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N.º 39

SESSÃO DE 29 DE MARÇO DE 1884

Presidencia do exmo. sr. João de Andrade Corvo

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - O digno par o sr. conde de Margaride manda para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro das obras publicas. - O digno par o sr. bispo da Guarda faz largas considerações sobre diversos assumptos. - Ordem do dia: Continua a discussão do parecer n.° 239 sobre o projecto de lei n.° 246. - Usam da palavra os dignos pares os srs. Agostinho de Ornellas e visconde de Arriaga. - O digno par o sr. marquez de Penafiel participa ter desanojado o digno par o sr. visconde de Chancelleiros. - O digno par o sr. bispo de Vizeu explica o seu voto nas reformas politicas.

Ás duas horas e meia da tarde, estando presente 23 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte

Correspondencia

Um officio do ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, remettendo o autographo do decreto das côrtes geraes de 29 de fevereiro proximo preterito, fixando os quadros e vencimentos dos empregados das secretarias das presidencias das relações de Lisboa e Porto, e respectivas procuradorias regias.

Para o archivo.

Outro da mesma procedencia, fazendo igual remessa de tres autographos dos decretos das côrtes geraes de 26 de dezembro ultimo, de 19 de janeiro do anno corrente e de 13 de fevereiro proximo preterito, que, depois de sanccionados por Sua Magestade El-Rei, foram convertidos em lei do estado.

Para o archivo.

Outro do ministerio das obras publicas, remettendo 100 exemplares do relatorio sobre a cultura dos arrozaes no districto de Coimbra.

Mandaram-se expedir.

( Estava presente o sr. presidente do conselho de ministros.}

O sr. Conde de Margaride: - Mando para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro das obras publicas, a qual passo a ler.

Leu-se na mesa a seguinte:

Nota de interpellação

Desejo interpellar o exmo. ministro dás obras publicas, sobre o não cumprimento do decreto com força de lei de 20 de dezembro de 1864.

Sala das sessões, 29 de março de 1884. = Conde de Margaride.

Mandou-se expedir.

O sr. Bispo da Guarda: - Sr. presidente, antes de entrar no assumpto, para que pedi a palavra a- v. exa., e sendo esta a primeira vez que tenho a honra de levantar a voz n'esta augusta assembléa, a primeira assembléa politica do paiz, peço desculpa da ousadia que tomo de fallar perante ella, pedindo ao mesmo tempo indulgencia para as faltas que tenho commettido e que de futuro commetter, não assistindo ás suas sessões.

Eu estou n'esta casa, não por hereditariedade, nem por eleição, nem por nomeação, mas por direito; este direito impõe tambem obrigações, e uma d'ellas é a de tomar parte nos trabalhos d'esta casa.

Mas, sr. presidente, a minha falta não era sentida aqui; outros deveres não menos importantes pezam sobre mira; presido a uma diocese que tem trezentas e cincoenta e sete parochias; tomei ha pouco tempo posse d'ella, e foi precisa a minha presença lá, fallando por isso ás sessões d'esta casa.

Sr. presidente, eu procuro sempre evitar questões pessoaes, mas nem sempre posso evital-as completamente.

O assumpto sobre que eu pedi a palavra a v. exa. tem alguma cousa de pessoal, mas eu entendo que não fica mal a ninguem defender os seus direitos e procurar afastar de si tudo que possa contribuir para se formar um conceito menos favoravel.

Mas o objecto de que se trata não é meramente pessoal, e eu faltaria ao que devo a mim, á camara, de que sou membro, á religião, de que me prezo de ser ministro, e ao paiz, de que me honro de ser cidadão, se o passasse completamente em silencio.

Vou lazer a exposição d'elle, em brevissimas palavras.

Sr. presidente, sou novo n'esta casa e inexperiente n'estas lides parlamentares, e por isso eu peço a v. exa. que me advirta, se eu infringir o nosso regimento.

Em sessão da camara dos senhores deputados de 12 de março, foi apresentada uma exposição ou requerimento de um ecclesiastico da nossa india, o sr. José Pedro Santa Anna da Cunha, em que fez uma longa enumeração dos seus muitos serviços prestados nas nossas missões do Oriente, em Singapura, queixa-se da injustiça que se lhe fez, mandando-o recolher a Goa inesperadamente, e pede ao governo a sua protecção, e chama para este objecto a attenção dos senhores deputados da nação portuguesa.

Devo dizer á camara que esta exposição é concebida em termos convenientes, e que n'ella nem sequer se faz menção do prelado que então governava Goa e as missões do real padroado portuguez.

Este requerimento ou exposição foi apresentado na camara dos senhores deputados pelo sr. D. José de Saldanha.

Não me referiria a este illustre deputado se tivesse de proferir qualquer palavra que lhe podesse ser desfavoravel.

S. exa. pertence a uma familia distinctissima, que tem prestado grandes serviços á humanidade soffredora e ignorante, e cujos serviços já foram applaudidos n'esta casa, onde está representada pelo digno par, o sr. conde de Rio Maior. (Apoiados.)

Associo-me completamente a estes applausos, e julgo que não procedo inconvenientemente, fazendo referencia áquelle e outros illustres deputados que apoiaram a exposição do reverendo Sant Anna da Cunha, declarando-o benemerito do padroado portuguez e da patria, victima de equivocos e de injustiças, chamando para este assumpto a attenção do

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paiz e do governo, pedindo uma syndicancia aos actos deste ecclesiastico e attribuindo este estado de cousas á anarchia dos serviços do padroado portuguez na Africa e na India.

Tenho governado dioceses do ultramar por espaço de onze annos; residi cinco annos na de Angola, e dois annos governei o arcebispado primaz do Oriente, e as vastas missões do real padroado.

Não costumo declinar a responsabilidade dos meus actos, assumo-a inteira.

Era 1881, epocha em que se deram os factos a que me tenho referido, governava eu como vigario capitular o arcebispado de Goa e as igrejas do padroado como delegado apostolico.

Faço esta declaração porque entendo que, procedendo de outra maneira, procederia menos nobremente, porque as pessoas menos sabedoras das cousas da India poderiam pensar que a responsabilidade d'estes factos compete, ou aos prelados anteriores, ou ao actual arcebispo do Goa.

Alguma responsabilidade, é verdade, compete ao actual arcebispo primaz, e logo direi em que.

Sr. presidente, este ecclesiastico, segundo elle diz, e eu não contesto, foi mandado em 1874 para Singapura na qualidade de coadjutor.

Note v. exa. que foi na qualidade de simples coadjutor, j e que n'esta condição tinha casa, cama e mesa dada pelo j vigario, e uma pequena subvenção paga pelo estado.

Serviu a igreja de S. José de Singapura na qualidade de coadjuctor desde 1874; lá o encontrei e conservei até 1881, e lá continuaria, se o julgasse conveniente.

Não podia servir contra a vontade do vigario missionario, com quem se tornara incompativel. O estado pagou-lhe passagem de ida e volta, e a sua congrua.

Até certo tempo este ecclesiastico, segundo as informações que tive, prestou bom serviço; mas, sr. presidente, o homem não é impeccavel nem incorregivel.

Ao prelado de Goa, assim como a outro qualquer, assiste b direito de mandar os padres, que lhe estão sujeitos, para onde julgue conveniente ao serviço, e a estes incumbe obedecer.

Não ha direito contra direito, e onde não ha offensa de direito não ha injustiça.

Ao prelado pertence mandar, nem poderia de outra sorte haver administração ecclesiastica.

É acto de mera administração.

Assim se fez antes, então, e se fará depois.

