não diga que estou prejudicando a questão, quando só procuro mostrar que as minhas idéas não se combinam com as que estão na lei, porque quero que haja toda a garantia para os empregados de que se trata, porque é essencialmente necessario que todos os poderes estejam em grande independencia uns dos outros, e muito principalmente o poder judicial, que deve ter toda a independencia para bem se reger a sociedade em geral, porque n'elle repousa a administração da justiça.

É necessario, portanto, que esteja bem determinada a ingerência do governo n'este ramo do serviço publico, para que elle não possa actuar sobre o poder judicial de modo que lhe tire a sua independencia.

Parece me que o artigo que mando para mesa deve evitar todos os inconvenientes que a lei possa ter (leu).

Sr. presidente, este artigo é o da lei com as modificações essenciaes, para que não seja o sr. ministro da justiça que julgue se o juiz estava doente, se quebrou alguma perna, se isto era ou não motivo para ser posto fóra do seu logar; emfim, parece-me que deste modo ficam bem resguardados os direitos quer sejam os do governo, quer os dos juizes, e se evitam que estes sejam lançados na miseria, pois a tanto corresponde deita-los fóra dos seus logares; e se esta garantia não é necessaria, em quanto for ministro da justiça o cavalheiro que actualmente occupa esta pasta, como elle não o póde ser sempre, é bom não deixar os juizes na presumpção de que podem ser prejudicados, e assim serão elles mais respeitados, mas menos medrosos e escravos da secretaria da justiça. Ora, sr. presidente, eu termino dizendo, que quem deve julgar d'estas causas justas são tres pessoas habilitadas, que digam, quando como taes as consideram: — as causas são justas, e então elles não podem perder os seus logares, e por consequencia precisam de mais algum tempo de licença. Adiante mostrarei quaes os meios que tenho para que isto se consiga (leu).

Eu peço a attenção da camara, porque, como estas emendas não foram impressas, o sr. ministro não tem conhecimento dellas (leu).

Não é porque eu julgue que os cirurgiões civis não sejam capazes de occupar estes logares, mas é porque estes estão mais na dependencia do governo, e terão por isso mais receio de faltarem aos seus deveres, e não estão na dependencia do poder judicial (leu).

Eu aqui até chego a ser algoz dos juizes, como é o auctor da lei em discussão, pois quero que elles, apesar de terem motivos justos, paguem este serviço á sua custa. Vamos agora ao § 2.° (leu).

Não faço questão da licença, mas marco lhe um praso, para que não fique a comarca sem juiz (leu).

Fica no quadro sem exercicio e com vencimento (leu).

Quer dizer, houve uma causa justa, excedeu mais do que as necessidades publicas o permittiam, porque as necessidades da comarca eram que lá estivesse o juiz; pois bem, saia do quadro, mas com vencimento, porque elle não ha de morrer de fome, por estar doente, e a comarca não ha de ficar privada de justiça, e depois irá para aquelle ou outro logar que esteja vago.

Agora vamos ao § 3.° (leu).

Sr. presidente, eu sentirei, se na leitura rapida, que dei á minha emenda, a camara não conheceu bem o que eu quero; eu fi-la com o fim de ver se explicando pouco a pouco podia fazer conhecer as suas vantagens. Peço a V. ex.ª que me mantenha a palavra, depois da inscripção actual, para poder refutar qualquer observação por parte do sr. ministros da justiça ou da commissão. Eu faço justiça as. ex.ª, e estou bem certo de que não será n'este caso dirigido por algum capricho de opinião, para não adoptar o bom principio. Tenho confiança no sr. ministro, e desde já declaro que qualquer modificação que se faça ás minhas propostas, comtanto que se admitta o principio n'ellas consignado, de que não seja o governo que julgue da justiça ou injustiça dos motivos que obrigam o juiz a estar fóra da sua comarca, eu sem capricho ou vaidade a adoptarei, porque euf sr. presidente, aqui não sou aconselhado por outro algum sentimento que não seja o desejo de acertar e de cumprir com os deveres que me impõe a minha consciencia, o que eu não quero é que fique da absoluta vontade do governo o collocar, ou deixar de collocar, ou apreciar ou deixar de apreciar a causa.

O sr. Secretario (Conde de Mello): — Isto é uma substituição?

