O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 571

571

CAMARA DOS DIGNOS PARES.

EXTRACTO DA SESSÃO DE 28 DE MARÇO DE 1859. PRESIDENCIA DO Ex.mo SR. VISCONDE DE LABORIM, VICE-PRESIDENTE.

Secretarios os Srs. Conde de Mello Secretarios, os Srs. D Pedro Brito do Rio.

(Assistia todo o Ministerio.)

Pelas duas horas e meia da tarde, tendo-se verificado a presença de 28 Dignos Pares declarou o Ex.mo Sr. Presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente contra a qual não houve reclamação.

Mencionou-se a seguinte correspondencia:

Um officio da Junta do Credito Publico, remettendo uma relação das pessoas que estão nas circumstancias deserem eleitas para exercerem os cargos de membro e substituto da mesma Junta. Para a secretaria.

— da Camara dos Srs. Deputados, participando ter a mesma Camara approvado as emendas feitas por esta Camara na proposição sobre a reorganisação do serviço de saude do Exercito.

Paro o archivo.

— da mesma Camara, enviando uma proposição sobre ser auctorisada a Camara municipal da Azambuja para contractar um emprestimo.

As commissões de administração publica, e de agricultura e commercio.

— da mesma Camara, remettendo uma proposição sobre terem curso legal nas ilhas dos Açores, os soberanos ou libras sterlinas, no valor de 5$600 réis.

A commissão de fazenda.

— do Ministerio da Marinha enviando 80 exemplares da conta da gerancia daquelle Ministerio, respectiva ao anno economico de 1857-1858, e do exercicio de 1855-1856.

Mandaram-se distribuir.

— do Ministerio das Obras Publicas enviando 69 exemplares da medalha Commemoratoria da inauguração do caminho de ferro de Leste.

Mandaram-se distribuir.

O Sr. Marquez de Vallada — Mando para a Mesa um parecer da commissão de instrucção publica.

A imprimir.

O Sr. Presidente — Continua a primeira parte da ordem do dia, que é a continuação da discussão ou interpellação relativa aos caminhos de ferro; acham-se ainda inscriptos varios oradores, e compele primeiro a palavra ao Sr. Visconde de Castro.

O Sr. Visconde de Castro — Eu desejava que estivesse presente o Sr. Ministro das Obras Publicas.

O Sr. Secretario Conde de Mello — Já se mandou aviso á outra Camara. (Entrou o Sr. Ministro.) O Sr. Visconde de Castro — Tendo eu tido a iniciativa nesta interpellação não podia deixar de tomar a palavra para declarar á Camara que sinto não estar satisfeito com as respostas dadas do banco dos Srs. Ministros.

Sr. Presidente, depois de fallar o Sr. Ministro das Obras Publicas fallaram outros oradores, e alguns incidentes occorreram a que me será necessario fazer referencia antes de vir ao ponto principal; por exemplo o Digno Par o Sr. Conde da Taipa disse que eu negára que fosse aqui o logar e occasião propria de tractar das directrizes. Não tenho a menor idéa de ter dito tal cousa, a não ser talvez em alguma conversa particular com S. Ex.ª; na discussão não creio que o dissesse, e mesmo o caracter da minha pergunta era tão simples que não admittia essa especie; por consequencia sobre directrizes não digo nada; a minha questão é toda de caminhos de ferro, da construcção em geral dos caminhos de ferro (apoiados).

Depois, Sr. Presidente, tendo faltado o Sr. Ministro do Reino, e explicando S. Ex.ª as palavras do seu digno collega sobre o tractado com Hespanha, disse por essa occasião, que do tractado que se tinha feito com aquelle governo não havia vestigio algum na respectiva Secretaria. Eu desejava responder a isto, que me parece impossivel que na Secretaria dos Negocios Estrangeiros, e não digo só nessa, mas tambem na das Obras Publicas que foi donde partiram as instrucções para o tractado, me parece impossivel, digo, que ahi não se encontre documento algum a isto relativo. O que porém posso affirmar á Camara é que eu, como pude, me desempenhei na commissão que tive, que dei parte do que se achava tractado; e que recebi este officio de approvação da Secretaria dos Negocios Estrangeiros (leu).

