O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1

CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 42

EM 17 DE AGOSTO DE 1908

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Antonio de Azevedo Castello Branco

Secretarios — os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
Marquez de Sousa Holstein

SUMMARIO. — Leitura e approvação da acta. — Expediente — O Digno Par Sr. Teixeira de Sousa envia para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos pelo Ministerio das Obras Publicas. — O Digno Par Sr. Mattozo Santos manda para a mesa o parecer das commissões de negocios externos e fazenda, sobre o projecto de lei que autoriza o Governo a conceder, mediante reciprocidade de concessões, o tratamento de nação mais favorecida, relativamente a profissões ou industrias, taxas de navegação e direitos de consumo. Foi a imprimir. — O Digno Par Sr. Sebastião Baracho refere-se á applicação do decreto ditatorial de 30 de agosto de 1907, e por ultimo allude á questão dos tabacos. Responde a S. Exa. o Sr. Ministro da Fazenda

Ordem do dia: Continuação da discussão do projecto relativo á lista civil. — Usa da palavra o Digno Par Sr. Francisco José de Medeiros e responde-lhe o Sr. Ministro da Justiça — Encerra-se a sessão e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Pelas 2 horas e 30 minutos da tarde, o Sr. Presidente abriu a sessão.

Feita a chamada, verificou-se estarem presentes 21 Dignos Pares.

Lida a acta da sessão antecedente, foi approvada sem reclamação.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officios:

Do Ministerio da Marinha e Ultramar, enviando documentos pedidos pelo Digno Par Sr. Sebastião Baracho.

Para a secretaria.

Do Ministerio das Obras Publicas, sobre pedido de documentos do Digno Par Sr. Conde de Castello de Paiva.

Para a secretaria.

O Sr. Teixeira de Sousa: — Mando para a mesa o requerimento seguinte:

«Requeiro que, pelo Ministerio das Obras Publicas, sejam remettidos a esta Camara, e com a maxima urgencia, os seguintes documentos:

1.° Nota, por annos, desde 1890, das despesas com obras, installações diversas e mobiliario nos Paços Reaes e em outras propriedades usufruidas pela Coroa.

(Estes documentos foram já pedidos em requerimento anterior, que ainda não foi satisfeito).

2.° Nota das quantias que á Administração da Casa Real foram entregues, durante o ultimo reinado, com destino a obras nas mesmas propriedades, e copia dos despachos que autorizaram as entregas.

3.° Informação sobre se as quantias entregues figuram em qualquer credito do Thesouro sobre a Casa Real ou se foram reembolsadas, e como.

4.° Nota, por annos, das importancias que, durante o ultimo reinado, o Ministerio das Obras Publicas pagou de telegrammas internacionaes, expedidos da Casa Real, se o reembolso foi feito e como.

5.° Nota, por annos, das importancias que durante o ultimo reinado foram pagas por comboios em que viajassem quaesquer pessoas da Familia Real.

Camara dos Pares, em 16 de agosto de 1908. = Teixeira de Sousa».

Foi expedido.

O Sr. Mattozo Santos: — Mando para a mesa o parecer das commissões de negocios externos e fazenda, sobre o projecto de lei que tem por fim autorizar o Governo a conceder, mediante reciprocidade de concessões, o tratamento de nação mais favorecida, relativamente a profissões ou industrias, protecção de propriedade industrial, taxas de navegação e direitos de navegação e consumo.

A imprimir e a distribuir pelos Dignos Pares.

O Sr. Sebastião Baracho: — Quando na sessão do dia 12 do corrente pedi a palavra, que hoje me cabe, foi no muito exclusivo de protestar contra as heresias, bastante salgadas para o Thesouro, proferidas pelo Sr. Ministro da Fazenda, acêrca dos encargos derivantes da lista civil, aumentada pelo decreto dictatorial de 30 de agosto de 1907 em 160 contos de réis.

Concernentemente aos outros tres pontos que versei, não me propunha tratá-los de novo. O Pais deve estar sufficientemente edificado, e em condições de apreciar entre as meticulosidades legalistas, por mim preconizadas, e os actos de passa-culpas, senão de passa-delictos, encarecidos pelo Sr. Ministro da Fazenda, e por alguns dos seus antecessores.

Emquanto se não puder realizar uma syndicancia parlamentar ás secretarias de Estado, na qual os inquiridores disfrutem plenos poderes, está-me prudentemente aconselhada a limitação ás observações que succintamente explanei.

Como, porém, o Digno Par o Sr. Teixeira de Sousa entendeu dever fazer uma allusão ao debatido emprestimo de 361 contos de réis, com o Banco de Portugal, eu direi muito perfunctoriamente que me não admirei que S.. Exa. se encorporasse entre os adeptos das doutrinas expressadas pelo Sr. Conselheiro Espregueira. O contrario é que seria para surprehender.

Estando os dois rotativamente agre-

Página 2

2 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

miados, é natural .que ambos, bem como os outros todos em identicas circunstancias, rotativamente encarem a questão, o que, diga-se incidentalmente, não produziu o mais minimo abalo na minha maneira de ver. Antes a consolidou.