Os missionarios são amoviveis, e o prelado, que tem a responsabilidade, deve tambem ter a liberdade dos seus actos.

Julgou-se de certo tempo em diante inconveniente a permanencia d'este ecclesiastico em Sigapura, e mandou-se regressar a Goa.

Não se lhe impoz pena, nem censura, estando por isso habilitado a grangear a sua vida, podendo ser empregado em outro serviço, se o merecesse.

Podia ficar por aqui.

Mas, sr. presidente, o queixoso falla dos seus grandes serviços, que eu não affirmo, nem contesto, nem deprecio, falla das injustiças que lhe foram feitas, dos inconvenientes e males que resultaram para o nosso padroado da sua inesperada retirada, e é necessario, por isso, que eu diga á camara as rasões que tive para proceder como procedi.

As igrejas que estão sob a jurisdição do padroado do Oriente são vastissimas, e é impossivel a um só prelado olhar por ellas convenientemente.

Nós temos, alem das igrejas do arcebispado de Goa, os vicariatos do norte com a séde era Bombaim, dos Gatos e do Canará, pertencentes ao arcebispado, e as de Cochim, Cranganor, Ceylão, Malaca, Meliapor e Calcutá, que pertencem ás missões do padroado.

É possivel a um só prelado governar todas estas christandades?

Não é possivel.

Já se vê que eu havia de saber o que se passava em Singapura pelo meu delegado; temos lá um vigario geral, um ecclesiastico dignissimo, e que até certo tempo attestou do bom serviço do reverendo Sant'Anna da Cunha, e que, é insuspeito; mas depois julgava e informava que era inconveniente a sua permanencia n'aquella localidade.

Os meus antecessores e eu mesmo lá o conservámos por muito tempo, mas chamou-se a minha attenção para as cousas de Singapura, e especialmente para o procedimento d'este ecclesiastico, foi-me representado pelo vigario geral de Malaca, pelo vigario de Singapura, por muitos christãos, entre os quaes se contava o nosso consul que elle estava compromettendo a nossa missão e o bom nome portuguez, que se desviara da sua missão sagrada para se entregar a negociações commerciaes, que estabelecêra uma casa de negocio em Jahor, em Malaca, que montára de parceria com, um china uma machina de descascar arroz; que tomara compromissos a que não podia satisfazer; que se apresentavam letras protestadas contra elle e que, por isso que era commerciante, e os seus empregados faltaram á sua confiança, lhes promovêra processos criminaes e inclusivamante a prisão, e que, na ausencia do vigario, não dera boa conta da administração dos bens do seminario de Macau, situados em Singapura.

É aquillo de que me recordo depois de ires annos

Os documentos a favor e contra estão na secretaria dó arcebispado de Goa.

Como disse, não contesto, nem affirmo os seus serviços.

Allega especialmente os serviços prestados á instrucção ha creação da escola de Sant'Anna, os quaes mereceram ser elogiados pelos jornaes do governo inglez, chegando a escola e os alumnos a obter subsidios e premios do mesmo governo.

V. exa. sabe perfeitamente qual é o procedimento do governo inglez nas suas colonias.

Eu tenho por differentes vezes ouvido apreciar diversamente e mesmo desfavoravelmente o governo inglez, mas eu penso que esta nação e os seus estadistas têem grandes virtudes e grandes qualidades e aptidões governativas.

Se têem defeitos, não quero fallar d'elles aqui, e é meu costume calar quando não posso elogiar.

O sr. presidente do conselho de ministros disse aqui ha poucos dias que a nação ingleza era uma nação pratica, e eu estou perfeitamente de accordo, é essencialmente pratica, talvez pratica de mais.

Ha porventura na sua historia nuvens e mesmo nodoas, tem os defeitos das suas grandes qualidades, mas quem não tem alguns?

Conquistou e possue colonias para as desenvolver e civilisar em proveito da metropole e d'ella, e cuidados seus melhoramentos materiaes e moraes.

A nossa missão de Singapura está em territorio inglez, e eu creio que a nenhuma nação é indifferente este assumpto de instrucção, e que se não deve fazer á Inglaterra a injustiça de crer que ella não cura da instrucção nas suas colonias.

Sabe-se muito bem que Bombaim foi cedida por nós á Inglaterra em dote de D. Catharina.

N'esse tempo era uma terra insignificante, mas hoje é uma das cidades mais importantes do mundo.

Tem 800:000 almas, duas linhas ferreas que a atravessam, e todo é Industão, tem emfim todos os melhoramentos modernos, universidades, collegios, escolas, templos, hospitaes, asylos e tribunaes.

Como v. exa. sabe a religião official ingleza é na actualidade a anglicana. A Inglaterra foi até certo tempo intolerante, muito intolerante, mas hoje não o é, e uma prova d'isto é que o logar de mais confiança e o emprego mais

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importante que a Inglatterra tem nas suas colonias, o de vice-rei da India, foi confiado e é desempenhado por um catholico, lord Ripon.

Quer v. exa. saber (é um modo de dizer, porque v. exa. sabe-o melhor do que eu) como a Inglaterra procede no Industão com respeito á religião?

A base da sua politica é a tolerancia, tolerancia a mais completa.

A Inglaterra, nas Indias orientaes, não tem religião official, tolera todos os cultos. E desde o momento em que ella abandonasse esse systema de conducta, tornando-se suspeita dos povos, era-lhe impossivel sustentar-se na India.

Tive occasião de tratar com empregados altamente collocados, que me disseram que esta nação não fazia propaganda da sua religião official, e que não subsidiava e enviava missionarios d'ella; que isso pertencia ás associações particulares, especialmente ás sociedades biblicas; que alguns ministros anglicanos eram mandados pelo governo para presidir aos actos do culto dos empregados do estado, e tiveram a franqueza de me dizer que a unica religião que ali fazia importantes progressos era a catholica.

Eu cito simplesmente um facto.

Como já disse, temos, alem do arcebispado de Goa, em territorio portuguez, os vicariatos do norte, dos Gates, do Canará, de Cochim, Cranganor, Ceylão, Malaca, Meliapor e Bengala.

A congrua dos missionarios do vicariato do norte, em subsidios do governo, monta a 80:000 rupias; o governo inglez contribuo com dois terços, e o portuguez com um terço approximadamente!

O governo inglez funda igrejas, subsidia largamente os vigarios apostolicos e os capellães militares; as companhias dos caminhos de ferro subsidiadas pelo estado, e as particulares concedem passagem gratuita aos missionarios, facilitam a correspondencia das auctoridades com os administrados, isto em referencia á religião.

Com respeito á instrucção, a nenhuma nação póde ser indifferente este assumpto. A Inglaterra creou escolas nas colonias, e protege e auxilia outras de iniciativa particular; e como entende que não póde haver a verdadeira instrucção sem boa inspecção, tem os seus agentes, que vão inspeccionar as escolas em toda a parte. Os premios e os subsidios são concedidos em attenção á categoria das escolas e aproveitamento dos alumnos, em attenção, emfim, aos resultados praticos.

Isto não acontece sómente em Singapura.

Temos felizmente escolas em Bombaim, Matim, Bandorá, Calcuttá, Meliapor, Tuticurim, Singapura, que o governo inglez inspecciona, protege e premeia, mandando publicar os resultados nos seus jornaes officiaes. Ha em Bombaim uma universidade, e exigem-se certas habilitações para frequentar os seus estudos, e uma d'essas habilitações é que o individuo seja perito na lingua ingleza, na sua propria, e em uma outra, sendo uma d'ellas a portugueza, para o que ha um jury composto de vogaes da nossa colonia, ali estabelecidos, que os ha distinctissimos, e premios para os examinados que se distinguem.