Isto já lá vai ha tres annos ou perto delles, eu podia dizer o que esse tractado continha sem offender as regras da reserva diplomatica, mas abstenho-me disso; sómente direi, que neste tractado se tomavam obrigações por parte de Hespanha e Portugal de fazer um caminho de ferro que unisse Madrid com Lisboa, e se tomaram providencias para a navegação fluvial e obras do Tejo; se definiam as vias para o transito livre das mercadorias, sem offensa da independencia das pautas no caso de consumo; se facilitava a concorrencia das pessoas de um e outro reino, a navegação por meio da igualdade da bandeira e outros objectos mais ou menos importantes. Esse tractado não foi approvado por parte do Governo de Hespanha, ou porque occorresse nesse tempo uma mudança politica, ou porque a Administração se não conformou com alguma das suas disposições. É possivel que a clausula que dizia respeito á igualdade de bandeira fosse o maior obstaculo para o Governo hespanhol em razão de algum compromisso com outras nações; o certo é que me não consta que o Governo de Hespanha tenha dado mais passo algum a tal respeito; mas pelo que nos pertence, o tractado deve existir na Secretaria dos Negocios Estrangeiros, sem que faltem vestigios delle na Secretaria das Obras Publicas.

Eu não digo como disse o nobre Ministro das Obras Publicas, que seja necessario tractar com a Hespanha para fazermos um caminho de ferro que entronque com as vias ferreas hespanholas, mas a verdade é que este tractado tinha sua utilidade (O Sr. Visconde d'Athoguia — Apoiado), não só'pelo que era em si, mas porque era principio de outros tractados parciaes que devemos ir fazendo com o reino visinho, por isso que parece que estamos delle mais distante do que da Russia (apoiados,). Nós temos differentes generos da nossa producção e industria que podem convir á Hespanha, assim como a Hespanha os tem que podem convir a Portugal, e entretanto se algum commercio se faz é por contrabando (apoiados). É necessario ir estudando todos estes meios de communicação para a tornar cada vez mais activa. Já por occasião daquella negociação se tinham tomado alguns apontamentos para que de futuro se tractasse sobre pescarias; qual ha de ser a razão porque os nossos pescadores não hão de recolher e vender em um porto de Hespanha e do mesmo modo os hespanhoes em um porto nosso, quando a braveza do mar, ou mesmo o seu interesse a isso os convidem? Para que se hão depor obstaculos a uma tão arriscada quanto importantissima industria? N'uma palavra, eu faço votos para que se de algum passo sobre taes negociações, ese prosiga nellas com confiança; não é pela vaidade de ter eu sido já negociador, mas é porque realmente estou convencido de que precisâmos ir tractando constantemente com aquelle paiz. Nós não sabemos o que se passa na Andaluzia, nas Castellas, no Aragão! Sabemos mais depressa o que se passa em paizes remotos do que aquillo que se passa na visinha Hespanha. (O Sr. Marquez de Ficalho = Apoiado.)

O Sr. Ministro do Reino, quando fallou na precedente sessão, fez uma pergunta que, no meu modo de entender, só podia deixar de ser considerada uma recriminação por quem não conhecesse o quanto S. Ex.ª é delicado, e sabe revestir tudo aquillo que diz de certas formulas urbanas e attenciosas. S. Ex.ª perguntou se se queria exigir tudo de um Ministerio de oito dias. Ora, tão longe estou eu dessa idéa que, quando annunciei a minha interpellação, dei logo um espaço razoavel para se me responder. Eu nunca exigi impossiveis, pelo contrario, tenho sempre censurado a pratica de querer surprehender os Ministros; desejo sempre que respondam com todo o conhecimento de causa, desejo isto com o interesse de fazer com que os Ministros se tornem respeitaveis, e não o ludibrio publico por motivo de darem respostas pouco pensadas, extorquidas de repente. Assim, tendo eu annunciado esta interpellação, dei um espaço de seis dias para o nobre Ministro, a quem me referia, estudar a questão e responder depois, mas S. Ex.ª o Sr. Ministro do Reino, que é, como digo, muito grave e comedido nas suas palavras, fazendo a allusão que eu já expendi, guardou naturalmente o complemento da sua idéa para quem o quizesse comprehender; porque dizendo S. Ex.ª querem exigir tudo de um Ministerio de oito dias queria necessariamente concluir em quanto o não exigiram de um Ministerio de oito annos! Se este era pois o pensamento do nobre Ministro, eu tenho a declarar que não fui remisso em chamar constantemente a attenção dos Ministros da Administração transacta para os caminhos de ferro, e ha mais de seis mezes que eu disse ao Sr. ex-Ministro das Obras Publicas rescinda V. Ex.ª o contracto visto que o não póde levar a effeito mas elle dizia-me como o hei de rescindir agora que tenho entrado em negociações mais positivas, que tenho maiores esperanças do que nunca de obter condições que sejam acceitaveis? — Parece-me que á vista disto V. Ex.ª e a Camara podem ver que, se eu não podia insistir conscienciosamente na minha exigencia, nem por isso tinha abandonado o meu posto, ou afrouxado nas minhas solicitações. O meu empenho era, que se fizessem os caminhos de ferro: linha pena que o contracto se fosse espaçando; mas quando tudo estava a ponto de ser concluido, não havia de ser eu que aconselhasse aos Srs. Ministros que rescindissem o contracto: isto não era possivel que eu fizesse.