Tudo isto está na logica dos acontecimentos, a qual, por meu turno, me tem conduzido a divergir incessantemente do rotativismo, cujos ruinosos productos combato de longa data, mormente os respeitantes aos adeantamentos illegaes e suas adjacencias ou concomitancias.

E é entre estas que a directoria geral do Ministerio da Fazenda classificou, com a chancella official do Sr. Espregueira, o alludido emprestimo de 361 contos de réis; como figuram igualmente entre ellas os emprestimos, a curto prazo, feitos por diversas vezes, á Fazenda Regia, e em que se não attenderam as prescrições reputadas indispensaveis para com os funccionarios publicos, simples mortaes, as quaes constam:

Do § unico do n.° 3.° do artigo 12.° da lei orçamental de 21 de junho de 1883;

Do decreto de 13 de setembro de 1887;

E do decreto de 21 de abril de 1892.

Nos emprestimos d'esta indole, prevaleceu a excepção, contra a lei; — teve preferencia o favoritismo, contra a regra commum. Prestou-se culto ao nefasto engrandecimento do poder real, em toda a sua pujança.

- Outro tanto succedeu com o emprestimo de 361 contos de réis, em cuja cooperação o Estado não podia ter cabimento algum, consoante os documentos officiaes, por mim adduzidos, demonstram á evidencia.

E que cooperação!.

Alem de fundamentalmente inconveniente e illegal, foi, demais, por parte do Sr. Conselheiro Espregueira, incorrectamente têmpora, segundo se conclue das apreciações de S. Exa.

Se, ao invés do que erradamente o Sr. Ministro asseverou, a sua portaria de 14 de fevereiro transacto não engajasse o Estado em responsabilidades de especie alguma no emprestimo contrahido, para que foi ella elaborada tão prematuramente, visto, seis meses decorridos, ella ainda não estar produzindo os effeitos que o Sr. Ministro lhe attribue?

Não tendo até hoje o Parlamento fixado a lista civil, e não havendo, portanto, materia prima para a semestral deducção amortizadora de quinze contos de réis, na dotação regia, que representa ò excessivo madrugar do Sr. Ministro da Fazenda?

Uma incorrecção para com o Parlamento, de cujos actos fazia antecipada e impertinentemente o desconto? ou a inutilidade autenticada da portaria, perante o extemporaneo objecto com que o Sr. Ministro a caracterizou?

Apenas se poderia chegar a estas inducções, que não primam por acceitaveis, se os documentos officiaes, que aqui exhibi, não comprovassem, como infelizmente comprovam e ficou evidenciado, que o Sr. Ministro labora num grosseiro erro, quando assegura que o Estado não compartilha nas garantias estatuidas para cumprimento integral das clausulas do emprestimo de 361 contos de réis. E, para fazer crer na innocencia da sua portaria, não vacilla em tentar pôr-se a coberto, com dislates e absurdos como os que ficam indigitados.

Mas admittidas mesmo, como de bom quilate, as insensatas allegações do Sr. Espregueira ao Governo, não é licito collaborar em operações d'aquella natureza. Senão, se eu estou em erro, citem-se as leis que permittem a intervenção do Governo em negocies d'esses, a que o Sr. Ministro da Fazenda deu a peregrina denominação de commerciaes. — Os Ministros da Fazenda arvorados em agentes commerciaes de negocios particulares, seria pyramidal, unico !...

Depois d'isto, tirer l'echelle. E o que eu faço, para subsequentemente tratar do assunto para que pedi a palavra, isto é, do encargo emanante do acrescimento ditatorial da lista civil do rei D. Carlos, em 160 contos de réis. Este aumento resultou do decreto de 30 de agosto se 1907, produzindo um acrescimo mensal, nos honorarios do fallecido Rei, de réis 13:333$333, o que perfaz em cinco meses, de 1 de setembro a 1 de fevereiro, 66:666$666 réis.

Esta importante somma ficou a cargo do Estado, segundo a confissão do Sr. Ministro da Fazenda, o qual não procederia, seguramente, por forma tão arbitraria e lesiva dos interesseis publicos, se houvesse uma lei de responsabilidade ministerial, que tanto os aterroriza, aos rotativos e acalmadores, como já aterrorizara os franquistas. Nesta parte, todos elles se entendera a maravilha; e todos elles tremem como varas verdes. — Todos ejusdem farinae.

Como, porem, tal lei não existe, nem existirá na constancia do periclitante regime vigente, foi posto de parte, com Datente prejuizo do Thesouro, o decreto n.° 2 de 27 de fevereiro de 1908, que é d'este teor:

Attendendo ao que me representaram os Ministros e Secretarios de Estado dos Nego dos do Reino e da Fazenda: hei per bem considerar nullos e de nenhum e fiei to o decreto de 23 de dezembro do anno findo, que altera disposições constitucionaes, e o de 30 de agosto de 1907.

E sabe V. Exa. quem referenda este decreto tão expressivo, tão claro, cuja letra não é susceptivel de duas interpretações?