O reverendo Sant'Anna da Cunha assevera que a sua escola (parece pretender que ella pertence mais a elle do que á nossa missão) foi sustentada exclusivamente á sua custa. Mas sendo a sua côngrua, como coadjutor, insignificantissima, como podia elle o ocorrer ás despezas com mestras europeas, ajudantes, casa, utensilios e mais cousas necessarias á escola? Julga-se indispensavel para a existencia da escola, mas na sua ausencia a escola continuou, e creio que continua a prosperar. Agora devo dizer duas palavras a respeito da syndicancia. Eu entendia que a syndicancia aos actos d'este ecclesiastico era precisa, e a mandaria fazer, não para saber se o devia mandar recolher a Goa, mas para saber o procedimento ulterior, que para com elle devia adoptar. Não a pude fazer, porque fui dispensado de servir as missões do Oriente, e tive de regressar ao reino.

Mas não podendo eu fazer a syndicancia nem mandal-a fazer, deixei na secretaria do arcebispado de Goa todos os documentos favoraveis e desfavoraveis, todas as representações que recebi a respeito dos actos do mesmo ecclesiastico.

Deixei dito ao meu delegado que logo que chegasse o sr. arcebispo de Goa, chamasse a attenção de s. exa. para este assumpto, deixei mesmo, entre outras, esta indicação por escripto, e indiquei o modo pratico de fazer a syndicancia; o coadjutor do sr. arcebispo, de confiança e insuspeito, na sua passagem em Singapura de Macau para Goa podia ser encarregado d'ella. Não sei se a fez, se não; e aqui começa a responsabilidade do arcebispo; pois eu entendo que as administrações e auctoridades têem obrigação de reparar, podendo, as injustiças que as anteriores porventura tenham commettido, sob pena de se tornarem cumplices responsaveis por essas injustiças.

Recolhido a Goa, pareceu, este ecclesiastico conformar-se com as rasões que lhe expuz (costumo dar aos meus subordinados os motivos do procedimento que tenho para com elles), mas depois levou esta questão para a imprensa, e dizendo o que não devia, ouviu o que não queria, fizeram-se-lhe accusações graves, cuja veracidade não pude verificar, mas que não foram destruidas, aggravando-se assim a sua situação, pois o que era particular-se tornou do dominio publico. Appareceu-me em Bombaim, instando pela sua restituição a Singapura, apresentou-se ao arcebispo para o mesmo fim, e não o podendo conseguir, veiu para Lisboa, creio que em condições desfavoraveis, por não trazer seus papeis em ordem.

Propalou que assim procedi por pressões exercidas sobre mim pelo governo da metropole, pelas auctoridades de Goa, pela Propaganda Fide, pelo vigario apostolico, que superintende nas missões de Singapura, pelo sr. bispo de Macau, e não sei por quem mais.

Mas a verdade é que ninguem me fallou n'este negocio, senão as nossas auctoridades de Singapura, que ninguem ousou fazer-me pressão, nem eu a acceitaria. As palavras favoraveis proferidas por occasião da apresentação do requerimento do reverendo Sant'Anna da Cunha fazem honra aos illustres deputados, pois revelam sentimentos nobres e corações sempre abertos a qualquer queixa, fundada ou infundada; mas a verdadeira generosidade não exclue a justiça, e esta pede que se ouça o accusado.

Audi et alteram partem.

A insistencia d'este ecclesiastico cada vez me convence mais da inconveniencia de o mandar de novo para Singapura.

O sr. deputado Luciano Cordeiro attribue a supposta injustiça, de que se trata, á anarchia e desorganisação dos serviços das missões na Africa e na Asia.

Estou de perfeito accordo; provi-o com differentes documentos citados por s. exa., e é confessado num decreto publicado em 1880, em que se procurou organisar e melhorar a situação das nossas missões, a doutrina, dando-se por motivo d'isso a decadencia d'ellas.

Melhor organisados os serviços das missões da Asia, mais facilmente poderia o superior ter conhecimento do que se passasse, e providenciar convenientemente, mas nunca poderia ser privado da faculdade de mandar os missionarios servir onde lhe pareça mais conveniente.

O individuo e a auctoridade julgam-se justos emquanto se não provar o contrario. Servi por onze annos o ultramar, Angola e a India.

Acolá suspendi um ecclesiastico com muito pezar, porque para o fazer era necessario violentar os meus sentimentos e revelava o castigo um estado moral anormal no punido.

Aqui, na India, não suspendi ninguem, devido á boa indole, morigeração e submissão do cloro de Goa, de cujas excellentes qualidades me apraz dar aqui testemunho.

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É unica a queixa do reverendo Cunha feita depois de tres annos. O bispo é o protector nato do seu clero.

E por isso que estou tratando do padroado, direi duas palavras a respeito da propaganda, visto os dignos pares,, os srs. Antonio de Serpa e Miguel. Osorio, por quem professo o maior respeito, e que sinto estarem ausentes, terem fallado neste assumpto. Eu, sr. presidente, entendo que a propaganda é o catholicismo, que é o apostolado catholico, uma congregação que com este nome ou com outro não póde deixar de existir.

O Santo Padre tem a missão divina de evangelisar as idéas enristas a todos os povos, em todos os tempos e logares, e não póde prescindir d'estes enviados da sua palavra e doutrina: mentiria á sua missão.

Eu, sr. presidente, tambem fui propagandista, assim como o foram o meu chorado e virtuoso antecessor o sr. arcebispo de Goa, D. Ayres Ornellas e o sr. D. João Chrysostomo de Amorim Pessoa e todos os prelados que governaram as missões do Oriente depois de 1857; e digo assim porque as missões do Oriente são governadas por uma delegação apostolica emanada do Santo Padre, como a dos vigarios apostolicos; a origem e o modo do poder é a mesma com referencia ás igrejas do nosso padroado situado em territorio inglez.

Por isso eu entendo que a congregação de Propaganda Fide é a congregação mais benemerita da humanidade, porque é ella que mais tem concorrido para a civilisação do mundo.

Sr. presidente, por esse mundo de Christo e tambem por esse mundo que não é de Christo, tenho encontrado militares, commerciantes, exploradores, e individuos destinados a differentes occupações. O militar destina-se a fazer conquistas, ou a mantel-as para a metropole, o commerciante ao trafico mercantil, o explorador a abrir novos caminhos e novos horisontes á humanidade e á civilisação; todos são bem vindos, mas o seu destino especial não é propriamente, civilisar os povos, porque a civilisação consiste principalmente na educação moral, intellectual e religiosa dos povos, e esta missão é especialmente do padre.

A Propaganda fide é, em summa, Pedro, Paulo, os apostolos e seus successores, é Vieira, Anchieta, Nobrega, Thomé, João de Brito e Francisco Xavier.

Eu desejaria que se estabelecesse uma associação de propaganda nacional no nosso paiz, para auxiliar as missões das nossas vastas colonias, e que a iniciativa particular se associasse á acção do governo, como succede em outras nações.

Vejo-me obrigado a fallar neste assumpto, visto que, segundo ouço dizer, se trata de estabelecer em Lisboa uma secção da Propaganda Fide.

Digo o que ouço dizer, porque ainda não sei bem o que ha a este respeito; se se trata de estabelecer aqui uma fracção ou instituto da Propaganda Fide, ou sómente de collocar aqui alguns capitaes a ella pertencentes, como parece.

Os ultimos acontecimentos da Italia são conhecidos de v. exa. e da camara.

