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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

EXTRACTO DA SESSÃO DE 24 DE MARÇO DE 1858.

Presidencia do ex.mo Sr. Visconde de Laborim,

Vice-presidente.

Secretarios os Srs. Conde de Mello

Visconde de Balsemão.

Ás duas horas e meia da tarde, achando-se presente numero legal, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Leu-se a acta da precedente, sessão, que se approvou na fórma do Regimento por não haver reclamação em contrario.

O Sr. Marquez de Vallada aproveita a primeira occasião que se lhe offerece para em pleno parlamento dar os seus louvores ao Digno Patriarcha eleito de Lisboa, por ter sabido resistir nobre e apostólicamente aos esforços do Governo em quanto tendiam a fazer praticar S. Ex.ª Rev.ma uma irregularidade: irregularidade que foi notada em um jornal, na redacção do qual elle orador tem a honra de fazer parte. Referia-se ao Bem Publico. S. Ex.ª Rev.ma não tomou posse do governo desta diocese em quanto teve o caracter de Patriarcha eleito, resistindo a todas as ordens do Sr. Ministro das Justiças, para que o fizesse: e d'ahi dava seus louvores ao nobre Prelado que soube resistir ás inqualificáveis ordens do Governo.

Accrescentou que chegado pois o momento de S. Ex.ª Rev.ma tomar posse da alta dignidade para que fóra eleito por Sua Magestade El-Rei o Sr. D. Pedro V, e na qual foi confirmado pelo Summo Pontífice o Papa Pio IX; repetia quedava por este facto os parabens a S. Ex.ª Rev.ma, e tambem ao povo do patriarchado, por serem governados por um tão digno Prelado.

Expoz que quizera apresentar estas breves considerações como uma censura ao Governo, á qual melhor desenvolveria se naquella occasião estivesse presente aqui o Sr. Ministro das Justiças.

Aproveita o uso da palavra para annunciar uma interpellação que deseja fazer ao Sr. Ministro do Reino, relativamente ao hospital nacional e real de S. José, e sobre um objecto que não póde deixar de ser conhecido de S. Ex.ª, porque o é de todos, pela circumstancia de se ter publicado pela imprensa uma correspondencia, na qual se pede uma syndicancia sobre a administração daquella casa de caridade.

Tambem deseja perguntar ao Sr. Ministro do Reino qual a razão por que não attendeu ao offerecimento que fizeram as irmãs da caridade para tractarem dos doentes, á similhança do que se pratica n'outros paizes? Talvez se lhe responda que foi por motivos de economia que esse offerecimento se não acceitou, mas elle orador ha de provar o contrario disso, se tal razão se adduzir; e assim como ha de tambem tractar do desfalque em que se achou o fallecido thesoureiro do hospital, o Sr. David Alves Renda, e por essa occasião fallará igualmente do negocio relativo ao recebedor.

Mandará pois para a mesa a sua nota" de interpellação, e em tempo opportuno desenvolverá todos estes pontos tão melindrosos e importantes.

O Sr. Presidente roga ao Digno Par que envie para a mesa a sua nota de interpellação.

O Sr. Marquez de Vallada declara que passava a escrevel-a.

(Entrou o Sr. Ministro da Fazenda.)

O Sr. Conde de Thomar....

O Sr. Ministro da Fazenda —No dia 7 de Dezembro do anno passado tive eu a honra de ser exonerado da Pasta das Justiças, que Sua Magestade houve por bem commetter-me interinamente: de então para cá é evidente não podér eu estar habilitado para podér responder relativamente aos objectos que teem sido tractados naquelle Ministerio, mas posso affirmar ao Digno Par que até ao dia em que eu saí delle não se tinha praticado facto algum que podesse justificar a asserção do Digno Par o Sr. Marquez de Vallada; e posteriormente a essa data parece-me podér tambem affirmar a S. Ex.ª, que as cousas se teem passado do mesmo modo que se passavam no tempo em que estive á testa daquella Repartição.

Se porém os Dignos Pares tivessem tido a bondade de prevenir o Governo do desejo que tinham de fallar nesta materia, como o Governo esperava que SS. EE. fizessem, então respostas mais cathegoricas podiam ser dadas, e não deve estranhar-se que agora o não faça cabalmente um Ministro que não é da respectiva Repartição.

Já eu disse aqui, Sr. Presidente, n'outra occasião, que o Regimento desta Casa estabelece regras que se não teem cumprido muitas vezes a respeito deste Ministerio. (O Sr. Marquez de Vallada pede a palavra para fallar com relação á asserção que o Sr. Ministro acaba de estabelecer.) Não sei o que V. Ex.ª poderá dizer contra a asserção que eu enunciei, porque ella é verdadeira: o Digno Par mesmo tem feito perguntas muitas vezes sem se prevenir disso o Governo; outras vezes, e muitas, tem sido convidado o Governo a vir aqui responder, sem se designar sobre que objecto: lembra-me até que eu recebi em certa occasião um officio convidando-se-me a vir eu aqui quanto antes, para o fim de responder a uma pergunta de grande alcance politico!

Torno portanto a dizer, que sobre negocios desta gravidade, a prudencia desta Casa pedia que se não prostergassem as regras estabelecidas no seu Regimento, que estabelece o preceito de se prevenir o Governo, ou o Ministro respectivo, de que se deseja interpellal-o sobre tal assumpto, fim delle vir responder devidamente habilitado.

O Sr. Patriarcha eleito certifica que não ha fundamento para justificar as asserções do Digno Par o Sr. Marquez de Vallada, nem elle orador havia resistido a ordem alguma do Governo.

O Sr. Marquez de Vallada expõe que as palavras que acabava de pronunciar o muito digno e respeitavel collega, o Sr. Patriarcha eleito, não podiam deixar de provocar logo da parte delle orador uma explicação.

S. Ex.ª disse que não havia resistido a ordem alguma do Governo, ou do Sr. Ministro dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça, mas e certo que elle orador vira no Diario do Governo differentes officios dirigidos pelo Ministerio dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça ao Vigário geral de Lisboa, como Governador do Patriarchado, assim como vira tambem a Pastoral que o Vigário geral, o Sr. Cicouro, fez publicar sobre a dispensa de certa abstinencia durante a quaresma, Pastoral de que julga tiveram conhecimento muitos ou todos os Dignos Pares que estavam presentes, e neste documento apparece tambem o Sr. Vigário geral como Governador do Patriarchado. Ora, nessa occasião disse-se publicamente, e era por ahi repetido muitas vezes, que o Nuncio Apostólico de Sua Santidade nesta corte, o Sr. Cardeal Pietro, declarára que se o Sr. Patriarcha eleito exercesse algumas de suas funcções em quanto não fosse confirmado por Sua Santidade, praticaria actos irregulares, iguaes a outros que já alguns dos seus antecessores haviam praticado, e pelos quaes. tinham sido reprehendidos. (O Sr. Ministro da Fazenda—Esta fóra da ordem.) O orador observou a S. Ex.ª que não tem direito de o chamar á ordem. Usa do seu direito de Par do Reino, e ha de usar delle a despeito de qualquer censura, ou admoestação dos Srs. Ministros. No entanto diz que elle orador fez o que entendia que podia fazer, que foi felicitar o Sr. Patriarcha eleito, como já em outra occasião havia felicitado o Digno Par o Sr. Visconde d'Ourem, sem que a Camara lhe levasse isso a mal, como nesta occasião a não levou.

Devia dar esta explicação que julga satisfará a S. Ex.ª o Sr. Patriarcha eleito, a quem deseja dar mais este testimunho do seu respeito e consideração.

O Sr. Visconde de Castro — Eu pedia a V. Ex.ª e á Camara que não continuássemos mais neste negocio, que é muito grave, e de alta importancia.

Eu não pertendo tirar a palavra a ninguem, mas parecia-me que a Camara devia pôr termo a este negocio tão melindroso como é (apoiados). Pois havemos de estar aqui a acarear o Sr. Patriarcha eleito com o Sr. Ministro? Isto não póde ser (apoiados). Por conseguinte é necessario que esta Camara tome o seu logar, e acabe com esta questão.

O Sr. Conde de Thomar....

O Sr. Ministro da Fazenda — Eu nada mais tenho que dizer, ou que adiantar ao que já disse quando pela primeira vez pedi a palavra, de que na qualidade de Ministro da Fazenda não era competente para fazer declarações algumas, ou responder ao Digno Par ácerca do ponto em que fallára; mas que era certo que até ao momento em que eu largara a pasta dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça não me constára de facto algum que podesse motivar as declarações que aqui fizera o Digno Par o Sr. Marquez de Vallada. No entanto não me parece que fosse regular o modo pelo qual o Digno Par se houve sobre este objecto, porque não vi que se seguissem as prescripções do Regimento desta casa, e bom seria que nestes casos sempre se observasse o Regimento para melhor regularidade dos trabalhos, e os Ministros poderem satisfazer como devem, e de uma maneira conveniente.