O Orador: — Considere V. ex.ª como quizer. Parece-me que ha aqui o costume de fazer distincção entre additamentos e substituições.

O sr. Secretario (Conde de Mello): — E para tomar o logar que lhe compete na votação.

O Orador: — Se é para votar-se depois do artigo, então é melhor considerar esta emenda como substituição ou additamento.

Leu-se na mesa, sendo do teor seguinte: EMENDA AO ARTIGO 5.»

Quando algum juiz de 1.* ou 2.* instancia, findo o praso da licença que tiver obtido, não haja regressado ao seu logar, nem o fizer no praso de trinta dias consecutivos no continente e quarenta nas ilhas adjacentes, será examinado

por uma junta de saude composta de tres medicos, e no caso da junta achar que não ha motivo justo, que evite o regresso, será collocado no quadro, sem vencimento nem exercicio, e provido o logar nos termos ordinarios.

§ 1.° A junta de saude será nomeada pela secretaria da justiça, podendo ser composta de cirurgiões militares, e paga á custa dos examinados, deduzida a importancia dos seus vencimentos.

§ 2.° Quando a junta julgue justos 08 motivos de ausencia, e esta se prolongue a tres mezes, alem da licença, ficará o juiz no quadro sem exercicio e com vencimento, devendo, logo que se ache em estado de servir, occupar o seu antigo logar ou outro em igual graduação.

§ 3.° O do projecto.

Sala da camara, 12 de abril de 1864.= Miguel Osorio.

O sr. Presidente: — Está em discussão conjunctamente com o artigo, e tem a palavra o digno par o sr. Seabra.

O sr. Moraes Carvalho: — Peço a palavra.

O sr. Seabra: — Sr. presidente, é um pouco desagradavel ter de fallar n'esta mataria (ou n'outra), quando a camara se acha pouco disposta para prestar-lhe a sua attenção. Entretanto é ella de tal gravidade que póde dizer-se que se joga aqui a independencia do poder judicial, e desejaria que os dignos pares, que estão aqui para manter a constituição e velar pela sua guarda, prestassem um momento de attenção a esta questão (apoiados).

Eu vou cumprir com o meu dever, seja qual for o resultado, seja qual for a apreciação da camara: estimarei muito que seja mais justa e conveniente.

Sr. presidente, a primeira cousa que me cumpre fazer, e creio que cumpre a todo o mundo quando tem que proferir um juizo sobre qualquer materia, é comprehender bem o objecto da questão, porque, se o não comprehende bem, o juizo que fizer, a votação, por via de regra será um disparate. Ora, tendo eu de votar sobre o artigo 5.°, não posso fazer o meu juizo sem pedir algumas explicações ao auctor do projecto.

Tenho algumas duvidas, e sendo ellas esclarecidas eu formarei a minha opinião. Não quero discorrer hypotheticamente, nem combater cousas que aqui não estejam. Peço pois ao sr. ministro da justiça que me queira esclarecer sobre dois pontos do artigo. Eu já tenho uma opinião formada sobre o seu modo de pensar, mas não a quero expor sem ser primeiro esclarecido. Diz o artigo:

«Quando algum juiz de 1.ª ou 2.ª instancia, findo o praso da licença que tiver obtido, não haja regressado ao seu logar, nem o fizer no praso de trinta dias, etc.. será collocado, etc.

Ha aqui um espaço intermedio entre o primeiro dia de excesso de licença e o trigésimo dia, entre o ponto de partida e o termo: o juiz póde regressar antes de se completarem os trinta dias, mais dia, menos dia: são duas hypotheses diversas, indicadas pelas proposições disjunctivas — não regressar finda a licença, nem o fizer dentro em trinta dias. Pedia pois a s. ex.ª que tivesse a bondade de me dizer — se qualquer excesso da licença basta para ter logar a collocação no quadro inactivo, ou se será necessario que decorra o espaço de trinta dias para que possa ter logar essa collocação?