Sr. Presidente, a minha pergunta foi, como disse, muito simples. Se acaso S. Ex.ª deixaria fechar as Camaras sem pedir alguma auctorisação ao Parlamento, pela qual podesse fazer obra, e não causar maior demora no começo dos caminhos de ferro em grande escala. O Sr. Ministro respondeu muitissimo bem, e de um modo que me tranquillisou; porque S. Ex.ª disse, que as Camaras não se fechariam, sem primeiro o Governo se munir de uma auctorisação para principiar estes trabalhos. Eu estava inclinado, Sr. Presidente, a dar-me por satisfeito com esta resposta, mas depois que vi entrar em certos pro-menores, em resposta a outros oradores, fiquei um pouco mais receioso de que não teremos, ou teremos muito tarde caminhos de ferro (apoiados). Quando eu ouvi fallar em levar o caminho de ferro por conta do Estado até ás Onias, que' julgo são quatro kilometros mais de extensão; quando ouvi fallar depois em o levar até á Barquinha (parece-me que foram estas as palavras do Sr. Ministro), fiquei muito desanimado; porque eu esperava que os Srs. Ministros dissessem que iam tractar com uma grande Companhia; uma Companhia forte, séria, e bem montada, e que nos desse esperanças de fazer as estradas ferreas em ponto grande, porque essas que ora se estão fazendo nada utilisam. Ninguem póde duvidar, Sr. Presidente, de que os caminhos de ferro feitos com a parcimonia com que elles se estão construindo entre nós, não correspondem aos grandes fins que temos em vista (apoiados). Nós precisâmos tomar medidas muito largas para a construcção dos nossos caminhos, a fim de ir colhendo logo os verdadeiros fructos da nova machina locomotora (apoiados).

Eu não duvido de que o contracto que estava feito se preste a grandes objecções, mas é necessario que se examine a sangue frio e sem paixão(apoiados}. Se elle não presta abandone-se, mas parece-me que por muito máo que elle seja, não deixou já de nos mostrar uma grande conveniencia, que foi o indicar certas bases que se podem estabelecer para outros quaesquer contractos (apoiados).

Sr. Presidente, o Governo não póde decretai; condições para uma obra, que tem de ser feita pelos capitães de terceiras pessoas. É preciso, que faça um programma, ou estabeleça bases;

Página 572

572

que possam ser acceitas com mais ou menos probabilidade; não está na nossa mão decretar aquillo que só nos faz conta, e que só desejâmos: devemos compulsar as idéas predominantes no mercado do dinheiro, para que as condições que propozermos sejam bem acceitas, ou pelo menos não sejam desde logo repellidas.

Eu não vejo muito a possibilidade de contractar hoje caminhos de ferro sem as duas bases, da garantia do juro, e da subvenção (apoiados). Estas duas bases parece-me serem indispensaveis; parece-me que sem ellas não se fazem ha muito contractos em parte alguma do mundo, a não se dar o caso de ser feito o caminho por conta do Estado, idéa esta a que eu me opporei sempre, porque os caminhos de ferro feitos por conta do Estado hão de saír muito mais caros; hão de ser feitos em muito maior numero de annos, e,não temos para isso nem os elementos necessarios. nem o dinheiro (apoiados), Pois a nós é-nos facil o pagarmos o caminho de ferro de uma só -vez? Isso é impossivel. Pôde alguem imaginar que haja no mundo uma nação que tenha forças para tal? Não ha (apoiados). A França, que tem gasto nos seus caminhos de ferro tres mil milhões, poderia acaso fazel-os nesses oito ou dez annos em que está trabalhando com mais efficacia sem fazer carregar sobre o povo tributos enormes? E que tem ella feito? Tem feito as suas vias ferreas por differentes modos, já com subvenções, já com garantia de juro. já com trabalhos preparatorios, emfim como póde ser, e é sabido, mas sempre com capitães do commercio.