Mas já que estou de pé, eu que tive a honra de refrendar o Decreto pelo qual foi elevado á dignidade de Patriarcha eleito de Lisboa o Meritissimo Bispo Conde, não posso deixar de dizer que foi uma grave injuria ao caracter elevado de S. Ex.ª suppôr que S. Ex.ª fosse capaz de desobedecer ás ordens do Governo, e sobre tudo em relação ao objecto que se annunciára.

A Camara não me levará a mal o ter pronunciado estas poucas palavras em testimunho do respeito e consideração que devo ao illustre Prelado.

O Sr. Presidente consulta a Camara se dava por terminado este negocio? (apoiados.)

O Sr. Conde de Mello expõe, que presando muito a liberdade de imprensa, não deseja por isso que se dê o menor motivo de menospreso para com essa liberdade, mas não póde deixar passar sem correctivo, no que espera a Camara acompanhe, um artigo que viu publicado no jornal o Portuguez (da vespora), relativo á votação que tivera logar na ultima sessão da Camara.

Leu o artigo a que se referia, e continuou dizendo, que o ultimo periodo que acabava de lêr não podia deixar de lhe fazer bastante impressão, por estar convencido de que durante todo o tempo que elle orador ha tido a honra de occupar, por bondade da Camara, as cadeiras de Secretario, não tem nunca deixado de cumprir as suas" obrigações (muitos apoiados).

Declara que estima sempre, e nem era possivel deixar de estimar, que quando se vota sobre qualquer objecto, os Dignos Pares votem do modo que mais se compadece com as opiniões delle orador, mas é incapaz de alterar a vontade ou o. voto que cada um expressar (muitos apoiados).

Na ultima sessão, quando teve logar uma votação, verdade é que houve engano (Uma voz — ouçam, ouçam), mas foi omittindo o nome do Digno Par o Sr. Conde do Farrobo, que tinha votado como elle orador votaria (apoiados). Quando se procedeu ás primeiras votações por levantados e assentados, achavam-se então na Camara cincoenta Dignos Pares, e tanto na primeira como na segunda vez só se levantaram vinte e quatro, deixando-se em ambas ellas ficar sentados dois Dignos Pares, razão pela qual dissera que vinte e quatro haviam approvado, e outros tantos tinham rejeitado. Procedendo-se, porém, depois á votação nominal, declarára que tinham votado pela admissão á discussão da proposta vinte e seis Dignos Pares, e pela não admissão vinte e quatro, omittindo nestes ultimos o nome do Digno Par o Sr. Conde de Farrobo. Mas foi advertido deste engano quando já a sessão estava fechada, e neste caso foi verificar com o Sr. Secretario o Digno Par Sr. Visconde de Balsemão, e S. Ex.ª combinando com elle orador as notas que se tinham tomado na votação, concordou logo em que vinte e seis Dignos Pares haviam votado para a admissão da proposta, e vinte e cinco pela não admissão (muitos e repetidos apoiados).

Entendia dever dar esta satisfação á Camara, a fim de lhe mostrar o modo leal com que procedêra (muitos e repetidos apoiados), e declarava francamente que se na Camara não tivesse a honra de encontrar os apoiados que acabava de receber, não subiria mais aquelles degraos da mesa, para se sentar na cadeira de Secretario; mas agradece a maneira benevola e honrosa, pela qual a Camara se digna de approvar o seu procedimento (apoiados geraes).

O Sr. Visconde de Balsemão declara ter-lhe esquecido participar á Camara na sessão passada, que havia recebido uma communicação do Digna Par o Sr. Marquez de Pombal, dizendo não comparecer á sessão por incommodo de saude.

O Sr. Presidente—Declara que se passava á ordem do dia.

O Sr. Secretario Conde de Mello—Leu a proposta do Sr. Conde da Taipa, que foi a seguinte:

«Proponho que a moção do Digno Par, Conde de Thomar, vá a uma commissão, para dar o seu parecer sobre os fundamentos de legalidade que ella apresenta. — Conde da Taipa.»

O Sr. Presidente abre sobre ella a discussão.

O Sr. Visconde de Ourem—Sr. Presidente, muito desejaria eu que a questão que agora aqui se agita não tivesse vindo a esta Camara, ao menos na occasião presente, e não se julgue por isto que eu defendo o Governo, pois antes pelo contrario estou convencido que elle não tem andado bem no negocio relativo ao Conselho de Estado. Todavia esta questão não póde, nem deve aqui continuar, aliás a Camara terá de se pronunciar a respeito de uma transacção que ainda póde vir a julgar de outra maneira, e neste caso colloca-se n'uma posição bastante delicada, e toma uma grande responsabilidade.

Mando portanto para a Mesa uma proposta de adiamento, para que V. Ex.ª tenha a bondade de a propôr a Camara, a fim de ser discutida conjunctamente com a proposta do Digno Par o Sr. Conde da Taipa.

Peço a urgencia.

A proposta foi a seguinte:

«A Camara dos Pares tomando em muita consideração a proposta do Digno Par o Sr. Conde de Thomar, e reservando-se para opportunamente tomar sobre ella uma resolução, passa á ordem do dia. — Visconde de Ourem.»

(Votada a sua urgencia, e admittida á discussão).

O Sr. Visconde de Algés (sobre a ordem) é de parecer que o Sr. Marquez de Ponte de Lima não póde naquella occasião ter a palavra, porque a pediu sobre a materia, e para fallar nella estava inscripto em primeiro logar o Digno Par o Sr. Ferrão.

Explica que a materia era a moção do Digna Par o Sr. Conde de Thomar; que depois, como questão prejudicial, e annunciado assim pelo Sr. Presidente, viera a proposta do Sr. Conde da. Taipa, admittida pela Camara á discussão; e por ultimo havia ainda a proposta do Digno Par o Sr. Visconde de Ourem, cuja urgencia a Camara acabava de approvar.

Nestes termos era sua opinião que se devia dar primeiramente a palavra aos que tivessem de fallar nesta questão de preferencias de propostas; e quando novamente se chegasse á materia, o primeiro a usar da palavra deveria ser o Sr. Ferrão.

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O. Sr. Visconde de Castro—Eu tambem direi sobre a ordem, que não posso fazer distincção de questões; eu estava persuadido, mas talvez esteja enganado, que a inscripção geral é a que devia regular, e se realmente, a questão principal continua como não ha de regular a inscripção? Entretanto se não se entender assim, eu tambem pedirei agora a palavra.

O Sr. presidente expôz qual a inscripção antiga, e vinha a ser a seguinte: sobre a materia— o Sr. Ferrão, o Ministro das Obras Publicas, o Sr. Visconde de Castro, o Sr. Visconde de Balsemão, o Sr. Ministro da Fazenda. Tendo de novo pedido a palavra outros Dignos Pares, entende ser para tractarem da questão prejudicial. -

O Sr. Visconde de Balsemão declara ter pedido a palavra sobre a questão principal.

O Sr. Visconde de Algés (ainda sobre a ordem) expôz ao Sr. Presidente, que se não quer tomar sobre si o annunciar a discussão prejudicial, se digne consultar a Camara, ordenando a prévia leitura do regimento, para se conhecer como se deve considerar a moção do Sr. Conde da Taipa. Entende elle orador, que uma vez admittida como foi á discussão não póde deixar de se considerar como prejudicial, principalmente em quanto põe em duvida a legalidade da proposta do Sr. Conde de Thomar, o que importa uma questão sobre o direito dos Dignos Pares.

Se bem que a Camara podia resolver se discutisse tudo simultaneamente, elle orador pede a palavra para dar a razão do seu voto contra a admissão da proposta do Sr. Conde da Taipa; e se lhe fôr concedida, compromette-se nessa occasião a não ultrapassar a alludida explicação.

O Sr. Presidente concede a palavra ao Sr. Visconde de Algés.

O Sr. Visconde de Algés expõe que nunca deu exemplo de rejeitar a admissão de qualquer proposta á discussão, nem recusa para tal o seu voto, quando na proposta não encontra inconveniente. Se pois na proposta do Sr. Conde da Taipa se comprehendesse unicamente a moção de se enviar a uma commissão a do Sr. Conde de Thomar, dar-lhe-ia voto de admissão 1 porém, como viu que nella se pôz em duvida o direito com que o Digno Par o Sr. Conde de Thomar fizera a sua proposta, e isto importa uma censura á Camara, porque em duas sessões consecutivas se occupára da sua discussão, sendo duvidosa a legalidade (apoiados); por tal motivo não lhe póde prestar assenso.

