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Discursos proferidos pelo digno par, o sr. Silva Cabral, na sessão de 30 de março; publicada no Diario de Lisboa n.° 75, de 3 de abril, e que deveriam entrar a pag. 975, col. 3.ª, lin. 1.ª e lin. 93.
O sr. Silva Cabral: — Sr. presidente, sou obrigado a fazer uma declaração; preoccupado com os accontecimentos que hontem desgraçadamente tiveram logar, quando se tratou da votação d'este projecto, na sua generalidade, eu exprimi o meu voto na contra-prova, levantando-me, é claro que não podia isto ser senão um equivoco da minha parte (apoiados); a maneira por que, como membro da commissão de fazenda, tinha assignado o projecto, ou antes o parecer respectivo, claramente indicara que, longe de rejeitar o
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seu pensamento, eu o approvava, limitando unicamente as minhas duvidas á materia do artigo 1.°; não importando a approvação na generalidade mais do que a admissão do principio ou espirito do projecto, é evidente que pela fórma mesma da minha assignatura estava, já declarada a minha annuencia á generalidade.
Como o meu desejo é sempre tratar e obrar com franqueza, entendi forçoso informar a camara sobre as minhas verdadeiras idéas, até porque não sendo o meu systema votar contra a generalidade do projecto de iniciativa do governo, embora possa discordar na especialidade em alguma das suas disposições, seria fazer odiosa excepção no caso presente, o que não é proprio do meu procedimento na esphera dos principios.
Dizendo isto, sr. presidente; é para fazer sentir que só por preoccupação ou equivoco eu poderia votar contra, mas como actualmente V. ex.ª declarou que o projecto se acha ainda em discussão na sua generalidade, eu declaro que o approvo, para entrar em discussão na sua especialidade.
O sr. Silva Cabral: — Sr. presidente, não venho fazer um discurso, venho unicamente expender a significação das condições que juntei á minha assignatura. Uma das materias mais difficeis e delicadas da sciencia do governo é a gerencia da fazenda publica. Todo o governo tem obrigação de administrar as rendas publicas com todo o discernimento, circumspecção e economia, e todas as vezes que se afastar d'esta regra, ha de necessariamente produzir grande mal á sociedade (apoiados).
Sr. presidente, nunca será assás repetido o profundo e verdadeiro pensamento, já por mais de uma vez aqui por mim lembrado, do celebre financeiro barão Luiz, ministro das finanças depois da revolução franceza de 1830: «Fazei-me boa politica, eu vos farei boas finanças.» (Faites-mot de la bonne politique, je vous ferai de bonnes finances).
Sabe V. ex.ª qual é o commentario que outro economista não menos celebre fez d'este grande e profundo pensamento? Eis-aqui as palavras de José Garnier: aSede economicos, empregar as rendas publicas com discrição, garantia, justiça e segurança, não pondo estorvos á actividade individual, e augmentando a somma das liberdades publicas, e nós não exigiremos dos contribuintes senão o preço dos serviços positivamente feitos, o imposto bastará para occorrer ás necessidades publicas; poderemos principiar por pagar as nossas dividas, e as boas finanças serão a consequencia logica d'esta prudente conducta.» (Apoiados.)
Sr. presidente, já disse e repito ainda, não venho fazer um discurso, venho só explicar o meu voto, é a isso que me limitarei; mas nem por isso posso deixar de dizer que a consciencia publica não esta tranquilla sobre o procedimento do governo, pelo que toca ás medidas tributarias, pelas quaes ou augmentou os tributos já creados, exacerbando-os, ou creou novos impostos, procurando para base d'elles os objectos mais communs de alimentação publica (apoiados).
E nem deve ser estranhada essa agitação ou irritação popular; consultemos a historia, e ella nos dirá que tem sido quasi sempre por causa do imposto, e mais especialmente pelo desbarato das finanças, que se têem produzido todas as grandes perturbações da ordem social.
Admiram-se da inquietação do povo! É desconhecer a natureza humana e tendencia de suas affecções.