Combinando a redacção primittiva do projecto, eu entenderia que se queria dar ao ministro o arbitrio entre o ponto de partida, e de termo, porque dizia = poderá ser collocado = em vez de = será collocado =. Mas desde o momento em que esta disposição potestativa se transforma em uma disposição preceptiva é necessario determinar a comminação de um modo positivo. Parece-me prever a idéa do sr. ministro, que talvez seja a mais favoravel, e n'esse caso proporei uma emenda, porque em materia legislativa toda a clareza é pouca (apoiados); é necessario pesar as palavras muito attentamente e como se pesam os diamantes, uma expressão proverbial de Bentham, que todo o mundo sabe, e repete, mas que ordinariamente é mal observada. Desejo que o sr. ministro me diga se os trinta dias são o praso fatal, e se sómente passados elles terá logar a collocação, ou se bastará que se exceda a licença por menos tempo?

O sr. Ministro da Justiça: — Hão de passar os trinta dias, com a differença que não prejudique a disposição do artigo 308.°, § 1.°, do codigo penal.

O Orador: — Muito bem, é essa a mesma intelligencia que eu suppunha no artigo, e até vae de alguma maneira conforme com o que está em outro artigo, e por consequencia tenho que propor uma simples emenda de redacção que desde já a apresentarei para não voltar atrás.

Eis aqui a minha emenda (leu).

Marca-se claramente o praso fatal de trinta dias de fórma que o juiz fica sabendo que só passados trinta dias é que está sujeito a esta comminação.

Agora a outra duvida é um pouco mais séria.

Diz o artigo: « Será collocado no quadro da magistratura judicial sem exercicio, sendo-lhe concedido ou suspenso o vencimento, segundo tiverem sido ou não justos os motivos que impediram o regresso, e provido o logar nos termos ordinarios.»

Desejava que s. ex.ª me dissesse como é que entende levar a effeito esta disposição? Considera isto um negocio pura e meramente da secretaria, ou considera esta disposição ou applicação da lei contravenção dependente do julgamento dos tribunaes? E o que preciso que s. ex.ª me diga.

O sr. Ministro da Justiça: — Peço licença para responder ao digno par.

O Orador: — Eu o que quero é esclarecer-me.

O sr. Ministro da Justiça: — Se eu for dando assim parcialmente os esclarecimentos, talvez nem me seja preciso usar da palavra depois.

Os esclarecimentos são os seguintes:

Página 1324

1324

O juiz deixa de ir para o seu logar e não está ali quando finda o praso da licença; é claro que ha de fazer constar no ministerio da justiça quaes foram os motivos que o obrigaram a exceder a licença. N'esse caso, se o governo acha justos os motivos e elles ainda duram alem dos trinta dias consecutivos á licença, passa o juiz ao quadro, conservando-lhe o ordenado, e nomeia outro que irá tomar conta do logar; se os motivos lhe não parecem justos, ordena que se instaure processo contra o juiz por ter excedido o praso da licença, suspendendo-lhe o ordenado, e se procede na conformidade do artigo 308.°, § 1.°, do codigo penal: se o juiz é a final absolvido, recebe o ordenado por inteiro, correspondente a todo o tempo que durou a suspensão. Esta é a minha idéa.

O Orador: — A doutrina do sr. ministro é a mesma que eu receiava, é uma doutrina completamente inadmissivel (O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Apoiado) e contra ria a todos os principios estabelecidos não só na carta constitucional, mas em toda a nossa legislação, e designada mente na reforma judiciaria.

Sr. presidente, a collocação no quadro da inactividade é a suspensão do exercicio das funcções; se ha alguem que duvide d'isso, eu desejava que se explicasse: logo que o magistrado é tirado do exercicio das suas funcções irroga-se-lhe uma suspensão, e logo que isso se faça pelo executivo por seu arbitrio absoluto ou definitivo infringir se hão tambem as leis do paiz, e a carta no artigo 121.° em que vem marcados os termos como se deve proceder a este respeito. O sr. ministro tem conhecimento de que o magistrado ex cedeu a licença, que lhe foi concedida, ou commetteu uma contravenção da lei, ou commetteu uma falta; praticou um facto que é prohibido pela lei, que não permitte que os jui zes estejam fóra dos seus logares sem licença.

Póde S. ex.ª, conformando se com a carta, ouvido o magistrado, levar este facto ao conhecimento do conselho d'estado, e suspende-lo por um decreto, mas desde logo ha de cumprir tambem a disposição da carta constitucional que manda que o ministro remetta aos tribunaes competentes os respectivos papeis, para que tomem conhecimento do facto e decidam se effectivamente a suspenção foi legalmente irrogada e procedam na fórma da lei.