Appoiará, porém, a urgencia e admissão á discussão da proposta do Digno Par o Sr. Visconde de Ourem, por não importar esta mais do que fazer retirar a do Sr. Conde de Thomar, substituindo-a na discussão. Tendo a Camara neste ultimo caso de decidir a preferencia, a elle orador unicamente cumpria votar pela admissão.

Tal era a declaração que tinha a fazer, e para a qual pedíra a palavra.

O Sr. Ferrão (sobre a ordem)—Como se limita agora a discussão a uma questão preliminar, e porque seguramente esta, como prejudicial, deve interromper a principal, não tenho mais que fazer do que aproveitar a palavra para dizer a minha opinião ácerca das duas propostas que foram mandadas para a Mesa.

Parece-me que estas propostas não estão formuladas em termos regulares, para deverem ser approvadas, porque importam virtualmente uma e outra, o adiamento da questão principal.

Mas, se assim é, tenha-se a coragem de propôr esse adiamento, de o discutir, e votemos sobre elle (apoiados). Pela falta pois de clareza e sinceridade é que combato as duas propostas.

Sejam sinceros, proponha-se o adiamento, definido ou indefinido, e haja uma votação, será o que não se póde tirar da discussão a questão principal (apoiados). Observe-se o regimento, e não se empreguem meios que elle desconhece (apoiados).

O Sr. Visconde de Algés pede licença para dizer, que não póde concordar com o Digno Par o Sr. Ferrão, em quanto S. Ex.ª considera igualdade de circumstancias nas propostas dos Dignos Pares os Srs. Conde da Taipa, e Visconde de Ourem.

Expõe que a proposta do Sr. Conde da Taipa é um verdadeiro adiamento, porque envia a do Sr. Conde de Thomar a commissão, embora sob um pretexto qualquer; ao passo que a proposta do Sr. Visconde de Ourem não é para adiamento, e sim para proseguimento da discussão, tomando-se por typo a do mesmo Sr. Visconde de Ourem, em substituição da do Sr. Conde de Thomar.

O Sr. Conde de Thomar....

O Sr. Visconde de Balsemão vê neste objecto duas questões: uma que se apresenta sobre a proposta do Sr. Visconde de Ourem, e outra sobre a proposta do Sr. Conde da Taipa.

O orador lê a proposta deste Digno Par, e pergunta se ha direito de interpretar as intenções do Digno Par proponente, como o fez o Sr. Visconde de Algés? Se estão essas intenções tão claras, que pela simples leitura da proposta se infira o que inferiu o Sr. Visconde de Algés? Se acaso será possivel tractar assim este negocio, não estando presente o auctor da referida proposta? Elle orador é de opinião, que na sua ausencia se não póde fazer tal interpretação; e que sómente se póde discutir a proposta que a Camara admittiu.

Propõe portanto elle orador, em additamento á proposta do Sr. Visconde de Ourem, que toda esta questão seja adiada até na outra Camara se resolver a que lá está pendente, que tem toda a affinidade e relação com a presente, pois dado o caso de que possa vir de lá uma accusação ao Governo, em muito má posição ficará a Camara alta se tiver prevenido o seu juizo. Convencido portanto de que o adiamento é o mais conveniente e regular, assim o propõe.

O Sr. Marquez de Ponte de Lima requer que a discussão da proposta do Sr. Conde da Taipa seja adiada até o Digno Par ser presente, porque lhe parece cousa nova discutir-se uma moção sem a presença do seu auctor.

O Sr. Ferrão—Sr. Presidente, já em outra sessão tive occasião de responder ao Digno Par o Sr. Visconde de Balsemão, quando contestava a esta Camara o direito de censurar os Srs. Ministros.

Já então S. Ex.ª tomou por fundamento de sua asserção, que esta Camara não podia assumir ao mesmo tempo as qualidades de accusadora e de juiz; que devia conservar-se sempre em reserva e silencio, porque a Carta Constitucional tornava da exclusiva competencia da Camara dos Srs. Deputados a accusação dos Ministros da Corôa, pertencendo a esta Camara pronunciar depois a sua sentença.. -

Sr. Presidente, quando refutei uma similhante doutrina fui apoiado geralmente pela Camara, e mal cuidava eu que me seria preciso voltar ainda ao mesmo terreno.

Sinto que saísse agora da sala o Sr. Ministro da Fazenda, porque S. Ex.ª na sessão passada tambem avançou um similhante paradoxo, e eu desejava ouvir como S. Ex.ª o sustenta.

Sr. Presidente, cumpre a cada uma das Camaras, em conformidade com a Carta Constitucional da Monarchia, velar pela constituição e observancia das Leis (apoiados). Velar, como? Porque meios? Tracta-se por ventura de accusar os Srs: Ministros? Tracta-se de algum caso crime? Tracta-se simplesmente de exprimir nas relações desta Camara com o Ministerio, e para o bom e fiel desempenho de recíprocos direitos e obrigações, aquellas demonstrações de agrado ou desagrado, que nasçam de factos ou omissões dos Ministros da Corôa no cumprimento das suas especiaes obrigações, por serem ou não os actos ministeriaes conformes ás Leis, á constituição ou ás conveniencias do Estado.

O argumento, que nos apresentam, para que a Camara se não manifeste, é um sophisma, porque todo o argumento que prova de mais não prova nada. Prova de mais, Sr. Presidente, porque se nós não podemos, por meio de interpellações, interrogar os Srs. Ministros, e darmo-nos ou não por satisfeitos com as suas respostas, risque-se da Carta o artigo que nos impõe o dever, e portanto nos concede esse meio; e risque-se tambem do nosso regimento o que ahi se acha expresso ácerca do uso desse direito. Prova de mais, Sr. Presidente, porque se nós não podemos accumular as attribuições de juizes com as de accusadores, dentro dos limites de uma interpellação, tambem a Camara dos Srs. Deputados não póde no mesmo caso accumular as mesmas attribuições, e portanto censurar os Srs. Ministros (apoiados); mas se a censura se deriva de outro principio; se é constitucional, por que todos os membros do Parlamento são sentinellas e fiscaes da observancia das Leis (apoiados); cada uma das Camaras é independente no exercicio dos seus deveres (apoiados repetidos). Que seria, Sr. Presidente, da liberdade e das instituições se nós não podessemos censurar os Srs. Ministros quando elles se affastam da observancia das Leis? (Apoiados.)

O Sr. Ministro da Fazenda, que nos trouxe aqui o precedente de treze annos, a respeito de Conselheiros de Estado, que tinham funccionado no Conselho de Estado não politico sendo Ministros, póde deixar de dar valor aos precedentes parlamentares no sentido da doutrina que defendo; precedentes que teem sido constantes nas duas casas do Parlamento em todas as épocas?

Por consequencia não se venha mais aqui pôr em duvida o direito de interpellar os Ministros, e de exigir para esse effeito a sua presença (apoiados).

Não se venha mais aqui pôr em duvida este direito, porque a duvida é uma blasfemia, venha ella donde vier, quer seja do banco dos Srs. Ministros, quer de alguns dos membros menos reflectidos desta Camara, que devem ter toda a attenção quando avançam proposições similhantes, offensivas das boas praticas parlamentares, nunca interrompidas, nem sériamente contestadas, desde que existe neste paiz o regimen constitucional.

Sobre a questão principal reservo-me usar da palavra que tenho em primeiro logar segundo a ordem da inscripção, porém como estou de pé, e sem saír da questão preliminar a que devo reduzir-me, direi que me parece não se dever perder de vista a natureza e fim da discussão que nos occupa.

Tracta-se de uma interpellação, e em todas, por via de regra, o seu fim natural, segundo o regimento, é dar-se ou não por satisfeito o interpellante com as interpellações dos Srs. Ministros interpellados.

Ora, como uma interpellação póde, pelo seu andamento, interessar toda a Camara, e esta é uma das que estão nesse caso, necessariamente tem de concluir por uma votação, em que a Camara manifeste a sua opinião.

Para se conseguir este fim, é preciso que se não venha tolher a discussão, e portanto que sejam quaes forem as propostas, devem todas ficar em discussão, juntamente com a materia principal, e depois a Camara, se a não julgar esclarecida, poderá suspender a manifestação do seu conceito, mandando examinar mais detidamente o negocio por uma commissão.

O Sr. Visconde de Ourem—Sr. Presidente, pedi a palavra para explicar unicamente o pensamento de opportunidade que está na minha proposta.

