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SESSÃO DE 17 DE JULHO DE 1869

Presidencia do exmo. sr. Conde de Lavradio

Secretarios - os dignos pares Visconde de Soares Franco, Conde de Fonte Nova

(Assistem os srs. presidente do conselho e ministro do reino.)

Pelas duas horas e um quarto da tarde, tendo-se verificado a presença de 20 dignos pares, declarou o Ex.mo sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, contra a qual não houve reclamação.

O sr. secretario visconde de Soares Franco mencionou a seguinte

Correspondencia

Um officio do ministerio dos negocios estrangeiros, remettendo cem exemplares das contas da gerencia deste ministerio do anno economico de 1867-1868 e do exercicio de 1866-1867, para serem distribuidos pelos dignos pares.

Mandaram-se distribuir.

Um officio da presidencia, da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição sobre a approvação do decreto de 30 de janeiro do corrente anno, pelo qual foi supprimido o emprego de ajudante do capitão do porto de Nova Goa.

A commissão de marinha.

Outro officio da mesma presidencia, remettendo uma proposição de lei para ser o governo auctorisado a reformar os serviços do correio e dos sellos publicos, pertencentes aos Bestados da India.

A mesma commissão.

Outro officio da mesma presidencia, remettendo a proposição de lei sobre a approvaçao do decreto de 19 de fevereiro do corrente anno, pelo qual foi extincta a freguezia de Nossa Senhora do Rosario, sita na cidade velha de Goa.

Á mesma commissão.

O sr. Presidente: - Em virtude da resolução que a camara tomou na sessão de hontem, auctorisando a mesa para nomear dois dignos pares que sirvam de auxilio á commissão de obras publicas, tenho a participar que resolveu nomear os dignos pares José Maria Baldy, e Luiz Augusto Rebello da Silva.

Agora tem a palavra, antes da ordem do dia, o digno par o sr. marquez de Niza.

O sr. Marquez de Niza: - Desejava que v. exa. me desse a palavra sobre a ordem para quando entrasse o sr. ministro da fazenda, e digo já em duas palavras qual o objecto de que hei de occupar-me.

Um sr. deputado apresentou a idéa da conveniencia de se estabelecer uma commissão encarregada de examinar a questão de pautas, em relação ao estado em que a mesma questão se vae collocar no reino vizinho.

O sr. ministro da fazenda concordou na eleição dessa commissão; portanto, quando s. exa. aqui comparecer, eu desejava trocar algumas palavras com s. exa. no mesmo sentido, porque me parece conveniente que nesta casa se siga o mesmo pensamento, a fim de que as duas commissões, reforçando-se reciprocamente, formem uma só commissão que trabalhe reunida no mesmo sentido.

Na outra camara acho que com muita brevidade estará eleita essa commissão; parece-me pois conveniente que nos preparemos para tomar o mesmo accordo e seguir o mesmo systema.

É o que por agora tenho a dizer.

O sr. Presidente: - Quando o sr. ministro da fazenda estiver presente, darei a palavra a v. exa.

O sr. Larcher:- Pedi a palavra para declarar a v. exa. e á camara que ultimamente deixei de comparecer por motivo de doença.

O sr. Marquez de Vallada:- Sr. presidente, tendo eu pedido a palavra antes da ordem do dia, cumpre-me primeiro que tudo dizer que procedi a todas as indagações em minha casa relativamente á falta de papeis desta camara, de que me queixei hontem.

A falta deu-se, porque effectivamente eu não os recebi, mas não ha rasão para arguir pessoa alguma dos empregados da secretaria da camara.

A falta foi da minha casa, pois até com uma carta que eu julgava importante se deu o caso de estar retardada uns poucos de dias sem se me dar conta della.

Por consequencia não houve descaminho, erro ou falta da parte dos correios desta camara, nem de qualquer outra pessoa, declaração que julguei devia fazer.

O sr. Presidente:- Estimo que v. exa. reconhecesse que a falta não tinha sido da parte de empregado algum desta camara.

Hontem mesmo, ao acabar a sessão, mandei immediatamente proceder a todas as averiguações, e folgo muito que, antes de dar conta do resultado, fosse prevenido pelo proprio digno par que se queixava.

O sr. Marquez de Vallada: - Uso ainda da palavra, que v. exa. me concedeu, para fazer uma pergunta ao sr. ministro do reino.

Quando se trata de um negocio em que os direitos de alguem são affectados ou feridos, sobretudo quando se trata do direito de um par do reino, membro da representação nacional, julgo que cabe a todos pugnar pelo seu direito offendido.

O codigo civil, sr. presidente, é uma lei que está em vigor, e nelle se diz que as mulheres gosam da mesmos direitos de seus maridos.

De uma maneira clara e terminante diz que todas as leis que contrariem o codigo civil ficam revogadas, isto é, substituidas pela mesma lei do codigo.

Pergunto eu, sem ser parente nem amigo da pessoa a quem me refiro, com que direito o sr. ministro do reino (porque não posso nem devo attribuir o acto a nenhum outro ministro) esbulhou ou quiz esbulhar os condes do Farrobo dos direitos que o codigo civil lhes garante, quando estabelece as mesmas distincções e honras para a mulher que para o marido?

Por que rasão, pois, o sr. conde de Farrobo foi esbulhado dos seus direitos?

Tem tanto direito de ir ao paço sua mulher como outra qualquer. E uma das preeminencias que lhe pertencem; tem direito de se chamar condessa, porque não ha nenhum poder que seja superior ao codigo civil. Deve haver uma rasão de justiça, e essa rasão deve ser por isso mesmo igual para todos, porque a justiça não costuma olhar para a direita nem para a esquerda. Dizem que é cega a justiça, mas eu digo que a querem fazer mesquinha; pois por que rasão se procedeu com a imparcialidade da justiça com o sr. conde do Farrobo, que prestou tantos serviços a este paiz, e que, se não fosse o seu auxilio, não estariamos sentados nestas cadeiras a tomar parte na apreciação dos negocios publicos?

Não fui convidado por ninguem para fazer o que estou fazendo; e no que faço sou insuspeito, sr. presidente, e tanto mais insuspeito, que tendo pedido ao sr. Conde do Farrobo, quando se tratou em 1850 da minha admissão nesta camara, que não faltasse aqui, pensando que s. exa. votava a meu favor, s. exa. disse-me terminantemente que vinha votar contra a minha admissão, e todos sabem que cum-

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priu o que disse, porque a votação foi nominal. Não trato pois deste assumpto para pagar obrigações, mas porque me parece que cumpro um dever de justiça; e se, o que aconteceu com s. exa. tivesse acontecido commigo, eu não me deixaria esbulhar de nenhum direito, porque ás leis ninguem é superior.

Estamos em um regimen de liberdade, de justiça e de publicidade; e como o sr. ministro do reino nos convidou aqui para dizermos toda a verdade, obrigando-se elle a dize-la tambem., eu pergunto a rasão por que a mulher de um par do reino não póde gosar das honras que lhe confere o codigo civil? Aguardo a resposta do sr. ministro.

O sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao sr. ministro do reino, devo declarar que não ha sobre a mesa nenhuma petição do sr. conde do Farrobo, sobre que possa haver discussão.

Tem agora a palavra o sr. ministro do reino.

O sr. Ministro do Reino (Bispo de Vizeu): - Sr. presidente, na qualidade de ministro da coroa, tenho a honra de responder ás perguntas que me fazem os dignos pares, e não entro na apreciação de serem regulares ou parlamentares, porque isso pertence a v. exa. Trata-se de uma arguição feita ao ministro do reino, porque se diz que faltou ou não respeitou os direitos de um digno par; mas eu declaro que estou innocente, porque não sei que roubasse nenhum direito. Sei só que, como membro do governo, tenho obrigação de fazer manter as leis e os direitos de todos os cidadãos (apoiados), porque por mais humildes que elles sejam têem tanto direito á protecção das leis como um par do reino.
(Entrou o sr. ministro da fazenda.)