Mas, Sr. Presidente, alem destas duas bases ha outra que nos é peculiar: precisâmos tractar sobre a garantia do juro, ou sobre a subvenção; devemos tambem tractar da outra base, que é a -adjudicação das obras já feitas. É preciso que uma das obrigações da Companhia seja a de tomar as obras do caminho de ferro já concluidas, e as pague. Já se vê que no contracto a que alludo havia as tres garantias, a do juro, a subvenção, e a obrigação de tomar as obras e de pagal-as.

Ora, Sr. Presidente, estas obras vendiam-se ao concessionario por 550:000 libras sterlinas, e pelo mais que custasse ao Governo o caminho de leste até se lhe fazer entrega delle. Já se acham, creio eu, liquidados 810 contos, e ainda ha mais. Temos portanto o importe desta obra aproximadamente em 3:300 contos. Perguntarei agora, quanto é a subvenção que temos a dar? São 20 contos de réis, ou perto disso, em 328 kilometros e meio, ou cêrca de 6:500 contos na sua totalidade, deduzindo 3:000 e tantos contos que -importam as obras; temos a desembolsar pela subvenção 3:200 contos, ou um encargo de 200 contos annuaes: isto é simples. Dizia-se: ha uma garantia de juro que nos importa em 550 ou 600 contos por anno, os quaes sommados com os juros do dinheiro necessario para pagar a subvenção, dão uma somma enorme annual. Mas eu peço -que se veja que não se podem sommar quantidades heterogeneas. A subvenção é uma quantidade positiva, em quanto que a garantia do juro é uma quantidade eventual. A garantia de juro de 6 por cento, na parte que fica a cargo da -Companhia, corresponde a 3~ na totalidade do caminho de ferro. Poderá dizer-se que não ha de render 3; por cento o nosso caminho de ferro do norte, collocado entre Lisboa e o Porto, entre estes dois grandes focos de industria, entre o Porto, que está á cabeça de um paiz o mais povoado da Europa, que é a nossa provincia do Minho: entre Lisboa, que está defronte do Meio-dia de Portugal, que é o Alemtejo? Não se póde dizer que esse caminho de ferro não renderá 3 por cento quando examinamos o que rendem os caminhos de ferro de Inglaterra, de França, e de outros paizes. Vê-se ahi que, tiradas algumas excepções de caminhos que se constituiram por preços enormes, como é o de Blackwall, que custou 150-000 libras sterlinas por kilometro, tirados, digo, caminhos desta ordem, estas emprezas rendem liquido de 3 a 8 por cento.

Sr. Presidente, o caminho de ferro que está feito, já proporciona immenso beneficio a todas as povoações que atravessa; foi uma grande obra, e só o acto de o começar um grande serviço feito ao paiz para convencer os incredulos; serviço pelo qual não posso deixar de dar os mais sinceros louvores ao Ministro que o praticou. Mas é certo que este caminho, e muito menos o seu liquido rendimento, não póde servir de typo para um caminho completo, que corte o paiz longitudinalmente, e que seja o tronco de todos os ramaes que nos hão de ligar com a Hespanha.

Eu fiz aqui algumas referencias ao nobre Ministro do Reino, que senti não estivesse presente, e creio que seria falta de lealdade, agora que S. Ex.ª chega, deixar de lhe dar idéa do que disse.

(O orador repetiu, abreviadamente, tudo o que havia dito com referencia ao Sr. Ministro do Reino.)

Eu não continuo nesta repetição, porque o digno Ministro com a sua reconhecida perspicacia, tem já entendido tudo quanto eu podia ter dito na sua ausencia.

Mas agora supponhamos, Sr. Presidente, que a caminho de ferro não rende nos primeiros annos nem esses 39 por cento, que são necessarios para prefazer a garantia do juro; supponhamos que temos de pagar desses 39/i0 dois por cento saídos do Thesouro, o que é mais de metade, e parece-me que não posso reduzir o rendimento liquido a uma cifra mais mesquinha; supponhamos que tinhamos que pagar estes 2 por cento nos primeiros ciuco annos, ainda assim achariamos o necessario para este deficit na differença que se encontrou entre a subvenção estipulada no contracto de 1857, e a que se estabelece nas modificações que se apresentaram ao outro ramo do Poder legislativo.