É sabido que na outra casa do Parlamento se agita uma questão igual a esta que está em discussão, e eu já disse que era minha opinião, que n'uma questão de que podia resultar a accusação do Ministerio, entendia ser conveniente que esta Camara não se pronunciasse já, porque tomava uma grande responsabilidade e collocava-se em uma posição difficil. Ora, na minha proposta digo, que a Camara tomando em muita consideração a proposta do Digno Par o Sr. Conde de Thomar,.que na minha opinião não é uma interpellação mas uma censura ao Governo, e reservando-se para opportunamente votar sobre ella, isto é, quando na outra casa se tiver concluido a discussão, passa á ordem do dia. Este é o meu pensamento; não desejo adiar a discussão indefinidamente. Agora a sabedoria da Camara decidirá o que é mais conveniente, se votar pela minha proposta, se pela do Sr. Conde de Thomar.

Não ponho em duvida que qualquer dos membros desta Camara tem o direito de interpellar o Governo, ou dirigir-lhe um voto do censura; o meu fim é unicamente propôr que a questão seja adiada até que se decida a da mesma natureza, que se acha na Camara dos Srs. Deputados.

O Sr. Visconde d'Algés explica as suas palavras, por lhe parecer que não foi bem entendido. Parece-lhe ter dito que entrasse quanto antes em discussão a proposta do Digno Par o Sr. Conde da Taipa; e assim não comprehende como foi que o Sr. Visconde de Balsemão disse, que elle orador se oppunha a que ella se discutisse! Isto só o podia attribuir a S. Ex.ª não ter ouvido bem o que o orador disse, ou estar talvez allucinado....

O Sr. Visconde de Balsemão adverte ao Digno Par, que não deve admittir expressões que possa reputar injuriosas, nem dentro da Camara nem fóra della; que tem elle orador tanto direito de fallar e dizer o que entender, como qualquer outro Digno Par, e como respeita a todos e nunca dirige a ninguem allusões offensivas, por isso não tolera que lhas façam.

O Sr. Visconde d'Algés expôz ao Digno Par que não tivera animo de o offender, e se acaso S. Ex.ª julga que elle orador empregára a palavra allucinação em sentido offensivo, não duvidava retiral-a immediatamente. Pergunta a S. Ex.ª, em perfeito sangue frio, se elle orador, reportando-se ao Digno Par, fizesse exposição diametralmente opposta ao que S. Ex.ª tivesse dito, e lh'o attribuisse como palavras suas, que nome daria S. Ex.ª a isso?

Explica que a palavra allucinação, no sentido em que a empregára, significava preoccupação, obliteração das palavras adduzidas, e que não ficaram bem na idéa de S. Ex.ª Sendo, como é, a allucinação um transporte do espirito, só póde ser pessima, quando os motivos são maus, sendo comtudo excellente, quando os motivos que lhe dão causa são bons.

O Sr. Visconde de Balsemão declara, que pelo seu pundunor, não póde acceitar expressões que reputa grosseria.

O Sr. Visconde d'Algés admira-se de que o Digno Par, que tanto prima em educação e bons sentimentos, use da palavra grosseria impropria de S. Ex.ª e da Camara, e que elle orador não acceita.

O Sr. Visconde de Balsemão declara, que pela fórma como empregou a expressão, não a retira.

O Sr. Visconde d'Algés; declara ao Digno Par, que embora não retire a palavra grosseria, elle orador por isso mesmo retira o termo allucinação; fazendo-lhe mais sentir por este acto que procede assim o proprio Visconde de Algés, de quem S. Ex.ª dissera havia commettido uma grosseria!

Testemunha a Camara de que todos conhecem o sentido em que empregou a palavra allucinação, que não póde significar o que o Digno Par o Sr. Visconde de Balsemão lhe attribuiu; e espera portanto que á mesma Camara, a presidencia, e o publico lhe façam a justiça de que é merecedor.

(O orador retirou-se da Camara).

O Sr. Marquez de Vallada sente sempre, e especialmente por um motivo como o que se dava, não estar naquella occasião o Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, tão amestrado na lingua portugueza, porque então havia chamar a S. Ex.ª em seu auxilio para o ajudar a explicar o que entende pela palavra allucinação. Elle orador é de opinião que o Sr. Visconde de Balsemão teve pouca razão para se dar por molestado com o que disse o Sr. Visconde d'Algés, porque S. Ex.ª explicou o sentido em que empregára tal expressão, declarando depois que a retirava; não correspondendo o Digno Par do mesmo modo a respeito da palavra grosseria de que se serviu. Roga pois ao Sr. Presidente, que quando taes palavras se empregarem, as faça retirar logo, por bem da Camara e sua dignidade, para não surgirem conflictos desagradaveis.

O Sr. Presidente pede attenção á Camara para observar, que pelo regimento está auctorisado para admittir toda a classe de oppugnação, e assim tambem toda a qualidade de defeza; bem como para reprimir tudo que tenda a excessos que possam ferir a dignidade da Camara e a ordem. Lastima pois, muito, que tenha apparecido aquelle incidente de modo tal que nenhum tempo lhe haja dado para o advertir como lhe cumpria: o que no actual momento, todavia fazia, declarando, que se passava á ordem do dia (apoiados).

O Sr. Conde de Thomar...

O Sr. Presidente explica que na sua expressão não envolvera motivo de offensa á Camara, e que até mesmo não teria duvida em consultar a este respeito os Dignos Pares.

O Sr. Barão da Vargem da Ordem pede á Presidencia que conceda a palavra ao Sr. Conde da Taipa, por tel-a pedido quando se consultou a Camara.

O Sr. Presidente concede a palavra ao Sr. Conde da Taipa.

O Sr. Conde da Taipa: não vê que nos actos da Mesa haja motivo para dahi se adduzir censura ao Dignos Pares; e entende que se ha alguma pessoa que menos devesse recriminar de tal o Sr. Presidente, seria de certo o Sr. Conde de Thomar, porque não houve ninguem que lhe fosse mais fiel, nem tivesse maior amisade a S. Ex.ª em todo o tempo que esteve no Ministerio do que o Digno Presidente.

O Sr. Conde de Thomar pede e palavra.

O Sr. Presidente concede-lha.

O Sr. Conde de Thomar... O Sr. Presidente: assegura ao Digno Par que acabava de lhe fazer completa justiça.

Declara em discussão a proposta do Sr. Conde da Taipa, que foi admittida pela Camara.

(Pausa.)

O Sr. Conde da Taipa: como ninguem pede a

palavra pede-a elle orador, que é o auctor da proposta (sussurro).

O Sr. Presidente convida a Camara a prestar attenção, e ouvir o Digno Par (apoiados).

O orador diz ainda algumas poucas palavra para corroborar o que já está demonstrado pelo simples ennunciado da sua proposta, pois que em um negocio que tem alguma gravidade deve a Camara proceder com conhecimento de causa e prudencia. Tractando-se de irrogar uma censura ao Ministerio (O Sr. Marquez de Vallada — apoiado) não seja isso invita minerva, e sim com conhecimento de causa. Portanto envie-se o negocio a uma commissão para haver uma base de discussão, e depois da commissão dar o seu parecer discuta-se a questão, e resolva-se quem tem razão.

Entende que a Camara não deve nunca, principalmente neste seculo, em que uma das primeiras idéas é o livre exame, deixar de examinar com pausa e quietação objecto de tal magnitude.

O Sr. Marquez de Vallada: quando o Digno Par o Sr. Conde da Taipa disse—que uma das conquistas deste seculo, e das sociedades modernas, era o livre exame, julgára elle orador do seu dever pedir a palavra, em conformidade dos principios que ha sustentado na Camara e fóra della, para justificar o voto que déra contra a admissão da proposta de S. Ex.ª

Tambem elle orador queria a livre discussão, mas quando se tractar de um dogma politico ou religioso, ha de oppor-se com todas as suas forças, porque essa discussão não é só inutil, mas é prejudicial; e o nobre Visconde de Algés, que havia pouco saíra daquella Casa, expozera com toda a clareza a razão porque votara contra a discussão da proposta do Digno Par. S. Ex.ª apresentou o mesmo pensamento que elle orador compartilhava sobre o objecto, de que as. prerogativas da Camara ficariam cerceadas se fosse admittida ou approvada a proposta do Sr. Conde da Taipa, pois se punha em duvida terem os Dignos Pares direito de censurar o Ministerio. Tambem o Sr. Ferrão demonstrara magistralmente que a Camara alta e a outra Casa do Parlamento tinham direito de propôr votos de censura ao Governo, porque se da outra Casa do Parlamento é que partem os actos de accusação, e esta Camara tiver de ser juiz, nem por isso aquella Camara nem esta terão menos direito de manifestar a censura; direito de que o Sr. Conde da Taipa durante outros Ministerios tem usado, do que elle orador, já na sua cadeira de Par, já na galeria como espectador, fóra testemunha; e não só por parte do Digno Par a que se referia, mas de muitos outros, e especialmente do seu particular amigo, a quem muito respeita, o Sr. Conde de Lavradio, e do finado Sr. Duque de Palmella.