O que não posso deixar de declarar é que ignoro o facto a que se refere o digno par. E para mica um enygma; por consequencia, se s. exa. quer que lhe responda, diga o que deseja saber, especifique o facto, para eu me habilitar a responder. Se faltei ao meu dever foi involuntaria e até inconscientemente, porque não sei de nada.

O sr. Marquez de Vallada:- Peço a palavra.

O sr. Presidente:- Tem a palavra o digno par, mas devo declarar que considero esta questão anti-parlamentar.

O sr. Marquez de Vallada: - Primeiro que tudo a defeza do meu acto. Quando se trata de direitos de alguem, não creio que seja improprio de qualquer membro do parlamento levantar-se e tomar a defeza desses direitos; aqui trata-se nada menos do que de uma offensa a dois artigos do codigo civil, e qualquer representante da nação está no seu direito de pedir as competentes explicações ao governo. Não é pois necessario ter procuração, nem mesmo que haja uma petição sobre a mesa relativa a este assumpto, para eu poder usar da palavra.

Ha um facto a que se referem os jornaes; e se a imprensa é um quinto poder do estado, como ouvi dizer aqui quando eu censurava os excessos da imprensa, o sr. ministro do reino, que é sacerdote da imprensa e sacerdote da igreja, tambem tem obrigação de respeitar aquella instituição. Por consequencia, logo que havia uma referencia a um facto! desta ordem, entendi que estava no meu direito para pedir uma explicação ao sr. ministro sobre este assumpto de que se tinha occupado a imprensa. Agora serei mais explicito do que fui da primeira vez que fallei.

Consta-me que houve um requerimento do sr. conde do Farrobo pedindo licença para o seu casamento, o que é um acto de cortezia que se pratica na côrte, e diz o jornal intitulado Patriota que lhe foi negada essa licença, e a sua mulher as honras que o codigo civil lhe concede. Eis-aqui a rasão por que perguntei ao sr. ministro qual era a idéa de justiça, independente das de rasão, que s. exa. teve para negar aquella licença, porque eu não estou em relações com nenhuma destas pessoas, e é unicamente como par do reino que tratei desta questão de direito, porque estas questões servem-me para muitas outras cousas, e poderei tirar dellas muito partido.

Desejo pois saber a rasão por que se negou a um par do reino o que lhe pertence, contra as disposições do codigo civil? Parece-me que o sr. ministro do reino não é vigario geral para julgar dos impedimentos. E sobre o que disse o Patriota que dirigi a s. exa. a minha pergunta.

O sr. Ministro do Reino:- Parece-me que deviamos acabar com questões desta natureza, porque os dignos pares não são corretores dos boatos que correm pelas praças, nem do que escrevem os jornaes. Nós estamos aqui para tratar dos negocios publicos, e não para vir repetir o que dizem os jornaes, que um dia dizem uma cousa, e no outro dizem outra, nem vejo conveniencia para os interesses do paiz em occupar-nos de boatos (apoiados).

Se o sr. conde do Farrobo fez um requerimento pela minha repartição, e qual foi o despacho que teve, são negocios particulares, e a camara não tem nada com isso. Se houve um despacho contra a lei, e que offendesse os direitos de um par do reino, poderá s. exa. usar dos recursos que estão estabelecidos, mas não venha aqui o sr. marquez de Vallada repetir o que os jornaes disseram. Não posso dizer mais nada sobre este assumpto.

O sr. Presidente:- Eu não posso deixar continuar esta discussão sem consultar a camara.

O sr. Marquez de Vallada: - Eu desisto da palavra sobre esta questão, e peço a v. exa. que me conceda a palavra para um requerimento.

O sr. Presidente:- Tem a palavra o digno par para um requerimento.

O sr. Marquez de Vallada:- O meu requerimento, que hei de reduzir a escripto, é o seguinte:

"Requeiro que pela secretaria d'estado dos negocios do reino seja remettida a esta camara uma copia do requerimento feito pelo sr. conde do Farrobo, pedindo a concessão para o seu casamento, e a copia do despacho que teve."

O sr. Presidente:- Vou consultar a camara se permitte que continue esta discussão.

O sr. Marquez de Vallada: - Não póde continuar, porque já desisti da palavra para continua-la.

O sr. Presidente: - Queira então mandar para a mesa o seu requerimento por escripto.

O Orador: - Já pedi papel para escrever o meu requerimento.

(Pausa.)

O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, peço agora a palavra sobre outro assumpto para dirigir uma pergunta ao sr. ministro da fazenda.

O meu requerimento é o seguinte:

" Requeiro que pela secretaria d'estado dos negocios do reino seja enviada a esta camara copia authentica do requerimento do sr. conde do Farrobo, pedindo licença para o seu casamento, e copia do despacho.

"Camara dos pares, 17 de julho de 1869. = 0 par do reino, Marquez de Vallada.

O sr. Presidente: - O sr. marquez de Niza tinha pedido a palavra para quando estivesse presente o sr. ministro da fazenda, e portanto logo que se vote o requerimento do sr. marquez de Vallada darei a palavra ao digno par.

Leu-se na mesa o requerimento do sr. marquez de Vallada.

O sr. Conde d'Avila: - Não havendo inconveniente, que são palavras indispensaveis.

O requerimento foi approvado.

O sr. Presidente:- Será expedido. Tem o sr. marquez de Niza a palavra.

O sr. Marquez de Niza:- Pedi a palavra a v. exa. antes da ordem do dia, para quando estivesse presente o sr. ministro da fazenda, porque desejava chamar a attenção de s. exa. sobre um objecto que julgo muito importante, e a respeito do qual tambem desejo ouvir a sua opinião. Tendo assistido á sessão da outra camara VI que um sr. deputado, depois das considerações que fez ácerca da conveniencia de regularmos a questão da reforma das pautas das alfandegas, attendendo á transformação economica que se

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vae effectuar no reino vizinho, e para evitar os inconvenientes que poderão resultar della em prejuizo dos interesses do nosso paiz, ou tirar della um effeito especial e conveniente para a auctorisação que o sr. ministro pediu para fazer a reforma das pautas; propoz que fosse nomeada uma commissão, a qual se encarregasse de preparar os trabalhos que s. exa. ha de apresentar ao parlamento; e tendo o sr. ministro concordado na conveniencia de se nomear esta commissão, dizendo até que julgava de grande utilidade que ella podesse trabalhar no intervallo das sessões se lhe não fosse possivel apresentar ainda na sessão actual os seus trabalhos, pareceu-me que seria util e conveniente, sem entrar agora em maiores desenvolvimentos, que esta camara seguisse o exemplo da dos srs. deputados, elegendo uma commissão que conjunctamente com a outra, e formando uma só, procedesse a esses trabalhos, porque é impossivel que da alteração das tarifas das alfandegas do paiz vizinho não resultem graves inconvenientes para este paiz, se não se proceder a um accordo aduaneiro entre elles, ou se não se pozerem as nossas tarifas em relação de harmonia com aquellas; emfim, para preparar esses trabalhos e ajudar o governo, que tambem deve pela sua par ella poder fazer um trabalho completo.

O sr. Ministro da Fazenda (Conde de Samodães): - O digno par o sr. marquez de Niza acaba de se referir ao que se passou ha poucos momentos na camara dos senhores deputados em resultado de uma interpellação, que me foi dirigida por alguns membros daquella casa, sobre a necessidade que ha dos poderes publicos estudarem competentemente a questão das reformas das pautas do nosso paiz, tendo em attenção a transformação economica que se está verificando no reino vizinho.

S. exa. indicou a conveniencia de que esta camara procedesse da mesma forma que procedeu a camara ^dos senhores deputados, nomeando uma commissão de inquerito para estes estudos. Como o digno par ouviu o que eu disse na outra camara, respondendo ás perguntas que me foram feitas, sabe perfeitamente que eu nesta casa do parlamento não posso ter outra linguagem que a que tive naquella camara.

Eu considero este assumpto gravissimo, e um dos mais importantes de que nos podemos occupar, porque elle tem não só uma grande influencia fiscal, pois que a maxima parte das nossas rendas provem dos impostos cobrados nas alfandegas, mas tambem um grande alcance economico, porque influe no estado das nossas industrias, e sobretudo do nosso commercio.