Quem é que paga todos os erros dos governos, as dilapidações, ou maus e inconvenientes empregos da fazenda publica, senão o povo?! Não vê elle pela propria experiencia que do transtorno das finanças vem de necessidade o augmento do imposto, que se resolve em augmento exagerado do preço das cousas necessarias á vida, e na diminuição da renda com que conta para o seu bem-estar? (Apoia dos.)
Sr. presidente, declaro franca e lealmente que, comquanto eu seja contra todos os impostos desnecessarios, e desnecessarios ou pelo menos inconvenientes reputo eu todos os que são pedidos ou exigidos sem se reduzir a despeza ao estrictamente indispensavel, na actualidade e na especie pro posta reconheço que é impossivel deixar de recorrer a elles, creada a obrigação de satisfazer a certos e variados compromissos garantidos pela fé e honra nacional, ou havemos de pagar ou passar por fedifragos, o que importaria o mesmo que ser riscados da communidade das nações civilisadas (apoiados).
Reputo um erro, e erro grave, contra a logica, contra a rasão, e contra os principios da economia, arremeçar-nos inconsideradamente a um caminho de commettimentos superiores aos nossos recursos; as finanças nunca serão organisadas marchando por tal caminho, e a logica inexoravel ha de pedir-nos contas da nossa exageração; mas, desde que se contrahir a obrigação, não ha remedio, nem recurso senão o de pagar (apoiados); sem que ao mesmo tempo eu possa desconhecer que a necessidade a que o paiz esta levado provém — ou do erro em que muitos representantes do paiz se consideram antes deputados das localidades do que da nação, ou da condescendencia dos ministros que, a troco de alguns votos para se sustentarem no poder (o que é um pessimo systema), annuem a desejos ou importunações que vem affectar desvantajosamente o bem geral (apoiados).
Sr. presidente, são estes os meus principios, e quando vejo que temos diante de nós um deficit avultadissimo, um deficit que orça pela terça parte da nossa receita, o que pelo simples enunciado é e deve ser bastante para atterrar os mais latitudinarios, é claro que não temos a escolher senão o optar entre dois casos: ou faltar iniquamente ás nossas obrigações, ou pagar o que devemos, que é o que nos cumpre; mas para isto carecemos de fazer todos os sacrificios que podermos, e tal é a minha religiosa consideração e respeito pelo cumprimento das legitimas obrigações contrahidas, que se para esse fim fôr necessario que prescindamos dos nossos ordenados, ou de parte d'elles, o deve mos fazer, salvando a fé e honra nacional; olhemos para a Hollanda, que a este respeito deu um exemplo memoravel e bastante digno em circumstancias analogas; comtudo, sr presidente, entendo que o governo não deve crear necessidades a ponto de se ver forçado a recorrer a remedios extremos.
Sr. presidente, eu não posso deixar de approvar o pensamento do projecto; o que não approvo porém é o methodo, sou inteiramente contrario ao systema dos direitos addicionaes; mas desde o momento em que o governo vem provisoriamente, e por este anno sómente, reclamar, vista a urgenciadas circumstancias, este subsidio para minorar os males da administração financeira, eu contrariaria todas as minhas idéas de ordem se não auxiliasse o governo com o meu voto sob a condição de se desfazerem as duvidas que vou apresentar quanto ao 1.° artigo.
A minha duvida com relação ao artigo 1.° reduz-se a muito pouco, e em parte já de certo modo me socegou nas minhas apprehensões o nobre ministro da fazenda.
O artigo 1.° esta redigido do seguinte modo:
«O imposto de viação creado pela lei de 30 de julho de 1860 será augmentado extraordinariamente durante o cor rente anno de 1867 com mais 20 por cento sobre as contribuições predial, industrial e pessoal.»
Consignam-se unicamente estas tres especies de contribuição directa, reservando-se a contribuição do registo para a providencia especial do artigo 2.°; ora, da maneira por que esta redigido o artigo, e tambem das explicações do sr. ministro, parece deprehender-se que este imposto addicional se refere exclusivamente á contribuição original; mas a verdade é que a lei de 30 de julho de 1860 claramente unificou, e de um modo permanente, os 20 por cento que se devem pagar addicionalmente para substituir o imposto das estradas e das notas, e o creado pela lei de 14 de agosto de 1858; e assim verificado póde trazer du vidas se o novo addicional deve ser computado sobre o antigo addicional; é este portanto o facto que temos em primeiro logar a elucidar.