Não podendo portanto admittir a discussão da legalidade do acto manifestado na proposta do Sr. Conde de Thomar, entendia que devendo admittir todas as questões aquella estava fóra do alcance da discussão; assim como se tractasse de um objecto politico, que pozesse em duvida a legitimidade do Senhor DOM PEDRO QUINTO, ou algum dogma da religião catholica, tambem votaria contra a sua admissão por estarem fóra da discussão. Dava esta explicação, e terminava neste ponto, por julgar não ser conveniente dizer mais a tal respeito (apoiados).

O Sr. Visconde de Castro — Sr. Presidente, eu tenho a palavra sobre a materia da proposta do Digno Par Conde de Thomar, e não prescindo della se acaso se não approvar a do Digno Par o Sr. Conde da Taipa. Em quanto a esta digo, Sr. Presidente, que voto por ella, não só porque está nos principios desta Camara, mas tambem por que tende ao melhor acerto, e está em harmonia com os precedentes. Deve considerar-se que o votar uma censura ao Governo é uma coisa muito séria, e mais serio é, e muitissimo delicado, o fazel-o sobre uma proposta que não foi meditada e examinada com toda a attenção (apoiados), e fóra das sessões da Camara primeiro que aqui fosse tractada. As scenas mesmo que aqui se teem passado provam, que é mais acertado mandar a proposta a uma commissão que sobre ella dê o seu parecer, o qual estudado depois pelos Dignos Pares possa entrar em discussão (apoiados).

Penso assim, Sr. Presidente, porque já fui victima destas propostas de censura, e tambem o foi o meu amigo o Digno Par Conde de Thomar. Todos nós sabemos que aquelle lado da Camara pretendeu irrogar censuras ao Ministerio de que eu e o Digno Par fizemos parte, mas a verdade é que em nenhuma dessas occasiões deixaram as propostas de ir a uma commissão (apoiados); e então digo eu, Sr. Presidente, que se isso se praticava então, com maior fundamento se deve fazer hoje a mesma coisa, porque não estamos agora tão proximos das revoluções nem das agitações publicas como estavamos nesse tempo: actualmente achamo-nos n'um estado mais normal.

Concluo pois dizendo que a Camara não póde deixar de approvar a moção do Digno Par Conde da Taipa, porque ella proporciona o tomar-se uma resolução prudente, com relação a uma objecto tão serio como é o que se contém na proposta do voto de censura.

O Sr. Ferrão—Reconhece-se que a proposta do Sr. Conde de Thomar versa sobre objecto importante, e que seria por isso uma garantia de melhor acerto o ir ella a uma commissão para dar o seu parecer: concordo, e por esta minha declaração já se vê que não repugno votar pela proposta do Digno Par o Sr. Conde da Taipa.

Mas no que eu não concordo, Sr. Presidente, é que, em vista da inculcada gravidade do assumpto, a commissão fique privada dos esclarecimentos que, durante esta discussão, possam dar-lhe os oradores que usarem da palavra; e a proposta do Digno Par tende a interromper a discussão, e conseguintemente a prejudical-a, e isto parece-me que deve evitar-se.

Proponho portanto que a moção do Digno Par o Sr. Conde da Taipa fique em discussão juntamente com a materia; sem a interromper; e que, terminada a discussão, se vote então a proposta do Digno Par, pela qual eu votarei com preferen-

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cia á do Digno Par o Sr. Conde de Thomar; mas assim, como expediente de interrupção, rejeito-a.

O Sr. Visconde de Balsemão expõe o seu sentimento por ter de fallar depois do pequeno incidente que tivera logar, mas appella para a Camara, que fóra testemunha de que elle orador não offendeu nenhum dos seus membros; e se acaso se julgára offendido pelo Digno Par o Sr. Visconde de Algés, fóra por entender que as palavras de S. Ex.ª importavam uma censura immerecida. Dera depois o Digno Par as convenientes explicações, e retirára as expressões de que usára, accrescentando que não julgava offensivas as suas palavras, e não tendiam a offendel-o a elle orador: em vista do que tambem não tinha duvida em retirar as palavras que empregára.

(O Sr. Presidente interroga o Digno Par se retirava a palavra — grosseria?)

(O orador responde afirmativamente).

Continua tractando da discussão da proposta do Digno Par o Sr. Conde da Taipa, e não póde deixar de dizer que vota pôr ella, pois a discussão de que a Camara se tem occupado mostra, pelas razões adduzidas tanto nesta, como na outra casa do Parlamento, onde tambem se tracta, que o assumpto não é tão simples como á primeira vista pareceu, quando o Sr. Conde de Thomar apresentou a sua proposta. Mesmo a historia do que se tem passado durante a discussão faz vêr a grande importancia da materia, e que se • não poda tractar nem decidir n'uma occasião em que as paixões estão tão desenvolvidas. Em presença, portanto, da alta importancia da questão, que versa sobre principios que ainda hoje se contestam em França, vota pela proposta do Digno Par o Sr. Conde da Taipa. O proprio interesse e dignidade da Camara obriga a que a proposta do Digno Par o Sr. Conde de Thomar seja considerada e debatida pausadamente n'uma commissão, e que essa seja ad hoc, para apresentar depois um parecer devidamente motivado, que a Camara discuta e vote com conhecimento de causa. Conclue requerendo que seja nominal a votação (apoiados).

O Sr. Visconde d'Athoguia pede que se leia a proposta do Digno Par o Sr. Conde da Taipa. O Sr. Secretario leu-a.

O orador vê que contém duas partes distinctas: uma para a proposta ir á commissão, e a outra sobre a illegalidade della. Em quanto á primeira parte da proposta do Digno Par o Sr. Conde da Taipa, approva-a; mas não póde fazer assim á segunda, porque contraria o que se tem passado na Camara, e é uma censura a esta casa.

(Entrou o Sr. Ministro das Obras Publicas).

O Sr. Conde da Taipa declara que retira a palavra illegalidade, mas por esta vez sómente. Não deve comtudo deixar de observar, que não póde ¦ haver censura ao Ministerio senão por omissão no desempenho do seu dever, ou então por commissão. Ora, o que pela proposta do Digno Par o Sr. Conde de Thomar se pretende é accusar as illegalidades que se dizem praticadas pelo Sr. Ministro da Fazenda, logo o parecer da commissão não deve tractar senão de conhecer dessas illegalidades. Por conseguinte o que a proposta delle orador quer, é que a proposta do Digno Par o Sr. Conde de Thomar vá a uma commissão, a fim desta dar o seu parecer sobre os fundamentos legaes com que se fez, e não julga que isto seja cousa nova, antes está em harmonia com a pratica seguida na Camara.

Em quanto ao que disse o Digno Par o Sr. Ferrão que não póde admittir que haja um espaço entre esta discussão, e a que deve haver, quando se tractar do parecer da commisão, a que fôr a proposta do Digno Par o Sr. Conde de Thomar, por isso que se perde a questão do momento, e o muito que se póde aproveitar dos discursos agora pronunciados, dirá elle orador que são seus desejos que todas as ponderações dos ilustres membros da Camara sejam tomadas em consideração, mas que o sejam n'uma discussão séria e pausada, e não filha do momento, nem da paixão; e nem mesmo julga que haja pessoa sensata que não queira que, quando se tracta de uma questão tão séria e importante, se facultem todos os meios para essa questão ser illucidada não só dentro da Camara, mas tambem no publico; dentro da Camara para esta bem resolver, e no publico para nelle se acreditar a mesma Camara pela resolução que tomar, e não pela impressão dos discursos pronunciados. Deseja elle orador exame, e exame longo quanto fôr possivel, a fim de que se ouçam, e pesem todas quantas razões, todos quantos argumentos forem expendidos, e é para isto que propõe que a materia, sem duvida nenhuma grave como é, seja primeiramente enviada a uma commissão para a examinar, dando parecer, e depois a Camara que o discuta e resolva com a devida circumspecção e madureza.

A razão que o Digno Par o Sr. Ferrão deu para a proposta delle orador ser simultaneamente discutida com a materia, é a mesma pela qual elle orador deseja que a proposta do Digno Par o Sr. Conde de Thomar vá a uma commissão, para, sobre o seu parecer, haver discussão propria do caracter e dignidade da Camara, podendo nessa occasião o Digno Par apresentar todos os seus discursos, que elle orador muito deseja ouvir.