Portanto o assumpto mereceu a attenção do governo e da camara dos senhores deputados, e não admira que merecesse tambem a attenção desta camara. Acho louvavel que o digno par levantasse esta questão aqui, e que esta camara acompanhe os esforços da outra e do governo no estudo deste grave assumpto.

Se pois o digno par julga que esta camara deve nomear uma commissão de inquerito para estudar esta questão, não posso por forma alguma, nem como membro do governo, nem como par do reino, oppor-me a esta idéa. Já na outra camara approvei que ella se prestasse a fazer este estudo por meio de uma commissão nomeada pelos seus membros, e acho rasoavel que esta camara nomeie tambem uma commissão para esse fim. Se ellas devem funccionar juntas ou separadas isso é uma questão sobre que eu na actualidade não estou habilitado para dar opinião. O que vejo é que no acto addicional á carta as duas casas do parlamento estão auctorisadas a nomear as commissões de inquerito para estudarem as differentes questões que julgarem conveniente. Até agora, segundo a pratica, tem havido commissões de inquerito, e eu já fiz parte de algumas, que teem funccionado separadas, porque nunca houve esta juncção que o digno par propõe.,

Agora, se acaso a camara dos dignos pares approvar a indicação do sr. marquez de Niza, o assumpto de que as duas commissões teem de se occupar, sendo o mesmo, está claro que permitte que possam funccionar em separado ou conjunctamente, conforme depois se assentar. E isto o que se me antolha no momento, mas não me considero bem habilitado para dar uma opinião definitiva, sem que todavia deixe por isso de concordar em que se crie a commissão.

O sr. Visconde de Fonte Arcada (sobre a ordem): - O assumpto, sr. presidente, é de maxima importancia, mas parece-me que foi trazido irregularmente, porque está admittido como principio de não invocar em qualquer das camaras o que se está passando na outra para auctorisar o proceditemento de qualquer dellas; e quando o negocio deve passar de uma camara para a outra, espera-se que termine em uma camara para começar na outra.

O objecto a que se allude é gravissimo, convenho em que se possa nomear a commissão, mas parece-me que os srs. ministros deviam intervir nisto, fazendo alguma proposta que corresse aqui os tramites regulares. Pois o que é nomear uma commissão desta ordem sem accordo do governo, sem intervenção nenhuma do ministro respectivo?

Se é uma commissão unicamente de inquerito, não ha duvida que temos direito de a nomear livremente, assim como a outra camara tem igual direito, mas uma é independente da outra, e cada uma tem a sua acção livre. Mas o que eu tambem noto é que o sr. marquez de Niza deveria fazer a sua proposta por escripto, para que se podes sem avaliar os seus termos; todavia eu não deixo de concordar no pensamento, para que se estude tão importante assumpto, e que se procure do melhor modo estabelecer um. accordo que effectivamente me parece necessaria que haja entre os dois paizes sobre o pagamento dos direitos de alfandegas; o que sustento é que acho irregular o modo como isto se apresenta, tanto mais que o sr. ministro nos declarou que não promovera similhante deliberação na outra casa do parlamento;

O sr. Presidente: - Segundo a regimento já passou a hora marcada para se entrar na ordem do dia.

O sr. Marquez de Niza: - Eu peço a v. exa. que note que a camara quando estabeleceu essa determinação foi com o correctivo de que a meia hora se podia prorrogar quando a materia se julgasse de importancia tal que merecesse a prorogação; e isso é o que eu creio que todos entendem ser o caso que se dá agora; portanto requeiro que se consulte a camara sobre se ella consente em que se conclua este assumpto antes de passarmos á ordem do dia.

O sr. Presidente: - Eu consulto a camara.

A camara approvou que se. continuasse.

O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, esta proposta que fez o. sr. marquez de Niza é o mais regular possivel, e permitta-me o sr. visconde de Fonte Arcada que discordando de s. exa. lhe observe que ella não é mais do que a reproducção do que aqui se tem feito sobre outros assumptos, e á similhança do que se faz em todos os paizes da Europa culta.

Em todos os parlamentos se nomeiam commissões de inquerito.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Eu não me opponho á nomeação de uma commissão de inquerito simplesmente.

O Orador: - A que se oppõe então o digno par?

O sr. marquez de Niza propoz a nomeação de uma commissão de inquerito; isto é materia corrente.

Em Inglaterra propoz se em tempo a nomeação de uma commissão para examinar o estado da agricultura; e eu, concordando com a idéa, quasi que copiei essa proposta, e apresentei-a aqui, a fim de que se nomeasse tambem uma commissão para examinar o estado da nossa agricultura.

Por consequencia o facto não é novo, e eu aceito pela minha parte a proposta do sr. marquez de Niza, a qual está de accordo com os usos de todos os parlamentos, e reputo a conveniente. Nada tem com a proposta feita na

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camara dos senhores deputados, porque nós podemos aqui fazer o mesmo que lá se pratica, e para isso não era mesmo necessario que o governo concordasse nella, como muito bem disse o sr. conde de Samodães.

A questão das pautas, sr. presidente, é uma das questões mais importantes, e que deve ser largamente estudada; portanto approvo esta proposta, e, approvando a, estou de accordo com todos os meus precedentes nesta casa.

O sr. Marquez de Niza: - Eu tencionava um destes dias chamar a attenção da camara e do governo sobre este assumpto; mas como hoje ouvi tratar delle na outra camara, sem mais preparação, vim aqui, abundando nessas mesmas idéas., e apresentei a proposta.

O que é facto é que em Hespanha vae proceder-se a uma reorganisação completa nas tarifas das alfandegas, e no sentido mais liberal.

Não ha duvida em que esta alteração deve ter uma influencia muito grande sobre a nossa legislação aduaneira; e como os nossos principaes recursos provem desta fonte, qualquer alteração póde produzir difficuldades financeiras, tanto mais não sendo o estado das nossas finanças o mais lisonjeiro. Acresce mais que em Hespanha já estão apresentadas as bases destas alterações, e o que falta agora é serem votadas; mas como as côrtes foram adiadas até outubro, é preciso que, se o governo quizer combinar alguma cousa com o do paiz vizinho, ou se desejar tomar quaesquer medidas, o faça antes dessa epocha; e até outubro não ha muito tempo para se fazerem esses trabalhos preparatorios, para se ouvirem, como cumpre, as pessoas competentes, e aquellas que o governo quizer ouvir com relação ao assumpto.

Foi portanto, com o pensamento de adiantar esses trabalhos, que fia esta proposta, que já, como disse, tencionava fazer, mas por outra forma, propondo que fosse nomeada uma commissão composta de membros desta e da outra camara, e daquellas pessoas que o governo entendesse conveniente.

Limito-me pois a fazer esta proposta no sentido em que a apresento. Mas estimei aproveitar esta occasião para aqui declarar qual é a minha opinião a este respeito.

Eu entendo que este passo que devemos dar não só não póde de modo algum ser contrario á nossa autonomia e independencia, mas que antes o considero um correctivo a tudo que por parte de Hespanha possa, mais ou menos, affectar o interesse moral e material deste paiz, porque, sr. presidente, nós não podemos conservar essa autonomia e independencia emquanto mostrarmos certa resistencia á adopção das idéas politicas, administrativas, fiscaes e economicas que se desenvolvem no paiz vizinho, e que, quanto a mira, quando entre nós applicadas tanto quanto é possivel, muito concorrerão para o bem do nosso paiz. Ê esta a minha convicção sincera, aliás não expenderia estas considerações, porque nutro bastantes sentimentos patrioticos para não querer, e antes oppor-me energicammete, a tudo quanto possa directa ou indirectamente vir a ferir a nossa independencia e liberdade.

Neste sentido pois vou mandar para a mesa a minha proposta.

"Proponho que se eleja uma commissão de cinco membros, a fim de preparar os trabalhos necessarios, para se proceder á revisão das nossas tarifas aduaneiras, tendo em attenção as alterações que a legislação aduaneira está soffrendo no reino vizinho, ficando a mesa auctorisada para se pôr de accordo com a da camara dos senhores deputados. = Marquez de Niza."