Este assumpto é melindroso, e eu só posso fallar delle aqui com muita reserva.

Entendeu o governo italiano que os bens immoveis que pertencem á Propaganda Fide, devem ser subrogados e convertidos em titulos de divida publica, e julgando o Santo Padre que os capitaes d'esta congregação não estão seguros na Italia, entende collocados em outra parte; de ahi boatos, não sei se verdadeiros, se falsos, de mandar collocar esses capitaes em differentes reinos, um dos quaes seria Portugal.

Sendo assim, pergunto eu: que inconveniente ha em que o Santo Padre colloque parte dos referidos capitaes n'este reino?

Pois não prova isto confiança no governo e no credito d'este paiz, confiança e credito que eu vejo tantas vezes por ahi arrastar?

Que perigo ha nisto?

Não o posso comprehender.

Acaso quereremos nós inaugurar a politica dos tempos de El-Rei D. Manuel, que expulsou os hebreus, e com elles tantas riquezas que possuiam?

Não acabarei sem dizer duas palavras ainda a respeito da Propaganda Fide.

Eu costumo fallar sempre a verdade. Nós temos muitos aggravos da Propaganda Fide. Não póde desfazer-se a historia.

Mas esses aggravos são anteriores á concordata que se celebrou em 1857.

(Áparte.)

Os acontecimentos d'esse tempo não são airosos para ninguem, e são de gravissimas consequencias para a nossa religião.

Mas, depois da celebração da concordata, ainda que não executada, se vive em paz, havendo apenas de vez em quando pequenas divergencias, que facilmente se compõem, e que- são devidas á vizinhança e mal definidos limites, jurisdicções, direitos e deveres.

Nós, sr. presidente, ainda hoje, apesar de cerceado successivamente o nosso dominio ultramarino, não sabemos bem o que é nosso; governei a diocese de Angola por espaço de cinco annos, e nunca pude saber quaes eram os limites precisos do seu territorio.

O mesmo acontece a respeito das igrejas do nosso padroado no Oriente.

E, se eu fosse perguntar ao governo, talvez elle não podesse dizer-me quaes os limites dos nossos dominios no ultramar, da provincia da Guio é, Angola, Moçambique, India, especialmente pelo que toca á linha divisoria do interior.

Eu perguntaria se effectivamente os governos, e não me referi especialmente a este, ou a outro, têem cumprido os seus deveres inherentes á honrosa e pesada prerogativa do padroado?.

A resposta a este respeito não poderia ser duvidosa.

Ha um documento official que reconhece a decadencia das nossas missões.

Refiro-me a um decreto de 1880, relativo á organisação da instrucção ecclesiastica na India, e referendado pelo illustre ex-ministro, o sr. Julio de Vilhena.

E havemos nós de censurar o Santo Padre por cumprir o seu dever, e applaudirmo-nos por faltarmos ao cumprimento dos nossos?

Sr. presidente, a minha situação nesta casa é uma situação especial, e eu não posso deixar de dizer algumas palavras sobre o projecto para a reforma de alguns artigos da carta constitucional, que está na tela da discussão.

O sr. Presidente: - V. exa. poderá inscrever-se para entrar n'essa discussão na ordem do dia. Agora, porém, já, passou a meia hora destinada a quaesquer assumptos estranhos á ordem do dia, e passando-se a ella, é o digno par o sr. Ornellas que tem a palavra reservada para continuar o seu discurso.

O Orador: - Sei isso perfeitamente, sr. presidente, e tanto eu me empenho em não transgredir o regimento d'esta casa, que, quando na sessão passada se fallou aqui na Propaganda Fide eu deixei então, por já não ter tempo de o fazer sem prejuizo da ordem do dia, de dizer alguma cousa a esse respeito, que me parecia dever dizer.

Se, portanto, v. exa. me não permitte fazer desde já as reflexões que tenho ainda a fazer, e que são sobre o projecto de lei que constitue a ordem do dia, ou para não interromper a ordem que levou a discussão d'esse projecto, fal-as-hei em occasião que v. exa. julgue mais opportuna.

O sr. Presidente: - O nosso regimento é que dispõe na conformidade que eu ha pouco disse; a minha observação foi, portanto, feita em nome da camara. É pois, a ella,

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que compete decidir se v. exa. póde, n'este momento, continuar a usar da palavra, ou se deve fazer as suas reflexões na devida altura, quando, dentro da ordem do dia, lhe caiba a palavra.

Vozes: - Falle, falle.

O sr. Presidente: - Uma vez que a camara quer, póde v. exa. continuar.

O Orador: - Sr. presidente, eu tenho toda a franqueza em expor as minhas opiniões.

Direi, portanto, que voto a generalidade do projecto de lei n.° 246, porque entendo que é de uma, necessidade absoluta e inadiavel saír d'esta situação em beneficio d'este ou de outro governo, e mais que tudo, em bem da nação, e encerrar quanto antes este periodo revisor ou constituinte para podermos occupar-nos de questões tão momentosas quanto importantes, como aquellas de que precisâmos tratar, taes como as que dizem respeito á administração colonial, instrucção, administração e fazenda.

Ver-me-ía embaraçado a responder, se me perguntassem precisamente, se votava o projecto.

Teria de responder o sim e o não; que votava a favor e contra; o ser e o não ser; o to be or not be, de Shakspeare, visto o projecto não ter generalidade e especialidade.

Em todo o caso não tenho duvida em declarar que voto a necessidade da reforma da carta.

Não acredito na constancia das cousas humanas, e muito menos na immatabilidade das cousas politicas..

Entendo que a todas as cousas preside uma lei, que é a do progresso e da perfectibilidade, e que esta lei se ha de cumprir pela evolução ou pela revolução.

Voto-a, porque não julgo incompativel a minha crença e a minha fé com todos os progressos legitimos.

Podia fazer mais algumas considerações, mas não as faço, porque não me considero auctorisado a fazel-as.

Ha um ponto especial sobre que devo fallar.

É o § 14.° do artigo 75.°

Parece que, votando a necessidade da reforma, voto tambem a reforma d'este artigo.

Não é assim, ou antes voto a necessidade d'este paragrapho: eu me explico.

As idéas que estou expendendo são opinião pessoal.

Supponho que algum dos prelados do reino tomará a palavra em occasião opportuna, para expender a opinião do episcopado portuguez sobre o assumpto.

Esta é a minha opinião particular o pessoal: voto a necessidade da reforma, mas não voto a reforma do § 14.º do artigo 75.º, como está concebida no parecer.

Se eu tivesse de apresentar alguma proposta seria assim concebida:

"Proponho que seja eliminado o § 14.º do artigo 75.º da carta constitucional, ficando assim prejudicados o artigo e paragrapho correspondentes do projecto, que se discute."

tratando se de da reforma da carta e do alargamento das liberdades publicas, eu, em nome d'ellas, pediria mais liberdade e facilidade para as relações entre a igreja e o estado.

Mas não se trata agora d'esta questão.

A occasião opportuna ha de chegar, e então, como souber e podér, hei de defender as minhas idéas.

Para não abusar mais da paciencia de v. exa. e da camara, eu não continuarei, e termino agradecendo a benevolencia extrema e muita consideração que me dispensaram, ficando animado pela maneira como fui recebido a poder fazer novamente uso da palavra, quando o julgar conveniente.

(O orador foi muito comprimentado.)

o sr. Presidente: - Estão inscriptos os dignos pares marquez de Penafiel e bispo de Vizeu, mas está chegada a hora de se entrar na ordem do dia, e se os dignos pares concordam, eu dou-lhes a palavra antes de se encerrar a sessão.