Isto são cousas rudimentaes em um systema constitucional como o nosso, fundado na divisão e independencia dos poderes politicos. Este arbitrio que o sr. ministro se pretende arrogar de julgar definitivamente o facto e cominar a suspensão, sem appello nem aggravo, confundiria os poderes politicos e porta os juizes á mercê do executivo, e tanto mais, sr. presidente, que as consequencias deste arbitrio podem ser summamente pesadas para os juizes, por isso que não só são privados do exercicio de suas funcções, toas, emquanto estiverem no quatro inactivo, nem vencem antiguidade na sua carreira para as promoções, nem se lhes conta o tempo para a concessão do terço ou da aposentação. E não é tudo, ha ainda outra penalidade maior, que vem a ser a privação do seu vencimento, segundo o ministro julgar que os motivos da falta foram ou não justos. Como é pois que se ha de conferir ao poder executivo uma attribuição que póde comprometter gravemente a independa do poder judicial, em manifesta opposição com o disposto na carta constitucional? (O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Apoiado.) lia de por consequencia o ministro decretar na fórma da carta a suspensão do magistrado, e na "mesma fórma da carta remetter para os tribunaes competentes o conhecimento do facto, para que elles decidam se estes juizes estão no caso de lhes ser applicada a disposição da lei relativamente aos seus vencimentos.

Peço ao sr. ministro que respeite e mantenha estas garantias, que são a nossa égide constitucional; a privação do vencimento é (não póde negar-se) uma pena, e penas não podem ser impostas sem haver processo e julgamento, e muito menos pelo executivo, a quem evidentemente não podem pertencer similhantes funcções.

E depois, sr. presidente, por quanto tempo ha de durar esta pena, esta suspensão? Pôde durar até ás kalendas gregas, pOr isso que supposto se diga em um dos artigos seguintes = que o magistrado suspenso entrará um exercicio em uma das primeiras vacaturas = lá vem tambem a condição opportunamente, que quer dizer quando bem parecer ao sr. ministro. Não digo que o sr. ministro Beja capaz de o fazer, mas póde abusar, e tanto basta para que a lei deva ser cautelosa.

E como é que na supposição de uma falta, que ainda não está julgada, começa já o magistrado sem ser ouvido a experimentar uma pena? Como é que o magistrado deve soffrer um castigo, se se não sabe se elle está innocente ou culpado? Isto é contra todos os principios de direito, e é uma barbaridade como nunca vi apresentar no parlamento. Se querem acabar com o systema representativo e com as ga-TKntias constitucionaes, digam-no francamente, e nós sabermos o que havemos de fazer; mas não venham com meios tortuosos, com o pretexto especioso de garantir e melhorar o serviço publico, destruir pela base o systema representativo! Isso não póde ser. A minha consciencia não póde deixar de revoltar-se indignada contra similhantes tentativas.

Sr. presidente, eu reconheço a necessidade de attender ao serviço publico; reconheço que quando este ou aquelle juiz, pouco meloso no cumprimento dos seus deveres, esquece ou deixa estar a em comarca privada da administração da justiça, é necessario obviar a este mal, e por isso já concedo que este magistrado, no fim de trinta dias, possa passar ao quadro da inactividade. Esta pena póde ser necessaria; mas impô-la arbitrariamente, expoliar os magistrados que têem os mesmos direitos que outro qualquer cidadão ás garantias da justiça universal, e que de mais a mais pertencem a um dos poderes independentes do estado...! Não pode ser. Se o magistrado commetteu a falta, é justo, que seja punido, mas depois de uma sentença dos seus juizes naturaes. Não quero, não poderei jamais consentir, que o executivo se arvore em poder judicial, e muito mais sem appêllo nem aggravo, sem a garantia sempre indispensavel das formulas protectoras da justiça.