O sr. Presidente: - Depois de se ler a proposta do sr. marquez de Niza, e de ser admittida, é que hei de dar a palavra ao sr. visconde de Fonte Arcada, que é o primeiro inscripto.

Leu-se na mesa a proposta do sr. marquez de Niza.

O sr. Presidente: - Vou consultar a camara se quer que esta proposta vá á commissão respectiva, para dar o

seu parecer, e depois se de para ordem do dia em tempo competente.

O sr. Marquez de Niza: - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre a urgencia, para ser admittida desde já a minha proposta á discussão, sem ter de ir á commissão de fazenda, e esperar que ella de o seu parecer, attendendo a que a natureza do negocio é urgente e não póde demorar-se por mais tempo.

A camara approvou a urgencia.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Sr. presidente, eu depois de ter visto ir para a mesa a proposta do digno par, o sr. marquez de Niza, dirigi-me ao sr. secretario para a poder ler na minha mão; pedi lha, s. exa. mostrou-ma, e eu confesso que talvez pela minha falta de vista não pude ler cousa alguma; VI que estava escripta a lápis, e que tinha umas entrelinhas; mas, repito, não a entendi, e por isso nem mesmo faço idéa della; creio mesmo que esta difficuldade na leitura não a tive eu só, porque o mesmo succedeu ao sr. secretario visconde de Soares Franco, que tambem lhe custou a percebe-la.

O sr. Marquez de Niza: - Se v. exa. quer que lha explique? .. . (approximou-se do orador.)

O Orador: - Eu agradeço ao digno par a sua explicação, mas direi, sr. presidente, que as propostas que se tratam nesta casa são para poderem ser apreciadas por todos nós, e para todos as podermos comprehender é preciso que estejam bem claras, de outra forma o auctor de qualquer proposta teria que andar por todos os logares dos differentes membros desta casa a explica-la, e isto é impossivel: queria pois que a proposta do sr. marquez de Niza fosse impressa, para que todos podessemos ter verdadeiro conhecimento della, porque é muito importante, ou pelo menos que fosse escripta de uma forma legivel que podesse ser entendida e examinada na mesa; mas como já se votou que entrasse em discussão, eu não quero oppor-me, nem censurar a resolução tomada.

O fim principal para que eu pedi a palavra foi para dar uma explicação ao sr. marquez de Vallada. Eu, quando fallei a primeira vez nesta questão, não disse que se não nomeasse uma commissão de inquerito, o que disse foi, que entendia um acto irregular invocarem-se aqui as decisões da outra camara, para obrigar esta a votar no mesmo sentido: cada uma das camaras tem a sua acção livre, e as suas resoluções não se podem invocar para obrigar qualquer das camaras a fazer o mesmo que a outra faz, e assim cada uma resolve e vota como entende. S. exa. entendeu tambem que eu tinha dito que tinha podido perceber pela redacção da proposta do sr. marquez de Niza, que se queria nomear uma commissão para examinar a questão aduaneira, composta de membros das duas casas do parlamento; o que eu disse foi que o modo por que aqui appareceu este assumpto era irregular, mas que não me oppunha a que a camara nomeasse simplesmente uma commissão de inquerito.

Eu declarei que nós tinhamos a acção livre e independente como teem os srs. deputados, mas que não se devia aqui invocar o que lá se passa para fazermos o mesmo, foi o que eu disse.

Nunca porem me oppuz nesta camara a que se nomeasse uma commissão de inquerito para qualquer fim, nunca a isso me oppuz, e muitas vezes tenho apoiado as nomeações de taes commissões.

Era a explicação que tinha a dar. O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, eu desejo fazer uma pergunta ao sr. ministro da fazenda.

Primeiramente felicitarei o nobre ministro pela sua conservação nos bancos do poder. Eu tinha hesitado na crença de que s. exa. se conservasse no ministerio, mas agora vejo que s. exa. não pediu a sua demissão.

Ora, como o sr. ministro continua a gerir a pasta da fazenda, continua tambem a estar apto a responder sobre todos os assumptos que digam respeito aos negocios da sua repartição.

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Peco por isso ao nobre ministro que tenha a bondade de informar a camara sobre se o contrato Goschen está roto, e sobre o que ha com relação aos titulos de penhor de que a casa Goschen estava de posse.

Faço esta pergunta porque, segundo dizem, ha diversos negociadores que andam contratando emprestimos para o governo, e como em uma das clausulas do contrato com a casa Goschen se diz-que o governo se obriga a não contratar com outra casa em quanto estiverem pendentes as negociações que com aquella casa contrahira = pergunto se o contrato se vae ratificar, ou se já se não faz.

O sr. Ministro da Fazenda: - Sr. presidente, eu começo por agradecer ao digno par os parabens que me deu por continuar a ver me nestas cadeiras; só observarei a s. exa. que eu não tinha ainda feito nenhuma declaração de que saia do ministerio.

Comprehendo o jubilo de s. exa. porque sei que estima muito ver me neste logar, porque o digno par é meu amigo, amigo pessoal. (O sr. Marquez de Vallada:- Apoiado.)

Tambem póde ser que s. exa. seja interprete dos sentimentos de algumas pessoas que porventura tenham muito gosto em que eu continue a ser ministro. Por tudo isto, e como sei que a intenção do digno par é boa e favoravel á minha dignidade, agradeço os seus parabens. Mas se eu os considerasse pelo lado dos espinhos de que estas cadeiras são revestidas, talvez não agradecesse.

Dito isto, passo á questão.

O governo foi auctorisado a fazer um contrato, e ficou obrigado a dar conta ao parlamento, ou nesta ou na futura sessão legislativa, não o podendo fazer na actual, do uso que fizesse dessa auctorisação. Por consequencia parece me extemporâneo que, havendo apenas oito dias que essa auctorisação foi dada ao governo, o digno par ou outra qualquer pessoa venha interpellar o governo sobre o uso que della tem feito.

Parece me que não é demasiado tarde quando apenas teem passado oito dias depois que o governo obteve auctorisação para contrahir o emprestimo, quando nem ainda se publicou a lei que a concede, quando emfim não é publico ainda que o governo esteja legalmente habilitado para resolver a questão do emprestimo, para se estar já pedindo contas ao governo do uso que fez da auctorisação que o parlamento lhe concedeu.

Portanto peço ao digno par que refreie a sua impaciencia, e que espere que o governo acabe as negociações ácerca do emprestimo e chegue a um resultado definitivo, porque então o governo dará a devida conta ás côrtes, e nessa occasião póde o digno par usar do seu direito de examinar e verificar se o governo cumpriu ou não as obrigações que lhe foram impostas, se excedeu ou não a area que lhe foi traçada, e se no alvitre que seguiu andou ou não acertadamente.

Reserve-se s. exa. para então usar do seu amplissimo direito de examinar o procedimento do governo e de o avaliar conforme entender. Por emquanto parecem-me extemporâneas quaesquer interrogações a respeito do uso que o governo fez da auctorisação que o corpo legislativo lhe concedeu para contrahir o emprestimo, e portanto permitta-me o digno par, permitiam me v. exa. e a camara, que eu não de explicações sobre o assumpto, porque realmente não as posso dar sem o negocio do emprestimo se concluir definitivamente.

O sr. Marquez de Niza:- Peço desculpa á camara se torno a fallar sobre o incidente de que se estava tratando antes desse outro incidente suscitado ultimamente.

A proposta que eu ha pouco tive a honra de apresentar tem duas partes, uma para a nomeação da commissão de inquerito, e outra para a mesa ser auctorisada a pôr-se de accordo neste negocio com a mesa da camara dos senhores deputados.

Ora, eu pedia licença á camara para retirar esta ultima

parte da minha proposta, visto a camara ter votado a urgencia della. A commissão que for nomeada por esta camara, e a commissão nomeada pela outra casa do parlamento, deliberarão se devem ou não funccionar juntas è" procederão nos seus trabalhos conforme julgarem melhor, de accordo com o governo.