Os srs. Marquez de Penafiel e bispo de Vizeu accederam á indicação do sr. presidente.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Vae entrar-se na ordem do dia. Continua com a palavra o digno par, o sr. Ornellas.

O sr. Agostinho de Ornellas: - Sr. presidente, era virtude de uma pequena parte do discurso que hontem proferi, eu vi hoje, cem satisfação, levantar-se um digno prelado nesta camara para definir de uma maneira clara a sua opinião, que talvez seja tambem a do episcopado portuguez, sobre um ponto trio importante...

O sr. Bispo da Guarda: - Se v. exa. me dá licença, a opinião que eu apresentei é perfeitamente pessoal.

O Orador: - Eu disse que v. exa. tinha exposto a sua opinião, que talvez fosse a de todo o episcopado portuguez.

O sr. Bispo da Guarda: - Peço desculpa.

O Orador: - Por uma circumstancia de occasião, fui eu, quando homem fiz uso da palavra, que tomei o primeiro logar n'esta questão, e nas palavras que proferi alguem quiz ver que me dirigira aos prelados que se achavam presentes, não sei com que duvida eu incerteza ácerca do qual seria o seu procedimento com respeito ao ponto de que me occupei; mas, sr. presidente, não foi essa a minha intenção, eu não podia duvidar de qual seria o modo do proceder do bispos catholicos, que necessariamente defenderiam ou exporiam a verdadeira doutrina da igreja catholica, o que eu disse fui que me congratulava por os ver presentes, porque me poupavam a tareia de ter do usar da palavra sobre este assumpto, que s. exas. tratariam, de certo, e que é tão importante, como complicado é o projecto, cheio de questões complicadissimas, em que o espirito se confunde, antes de entrar no verdadeiro caminho a seguir para não ser desviado pelo turbilhão do varias idéas que de roldão acodem á mente.

Não concordei com a generalidade do projecto, e já declarei que julgava offensiva para esta camara a redacção que lhe haviam dado.

Não concordei com o methodo que o governo adoptou para reformar a carta.

Auxiliei a minha opinião com a de um distincto jurisconsulto, membro d'esta camara, e com o procedimento anterior do governo, quando em 1872 trouxe á camara dos senhores deputados uma proposta de reforma constitucional, que não chegou a saír do seio da commissão.

Resta-me ainda fallar das consequencias provaveis da adopção d'este methodo, assumpto que me parece de toda a importancia, por isso que, com as maximas probabilidades, o projecto será votado e posto em execução, apesar de, no meu fraco entender, ter por principal consequencia, pertubar outra vez o equilibrio dos partidos que actualmente existe n'esta camara, perturbação de que a primeira victima será o partido progressista, que do empenhado se mostra nas reformas.

Eu vejo n'esta medida, não um meio de regularmos por uma vez as questões politicas e constitucionaes, mas o começo de uma epocha da maior gravidade, e dos maiores perigos n'um paiz o nde existe perfeita anarchia de idéas em materia politica, onde não ha escolas oppostas, não ha partidos bem constituidos e sobretudo falta um partido conservador, cem principios definidos.

Os partidos avançados abundam e superabundam.

Temos o partido progressista, que é numeroso, dignamente-representado n'esta casa. Temos outro mais avançado do que elle que é o partido constituinte.

Não sei se com esta classificação faço injuria ao primeiro. É costume entre nós fazerem entre si os partidos concorrencia de liberalismo; porém sujeito-me a qualquer rectificação por parte dos illustres progressistas se com esta

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classificação os melindrei e continuo a sustentar que elles se encontram áquem dos constituintes.

Mais avançado do que estes, acha-se o partido republicano, que incontestavelmente progride todos os dias, que sem cessar se organisa e de certo vae approveitar o ensejo que lhe damos para a propaganda das suas doutrinas a proposito da reforma constitucional. Alem do partido republicano temos ainda o socialista, que prosegue nos seus trabalhos de engrandecimento, e cujas doutrinas eloquentemente advoga um distintissimo escriptor, um homem de sciencia, que professa abertamente o socialismo theorico que em Allemanha é representado pela escola dos socialistas cathedraticos catheder socialisten

Este é o estado das opiniões politicas no paiz.

Os principios conservadores estão profundamente abalados, enfraquecidos, abandonados, custa-me ter de o repetir, abandonados pelo homem que parecia reunir todas as condições de prestar á sua patria ainda maiores serviços do que tem prestado, collocando-se á frente d'esses principies, defendendo-os, não transigindo, não cedendo. Mas as propostas de que se trata, revelam, no modo por que foram redigidas, estar o governo de accordo no fundo com todas as idéas revolucionarias e discordar sómente conquanto á rapidez da marcha, mas associando-se á mesma idéa fundamentalmente falsa de querer mais democracia onde a igualdade pratica é já maior que nas mais adiantadas republicas, mais liberdade onde já todos se queixam do abuso d'ella, onde a auctoridade é já tão fraca que só a indole bondosa do povo ainda, guiado pela sua excellente educação tradicional torna possivel a paz, a ordem e a coexistencia social.

Pedem todos progressos, mas são os progressos a que se referia mr. de Laveleye no seu artigo em que fallei hontem sobre a crise do liberalismo, mostrando que já não ha hoje rasão alguma para querer progredir ainda na modificação das instituições politicas dos povos modernos da Europa, porque todas as garantias importantes, necessarias de liberdade o desenvolvimento social estão perfeitamente asseguradas e quaesquer esforços ulteriores para novas transformações hão de necessariamente conduzir ao socialismo, á anarchia e á destruição da civilisação.

As questões politicas serias acabaram hoje, as questões do dia são sociaes e economicas.

Apesar de estarmos habituados a abstrahir do que se passa no resto da Europa, o facto é que assistimos presentemente a uma luta gigante, que por ora não tem passado dos dominios da diplomacia, entre o principio republicano, anarchista e o principio conservador monarchico.

A Allemanha, que se acha á testa deste movimento de associação de todas as forças conservadoras, já conseguiu uma alliança monarchica que se estende do mar glacial ao estreito de Gibraltar, desde a Russia até a Hespanha e isolou completamente a França republicana, fazendo reviver, a alliança dos tres imperadores.

Á ultima hora acaba de tirar á republica franceza a derradeira esperança que lhe restava de uma alliança europea, a da Russia.

Tudo indica uma união geral contra os esforços anarchistas, uma liga internacional conservadora, que resista á internacional socialista e perturbadora.

Não teve a confederação suissa de expulsar recentemente os revolucionarios que lá costumavam estabelecer o seu centro de operações?

Não teve essa republica que prohibir a entrada no seu territorio ao Mazzini da peninsula, Zorrilla, constante promotor de revoluções em Hespanha?

É o momento que julgamos opportuno para abrir as portas á anarchia europea, reconhecendo a necessidade de alterar todos os artigos essenciaes da nossa constituição, relativos ás prerogativas da corôa, á organisação do parlamento, ás garantias populares, ao direito de reunião, etc.

Tudo isso ha de ter uma solução que nenhum de nós prevê, porque nós não podemos contar senão com as declarações do sr. presidente do conselho, que são dignas de toda a confiança.

Mas, por muito leal e energico que seja s. exa., e comquanto eu reconheça a sua consummada habilidade em dirigir os homens e os acontecimentos, o seu profundo conhecimento da pathologia moral da natureza humana; não sei se poderá conter a agitação que se vae provocar.

E podemos nós crer que todos os homens politicos estejam decididos de boa vontade a acompanhar o sr. presidente do conselho, que se não manifestarão desaccordos na escolha das soluções a dar a tão variados problemas, como os que propõe á nação o artigo unico do projecto?