O Sr. Ferrão—Parecia-me que já havia dado uma prova da imparcialidade, declarando que votaria pela proposta do Digno Par depois della aqui ter sido discutida conjunctamente com a materia de que nos temos occupado, porque assim poderiam ser tomadas em contemplação pela commissão todas as considerações que nesta discussões se tivessem expedido não poderia dizer-se que a Camara, pronunciando-se sobre o parecer da mesma commissão, não resolvia com todo o socego e circumspecção, mas sim no momento da paixão.

Eu sou o principal prejudicado no direito adquirido que tinha de hoje começar a discussão da materia principal para que tinha feito o meu estudo, e tomado os meus apontamentos, e estou convencido de que trataria da materia, e só da materia, e procuraria esclarecel-a. Se bem, se mal, a Camara o julgaria. Mas as minhas ponderações ficavam, para ser consideradas pela requerida commissão, o que não acconteceria sendo impedido, como os Dignos Pares que tinham a palavra depois de mim, ficando sem contestação os argumentos do Sr. Ministro da Fazenda, cuja inexactidão e inconcludencia eu me propunha demonstrar.

Mas, querem privar os membros desta Camara, que teem a palavra, de fallar? Seja assim! No entanto eu dei provas da imparcialidade declarando que não queria que se votasse pela proposta do Sr. Conde de Thomar debaixo da impressão do momento, e que reservaria o meu voto para a occasião opportuna.

Sr. Presidente, o que a mim me parece, é que, para se defender o addiamento virtual, se tem exaggerado muito a importancia da proposta do Digno Par o Sr. Conde de Thomar, reputando-a uma tremenda censura ao Governo.

Tudo está no modo de ella se appreciar moralmente, mas nunca nos termos litteraes em que é concebida. Pois que é o que diz esta proposta? Diz que a Camara não se dando por satisfeita comas explicações, do Governo acercado modo porque procedeu para que funccionasse o Conselho de Estado, passo á ordem do dia.

E que importa ao Governo que a Camara se dê ou não por satisfeita?... Pois não houve já aqui uma outra questão quasi similhante a esta? E não obstante as explicações do Governo, a Camara não confirmou a sua primeira resolução? Isto é, não se deu de nenhum modo por satisfeita com as explicações do Governo. E importou isto censura? Não, Sr. Presidente, e tanto assim que o governo lá apresentou na outra Camara uma proposta de interpretação, contendo uma doutrina contraria aquella que esta Camara adoptara.

Portanto digo fiquem embora Ss. Ex.ªs com as suas opiniões, acceitem ou não acceitem como censura a sustentação nesta Camara, de opiniões contrarias ás suas, mas não queiram vir cortar aqui uma discussão, que está em harmonia com os estylos e praticas desta casa, inventando-se assim uma nova chicana parlamentar.

Deixem S. Ex.ª correr placidamente a discussão, e depois se a Camara se não satisfizer com as razões produzidas, assim pelos Dignos Pares, como por parte do Governo, então sem duvida será conveniente que a proposta do Digno Par o Sr. Conde de Thomar vá a uma commissão. conforme propõe o Digno Par o Sr. Conde da Taipa. É muito natural e prudente que primeiramente se ouçam todas as razões pelos quaes nem a Camara julgou satisfatórias as explicações do Governo; nem este procedentes as arguições dos Dignos Pares, e nisto concordo eu como já declarei: do contrario, porém, eu votarei contra a proposta do Digno Par o Sr. Conde da Taipa.

O Sr. Visconde de Castro—Eu creiu que o Sr. Conde da Taipa fez, segundo S. Ex.ª disse, uma pequena alteração na sua proposta, limitando-se esta a que a proposta do Sr. Conde de Thomar vá a uma commissão, para que esta dê o seu parecer? Creio que disse isto?... (O Sr. Conde da Taipa— respondeu affirmativamente.) Muito bem.

Ora, o Sr. Ferrão disse que aqui já tinha havido uma censura ao Governo, e a mim parece-me que não houve

O Sr. Ferrão—Se me dá licença?

O Sr. Visconde de Castro — Pois não.

O Sr. Ferrão — O que eu quiz dizer foi, que nem esta proposta do Digno Par o Sr. Conde de Thomar, nem a resolução que esta Camara já havia tomado, quando confirmou a sua primeira decisão, importara censura; mas que se uma era uma censura moral, tambem a outra estava no. mesmo caso, e assim devia ser considerada.

O Sr. Visconde de Castro—Depois do que acaba de dizer o Digno Par o Sr. Ferrão cessam assim as minhas observações.

O Sr. Conde de Thomar....

O Sr. Conde da Taipa agradece ao Digno Par o Sr. Conde de Thomar os cumprimentos que fez á parte da Camara que apoia o Ministerio pela sua ignorancia; do que resulta que esses Dignos Pares podem fallar em tudo, menos nesta questão. Por sua parte responde ao Digno Par que nem todos podem ter os seus vastos conhecimentos sobre o assumpto de que se tracta, mas permita-se-lhe dizer como Cicero, que em aperto, dentro em tres mezes se fazia jurisconsulto; e de si diz, que se o apertam, dentro em tres dias vem argumentar sobre tudo quanto se tem estado a dizer, e então verão o doutor que se apresenta. (Hilaridade.)

Reporta-se ao Sr. Conde de Thomar ter dito, que ha duas formas de ir contra as irregularidades do Ministerio, uma pela accusação, e outra pela censura; quando os Ministros fazem a violação da Lei com sentido criminoso, então é a accusação; quando é sem sentido criminoso, quando não é por peculato, como já ha quem o tenha feito, então é uma. censura, que é só o que a Camara alta póde fazer. Console-se por tanto a Camara que a accusação vira da outra Casa, se lá a quizerem fazer.

Em quanto ao Sr. Ferrão, affirma o Digno Par, que foi muito injusto para com elle orador, suppondo que lhe queria tirar a palavra, porque tendo estudado a questão, pela proposta delle orador lhe impedia de dizer todos os fructos do seu estudo.

Estranha que tão pouco seja a memoria do Digno Par, que dentro de quatro ou seis dias, quando a questão venha novamente á discussão, se não lembre das suas idéas.

Recorda uma anecdota, que vem nas memorias publicadas no tempo de Luiz 15.°: quando morreu, ou por outra, quando estava para morrer Luiz 14.°, appareceu um charlatão, que disse que o curava; como estava desenganado, disseram-lhe— entre, e depois elle com o auxilio de um excitante, conseguiu que o rei por 24 horas apresentasse todos os signaes de boa saude. Ora o padre Massillon, que tinha preparado õ seu discurso para a occasião da morte do rei, ficou muito agoniado e afflicto por não o podér dizer!

O orador assegura ao Digno Par o Sr. Ferrão que, assim como se ouviu o sermão do padre Massillon, tambem dentro de quatro ou cinco dias se ouvirá o seu discurso, a que a Camara prestará toda a attenção e applaudira.

Espera da Camara acredite que elle orador não queria fazer a injustiça ao Sr. Ferrão de o não deixar fallar, porque todos estavam promptos para o ouvir, mas depois de cada um meditar nas suas proprias razões, como o Digno Par meditou.

O Sr. Ferrão — O Digno Par teve o gosto entreter a Camara com o seu agradavel e gracioso estylo, o que póde fazer com aquelles dons que a natureza lhe prodigalisou, e a sua illustração sabe aproveitar; mas o que não póde moralmente é fazer allusões ao modo por que me exprimi no meu discurso,

S. Ex.ª alludiu na historia, que contou, a um charlatão; pois bem, Sr. Presidente, eu serei um charlatão; mas o que não póde ser-me contestado é deter tanto direito de fallar nesta casa como o Digno Par, e portanto de livremente emittir a minha opinião; tenho fallado neste incidente sempre com a devida moderação, e havia de fallar na materia principal do mesmo modo se a proposta do Digno Par me não impedisse. O que disse a S. Ex.ª foi, que era conveniente que a discussão corresse, para que as razões fossem presentes á commissão, e penso que esta opinião não merece a censura de charlatanismo, e estou certo de que o Digno Par não quiz faltar ás contemplações de boa cortezia e educação, que lhe são proprias, para com um dos seus collegas.

O Sr. Conde da Taipa declara ser difficil darem-se-lhe lições de educação, porque sempre a teve aprimorada.

O Sr. Ferrão — Estou no campo da defeza, e se fallei com mais algum sentimento, foi porque as palavras do Digno Par pareceram ferir-me de um modo pouco parlamentar, e todavia, repito, que similhante effeito não foi das intenções do Digno Par, e nem eu pertendo dar, nem S. Ex.ª carece de lições minhas sobre civilidade e educação.

O Sr. Conde da Taipa replica que ha outras feridas sem serem aquellas.

O Sr. Conde de Thomar....

O Sr. Ferrão — Mas o effeito que produziu no publico foi essa offensa, em torno de mim: presenciei a impressão que no mesmo sentido causou; tenho pois desculpa se me enganei.