Portanto peço a v. exa. que consulte a camara se consente em que eu retire a segunda parte da minha proposta, ficando de pé a primeira parte, que diz respeito á eleição da commissão, eleição que póde ficar para a proxima sessão.

A camara concedeu que o digno par retirasse a ultima parte da sua proposta.

O sr. Marquez de Niza: - Ficando para a proxima sessão a eleição da commissão, que póde ser de cinco membros.

O sr. Presidente: - O digno par, o sr. marquez de Niza, propõe que a commissão seja de cinco membros.

O sr. Marquez de Sabugosa:- Sr. presidente, pedi a palavra para declarar que voto contra a proposta que está em discussão, e voto contra ella não porque desconheça a importancia do assumpto, para estudar o qual se pretende que esta camara nomeie uma commissão de inquerito; mas por isso mesmo que julgo importante o assumpto é que entendo que não posso votar a proposta com a urgencia que se quer.

Por outro lado tambem a não voto porque estou persuadido que a eleição de uma commissão de inquerito ou de estudo não dará resultado algum, pois temos visto nomearem se muitas destas commissões sem que dahi se haja tirado proveito algum.

O que me parece que seria mais regular e mais natural era o governo estudar ou fazer estudar o assumpto por pessoas da sua confiança, e apresentar depois ao parlamento uma medida baseada no resultado dos estudos que se fizessem.

Parece-me que esta era a ordem natural dos trabalhos a seguir neste negocio, para se poder chegar a um resultado vantajoso. Ainda se a proposta fosse para esta camara recommendar ao governo que fizesse estudar o assumpto, não duvidaria associar me a ella; mas para o fim que se tem em vista não posso vota-la.

O sr. Costa Lobo: - Não comprehendo bem a nomeação desta commissão, ainda que acho muito util que tratemos de harmonisar as nossas pautas tom as do reino vizinho.

Como esta questão se está ventilando com urgencia, contra a qual votei, peço licença para expor, sem nenhuma preparação, as reflexões que o meu espirito me suggerir, e á proporção que as for suggerindo.

Segundo o que o digno par, o sr. marquez de Niza disse, foi eleita uma commissão pelo congresso constituinte hespanhol, a fim de estudar esta questão.

O congresso constituinte hespanhol, segundo as informações que dá o digno par, nomeou uma commissão para estudar a questão das pautas das alfandegas; mas aquelle congresso não se reúne senão em outubro proximo, porque foi adiado; portanto é para essa epocha que a commissão ha de apresentar os seus trabalhos.

Desde o momento em que o congresso hespanhol tiver approvado qualquer proposta a este respeito, nós não podemos deixar de harmonisar as nossas pautas com as de Hespanha, porque temos uma raia de tal extensão que, logo que em Hespanha baixem as tarifas, havemos forçosamente de dar o mesmo passo, isso creia o digno par que não póde deixar de ser.

Mas, como a commissão não dá o seu parecer senão em outubro, porque é o praso mínimo em que o póde dar, e ainda fica dependente de discussão, não sei de que a nossa commissão se possa occupar no momento actual.

Agora o que naturalmente occorre a este respeito é que seria bom que houvesse sobre este assumpto uma tal ou qual communicação entre o governo deste paiz e o governo

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hespanhol. Isso seria cousa altamente conveniente, porque nesse ponto é claro que, no estado em que estão as cousas, a commissão do congresso com o governo e os poderes publicos hespanhoes podem fazer o que quizerem a respeito das suas pautas sem attenderem ás conveniencias do nosso paiz.

E desde o momento em que houvesse uma tal ou qual combinação, está claro que pelos sentimentos de boa vizinhança e amisade se attenderiam até certo ponto com reciprocidade as necessidades dos dois paizes.

Pergunto eu: haverá alguma especie de intelligencia de parte a parte a este respeito?

Se não ha, não vejo em que tenha agora de estudar a nossa commissão.

Mas se ha, então é necessario que o governo emitta a sua opinião a este respeito. E então, nesta segunda hypothese, o que o meu espirito me suggere é que não seja esta camara que nomeie a commissão, mas o governo.

Esta camara não póde ter communicações com o reino vizinho, e o governo póde nomear uma commissão que estude, accuse as communicações que receba do reino vizinho e proponha o que julgue conveniente; mas esta commissão de cá não póde estar em communicação com a de lá.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Nem deve.

O Orador:- No que eu estou de accordo é em que devemos harmonisar esses trabalhos quanto possivel, porque se ha desgraça que eu julgue completamente fatal para este paiz é o proteccionismo, pois que vejo que aquillo mesmo que serviu de grande elogio para o marquez de Pombal é o que, quanto a mim, é justamente o peior que delle se póde dizer, por essa protecção que deu á nossa industria, visto que essa protecção se tornou em desgraça verdadeira para o paiz. Assim eu digo tambem e sustento, que as tarifas entre nós devem, nem podem deixar de estar, em harmonia com as tarifas do reino vizinho; mas no momento actual não vejo que tal commissão, que se quer nomear, possa tomar arbitrio algum; o que me parecia mais conveniente seria que o governo fosse quem nomeasse uma commissão, e a encarregasse de preparar esses trabalhos que o digno par queria destinar a uma commissão desta camara.

(O orador não viu os seus discursos).

O sr. Marquez de Niza: - Sr. presidente, ou eu me expliquei mal, ou o digno par, por não me ter prestado attenção, partiu de um supposto erróneo.

No congresso hespanhol apresentou-se uma proposta, por parte do governo, estabelecendo as bases para a reforma das tarifas aduaneiras,- e esta proposta passou pelos tramites proprios dos parlamentos e foi approvada; o governo está pois auctorisado a fazer uma reforma dentro daquellas bases, e o trabalho que tem a fazer é applicar essas bases ás tarifas, que é o que está fazendo agora, para apresentar quando se tornar a abrir o congresso. Este é o motivo por que eu queria que fossemos fazendo um trabalho igual, e que o nosso governo se entendesse com o de Hespanha; porque, depois do trabalho daquelle paiz ser convertido em lei, qualquer inconveniencia que houvesse nelle em relação a nós já não se podia evitar; mas havendo um accordo previo, quando o governo hespanhol chegasse a levar ao parlamento essas alterações, já era na conformidade desse accordo. Com a approvação da minha proposta, e por consequencia com a nomeação da commissão, dava-se a entender ao governo, que á camara queria que elle trabalhasse neste sentido, e reforçando-o com a opinião das commissões das duas casas do parlamento, dava-se-lhe tambem a probabilidade de que ellas aceitariam as alterações que propozesse á apreciação do corpo legislativo. Se porem ha outro meio pelo qual se possa obter isto que eu desejo, e que julgo altamente conveniente para o paiz, não terei duvida nenhuma em aceita-lo; mas parece-me que o melhor era a nomeação da commissão desta camara e da outra, porque davam ao governo a probabilidade de que os seus trabalhos seriam aceites.

O sr. Costa Lobo: - O digno par rectificou o que eu tinha dito em um ponto, isto é, que foi o congresso constituinte hespanhol que votou as bases, e com relação a esse ponto nós somos obrigados a proceder desde já a uma alteração das nossas pautas, para evitar os inconvenientes que podem resultar contra nós, porque os direitos são ali muito diminuidos. Não me opponho por isso a que esta camara nomeie uma commissão para auxiliar o governo, mas opponho-me á ultima parte da proposta do digno par.

O sr. Marquez de Niza::- Já está retirada.

O Orador: - Não é essa, é com relação á communicação que se quer que a commissão desta camara tenha com o governo hespanhol, o que não posso deixar de dizer que é uma cousa inconveniente.

(Interrupção do sr. marquez de Niza, que não se percebeu.)

A minha opinião é que esta camara nomeie uma commissão para auxiliar o governo na revisão das pautas, mas sem relações nenhumas com o governo do reino vizinho, porque esta camara não póde estar em relação com os governos dos paizes estrangeiros. Portanto esta questão, que parece ser de redacção, em ultima analyse é importantissima.