Sr. presidente, eu não faço d'isto questão politica, e quando V. ex.ª vir que eu tomo grande calor em defeza de alguma causa, é porque estou profundamente convencido dos motivos de justiça por que pugno (apoiados). Prezo-me de ter seguido ha muitos annos esta honrosa carreira, e jamais votei contra ou a favor do poder por motivos odiosos. Combato portanto desaffrontada e imparcialmente a doutrina apresentada pelo sr. ministro, e mando para a mesa uma emenda que, satisfazendo ás necessidades do serviço, vae coagir os magistrados a não faltarem ás suas obrigações; mas sem offensa dos processos de direito e da justiça, da carta constitucional e até da legislação judiciaria vigente. Todos sabem que, segundo a reforma judiciaria, dado o caso de suspensão, os tribunaes conhecem da sua procedencia e legalidade, e que no caso de julgarem que a suspensão foi illegalmente irrogada mandarão entrar o magistrado no exercicio das suas funcções como se tal suspensão não fosse decretada. Mas, sr. presidente, como os tempos estão mudados! Então dávamos á relação o poder de julgar os actos do governo e assignalar os effeitos de um decreto, mandando entrar em exercicio o magistrado que havia sido suspenso; hoje não só se querem tirar ao juiz as garantias que nascem da independencia da sua jurisdicção politica, dos principios geraes de direito, mas até expô-los a serem privados dos seus vencimentos, da sua subsistencia, por um acto absoluto do executivo.

Mando para a mesa a minha emenda e additamento, que são os seguintes:

EMENDA

Em vez das palavras = não haja regressado ao seu logar nem o fizer no praso de trinta dias = diga se = não regressar ao seu logar dentro do praso de trinta dia s=.

ADDITAMENTO

§ 1.° Decretada a collocação no quadro inactivo, serão os documentos respectivos remettidos ao tribunal competente para julgar da procedencia da suspensão, e se ha ou não logar á suspensão do vencimento.

Vou tambem mandar para a mesa uma emenda ao § unico. EMENDA

§ 2.° O disposto no artigo 30.°, § 1.°, do codigo penal, relativamente á prolongação da ausencia, finda a licença, fica substituido pela disposição do presente artigo. O § unico do projecto diz (leu).

Ora, sr. presidente, aqui temos nós uma cousa impossivel, é o simul esse et non esse. Diz o artigo 5.° que só depois de trinta dias serão os magistrados, que não houverem regressado ao seu logar, passados ao quadro da inactividade; e o § unico diz que passados quinze dias poderá o magistrado ser passado ao quadro inactivo, que é o que importa a suspensão dos direitos politicos de que falla o codigo penal. E justamente o simul esse et non esse. Qual d'estas disposições vigora? A do artigo ou a do paragrapho?

Para se fazerem as leis, sr. presidente, é necessario pensar-se muito; é preciso ter presente a legislação parallela e correlativa, e não escrever disposições ao acaso, porque se póde achar depois o governo ou os executores da lei em grandes confusões.

Isto vae mal, sr. presidente, porque a redacção das nossas leis vae sendo tão confusa que já ninguem se entende com ellas (apoiados); e muito receio que d'aqui a pouco comece a faltar, o senso commum, e este grande mundo se torne um vasto hospital não sei de que enfermos... (Apoiados.) Ponhamos remedio n'este mal, ponhamos um cravo n'esta roda; não haja tanta precipitação em fazer leis. Quando se tratou aqui da lei hypothecaria, gritei eu muitas vezes: — «Isto não póde ser! Isto não terá execução! Eu lanço de mim a responsabilidade que me possa caber; estas pressas hão de ser convertidas em uma demora indefinida.» Sabe V. ex.ª como se me respondeu? Vote-se em globo!! Qual tem sido o resultado? Aprendamos ao menos á nossa custa.

O § unico, sr. presidente, não póde passar como está. O artigo 308.° do codigo contem duas disposições, uma relativa ao excesso ou prolongação de licença, a outra para o caso em que o magistrado se ausenta sem licença do governo. O paragrapho falla só da prolongação de ausencia e não se refere ao facto praticado pelo magistrado que sem licença saíu do seu logar. E portanto conveniente e necessario que se conserve a disposição do codigo penal no tocante a este ultimo caso não previsto no projecto; mas de fórma alguma na outra especie em que o projecto estabelece outras penalidades e outro procedimento que não é o criminal.

O sr. ministro quiz prover ás necessidades do serviço castigando os magistrados que excederem o praso de licença. Eu louvo os seus bons desejos, mas é preciso que as cousas sejam feitas com justa medida e não atropellando os limites do necessario e do justo.