Parece-me que quem se não satisfizer com esta demonstração, tem de provar que os caminhos de ferro em Portugal não rendem nada. E poderá alguem dizer, Sr. Presidente, que o caminho de ferro do Porto a Lisboa, e á fronteira, não rende nada? Que os caminhos de ferro em Portugal são absolutamente estereis? Ninguem: póde dizer tal, e se isto se póde dizer, então, Sr. Presidente, pede a nossa boa fé que não convidemos capitalistas estrangeiros para os virem fazer. Pois havemos dizer-lhes. vinde fazer esses caminhos, na certeza de que não rendem nada; vinde empregar os vossos capitães na certeza de que os annullaes completamente?:..

Sr. Presidente, eu não estou a analysar o contracto nem as suas modificações, mas referi-me a isso que ahi estava feito, e que seria talvez susceptivel, de ser melhorado, com o unico fim de mostrar que, ainda quando não seja acceitavel, sempre nos poderá ministrar bases para tractarmos, ou para formarmos o nosso programma de concurso.

Sr. Presidente, eu espero que os Srs. Ministros apresentem as suas propostas ao Parlamento antes que elle se feche, nem eu diria nada se algumas idéas que aqui se emittiram me não assustassem. Se o Sr. Ministro das Obras Publicas tivesse dito simplesmente que o Governo havia de trazer as suas propostas ás Camaras, eu nem direito tinha de fallar antes da sua apresentação;, mas depois do que tem occorrido não me poderá ser estranhado que eu diga, como opinião minha, que se aproveite a base da garantis a base da subvenção e a outra base da encampação ou antes adjudicação das obras feitas. Isto para nós é indispensavel e de uma importancia summa. Caminhos de ferro por conta do Estado hei-de oppôr-me sempre a elles (apoiados), caminhos mandados fazer por emprezas estrangeiras, mis com obrigação de levantarmos um emprestimo que dê para a totalidade do caminho, hei de sempre oppôr-me a essa idêa, porque, de quem é que se ha de fiar 30 mil contos de titulos da nossa divida publica? Quem é o capitalista de quem um Governo prudente possa fiar similhante quantia? Não existe: se não a fiarmos desse capitalista, levantamos os fundos parados na mão do Governo; e neste caso se houver alguma vicissitude politica no paiz ou fóra, ou qualquer outra circumstancia extraordinaria, poderemos ficar sem dinheiro e sem caminhos de ferro. Portanto, caminhos de ferro com uma companhia estrangeira, seja qual fôr, a quem se dê uma subvenção, da qual se deduza o importe das obras feitas, isso não leva muito longe os nossos encargos annuaes, e não nos traz risco algum; ninguem dirá que para obter vantagens desta ordem se não devam fazer sacrificios, mas todos dirão que se não devem correr riscos desnecessarios.

A Camara já vê pois, que estou disposto a adoptar todas as medidas que o Governo trouxer ás Camaras, com tanto que sejam largas, e possam produzir todos os proveitos que são da natureza da cousa. Quaes são esses proveitos? Eu vejo desde logo um que para mim é de summa importancia: é a semente de 30 ou 40 milhões que vão dar vida ao interior do paiz que está morto (apoiados). Dizia um meu collega da Camara dos Srs. Deputados, o Doutor Almeida, de saudosa recordação, fallando de uma terra pequena ou do interior aonde casualmente habitara, que quando alli se batia com um cruzado novo no balcão de uma tenda havia um tremor de terra.

Pois, Sr. Presidente, derramem-se 30 ou 40 milhões nessas obras colossaes no interior do paiz, e verão como as industrias se augmentam, como a riqueza multiplica, e como o seareiro e o proprio jornaleiro, sem necessidade de emigra, era, se tornam em pouco tempo proprietarios; e os proprios que parece zelarem mis as cifras do Thesouro do que o desenvolvimento nacional, conhecerão esses tambem esta conveniencia pelo excesso dos rendimentos publicos. Mas se o Governo fizer as obras por sua propria conta, ha de gastar não só aquella cifra, mas outro tanto, mas lentamente, e sem dar impulso a cousa alguma, e então não posso concordar com a idéa.

Peço perdão á Camara por ter intretido tanto tempo a sua attenção, e quando vier a proposta do Governo, se eu vir que tem vistas largas hei de dar-lhe a minha approvação (apoiados).

O Sr. Visconde de Balsemão — Sr. Presidente - depois das graves ponderações que acaba de fazer o Digno Par, eu devia prescindir da palavra não obstante julgo do meu dever apresentar sempre algumas considerações.