Estamos atrazados em tudo, até em revolução; os nossos homens novos, os pretendidos iniciadores de grandes reformas, estão ainda no ponto de vista dos agitadores de ha meio seculo.

Então pediam-se com justiça garantias contra o abuso da auctoridade, contra a prepotencia dos principes, mas hoje esses receios já não têem rasão de ser.

Justificavam-se ha cincoenta annos, no tempo dos governos oppressores e absolutos de cujo jugo todos desejavam libertar-se.

Hoje por toda a parte se procura fortalecer o principio de auctoridade, armar os governos com novos meios de de defeza em presença dos novos meios de ataque fornecidos pela sciencia moderna aos inimigos da ordem social. A propria Inglaterra, o paiz que respeita todas as liberdades, tem adoptado ultimamente medidas repressivas; medidas de excepção, destinadas, não só a fazer cessar a agitação da Irlanda, mas a oppor um dique á torrente das idéas revolucionarias que em toda a parte tendem a transtornar o seu pacifico e bem ordenado progresso.

Todos nós sabemos que o sr. presidente do conselho tem muitas vezes procedido contra as suas idéas proprias, de certo com excellentes intenções, mas sacrificando a sua propria opinião. E não sou eu só que o digo, muitos dos seus mais fieis partidarios o confessam, embora se não decidam, como eu, a proclamal-o bem alto.

Ainda não ha muito tempo s. exa. nos levou, áquelles que o seguiamos lealmente pela confiança que n'elle tinhamos, a votar uma moção, manifestamente inconveniente e prematura, mas que era necessario substituir a outra muito mais aggressiva e violenta que os partidarios impacientes aqui tinham apresentado.

O sr. presidente do conselho, para não deixar de ser o chefe, consentiu em ir apoz a minoria turbulenta do partido.

N'essa occasião o sr. Mar tens Ferrão, dirigindo-se ao gr. presidente do conselho, disse-lhe que dirigisse o seu partido, que se não deixasse arrastar por elle. (Apoiados.)

Ora, sr. presidente, quem nos assegura que na futura camara revisora se não hão de reproduzir situações analogas, scenas similhantes. E terá s. exa. mais energia então, poderá melhor conter os insubordinados e facciosos?

Durante a discussão na outra camara, debaixo da apparente unanimidade, não se manifestaram symptomas de resistencia ou antes de impaciencia d'aquelles que pretendem ir mais longe que o sr. presidente do conselho?

Sou tolerante para todas as convicções sinceras, mas exijo que se mostrem a descoberto e francamente se affirmem.

Quem quer a liberdade de cultos aliste-se nas fileiras dos partidos mais avançados, quem quer a ruina d'esta camara proclame-se ultra liberal, mas que se introduzam no partido do sr. presidente do conselho, ou talvez mesmo sejam chamados por s. exa. para á sombra do seu nome, approveitando-se da confiança que elle inspira, fazerem propaganda revolucionaria, minando as instituições em nome de um partido que tem por missão defendei-as, é o que me parece o mais traiçoeiro e fementido dos procedimentos.

Ora, a explosão d'esses elementos perturbadores, por

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emquanto mais ou menos latentes e dissimulados, é summamente perigosa n'uma camara que se póde proclamar permanente e indissoluvel, porque a nossa theoria constitucional é que os poderes publicos são sómente os mencionados na carta e com as attribuições restrictas n'ella tambem indicadas.

Nenhuma disposição da carta auctorisa a corôa a dissolver uma camara revisora, emquanto esta não cumprir o seu mandato. A logica tambem o affirma, pois se o Rei só póde dissolver uma camara convocando logo outra, como ha de dissolver quando não póde convocar camara constituinte? Desejamos nós ver repetidas no paiz as scenas que ha tres annos se estão passando na Noruega?

Tenciono não tomar hoje muito tempo á camara, porem lembrou-me agora está referencia. O plano de reforma da camara dos pares approxima-nos muito da organisação do Storihing na Noruega.

Para complemento da similhança, já ouvi affirmar que á camara dos deputados devia competir a eleição de uma parte dos membros d'esta assembléa.

Ora, sr. presidente, eu entendo que a amovibilidade é incompativel com as funcções de par do reino, com as idéas que lhes andam associadas, com as tradições que esta dignidade representa. Um par do reino temporario, amovivel e dissoluvel é uma contradicção nos termos, é um absurdo politico.

Esta camara acaba pela reforma, haverá outra segunda ou primeira camara, haverá um senado, que assim convem que se chame a nova assembléa, se a todos os seus defeitos não quizer acrescentar o ridiculo e o absurdo.

Hoje mesmo já todos affirmam que a camara já não é uma camara de pares na verdadeira accepção da palavra. Que será depois da reforma? Quando muito um senado.

O senado terá membros amoviveis e inamoviveis, como acontece com o senado francez.

Mas quem possue algumas, ainda que ligeiras noções de historia, póde reconhecer que n'uma assembléa vitalicia a admissão pelo suffragio é um elemento de discordia permanente.

Apesar dos serviços prestados á republica pelos senadores inamoviveis, que Leão Gambetta havia introduzido no primeiro senado d'esta terceira republica franceza, o grito hoje dos partidos avançados, o pretexto para a revisão constitucional que se pretende em França e que o sr. Ferry só quer conceder fixando-se previamente até onde poderá chegar, é a abolição do senado inamovivel.

Os accordos não são só da nossa politica, fazem-se em toda a parte, mas sempre ha n'elles uma parte illudida, sempre quem, cego pela cobiça ou pelo odio, subscreva condições que apressam a sua propria ruina.

O sr. Gambetta como habil politico, explorou nas eleições senatoriaes o odio profundo que existia entre legitimistas e orleanistas e concedendo aos legitimistas uns quinze senadores, na alliança eleitoral que fizeram, reservou para o partido republicano perto de cincoenta. Foram estes a base da resistencia á reacção de 1877, foram os salvadores da republica, mas nem por isso lhes perdoou a inveja democratica e o fim dos senadores inamoviveis em França é questão de pouco tempo, de mezes talvez. Pois nós com o pretexto de acabar com as luctas politicas vamos introduzir n'esta camara um elemento que necessariamente trará comsigo uma lucta e um antagonismo no seu proprio seio!

É a maior das illusões imaginar-se que por esta fórma se póde pôr termo ás luctas politicas e evital-as no futuro.

Tudo o que se tem feito, tudo o que provavelmente se vae fazer, abalando as bases do nosso edificio politico, vae antes favorecer as luctas politicas, porque vae dar animo e estimulo aos partidos que até agora não entraram na unica politica que o sr. presidente do conselho reconhece, á que é feita na maior parte pelo pessoal das secretarias e gira em torno d'ellas, um parlamento onde o elemento dynamico é representado pelos que querem ser empregados e o statico pelos que já o são.

Ha outros politicos que se estão ensaiando e apercebendo e que se lhes dermos ensejo não tardarão a obrigar-nos a contar com elles. A crise é inevitavel e em vez; de a conjurarmos, apressamol-a desviando as forças e as attenções das questões de administração, pois só uma boa e vigilante administração nos póde salvar.

É isto o que diz o sr. ministro da fazenda no seu recente relatorio sobre o estado da fazenda publica, muitissimo notavel pela lucidez com que s. exa. comprehendeu o verdadeiro estado das nossas finanças, e o unico remedio que as póde salvar, depois de attingido o maximo dos tributos possiveis se é que alguns não ultrapassam já o ponto em que cessam de produzir e se tornam obstaculos ao progresso da riqueza publica.