O codigo penal justificava se no tocante ao excesso das licenças na falta de outro meio de repressão. Mas uma vez que o sr. ministro recorre a outro meio, outro systema de penalidades — o codigo n'esta parte perdeu a sua rasão de ser, e não póde vigorar sem offensa dós bons principios de direito.

É um luxo de penalidade inteiramente inutil. O projecto basta, é mais que sobejo para coagir os magistrados a não prolongar a suas ausencia. O magistrado fica privado ] do exercicio, o magistrado perde o direito que tinha a contar-se-lhe a antiguidade para as promoções, para a aposentação e concessão do terço, o magistrado póde ser privado dos seus vencimentos e o seu logar é provido nos termos ordinarios. Que mais querem? Querem talvez que o magistrado seja mettido n'um processo? Seja condemnado a suspensão dos direitos politicos por dois annos? Isto não póde ser. O meu illustre amigo que se senta ao meu lado, o digno par o er. Miguel Osorio, abunda completamente em todas as minhas idéas, o seu pensamento é o mesmo que eu tenho, partilhamos as mesmas idéas, elle deseja, como eu, que se mantenha a independencia do poder judicial e que as penas que lhe são impostas se não aggravem sem necessidade; satisfeito este fim, é escusado tornar a lei mais odiosa. O systema que o meu amigo quiz propor não póde ser, porque é contra os principios da carta.

Os juizes naturaes dos juizes de primeira instancia são os da segunda, e os d'estes os juizes do supremo tribunal de justiça, e não podemos em materia juridica reconhecer outros, e portanto não se podia conferir a qualquer junta de facultativos resolver sobre a perda do vencimento.

O sr. ministro da justiça contestou aqui o nome de penalidade que eu dei aos castigos irrogados pelo seu projecto. Eu declaro a V. ex.ª que não posso aceitar similhante doutrina, condemnada pelos principios mais rudimentaes do direito penal.

Penalidade é a irrogação de um damno, de um mal qualquer, pela falta do cumprimento de uma lei. Já se vê pois que n'esta lei ha penalidade, porque decerto ninguem chamará beneficio e favor ás comminações, ás sancções severas, de que abunda. No codigo penal poderá ver s. ex.ª que a suspensão do exercicio dos empregos, as multas, são verdadeiras penas na censura do direito.

Sr. presidente, peço desculpa á camara de a ter fatigado com as minhas observações, talvez um pouco acaloradas, mas quando me acho possuido de um profundo sentimento não sei mostrar-me impassivel.

O sr. Presidente: — Amanhã não ha sessão, porque são convidadas as tres commissões reunidas para trabalhar; portanto eó depois de ámanhã teremos sessão; mas para não perdermos tempo manda-se imprimir o parecer das tres commissões para se distribuir na quinta feira. Por consequencia fica dada a ordem do dia que são os pareceres n.°". 248 e 292, e tambem os pareceres n.ºs 349 e 350.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão do dia 12 de abril de 1864

Ex.mos srs.: Conde de Castro; Marquezes, de Fronteira, de Niza, de Sabugosa, de Vallada, de Sá da Bandeira; Condes, das Alcaçovas, de Alva, d'Avila, de Avilez, de Campanhã, de Fonte Nova, de Mello, de Peniche, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, do Sobral, de Thomar; Bispo de Lamego; Viscondes, de Santo Antonio, de Benagazil, de Fonte Arcada, da Vargem da Ordem, de Soares Franco; Barões, das Larangeiras, de S. Pedro, de Foscoa; Moraes Carvalho, Mello e Saldanha, Augusto Xavier da Silva, Seabra, Pereira Coutinho, Teixeira de Queiroz, Caula Leitão, Custodio Rebello de Carvalho, F. P. de Magalhães, Ferrão, Faustino da Gama, Margiochi, Pessanha, João da Costa Carvalho, Aguiar, Soure, Braamcamp, Silva Cabral, Reis e Vasconcellos, Izidoro Guedes, José Lourenço da Luz, Baldy, Matoso, Silva Sanches, Rebello da Silva, Luiz de Castro Guimarães, Fonseca Magalhães, Vellez Caldeira, Miguel Osorio, Menezes Pita, Sebastião José de Carvalho, e Ferrer.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×