A Camara ha de recordar-se que, durante a Administração passada, pedi ao Governo alguns esclarecimentos, que tinham justamente por fim esclarecer esta questão, e consistiam n'um mappa circumstanciado das obras que se haviam feito no caminho de ferro, devendo aquelle mappa ser dividido em differentes épocas, para que se distinguissem as despezas que primeiro se tinham feito, estando o caminho a cargo de uma companhia, e as que depois se fizeram por conta do Governo, e se visse por ellas a differença que faziam; espero, pois, que se não considere que as observações que vou fazer são por espirito de opposição, ao contrario, nesta questão do caminho de ferro hei de dar o meu apoio ao Governo, porque sempre entendi que o caminho de ferro era um grande meio de salvação para o paiz, mas um caminho de ferro que nos ligasse com Hespanha, e ao mesmo tempo nos pozesse em communicação com a Europa.

O Digno Par o Sr. Conde da Taipa disse na sessão passada, que seria conveniente ligarem-se os dois mares, Oceano e Mediterraneo: quem estudar os caminhos de ferro ha de ver que a final assim succederá, e por consequencia parecem-me muito adequadas as observações do Digno Par; mas eu estou persuadido que o nosso interesse hoje não é tanto esse, como o que provirá de nos ligarmos com a Europa central.

Concordando com as observações que apresentou o Sr. Visconde de Castro, direi que eu entendo que o Governo, nas nossas circumstancias, não póde emprehender só o caminho de ferro, mas necessita recorrer ao credito, e por isso pedia que, antes de encerrar a sessão, nos apresentasse alguma cousa neste sentido, porque esta questão do caminho de ferro não é nova. O contracto Petto era um contracto sabido, e publico, ao qual se tinham feito rigorosas, observações; por consequencia já havia tempo de apresentar alguma cousa a este respeito, ou esse contracto melhorado, ou um outro differente, que nos offerecesse garantias superiores. Era isto que eu esperava que a actual Administração nos apresentasse. Eu não quero julgar aquelle contracto, porque não veio á discussão; entretanto, tenho visto ácerca delle o juizo de homens competentissimos, entre outros o Sr. Carlos Morato Roma, a quem se attribuem alguns artigos, analysando aquelle contracto de uma maneira que me parece irrespondível, e senti que elle se não apresentasse nas Camaras; mas em fim é um caso passado; muita gente julgou prejudicial aquelle contracto, as respectivas commissões da Camara dos Senhores Deputados não o approvaram, e está por consequencia fóra da discussão; mas eu queria que esta sessão se não fechasse, sem que o Governo dissesse francamente se tenciona apresentar um outro projecto, ou as bases para um novo contracto, para que esse desiderátum se levasse por diante, e não estivessemos ainda dois ou tres annos á espera, como tem succedido até agora, em quanto as outras nações estão a progredir constantemente.

Disse o Sr. Ministro das Obras Publicas, que lhe parecia que seria conveniente tractarmos com Hespanha.

Sr. Presidente, eu tive occasião, estando naquelle paiz, de observar que seria muito difficil trazer o governo hespanhol a um accôrdo; mas estou persuadido que se Portugal levar os seus caminhos de ferro á fronteira de Hespanha, a necessidade ha de obrigal-o a fazer a ligação, apezar das difficuldades, vencendo-se varias rivalidades que possam existir entre um e outro paiz; entre tanto, tambem estou certo que a Hespanha quererá primeiro fazer caminhos de ferro que a liguem aos seus portos, antes de trazel-os para a fronteira de Portugal. Isto é de primeira intuição, a Hespanha não ha de querer, contra os seus interesses, prejudicar os seus portos de Vigo e Cadiz. Esta é não só a minha opinião, mas a de alguns homens de Estado daquelle paiz, que muitas vezes me mostraram que a Hespanha devia primeiramente pôr os seus portos em relação com a sua capital, muito embora depois se entendesse com Portugal, e era esta a opinião de muitos homens eminentes daquelle paiz, e por consequencia fazendo dependente os nossos caminhos de ferro de um tractado com Hespanha, estou convencido que só tarde, muito tarde e talvez nunca, se farão esses caminhos, por, isso desejo que o Sr. Ministro, desprendendo-se dessas ligações com a Hespanha, tracte quanto antes de dar desenvolvimento á viação publica, mas estou certo que com os meios que o Governo tem á sua disposição é impossivel que o possa fazer, e então é mais conveniente dar um voto de confiança para fazer qualquer contracto com uma companhia, do que deixar no vago, e indefinida esta questão. Se o Governo viesse aqui a pedir um voto de confiança para contractar o caminho de ferro, eu por certo lh'o dava, porque do contrario muito receio que se não faça nada.