Mas o digno par mesmo concorda em que ha um maximo e um minimo para estabelecer estes direitos, e que dentro desse maximo e minimo o governo de Hespanha e a commissão podem estabelecer uma quantia fixa, e com relação a essa quantia fixa poderá o governo regular a base das tarifas. Portanto se a camara nomear uma commissão para preparar as bases em que devem assentar as tarifas das nossas alfandegas, regulando-se pelas alterações que se vão fazer no congresso hespanhol, põe a commissão em contacto com o governo do reino vizinho, e por isso é que me opponho á ultima parte da proposta do digno par. Se a proposta do digno par fosse simplesmente para a camara nomear uma commissão, para estudar as alterações das nossas tarifas, não tinha duvida alguma em votar por ella. Mas com a doutrina della, na parte que impugno, declaro que não lhe posso dar o meu voto, ainda que pareça que é uma questão de redacção, e mais creio que o digno par presta um grande serviço ao paiz apresentando esta proposta, mas nas questões internacionaes relativas a reformas desta natureza póde haver uma porta falsa que eu não posso conhecer.

Já vê o digno par que eu não impugno o pensamento da sua proposta, mediante as reservas que faço.

O sr. Presidente: - O digno par o sr. marquez de Niza já fallou mais de duas vezes, e portanto vou consultar a camara se permitte que lhe conceda a palavra...

O sr. Marquez de Niza: - Creio que como auctor da proposta posso fallar mais de duas vezes sem ser necessario v. exa. consultar a camara.

Se já estivesse votada em Hespanha a tarifa definitiva, poderia suppor-se que era uma especie de subserviencia em que a commissão se collocava, mas se é um trabalho que ainda ha de ser feito, como disse o digno par, a commissão não faz senão examinar a materia e ver até onde o governo portuguez póde concordar, e emquanto aos pontos em que tenha duvida a commissão apresenta os ao governo para agenciar pelos seus agentes ordinarios ou extraordinarios a modificação delles.

Portanto é para salvar a independencia do governo portuguez que eu entendo que a commissão é util. Mas se o sr. ministro da fazenda quizesse dizer mais duas palavras sobre as suas idéas a este respeito em nome do governo, e quizesse nomear uma commissão, eu retirava a minha proposta. Mas vejo com sentimento que s. exa. está intertido com uma conversação particular e por isso me não dá attenção.

(O orador não viu os seus discursos.)

Leu-se na mesa a proposta do sr. marquez de Niza, e foi approvada.

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O sr. Presidente: - Está approvada a proposta do digno par, como ficou depois que foi auctorisado a retirar a ultima parte. Agora vamos entrar na ordem do dia.

O sr. Marquez de Vallada: - Eu tinha pedido a palavra a v. exa. para responder ao sr. conde de Samodães.

O sr. Presidente:- Tem o digno par a palavra.

O sr. Marquez de Vallada: - Era uma questão importante e não podia deixar de dizer ao sr. conde de Samodães as rasões em que fundei as minhas felicitações.

Eu tenho de mim para commigo que todos os cavalheiros que se sentam naquellas cadeiras gostam de lá estar, porque tenho visto que os que já têem ido a primeira vez, voltam segunda, terceira, quarta e quinta vez, e por isso não supponho que essas cadeiras tenham tantos espinhos como geralmente se diz. Creio que é um logar de grande responsabilidade, mas parece-me que todos gostam de lá estar, e por isso estou persuadido que, se o sr. conde de Samodães não gosta de lá estar, não o estou de que possa dizer o mesmo a respeito dos seus collegas, porque, ainda que s. exa. me faça a justiça de acreditar que tenho por elle toda a consideração, como homem politico tenho lhe feito opposição desde que entrou para o governo, e tenho provado o meu desejo de que o ministerio se conserve solidario e que, quando o sr. conde de Samodães saia, saiam todos, porque devem ser todos por um e um por todos, e assim o tem promettido o sr. ministro do reino, que julgo cumprirá a sua palavra.

O sr. conde de Samodães surprehendeu-se de que eu me referisse á sua demissão; mas eu referi-me a ella, porque é publico e notorio que ha um desaccordo completo entre s. exa. e a commissão de fazenda da outra camara, e que ha da parte de muita gente o desejo de o expellirem do poder, separando-o dos seus collegas; mas eu, pelo contrario, desejo junta-los bem, e quando saia um, saiam todos.

Esta questão é momentosa, e foi por isso que eu pedi explicações; e sinto que s. exa. não quizesse ser aqui tão explicito como foi em outra parte.

É tambem publico e notorio que o governo tem tratado com outras casas, pelo menos com a casa Stern e a société générale, e por isso desejei ser informado por s. exa., porque entendo que é da dignidade do parlamento dirigir estas perguntas ao governo, e exigir-lhe as respostas.

Quando se tratou do contrato Goschen, disse eu que o reputava morto, e que estavamos discutindo um defuncto. E eu desejaria saber, quando o sr. ministro entenda que o deve repetir em publico, se o contrato foi roto por parte da casa Goschen, ou por parte do governo portuguez, e quaes as rasões desse rompimento. Mas o sr. ministro envolveu-se em tal reserva, rodeou-se de nuvens tão densas, que a verdade, de que o sr. ministro do reino é tão digno cultor, não póde penetrar por entre essas nuvens. E repetirei, applicando a s. exa. o dito de mr. Montalembert, quando censurava mr. Guizot pela apresentação de um projecto de resposta ao discurso da coroa = que não censurava o projecto pelo que lá estava escripto, mas pelo que se tinha deixado de escrever =. E applicando estas palavras ao sr. ministro, digo que não o censuro pelo que disse, mas pelo que deixou de dizer. A conclusão que eu tiro do que s. exa. disse, e do que deixou de dizer, e que de certo todos tirarão, é que s. exa. está em negociações com outras casas; mas nós depois faremos as objecções que julgarmos a proposito; agora julgo prudente não insistir mais sobre este ponto; porem a occasião propicia ha de chegar, e talvez que as minhas previsões se realisem, não sei se para bem se para mal do paiz. Aguardo a opportunidade para então fazer considerações mais largas sobre o assumpto. O que eu queria saber, fiquei-o sabendo, apesar da resposta do sr. ministro; e o publico avaliará a sinceridade das minhas perguntas, e o alcance da resposta de s. exa.

(O orador não viu os seus discursos.)

O sr. Presidente: - Vamos passar á ordem do dia, que é a continuação da discussão do projecto de lei n.° 16.

ORDEM no DIA

Continuação da discussão do parecer n.° 16

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Eu tenho apenas que dizer duas palavras relativamente ao que disse o sr. ministro do reino na sessão passada, respondendo ás minhas observações.

Eu tenho-me queixado aqui mais de uma vez de que a tabella judicial de 30 de junho de 1864 é extremamente lesiva, e dá occasião a que as custas dos processos sejam extremamente despendiosas, sem relação alguma ao caso a que tenho alludido com o que devem á fazenda os contribuintes, e dá occasião a que as custas dos processos por falta de pagamento das contribuições no tempo competente sejam de uma exorbitancia fabulosa. Isto dá occasião a outras queixas, acontecendo o que já aqui disse, que numa diminutissima verba de 40 réis podem exigir-se custas de 2$000 a 3$000 reis. Isto é uma cousa sabida (apoiados) assim como é facil reconhecer que este grande excesso de custas é devido á tabeliã; já me occupei noutra occasião deste assumpto para que o sr. ministro examine, com toda a attenção, um objecto de tanta ponderação. S. exa. o sr. ministro do reino, na sessão passada, disse-me que lá estava a lei para avaliar as circumstancias dos contribuintes; mas eu queixo-me justamente da lei, por isso que ella dá estes resultados; portanto é indispensavel que o governo se dê ao trabalho de averiguar bem o negocio para prover de remedio.