A rasão por que o aponto é muito simples, e a camara verá que não é sem fundamento que se me apresentam estas duvidas ao meu espirito; o motivo principal que m'as suggeriu foi de certo a existencia de um facto identico acontecido na assembléa nacional em França.
É sabido por todos nós, que por deliberação do governo provisorio que, immediatamente á revolução de fevereiro, se achou á frente dos destinos da França, foram por decreto de 16 de março de 1848 impostos addicionalmente 45 centimos nas quatro contribuições directas, o que deu logar a uma grande agitação.
Sobre este objecto o deputado Lavallée pediu varias explicações, em consequencia de diversas representações que tinha recebido de muitos departamentos.
A assembléa nacional commetteu o negocio á commissão de fazenda, que veiu dois dias depois apresentar o seu parecer, que consistia em considerar os quarenta e cinco centimos devidos, não só sobre a base das contribuições directas propriamente ditas, mas tambem sobre a base dos direitos addicionaes.
Apesar da approvação d'este parecer, repellindo-se a du vida do deputado Lavallée pela ordem do dia simples, a verdade é que os departamentos continuaram a pôr duvidas em pagar sobre essa base, e d'ahi resultou que o ministro da fazenda veiu á assembléa nacional, e ahi renovou a sua insistencia para que a duvida fôsse levantada, dizendo que era absolutamente preciso que a assembléa nacional se pronunciasse mais terminantemente sobre o objecto, por isso mesmo que a incerteza do verdadeiro pensamento da assembléa estava dando logar a certa agitação; a assembléa nacional declarou então unanimemente que, attendendo á gravidade das circumstancias e ao fim para que era destinada esta quantia, em virtude do respectivo decreto, se deveria entender que os quarenta e cinco centimos comprehendiam tudo sem excepção — contribuição original e addicionaes.
Ora já se vê que, havendo este precedente, e conhecendo eu assim que se podia posteriormente argumentar com elle, não me era possivel deixar de pedir explicações ao governo, para se saber com certeza e segurança como se deve entender a letra e espirito d'este artigo, isto é, se o augmento diz respeito sómente ás contribuições originariamente lançadas, ou se comprehende tambem os direitos addicionaes. (O Sr. Ministro da Fazenda: — Peço a palavra.) Naturalmente s. ex.ª vae dizer que não comprehende os addicionaes, e então n'esse caso o que eu exigirei é que a declaração do nobre ministro seja lançada na acta, como meio seguro de evitar toda e qualquer duvida (apoiados).
O segundo ponto, sobre que tem versado até agora os meus escrupulos, é sobre a maneira como se decretava esta contribuição, procurando-se uma base que parece envolver uma certa retroactividade; verdade é que o imposto se lança por annos civis, mas tambem é verdade que já esta lançada com relação ao primeiro semestre. Ora, em consequencia da disposição do artigo, é visivel que vem a comprehender-se todo o anno, e assim incluidos necessariamente os tres mezes que estão vencidos com relação ao proprio anno civil. Bem vejo que a palavra extraordinariamente indica que é só por este anno; mas nem assim fica no meu espirito sanado o vicio da retroactividade, que é um dos mais nocivos á boa confecção das leis (apoiados).
Sobre isto é que pedia ao sr. ministro da fazenda que tivesse a bondade de dar explicações para socego do meu espirito, porque approvando eu o pensamento da lei na sua
essencia, realmente não a approvarei se porventura algumas d'estas difficuldades não forem destruidas pelo illustre ministro da fazenda. O que desejo é toda a clareza na lei. Não quero pôr embaraços ao governo. Desejo marchar ao lado d'elle, mas em tudo que possa ferir a minha consciencia hei de afastar-me d'elle.
Com relação ao projecto que esta em discussão, destruidas estas duvidas, não tenho a menor reluctancia em o approvar (apoiados).