É muito louvavel que o illustre ministro fallasse ao paiz com tanta franqueza, embora não pareça ser o melhor meio de preparar-se para pedir emprestado, levar á evidencia que se não póde prescindir de emprestimos.

A questão de fazenda é muito complicada e presta-se ás mais habeis manipulações, e phantasiosas e illusorias apparencias.

Nós temos orçamentos rectificados e não rectificados, temos contas de gerencia e de exercicio, e saldos escripturados e não escripturados, e mil outros elementos de confusão.

Reduzindo tudo á expressão mais simples, a formulas accessiveis a cabeças não financeiras, cifra-se a questão de fazenda no seguinte: Em 1880 pedimos emprestados réis 18.000:000$000, em 1884, ainda no primeiro semestre, já pedimos 4.089:000$000 réis, e estamo-nos habilitando a pedir mais 18.000:000$000 réis.

Dividindo estes 22.000:000$000 réis por tres annos, será facil achar o deficit correspondente a cada um, e como dos orçamentos consta qual a somma destinada a despezas extraordinarias, a differença indicará o deficit ordinario.

Parece-me que esta demonstração é clara. Ora, não podemos augmentar os impostos, nem reduzir as despezas, antes devemos preparar-nos para as ver augmentar. Que resta? Pedir emprestado.

O sr. ministro da fazenda, confessando francamente qual era a situação financeira do paiz, mostrou tambem que a unica maneira de se salvar era uma administração rigorosa e methodica, e as providencias que já tomou e se prepara a adoptar em relação ao serviço das alfandegas são manifestas provas do seu zelo, e de que elle deseja entrar francamente n'este caminho.

Sr. presidente, se este é o unico meio que nos póde salvas, digo francamente que o remedio das reformas politicas é dos peiores, porque todos nós sabemos quaes são os effeitos salutares que as eleições produzem na administração publica, e como se trata de uma camara constituinte ou revisora, esses effeitos duplicarão de intensidade.

É doloroso ver que os negocios publicos e os mais caros interesses do paiz, como são o seu futuro e a sua independencia, são tratados assim com a maxima ligeireza e com o mais condemnavel indifferentismo.

Invoca-se a necessidade da reforma da camara dos pares, e introduz-se n'ella o principio electivo, exactamente na occasião em que todos reconhecem que o suffragio está viciado, e que o resultado das eleições não traduz a vontade do paiz!

Esta serie de incoherencias, este ininterrupto desfilar de contradições, confrange dolorosamente o homem publico, que examina desapaixonadamente a marcha de acontecimentos que nos ha de levar a um futuro pouco para nos alegrar.

Na questão de fazenda existe o que a evidencia dos factos demonstra de uma maneira formal e completa, e nas questões de politica e de administração reina uma anarchia

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absoluta, e é no meio d'esta desordem que vae proceder-se á eleição de uma camara constituinte!

Eu considero esta eleição o acto mais arriscado que o governo póde praticar no estado actual do paiz.

A camara sabe que ainda não ha muito tempo o governador civil do Porto, um dos mais dedicados membros do partido regenerador, que eu não conheço, mas de quem toda a gente falla com muita consideração e respeito, viu-se forçado a pedir a demissão, unica e exclusivamente porque se viu na impossibilidade de cumprir o seu dever.

Não muito distante do Porto, em Vianna, o governador civil, distincto lente da universidade, tambem pediu a exoneração pôr motivo analogo áquelle.

Este porém foi indemnisado com um logar no tribunal de contas, mas o paiz é que não teve indemnisação.

Ha um outro facto que eu conheço perfeitamente e por cuja fiel narração posso responder á camara.

Existia na Madeira um director de obras publicas que desempenhava o seu logar dignamente, que tinha posto cobro a grandes abusos que anteriormente se commettiam na direcção das obras publicas do Funchal, abusos que tinham até cansado a morte de um outro director, não porque este os auctorisasse, mas pelos desgostos que lhe causavam e por falta de energia em conter os seus subordinados. (Apoiados.)

Pois este director foi demittido e acha-se em Lisboa sem emprego.

Já tenho fallado sufficientemente e termino para não cansar mais a camara com as minhas reflexões.

(O orador foi comprimentado por muitos dignos pares de todos os lados da camara.)

Leu-se na mesa a moção ao digno par o sr. Ornellas, que é do teor seguinte:

Moção

Proponho que o § unico do artigo 1.° do projecto seja separado e convertido em artigo 2.°

Sala das sessões, 28 de março de 1884.=O par do reino, Agostinho de Ornellas.

Consultada a camara sobre a sua admissão á discussão, foi admittida.

O sr. Visconde da Arriaga: - Começou por assegurar que se occuparia exclusivamente do projecto em discussão, estranhando que o mesmo não tivessem feito alguns dos seus collegas, attento que a elevação da divida publica e o desequilibrio do orçamento nada tinham de commum com a hereditariedade, senão tudo com o se haver ali pedido e votado o caminho de ferro da Beira Baixa e Beira Alta, do Algarve e Salamanca, varios outros nas ilhas e o parto de Leixões, e os creditos para a compra de navios de guerra, cujos totaes encargos, ainda que reproductivos, eram comtudo immediatos.

Não queria com isto significar que deixasse de applaudir essas beneficas e indispensaveis medidas, porém tão sómente que quasi todos os adversarios do projecto haviam deixado na sombra esta circumstancia e trazido unicamente a lume o mal apparente que n'ella tinha sua origem.

Do gravame das nossas finanças tinham portanto a culpa sómente aquelles que approvaram taes melhoramentos.

Continuou depois fazendo a apologia da carta constitucional, por ser uma das melhores que conhecia e tão bem como se devera deprehender das bastas leituras que do seu conteudo fizera, affirmando que fora doada em 1826, mas que só viera á luz do mundo após uma angustiosa e trabalhada parturição.

Em seguida referiu-se ao juramento della, ás negociações do duque de Palmella para a sua consolidação e ao facto de D. Miguel prometter jural-a, e ter dissolvido as camaras e convocado os tres estados.

Alludiu tambem ás constituições de 1820 e 1838, passando em revista os factos e os vultos mais notaveis d'aquellas e de outras epochas posteriores, e indicando por derradeiro qual a fonte do acto addicional e os principaes homens que é tinham promovido.

Igualmente expoz o que Alexandre Herculano dissera ácerca do modo como a propriedade se achava outr'ora dividida entre nós, dos impostos que a sobrecarregavam o das vantagens que no porvir caberiam á cidade e ao porto de Lisboa.

Quanto aos nossos tratados, fez a resenha d'aquelles que mais lhe convinham á sua argumentação, e no tocante ao canal de Suez, rememorou que já Affonso d'Albuquerque o quizera abrir, mas que só mais tarde se conseguira isso.

Declarou-se, partidario da eleição indirecta, procurando justificar com diversos exemplos esta sua opinião. Estabeleceu, tambem segundo as suas vistas, a differença que estremava os povos do norte da raça latina, e fez depois a circumstanciada historia da guerra peninsular, em cujas minudencias uma houve, que muito fez rir a assembléa, qual a do general francez, Junot, ter fugido, conforme a expressão- pittoresca do orador, pela terra do sr. Barros e Sá. Similhantemente narrou o que em França e Inglaterra a esse tempo coincidira, pondo termo ao seu discurso com um episodio faceto, que attribuiu a Montesquieu, e com que muito de novo se riu e se despertaram longos apoiados na camara.