Queixei-me tambem a respeito do registo das servidões, a maior parte das quaes são reconhecidas ha muitissimos annos, talvez mais de seculo, e não ha a mais pequena duvida sobre o direito a ellas, mas a respeito da maior parte não ha documento que prove esse direito, é necessaria uma justificação, que é uma despeza gravissima, alem de que é impossivel marcar um praso, e esse ainda que seja de vinte ou de trinta annos, dentro dos quaes se deva fazer o registo; sobre isto é que eu queria tambem que o governo attendesse. S. exa., respondendo-me hontem, disse que o praso já tinha sido espaçado até março; mas que vale isto? Nada. Disse ainda s. exa. que na camara dos senhores deputados se tratava deste objecto; eu sabia isso muito bem, mas ha um costume muito bem entendido que se observa entre as duas camaras, para que em qualquer dellas nunca se alluda ao que se passa na outra, foi por isso que eu não alludi logo ao que se estava passando na camara dos senhores deputados; entretanto, como um sr. ministro se referiu, ser-me-ha nesta occasião permittido dizer algumas palavras. E verdade, sr. presidente, que na outra camara se trata deste mesmo objecto, e que já ali um illustre deputado, o sr. Alves Carneiro, propoz effectivamente um projecto sobre servidões, projecto que resolve todas as duvidas sobre este ponto, e é necessario que se approve sem demora.

Sr. presidente, parecerá talvez que as reflexões que tenho feito sejam fora de tempo e sem relação com a materia, mas não o são de certo quando se queira attender a que se vae lançar uma rede de impostos sobre todo o paiz, impostos bem fáceis de lançar, mas muito difficeis de pagar; e nestas circumstancias não é fora de proposito mostrar que o povo e o paiz em geral está obrigado a fazer graves despezas que se podem evitar, taes como as do registo das servidões, e as que resultam da tabella de 30 de junho de 1864.

Isto é tanto assim, que uma das primeiras medidas, que tomou em S. Miguel o sr. governador civil, foi o fazer com que as custas destes, processos se fizessem com mais moderação; não sei quaes foram as outras medidas tomadas por aquelle funccionario, mas esta sei eu que elle adoptou, porque a vi nos jornaes, e na verdade era relativa a um assumpto que muito influia no animo do povo.

Por estas rasões é que apresento á consideração da camara e dos srs. ministros este objecto, e desde o momento,

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em que o paiz vae soffrer uma rede de impostos, e preciso que todas as outras despezas a que é obrigado por leis imprudentes e mal pensadas sejam evitadas. Peço portanto ao governo que tome estas minhas palavras na consideração que merecem.

O sr. Ministro da Fazenda: - Sr. presidente, o digno par, o sr. visconde de Fonte Arcada, chamou a attenção do governo para dois objectos importantes; um com relação aos encargos que têem de pagar os contribuintes quando deixam de satisfazer as suas contribuições, e outro sobre a conveniencia de não serem obrigadas as servidões ao registo hypothecario.

Sobre o primeiro assumpto o digno par deve conhecer que eu, quando apresentei na outra camara o complexo de medidas tendentes a remediar na occasião presente o estado das nossas finanças, apresentei tambem um projecto para a reforma dessas tabellas. Esse projecto de lei está na commissão de fazenda da camara dos senhores deputados, e provavelmente será com brevidade apresentado na camara respectiva a fim de entrar em discussão.

Já vê portanto o digno par que as idéas que apresentou são tambem as minhas, porque sempre tive em vista que, se por uma parte o estado da fazenda exige que os contribuintes façam sacrificios, por outra parte deviamos procurar, por todos os meios, que este aggravamento não fosse ainda sobrecarregado por alcavallas excessivas, que são pagas sem proveito nenhum para o thesouro, eu apresentei já um projecto que se acha na outra camara sobre este assumpto, isto é, usei da minha iniciativa na qualidade de ministro para ver se se poderá remediar este abuso, e o parlamento depois resolverá o que entender.

Passando ao outro assumpto a que o digno par, o sr. visconde de Fonte Arcada, se referiu, tenho a dizer a s. exa. que não é propriamente do meu cargo, mas s. exa. deve saber que o governo em dictadura, quando as camaras se achavam fechadas, julgou conveniente prorrogar por mais um anno o praso para o registo das portagens que se achava consignado na lei hypothecaria, publicou um decreto nesse sentido, deixando por aquella forma ficar este negocio para ser resolvido noutra occasião em que se possa tomar uma medida adequada que resolva completamente a questão. Pela minha parte, no que diz respeito á minha pessoa, partilho individualmente da opinião do digno par, o sr. visconde de Fonte Arcada, mas não sendo, como já disse, esse objecto especial da minha repartição, eu não posso dizer a s. exa. se nesta sessão legislativa foi apresentado algum projecto sobre este assumpto de registo das portagens ou servidões, e creio que um membro da outra camara usou da sua iniciativa para tratar esta questão apresentando um projecto que é provavel que esteja na commissão respectiva da outra camara, e ella dará de certo o seu parecer. Terminarei por declarar novamente que partilho individualmente da opinião do digno par.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Eu estimo que s. exa. o sr. ministro da fazenda partilhe a minha opinião, pois julgava impossivel que s. exa. a não partilhasse, porque me parece ser de toda a justiça: estou portanto satisfeito com a resposta que s. exa. se dignou dar-me.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, estimo muito que esteja presente o sr. ministro da fazenda, porque se poderá hoje discutir o projecto do imposto pessoal. S. exa. dará as explicações que não deram os srs. ministros que hontem assistiram á sessão, e que tambem não quizeram tomar sobre si a responsabilidade de fazer qualquer modificação ao projecto. Por consequencia felicito-me pela presença de s. exa.

O projecto em discussão é sobre a contribuição pessoal, e pede-se a approvação da verba lançada para esse imposto no valor de 180:000$000 réis, depois de já se ter votado o augmento dos 50 por cento, quando é este o que devia ter sido votado em primeiro logar, pois que é a base delle, base que eu desejaria que fosse alterada e emendada sem que nada prejudicasse a importancia que se pede, a qual eu entendo que deve ser votada, embora as bases sejam, como devem ser, modificadas. Eu quero fazer ver que, sendo a base má e desigual, o augmento dos 50 por cento é uma aggravação consideravel, que torna difficultosissimo o pagamento deste imposto; e é para isto que eu chamo a attenção do sr. ministro. Attenda s. exa. bem á lei, e verá que a base em que assenta carece ser modificada, aliás é quasi impossivel o augmento que já se votou; e reconhecerá tambem a necessidade de evitar um aggravamento tão forte e tão contrario aos bons principios economicos, fazendo com que, alem de se tornar insignificante a materia collectavel, se empreguem muitos subterfugios para impedir que se dê a essa materia, já insignificante, o seu verdadeiro valor. Para evitar estes inconvenientes parece me preferivel que a progressão seja decrescente. Isto fará com que a maior parte dos contribuintes possam gosar uma maior somma de commodidades, e com que a materia collectavel se torne maior: e por conseguinte o imposto seja distribuido com mais justiça.

Se pegarmos na tabella a que se refere a este imposto, e virmos a maneira por que ali está feita a distribuição pelos districtos, desde logo notaremos grandes desigualdades: vemos ali districtos importantes, pagando menos do que outros menos ricos e populosos. Se nós, porem, obtivéssemos a promessa de uma lei que pozesse termo a estas desigualdades na distribuição, ficariamos satisfeitos, ainda que esta contribuição seja desigual na sua base, por termos a bem fundada esperança de que para o futuro a distribuição se faria com mais igualdade.

Alem de que, note a camara, esta contribuição recaindo sobre creados, cavallos, e vehiculos, e forçando muitos individuos por isso mesmo a privarem-se o mais possivel dessas commodidades, difficulta a percepção de outros impostos; como, por exemplo, o imposto sobre a industria, e mesmo sobre a importação, de carruagens, o imposto que pagam os creadores de gados e outros. A materia collectavel diminue e o imposto torna-se muito desigual, e, apesar de a contribuição ser sumptuaria, é em ultima instancia o pobre que vae proporcionalmente ser obrigado a pagar mais do que o rico.

Ê isto o que eu quizera que o sr. ministro da fazenda tivesse em vista para que, fazendo corrigir por defeituosa a base do imposto, desappareçam as desigualdades a que ella dá logar, e por isso fiz estas reflexões que acabo de patentear á camara.