Faço estas observações, unindo os meus votos aos do Digno Par o Sr. Visconde de Castro, observações que tencionava fazer á administração passada, e tanto que pedia esclarecimentos ao Governo, no firme proposito de dizer o mesmo que agora digo.

Eu entendo que dava realmente uma grande importancia á administração se ella podesse fazer esses trabalhos por sua conta, e com individuos só deste paiz, mas com os recursos que tem duvido que o podesse conseguir, não é porque não tenhamos homens muito dignos e capazes, e capazes, mas falta-lhe em quanto a mim a pratica necessaria. Eu estou persuadido que com homens cabalmente habilitados as despezas com o caminho de ferro haviam de ser muito menos do que foram, e assim tem-nos custado talvez o dobro1 do que custaram os caminhos fóra do paiz. Se formos calcular quanto nos tem constado cada kilometro, ver-se-ha quanto é excessiva a despega, mas isso até aqui era natural, por ser o primeiro caminho que se fazia entre nós, e tambem é certo que estas lições nos devem servir de futuro para os fazermos em grande escala, com pessoas que estejam completamente habilitadas.

São estas as observações que linha a fazer, e espero que o Sr. Ministro as tome na devida consideração.

O Sr. Conde da Taipa....

O Sr. Visconde de Castro — Que eu teria muita duvida que se imaginasse possivel contractar por empreitada os caminhos de ferro em grande escala, levantando logo um emprestimo para todas essas despezas, o que seria de certo um emprestimo colossal, emprestimo que não ha de quem se fie, nem se póde fiar do Governo, por isso mesmo que qualquer vicissitude politica o póde pôr na necessidade de recorrer a esses meios tirando-os da sua devida applicação.

O Sr. Ministro do Reino....

O Sr. Visconde de Castro (sobre a ordem) — Mando para a Mesa um parecer da commissão, que V. Ex.ª verá que a Camara se póde occupar delle, por isso mesmo que é a repetição do que já está feito em negocio tão grave e importante.

Leu-se na Mesa.

O Sr. Presidente — Em vista do pedido do Sr. Ministro do Reino por parte do Governo, e em attenção ao que expõe o Digno Par o Sr. Visconde de Castro que mandou para a Mesa este parecer, consulto a Camara sobre a dispensa do regimento relativamente a este objecto.

Dispensando o regimento entrou em discussão, e sem ella foi approvada.

O Sr. Conde da Taipa....

O Sr. Marquez de Ficalho — O Digno Par o Sr. Visconde de Castro, conforme com todas as regras parlamentares, fez a sua interpellação em presença das suas idéas economicas e scientificas. A ella creio eu que o Governo respondeu convenientemente, e por isso me parece, que tudo quanto agora se disser sobre caminhos de ferro é fóra de proposito (apoiados). Em vista disto cedo da palavra, Sr. Presidente, e della usarei quando se tractar especialmente do assumpto — caminhos de ferro reservo-me para entrar largamente nessa materia então, e apresentarei á Camara e aos Srs. Ministros algumas considerações que entendo serem justas e attendiveis. I

O Sr. J. I. Guedes — Eu não posso accrescentar mais nada ao que com tão grande proficiencia disseram o Digno Par o Sr. Visconde de Castro, e Sr. Ministro do Reino. Declaro, porém, que confio plenamente em que o Governo ha de vir, conscio da sim boa fé e lealdade, pedir ao Parlamento concessões mais largas possiveis, para termos caminhos de ferro, sem que sejam feitos por conta do Estado, porque contra esse methodo me pronuncio eu fortemente (apoiados). Como o Sr. Ministro pediu que se tractasse com urgencia de certo projecto de lei, eu nada mais direi agora.

O Sr. Ministro das Obras Publicas....

O Sr. Presidente — É forçoso interromper a marcha da discussão. Vai ler-se a lista dos Dignos Pares que compõem a deputação que deve hoje, ás oito horas da noite, apresentar a Sua Magestade os authographos relativos ao objecto que foi ha pouco presente á Camara.

O Sr. Secretario Conde de Mello (leu) — A deputação composta dos Srs.: Presidente e dos Dignos Pares, Brito do Rio; Marquezes: de Ficalho, de Loulé, das Minas, de Niza, e do Pombal.