O orador, em tudo o que disse, suppostas as suas idas e vindas sobre o mesmo e outros assumptos, que entre si julgou connexos, e as amiudadas interrupções e borborinho da camara, que ora o constrangiam a suspender a oração principal e a permeial-a de innumeros incisos, ora a desviar-se da encetada trilha da sua argumentação para bem levar o convencimento aos animos, deixou comtudo sobejamente evidenciado quanto era contrario á hereditariedade do pariato.

(O discurso de s. exa. virá a ser publicado na integra, se nol-o devolver,}

O sr. Marquez de Pombal: - Sou encarregado pelo digno par o sr. visconde de Chancelleiros, de participar a v. exa., sr. presidente, e á camara que não póde comparecer ás proximas sessões, em consequencia de fallecimento de pessoa da sua familia.

(Tomou-se nota da participação para os devidos effeitos.)

O sr. Bispo de Vizeu: - Sr. presidente, pedi a palavra para dar uma explicação á camara.

Sinto-me, porém, bastante embaraçado por ter de fallar pela primeira vez perante uma assembléa tão illustrada e tão distincta por tantos titulos, na qual vejo varões conspicuos pelo seu talento notavel, pela sua vasta erudição, e pela sua larga experiencia da vida parlamentar. E, olhando para mim vejo-me destituido inteiramente de predicados tão nobres e tão distinctos, .sendo essa a rasão da dificuldade em que me encontro.

Mas, sr. presidente, o caracter de que me acho revestido reclama que eu por mim e em nome dos meus collegas no episcopado, que têem assento n'esta casa, procure pelo modo que poder e souber dar á camara a seguinte explicação.

Sr. presidente, quando hontem o digno par o sr. Ornellas chamou no seio d'essa camara a attenção dos prelados para a doutrina do § 14.° do artigo 75.° da carta constitucional, pareceu-me ver nesse convite uma censura feita ao silencio, até então de proposito guardado, pelos meus collegas e por mim, no seio d'esta respeitavel assembléa sobre a materia d'aquelle paragrapho. Creio bem, sr. presidente, nas puras e rectissimas intenções do digno par; mas é certo que a maneira como apostrophou para estas cadeiras poderia fazer suppor que os bispos que n'ellas se têem sentado nas ultimas sessões eram indifferentes á doutrina do paragrapho sobredito, em que se trata do beneplacito regio.

Permitta-me o digno par que eu lhe diga que s. exa. não tem rasão.

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Tres dias ha, sr. presidente, que os bispos actualmente presentes n'esta capital e que têem assento n'esta casa do parlamento se haviam reunido para convencionarem a fórma por que deveriam proceder ácerca do projecto das reformas, que está na tela do debate, e resolveram votar a generalidade do projecto, rejeitando, porém, na especialidade a reforma do § 14.° do artigo 75.°, cuja doutrina entendem no campo, dos principies não poder harmonisar-se com a liberdade e independencia da igreja na pratica de sua administração. -

E já vê o digno par o sr. Ornellas, que a pronunciação do futuro voto dos meus collegas e do meu sobre as reformas que se discutem, o era já um acto muito anterior á sua apostrophe.

Direi sr. presidente, que os meus collegas e ou estamos profundamente dominados, do sentimento da nossa dignidade e da consciencia de nossos deveres, os quaes saberemos cumprir, não só como bispos catholicos, más ainda como cidadãos portuguezes. (Repetidos apoiados.)

E n'esta qualidade votaremos a reforma que se discute, porque a igreja catholica não duvida acompanhar a natural evolução do progresso, em que as nações vão caminhando através do tempo. As leis humanas, sr. presidente, são regras praticas para remediar necessidades, e sendo estas necessidades variaveis em virtude das circumstancias do tempo, logares, costumes, etc., é por isso mesmo que as leis não podem deixar de soffrer variadas modificações, não podem deixar de soffrer mais ou menos a necessidade da sua reforma. O que muito importa é que essa reforma seja feita com acertado criterio.

Não desejamos, sr. presidente, crear o mais leve embaraço á conveniente, á regular administração do estado, no intuito do seu progressivo melhoramento moral e material.

A igreja quer o progresso, quer a civilisação, e para isso fomenta e desenvolve, pela salutar influencia da sua doutrina, a liberdade, a igualdade e a fraternidade.

Ella quer o progresso, quer a civilisação, e disto tem ella dado sobejas provas durante dezenove seculos. E dezenove seculos, sr. presidente, é um periodo assas longo para provar quanto têem sido e continuarão a ser beneficos á humanidade os salutares influxos da religião catholica.

Mas, sr. presidente, a civilisação que a igreja admitte é a verdadeira civilisação, a civilisação no conjuncto dos dois elementos que devem constituil-a: o elemento moral, que comprehende os bons costumes, as sciencias é as artes, e o elemento material, que abrange as artes mechanicas, a industria e as riquezas; que e só póde admittir a civilisação no inteiro conjuncto d'aquelles elementos.

Mas se deseja que as prosperidades materiaes se desenvolvam no seio dos povos, ella dedica os mais insistentes esforços á reforma dos costumes, dedica os maiores desvelos ao elemento moral, porque é n'essa reforma que está a mais solida e segura garantia da ordem e da felicidade das nações, da paz e prosperidade do individuo, da familia e da sociedade.

Termino aqui, sr. presidente, estas breves considerações, que foram, em verdade, inspiradas no desejo de procurar levantar do episcopado portuguez, que tem assento n'esta casa, um certo desfavor que porventura podesse deduzir-se da apostrophe a que me tenho referido, dando assim, em nome dos meus collegas e do meu, uma satisfação aos impulsos da nossa consciencia e ao sentimento do nosso dever.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por grande numero dos dignos pares.}

O sr. Presidente: - A seguinte sessão será na segunda feira proxima, e continua a mesma ordem do dia.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e dez minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 29 de marco do 1884

Exmos. srs. João de Andrade Corvo; Duques de Loulé, de Palmella; Marquezes, de Alvito, de Fronteira, de Penafiel, de Sabugosa, de Vallada; Arcebispo de Braga, Condes, das Alcáçovas, de Alte, de Bertiandos, do Bomfim, da Borralha, do Casal Ribeiro, de Ficalho, de Fonte Nova, de Gouveia, de Linhares, de Margaride, da Ribeira Grande, de Rio Maior, de Samodães, de Valbom; Bispos, de Bragança, da Guarda, de Vizeu, Eleito do Algarve; Viscondes, de Almeidinha, de Alves de Sá, da Arriaga, de Asseca, da Azarujinha, de Bivar, da Gandarinha, do S. Januario, de Monte São, de Moreira de Rey, de Seabra, de Seisal, de Soares Franco, de Villa Maior; Barão, de Santos; Ornellas, Pereira de Miranda, Quaresma, Sousa Pinto, Barros e Sá, Couto Monteiro, Fontes Pereira do Mello, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Telles de Vasconcellos, Cau da Costa, Palmeirim, Basilio Cabral, Bernardo de Serpa, Montufar Barreiros, Costa e Silva, Francisco Cunha, Henrique de Macedo, Larcher, Jeronymo Maldonado, Mártens Ferrão, Abreu e Sousa, Mendonça Cortez Pestana, Martel, Gusmão, Gomes Lages, Braamcamp, Castro, Ponte Horta, Mello Gouveia, Costa Cardoso, Mexia Salema, Silvestre Ribeiro. Bocage, Seixas, Pereira Dias Vaz Preto, Franzini, Canto e Castro, Miguel Osorio, Placido de Abreu. Calheiros e Menezes, Thomás Ribeiro, Thomás de Carvalho, Vicente Ferrer, Seiça e Almeida.

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