O Sr. Presidente pede licença ao Digno Par para o interromper (O Sr. Ferrão — V. Ex.ª não me pede, manda), e significando-lhe a consideração que tem $>ela sua pessoa, declara que se ouvisse o Sr. Conde da Taipa chamar-lhe charlatão, não deixaria do o chamar a ordem, porem o Sr. Conde da Taipa não se havia referido a elle orador.

O Sr. Conde da Taipa (sobre a ordem) expõe que o Digno Par bem entendêra haver dito elle orador, que quando o Rei de França estava para morrer, tinha apparecido um charlatão que lhe déra um elixir, com que pareceu que ficava curado, e estivera effectivamente com vida mais vinte e quatro horas. Quizera comparar com a erudicção do Padre Massilon, o que bem fóra comprehendido.

O Sr. Presidente convida o Digno Par o Sr. Ferrão a continuar o seu discurso.

O Sr. Ferrão—Eu pedi a palavra sobre a ordem para apresentar uma proposta, mas antes de a mandar para a Mesa devo procedel-a, e agora mais do que nunca depois do que disse o Sr. Conde da Taipa, das razões (não é empenho) que tinha para tomar parte nesta discussão.

Não é para esclarecer a Camara, não sou capaz de a esclarecer, acceito neste sentido tudo quanto os Dignos Pares queiram dizer; considero-me o Par menos instruido de todos; mas, Sr. Presidente, não estando eu presente na sessão de sabbado, porque tive impedimento legitimo, não podendo mesmo no domingo, estando ausente de Lisboa, ter noticia do que se tinha passado aqui no dia antecedente; na segunda-feira, querendo cumprir com os deveres que me impõe esta cadeira, tractei de me orientar ácerca dos objectos pendentes, e lancei mão, para este fim de unidos Jornaes, que costumam dar de prompto o extracto das nossas sessões; percorri a succinta exposição dos oradores, que tinham tomado parte na discussão, e deparei no discurso do Sr. Ministro da Fazenda com as seguintes palavras;—Concluiu dizendo—«que como homem faria votos para «que esta Camara appremasse a proposta; mas como «membro do Governo e cidadão livre cobria a cara com um véo de lucto....

O Sr. Ministro da Fazenda—Mas isso não é assim, e se me dá licença eu repito o que disse...

O orador — Ha. de permittir que eu leia tudo— «e diria que a liberdade acabará neste pais, porque desejando vêr nesta Camara um principio de «ordem e de respeito á liberdade," não via senão «paixão.» Agora póde V, Ex.ª dizer o que quizer antes do eu continuar...

O Sr. Ministro da Fazenda—.Eu queria dizer que não ha muita exactidão nas palavras que me foram attribuidas nesse Jornal, porque eu disse — que como Ministro desejava que esta Camara approvasse esta proposta para me retirar de uma situação de que não recebo senão amarguras, e que cada dia se me torna penosa; mas que como cidadão portuguez, interessado na manutenção dos bons principios, se a Camara adoptasse a resolução que se lhe propunha, havia de cobrir o rosto com um véo de luto, e exclamar que tinha acabado a liberdade no meu paiz; porque onde se deviam vêr os principios de ordem, de moderação, e de respeito ás leis, não se encontravam senão paixões. Foi isto o que eu disse, e é por isto que respondo. -

O Sr. Ferrão — A impressão que me fizeram estas palavras, porque assim as leria todo o paiz, da parte do Governo contra esta Camara; e a consciencia que tenho de que não merecia, como membro della, esta desconsideração; a convicção que tenho de que a Camara tambem a não merecia, decidiram-me a tomar parte nesta discussão. —Eu, Sr. Presidente, conto já muito perto de quarenta annos de serviço a este paiz; de amor o! dedicação por causa da liberdade constitucional;, de soffrimentos de toda a ordem; e não podia em, tal situação e com taes sentimentos, e mesmo sob; pena de não ter um coração de portuguez, deixar de me interessar por este objecto, para mostrar que esta Camara não exorbitava para fazer o que está fazendo, e já o mostrei hoje. O Sr. Ministro da Fazenda não estava então presente, e talvez seja por isso, que sem se fazer cargo da minha demonstração, insiste em dizer que esta Camara não se deve antecipar a respeito de um negocio que poderá assumir as alturas de uma accusação na Camara dos Srs. Deputados.

Para refutar a licção, que nos dá S. Ex.ª, me seria necessario distinguir com a devida precisão e clareza, os objectos em que cada uma das Camaras póde exercer a iniciativa que lhe compete. Desejava tomar a palavra, não só sobre a materia principal, mas para rectificar e sustentar a competencia desta Camara, em conformidade das atribuições que lhe confere a Carta Constitucional da monarchia; competencia, que todo o magistrado, todo o homem publico, tem obrigação de defender, quando a vê impugnada. '

Mas, Sr. Presidente, entenda-se bem, que puz de parte tudo quanto podesse parecer dominada por paixão politica; havia de tractar da questão, pesando todo o alcance dos argumentos que apresentára o Sr. Ministro da Fazenda, e estava prompto para usar da palavra, mesmo na sessão em que a pedi, se então me tivesse chegado. Portanto, para me defender, defendendo a Camara a que tenho a honra de pertencer, entendo que devia tomar a palavra, e que a devem ter todos os Dignos Pares que a desejarem tomar, antes que este negocio va a uma commissão.

Neste sentido mando para a Mesa, para ter a preferencia a todas as propostas, porque é uma emenda a todas ellas, a seguinte: (leu)....

O Sr. Marquez de Vallada pede a palavra para um requerimento.

O Sr. Secretario Conde de Mello declara achar-se sobre a Mesa uma proposta, que ainda não fóra lida, e era do Sr. Visconde de Balsemão, e que passava a lêr antes da do Sr. Ferrão,

A proposta é a seguinte:

«Requeiro que a proposta do Digno Par o Sr. Conde de Thomar fique adiada até que esta importante materia se decida na outra Camara, por isso que ella involve a resolução de principios que, na minha opinião, ainda não estão competentemente definidos. — Visconde de Balsemão.»

Em seguida fez tambem leitura da do Sr. Ferrão, que é a seguinte:

«Proponho como emenda ás propostas dos Dignos Pares, Conde da Taipa, Visconde de Villa Nova de Ourem, e Visconde de Balsemão, que a proposta do Digno Par, Conde de Thomar, seja remettida a uma commissão, depois de concluida a discussão da interpellação do Digno Par o Sr. Aguiar. Ferrão.»

O Sr. Visconde de Castro — Faz-me V. Ex.ª favor de lêr a proposta do Sr. Conde da Taipa como ella agora se acha redigida?

O Sr. Conde de Mello responde que ainda estava redigida pela mesma fórma.

O Sr. Conde da Taipa declara que risca—os fundamentos legaes—e propõe só que vá a uma commissão.

O Sr. Secretario Conde de Mello lê os termos em que fica concebida a proposta do Sr. Conde da Taipa, com as alludidas alterações, e são os seguintes,:

«Proponho que a moção do Digno Par o Sr. Conde de Thomar, vá a uma commissão para dar o seu parecer. — Conde da Taipa.»

O Sr. Presidente consulta a Camara se admitte á discussão a indicação do Sr. Conde da Taipa com a emenda que lhe fez.

O Sr. Visconde d'Athoguia pede que se verifique a votação, por não ter ouvido bem o que o Sr. Presidente proposta.

O Sr. Presidente repete se era admittida á discussão a proposta do Sr. Conde da Taipa, menos as palavras que riscou.

O Sr. Conde de Mello lê novamente a proposta.

O Sr. Ferrão—Perdoe V. Ex.ª; agora segue-se a minha proposta, que é uma emenda a todas as outras.

O Sr. Presidente declara que se passa a lêr a proposta do Digno Par.

O Sr. Secretario fez a devida leitura.

O Sr. Presidente convida a levantarem-se os Dignos Pares que admittem á discussão a sobredita proposição.

Foi admittida.

O Sr. Presidente expõe que ser admittida, e admittida á discussão, são dois actos. Vozes—Deu a hora.

O Sr. Presidente concede a palavra ao Sr. Marquez de Vallada para um requerimento.

O Sr. Marquez de Vallada requereu se propozesse á Camara a prorogação da sessão até se discutir e approvar aquella proposta (apoiados).

O Sr. Presidente consulta a Camara se approva

O requerimento do Digno Par. Foi approvado.

O Sr. Presidente como foi vencida a prorogação, declara que continua a discussão; e portanto tem a palavra o Sr. Ministro da Fazenda.

O Sr. Ministro da Fazenda — Eu tinha pedido a palavra sobre a ordem, e direi duas palavras sobre a materia quando me chegar: se me fôr possivel responderei ás dúvidas que foram apresentadas.