O Sr. Presidente — Continua a discussão, e tem o Sr. Visconde da Luz a palavra.

O Sr. Visconde da Luz — Desisto da palavra á vista do que disse o Sr. Ministro do Reino em resposta ao Sr. Conde da Taipa. Não tenho mais que accrescentar, e mesmo a discussão já vai alem do que eu esperava, nem vejo conveniencia em continual-a (apoiados).

Agora, como estou em pé, peço licença para dar parte a V. Ex.ª e á Camara, que o Sr. Visconde de Ourem, por incommodo de saude, não póde comparecer hoje á sessão.

O Sr. Presidente — Tem agora o Sr. Visconde de Balsemão a palavra..

O Sr. Visconde de Balsemão — Sr. Presidente, eu não fazia tenção de tomar a palavra senão para fazer as reflexões que fiz no principio da sessão, e direi agora poucas palavras para mostrar que a minha idéa não se podia intender em relação ao actual gabinete.

Sr. Presidente, eu não procuro nunca por habito fazer opposição acintosa a Ministerio algum, a minha paixão politica principia e acaba dentro desta Camara, e aqui digo só o que entendo que devo dizer segundo a minha consciencia.

Ao Ministerio passado tambem disse, quando apresentei aquelias minhas observações, que havia pedir ao Governo que mandasse a esta Camara varios esclarecimentos que eu precisava sobre um projecto, que era o contracto Petto, e que pedia aquelles esclarecimentos para me habilitar quando este negocio viesse a entrar em discussão. Já o Sr. Ministro do Reino se admirou que eu fosse tão exigente com S. Ex.ª quando tinha sido tão pouco exigente com o Ministerio passado. Sr. Presidente, eu não podia ser exigente com o Ministerio passado, porque elle trazia ao Parlamento um contracto bom ou máo, e era á vista delle que havia entrar na sua apreciação.

Ora, eu disse que não me oppunha, mas disse que mais francamente daria um V.oto de confiança ao Ministerio para emprehender essa grande obra. Outra reflexão, que sou obrigado a responder, e S. Ex.ª fez tambem, foi de me referirá Hespanha, e dizer que este objecto lhe parecia mais conveniente ao Gabinete hespanhol do que ao de Portugal; mas a verdade é que eu não olho a uma falsa popularidade, eu não quero lisonjear o meu paiz, fazendo-lhe acreditar cousas impossiveis, e por isso disse que para se contractar com a' Hespanha se havia attender aos seus interesses, e se devia ver tambem que ella tinha conveniencia em pôr em communicação os seus portos de mar com a capital; e com isto não mostrei que tinha mais interesse pela Hespanha do que pelo meu paiz; e sinceramente desejo que estes dois paizes estejam em boas relações de amisade: e por isso disse que nos devemos quanto antes aproximar da fronteira, porque levando ali o caminho ella virá ali até pelo espirito de conveniencia propria, e para não tomar mais tempo á Camara acabo com aqui o meu discurso.

O Sr. Presidente — Não ha mais ninguem inscripto. Acabou este incidente. Passamos á

ORDEM DO DIA.

O Sr. Presidente — Vai lêr-se o artigo 2.º do projecto n.º 104, que já estava discutido, e não se poude votar por não haver numero na sala.

Approvou-se, assim como o artigo 3°. e a mesma redacção.

O Sr. Presidente — A hora está a dar, teremos ámanhã sessão, e será a ordem do dia a discussão dos pareceres n.ºs 85, 94, 98, 100 e 92. Está fechada a sessão.

Eram quasi cinco horas da tarde.

Relação dos Dignos Pares que estiveram presentes na sessão de 28 de Março de 1859.

Os Srs.: Visconde de Laborim; Duque da Terceira; Marquezes: de Ficalho, de Fronteira, das Minas, de Niza, e de Vallada; Condes: das Alcaçovas, d'Alva, da Azinhaga, de Linhares, de Mello, de Penamacor, da Ponte de Santa Maria, da Taipa, e de Thomar; Viscondes: d'Athoguia, de Balsemão, de Benagazil, de Campanhã, de Castro, de Fonte Arcada, de Fornos de Algodres, da Luz, de Monforte, de Ovar, e da Paradinha; Barões: de Pernes, e da Vargem da Ordem; Mello e Saldanha, Sequeira Pinto, Pereira de Magalhães, Margiochi, Aguiar, Larcher, Isidoro Guedes, Eugenio de Almeida, Silva Sanches, Fonseca Magalhães, e Brito do Rio.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×