Espero que da boca do sr. ministro da fazenda saiam algumas explicações pelas quaes s. exa. de a entender que tenciona alterar esta base, que é economicamente prejudicial.

O sr. Ministro da Fazenda: - Ouvi com a devida attenção as reflexões do digno par sobre a reforma futura da contribuição pessoal. Quando eu apresentei algumas propostas de lei tributarias, dividi as em dois grupos, um de medidas provisórias, e outro de medidas definitivas. As primeiras são aquellas que até agora têem sido votadas na outra camara e nesta, e algumas mais que ainda estão para se votar. As medidas definitivas são as que hão de regular para o futuro, e estão baseadas em outros fundamentos que as que actualmente vigoram. Na occasião em que nós discutirmos aqui as propostas de lei definitivas, pelas quaes se ha de regular a contribuição pessoal para o futuro, então é que podem fazer-se as alterações a que o digno par allude, e com as quaes em geral não deixo de concordar, porque, quando se alarga a base tributaria, o imposto torna-se mais suave, e em geral mais productivo. Na proposta especial que discutimos não podemos porem fazer essas alterações, porque esta proposta é exactamente a mesma que tem votado o corpo legislativo desde 1860, em que se fez a transformação do imposto, e se lhe deu. o nome de imposto pessoal. A differença que o digno par nota nas sommas com que contribuem alguns districtos mais ricos em relação a outros menos abastados, pagando aquelles menor contribui-

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ção pessoal do que estes, provem da origem desta contribuição. Quando se apresentou a primeira tabella que regula este assumpto, tomou-se do rendimento dos districtos o que elles pagavam pela contribuição de 4 por cento sobre a renda das casas, e additou-se a esta contribuição o imposto sobre creados, cavallos e vehiculos, creado em 1836. Juntas estas duas contribuições, formaram uma só, e quando depois os poderes publicos julgaram indispensavel augmenta-la, fez-se uma regra de proporção, e achou-se por meio della a somma que se devia distribuir a cada districto, e é isso o que ainda está vigorando. Já se vê que por esta forma o imposto, que era pago pelos districtos antes de 1860, era apenas additado pela parte que lhes havia de pertencer no excesso de contribuição que se ia lançar neste genero de imposto. Se pois ha desigualdade com relação á differente capacidade tributaria dos districtos, provem do systema que naquella occasião se seguiu, porque então os factos sobre que recaia o imposto eram em menor numero nesses districtos a que o digno par se refere, e que diz se acham em condições favoraveis, do que o são hoje. Se formos a fazer hoje nova distribuição neste imposto havemos de proceder por estes principios, havemos de procurar primeiramente qual é a matriz onde se acham descriptos os differentes elementos que constituem este imposto para sabermos qual é o numero de creados, de vehiculos e de cavalgaduras que existem nas differentes localidades, e ver quanto é que esses districtos têem de pagar. Havemos de ir buscar tambem qual é a percentagem que corresponde á renda das casas, e havemos de additar essas sommas umas com outras. E se quizermos augmentar o imposto pessoal, havemos de fazer uma regra de companhia para achar a quantia que houvermos de additar, e distribui-la assim pelos differentes districtos para formar desta maneira a somma que deve pagar cada um dos districtos. A base por consequencia que devemos adoptar numa lei definitiva é uma nova tabella e novas regras com relação ao imposto sobre a renda das casas, e depois o resto havemos de dividir por uma percentagem. E debaixo destes principios que eu apresentei á camara uma proposta, mas essa proposta altera inteiramente as bases, e talvez não faça a alteração como a deseja o digno par, e em todo o caso não tem absolutamente cousa alguma com esta lei provisoria, que actualmente estamos discutindo, pois o que estamos hoje discutindo é o que temos discutido ha oito ou nove annos a esta parte.

Se o digno par deseja que eu faça uma promessa, essa promessa está cumprida com essa outra proposta que já apresentei na camara dos senhores deputados. Quando ella lá for discutida, ouvirei as diversas observações que porventura se façam, e não terei duvida nenhuma em adoptar todas as idéas boas que se apresentarem, para que saia um trabalho o mais perfeito possivel.

Nesta questão que actualmente se ventila não podemos fazer alteração alguma; para faze-la seria preciso alterar todos os preceitos que nella se contem. Neste momento, sem sabermos as novas bases, era impossivel entrar nessa discussão, pois não haviamos de fazer uma reforma sem bases certas e determinadas. Só depois de as termos é que se póde calcular qual a somma que pertence a cada um dos districtos.

E o que se me offerece dizer com relação ao que o digno par acaba de expor.

S. exa. entrou em largas considerações, que são conhecidas de todos que se entregam a estes estudos, mas que, para se poderem avaliar justamente, é preciso comprehende-las em globo, e não separadamente em relação a um tributo que é o menos vexatorio que existe.

(O orador não viu os seus discursos.)

Ò sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, serei muito breve; direi apenas duas palavras, porque não tenho pretensões de esclarecer a camara sobre este ponto.

Chamei a attenção do governo sobre este objecto para fazer notar bem que, estando mal repartida esta contribuição, os 50 por cento são uma aggravação que se torna muito onerosa, que se torna mesmo um verdadeiro vexame para o paiz, e que o governo devia ter feito modificar por forma que a applicação desta lei se não tornasse vexatoria. Fazer variar as tabellas de modo que ficassem em harmonia com os verdadeiros principios, não me parece cousa muito difficil; e por isso desejaria que o governo tivesse feito essas modificações sobre a lei que vigora, e depois lhe juntasse os 50 por cento, porque de outra forma elles não fazem mais do que ir aggravar as injustiças que já existem actualmente.

Agora emquanto ao outro ponto devo dizer que chamei sobre elle a attenção do sr. ministro, porque tinha lido o projecto de lei que s. exa. apresentou na outra casa do parlamento, e achei nelle os mesmos principios que se acham neste,- só com a differença de estarem muito mais aggravados, porque as taxas são enormes, e por isso obstam a que o maior numero dos contribuintes possam ter as commodidades que aliás teriam, e fazem com que a base sobre que deve recair o imposto seja mui restricta e quasi insignificante, podendo-se chegar muitas vezes, não digo em algum districto grande, mas em algumas villas e aldeias, a não haver materia collectavel, e ter de lançar-se o imposto sobre as rendas das casas, que deve apenas ser o complemento, e será isso um grande absurdo. Era ao que eu queria que o governo attendesse quando apresentou o seu projecto de lei na outra camara, e que tratasse de bem considerar a relação que este imposto tem com os outros, e visse que elle não só affecta a materia collectavel, mas vae affectar certas e determinadas industrias, entrando no numero dellas a agrícola. É portanto preciso, como eu já disse aqui, que se corrija o methodo que hoje existe para se acabar com os inconvenientes que apontei.

Limito-me a estas considerações, porque não quero cansar a camara que me parece estar com desejos de. votar o projecto.

(O orador não viu os seus discursos.)

Vozes: - Votos, votos.

O sr. Presidente: - Vae por-se á votação o artigo 1.°

Foi approvado assim como o artigo 2.°

O sr. Presidente: - A proxima sessão será na segunda feira, sendo a primeira parte da ordem do dia a eleição da commissão de inquerito proposta pelo sr. marquez de Niza; e na segunda parte as interpellações pela ordem que foi annunciada na sessão de hontem.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e meia da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão
de 17 de julho de 1869

Os exmos srs.: Condes, de Lavradio, de Castro; Duque de Palmella; Marquezes, de Niza, de Sá da Bandeira, de Sabugosa, de Vallada, de Sousa; Condes, d'Avila, de Fonte te Nova, de Fornos, da Ponte, de Samodães; Bispo de Vizeu; Viscondes, de Benagazil, de Condeixa, de Fonte Arcada, de Monforte, de Soares Franco, da Vargem da Ordem; D. Antonio José de Mello, Costa Lobo, Ferraz Sacchety, Rebello de Carvalho, Larcher, Braamcamp, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Baldy, Casal Ribeiro, Rebello da Silva, Preto Giraldes, Menezes Pitta, Fernandes Thomás, Ferrer.

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