Eu pedi a palavra sobre a ordem, Sr. Presidente, porque não sei até que ponto um membro do Ministerio possa ser obrigado a vir aqui responder a discursos que faz na outra casa do Parlamento. Eu na outra casa do Parlamento não pronunciei expressão alguma, que podesse ser considerada como censura a esta Camara, e devo declarar a V. Ex.ª em defeza do digno Presidente da Camara electiva, que se por ventura eu tivesse esse arrojo, elle não deixaria de me chamar á or-

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dem. O que eu disse foi, que esta Camara tinha tomado uma resolução, que o Governo não julgava dever seguir em quanto não fosse convertido em lei o objecto que ella continha; porque me parecia que nesta parte o Governo defendendo a sua prerogativa, defendia tambem a da casa electiva, e se me affigurava que áquella casa tinha entendido esta questão da mesma maneira que o Governo, porque havendo um membro della, que estava funccionando no Conselho de Estado sem licença sua, ninguem lhe fazia censura por isso: aqui estão as expressões que empreguei e não sei como se possam traduzir em censura a esta Camara.

O Digno Par o Sr. Conde de Thomar acha muito simples este objecto, e que não precisa ir a uma commissão, e que basta estudar a lei o comparar as suas disposições: e eu respondo que o exemplo do Digno Par mesmo prova o contrario; porque S. Ex.ª está interpretando a Lei de 1845 pelo seu projecto de 1843, que continha disposições diametralmente oppostas, e que S: Ex.ª retirou na outra Camara, e quando me chegar a palavra sobre a materia eu hei de mostrar que S. Ex.ª não foi exacto quando disse, que não assistiu a essa discussão por estar doente. S. Ex.ª não assistiu com effeito a algumas sessões, mas assistiu aquellas em que foi apresentada a substituição, e em que se discutiram os pontos principaes, tomou parte no debate, e exprimiu-se a respeito do pensamento da substituição nos mesmos termos cathegoricos em que se exprimiu o illustre relator da commissão. É uma das cousas mais notaveis do mundo, que o Ministro que refrendou uma lei, e a interpretou de uma certa fórma, venha propôr uma censura ao Governo por que a interpreta da mesma maneira! (Quando entendo que este objecto vá a uma commissão, ainda que o Digno Par faça parte della, é porque estou certo de que S. Ex.ª não ha de deixar de reconhecer alli, depois de um exame reflectido, que o Governo está no verdadeiro caminho, está dando á lei a sua verdadeira e genuina interpretação; é porque estou persuadido de que a commissão, á vista dos documentos que deve examinar, não deixará de dar um voto em defeza do Ministerio; e se me chegar a palavra sobre a materia, do que duvido muito, porque o Sr. Ferrão quer fallar largamente sobre o assumpto, e já estão inscriptos outros Dignos Dares, espero podér demonstrar esta proposição.

O Sr. Conde de Thomar....

O Sr. Ministro da Fazenda — Creio que V. Ex.ª me terá inscripto para fallar sobre a materia quando me competir?

O Sr. Presidente responde affirmativamente.. O Sr. Ministro da Fazenda—Agora peço a palavra sobre a ordem.

O Sr. Presidente concede a palavra sobre a ordem ao Sr. Ministro da Fazenda.

O Sr. Ministro da Fazenda — Em resposta ao que acaba de dizer o Digno Par o Sr. Ferrão, observarei, que quem é provocado é o Governo: quem está sendo considerado aqui é o Governo: pois não disse claramente o Digno Par o Sr. Conde de Thomar que o fim que S. Ex.ª tinha em vistas era censurar-nos? Eu____

O Sr. Ferrão—Requeiro que V. Ex.ª faça cumprir o nosso regimento, não deixando divagar o Sr. Ministro da Fazenda nem os Dignos Pares que lhe replicarem. Não censuro o Sr. Conde de Thomar, porque seguiu o exemplo do Sr. Ministro da Fazenda. Mas digne-se V. Ex.ª fazer com que todos se restrinjam a fallar unicamente sobre as propostas de addiamento que foram apresentados, por que do contrario continuar-se-ha como até agora a estar fóra da ordem: não se poupa o tempo que se gasta inutilmente, nem se evitam as provocações.

O Sr. Ministro da Fazenda não póde fallar, antes que o meu requerimento seja tomado na contemplação que merecer, porque este incidente prefere a tudo. Invoco a Lei, invoco o regimento.

O Sr. Presidente expõe que o Sr. Ministro da Fazenda tinha pedido para fallar sobre a ordem, antes do Digno Par fazer o seu requerimento, que não importa n'outra cousa mais do que um pedido á presidencia para se observar o regimento, o que a elle Presidente cumpre executar. Nestes termos o requerimento do Digno Par não era de natureza que privasse o Sr. Ministro de continuar a usar da palavra que lhe concedêra, por estar inscripto para fallar sobre a ordem.

O Sr. Ministro da Fazenda (continuando) — V. Ex.ª acaba de referir o que na verdade se passou: eu estava usando da palavra, não arbitrariamente, mas tendo-a pedido com antecipação para fallar sobre a ordem, e antes de ter feito um requerimento, para a observancia do regimento, o Digno Par o Sr. Ferrão. Tendo-me, pois, dado a palavra o Sr. Presidente, e começando a usar della, não posso admittir que o Digno Par me queira privar de um direito que me é concedido pelo regimento desta casa. Direi portanto....

O Sr. Ferrão—Ordem, ordem. O Sr. Ministro não póde fallar. O meu requerimento, Sr. Presidente. Queira V. Ex.ª fazer entrar na ordem o Sr. Ministro. O meu requerimento, repito. Ou m'o defira, ou o refira á decisão da Camara.

O Sr. Ministro da Fazenda — Sou eu que tenho a palavra, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente responde affirmativamente, auctorisando o orador a continuar a usar della.

Vozes—Falle, falle. Tinha a palavra.

Outras vozes—Ordem, ordem.

(Levantam-se muitos Dignos Pares).

O Sr. Presidente pede aos Dignos Pares que tomem os seus logares, e recommenda silencio, auctorisando o Sr. Ministro a continuar o seu discurso.

O Sr. Ferrão—Não póde continuar a fallar, porque S. Ex.ª está fóra da ordem.

O Sr. Ministro da Fazenda — Agora sou eu que fallo, e tenho direito para o fazer: sou Ministro da Corôa, e foi-me dada a palavra por quem podia (apoiados); - O Digno Par é que não tem nenhum direito para me interromper...;

(Estabelece-se grande confusão na Camara).

O Sr. Visconde de Castro — Sr. Presidente, no estado de agitação e desordem em que esta Camara se acha actualmente, V. Ex.ª não tem remedio se não fechar a sessão: isto não póde continuar assim.

Vozes—Apoiado, apoiado. Vamo-nos embora. Continue a sessão. Feche-se, feche-se. Ordem, ordem.

(Levantam-se todos os Dignos Pares, e cobrem-se.)

O Sr. Presidente pede ordem, e toca a campainha, dizendo, que interrompia a sessão na conformidade e para o fim que dispõe o regimento.

Vozes—Feche V. Ex.ª a sessão.

O Sr. Presidente: em presença da manifestação da Camara encerrou a sessão, determinando previamente que a immediata tivesse logar na seguinte sexta-feira.

Depois de breve pausa declarou que em vista das circumstancias que acabavam de lhe ser presentes, e cedendo a ellas como justas, não podia ser nesse dia a primeira sessão, e que portanto teria logar na segunda-feira, sendo a ordem do dia a continuação da de então.

Eram quasi seis horas da tarde.

Relação dos Dignos Pares que estiveram presentes na sessão do dia 24 de Março de 1858.

Os Srs.: Visconde de Laborim; Marquezes: de Ficalho, de Fronteira, de Loulé, das Minas, de Niza, de Ponte de Lima, da Ribeira, e de Vallada; Patriarcha Eleito; Condes: das Alcaçovas, d'Alva, dos Arcos, da Arrochella, da Azinhaga, do Farrobo, de Fonte Nova, da Louzã, de Mello, de Paraty, de Peniche, da Ponte, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, do Sobral, da Taipa, de Thomar, e de Vimioso; Viscondes: d'Algés, d'Athoguia, de Balsemão, de Benagazil, de Castellões. de Castro, de Fornos, e de Ourem; Barões: de Arruda, de Chancelleiros, de Pernes, e da Vargem da Ordem; Pereira Coutinho, D. Carlos Mascarenhas, Sequeira Pinto, Pereira de Magalhães, Ferrão, Margiochi, Aguiar, Eugenio de Almeida, Silva Sanches, Brito do Rio, e Aquino de Carvalho.

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