E o Sr. Manuel Affonso de Espregueira, acompanhado pelo Sr. Presidente do Conselho.

Neste caso, á semelhança do succedido com a remessa que me foi feita dos documentos referentes aos adeantamentos, o Sr. Ministro da Fazenda escreve uma cousa, e affirma vocalmente outra, muito differente.

Quando escreve, decreta, e bem, que é nullo e de nenhum effeito o aumento de 160 contos de réis da lista civil. Quando fala, assegura, por inspiração degenerada, que o decreto que acrescentou a dotação do rei D. Carlos tinha de produzir effeito, sem ulterior correctivo, enquanto não fosse suspenso ou derogado.

Ha mais flagrante contradição?

De resto, o decreto de 30 de agosto de 1907 não foi suspenso ou revogado.

Nada de confusões.

Foi muito categoricamente anullado e reconhecido de nenhum effeito, na acção que lhe imprimira a ominosa ditadura franquista.

Ternos, pois, perante as inadmissiveis declarações do titular da pasta da Fazenda, que o Estado está indevidamente onerado com 66:666^)666 réis, cuja responsabilidade legal cabe, exclusiva e indiscutivelmente, á administração da Real Fazenda. E este desfalque nos haveres do Erario praticou-se, demais, contra a letra expressa da carta do Chefe do Estado, publicada no Diario do Governo de 6 de fevereiro de 1908, e assim concebida:

Meu Presidente do Conselho. — Devendo as Côrtes, nos termos do artigo 80.° da Carta Constitucional, fixar no começo de cada reinado a dotação do Rei, e desejando eu que o Parlamento esteja inteiramente livre de toda a indicação para resolver o assunto, é meu firme proposito que a Fazenda da Casa Real não utilize recursos que não tenham sancção parlamentar. — Creia-me sempre seu muito amigo = Manuel. — 5 de fevereiro de 1908:

E que sancção parlamentar teve o decreto ditatorial de 30 de agosto de 1907?

Nenhuma. Bem o sabe o sr. Espregueira, que foi quem o annullou.

De modo que o Sr. Ministro da Fazenda faltou á Lei e ao Rei, quando defraudou o Thesouro, em beneficio da Real Fazenda, na avultada somma de 66:666$666 réis. Nesta modalidade adeantadora, pode S. Exa. vangloriar-se de que não tem competidor.

Cesse tudo o que a Musa antiga canta, Que outro valor mais alto se alevanta.

O valor de prejudicar, por forma tão sensivel, o depauperado Erario, o que

Página 3

SESSÃO N.° 42 DE 17 DE AGOSTO DE 1908 3

me leva a protestar mais uma vez contra tão rotativos processos: — rotativos e acalmadores.

Posto isto, vou, conforme prometti, versar mais uma vez a escandalosa questão dos tabacos.

Na sessão do dia 3 do corrente, pus em relevo a magna complacencia do Governo para com a Companhia arrendataria, o qual permitte que ella postergue impunemente os legitimos interesses do Estado, do consumidor, dos operarios manipuladores, dos vendedores, de todos emfim que teem com ella contacto, por dever de officio.

Não vou reeditar agora o libello accusatorio que então formulei, e que não teve cabal resposta, por parte do Sr. Ministro da Fazenda. Escasseia-me para isso o tempo.

Noutra occasião, porventura, será, propondo-me então a analysar mais uma vez a questão exploradora do operariado pela insaciavel Companhia, e acêrca da qual, respeitantemente á controversia motivada pela modificação das marcas da producção, recebi, na sessão do dia 14, um documento, essencialmente expressivo.

Neste momento, limito-me a instar com o Sr. Ministro da Fazenda para que se digne responder ás seguintes perguntas:

1.ª Que providencias foram adoptadas, com o objectivo de remediar a omissão do ultimo relatorio da absorvente Companhia, concernentemente á partilha de lucros, na importancia de 50 contos de réis, a que o Estado tem inilludivel direito, nos três exercicios de 1907-1910, em virtude do preceituado no n.° 1.° do artigo 6.° do contrato definitivo de 8 de novembro de 1906?

2.ª Que correctivo official teve a jactancia do presidente do conselho da administração da Companhia arrendataria, jactancia expressada na seguinte frase lapidar: — se não fosse a Burnaysia, já o Estado teria estalado?

Quem teria estalado ha muito tempo, diga-se de passagem, seria a burnaysia, se ella não disfrutasse delictuosa situação privilegiada dentro do regime, do qual é, por assim dizer, o symbolo financeiro, ou antes, onzenario.

Se não fosse essa mesma excepcional situação, o seu chefe não poderia aventurar-se em derivativos á Alcibiades, como aquelle de que fez uso, na ultima assembleia geral da Companhia, insinuando como corruptos varios homens publicos, cuja nomeação não fez, é claro.

Pois é preciso que a faça, se para tal dispõe de materia prima, e quer falando, quer escrevendo, quer cantando de tiple, visto ter declarado — o que de resto já em sabido — encontrar-se nas tristes circunstancias de incompleto, exactamente como os da Capella Sixtina, ou como os antigos capadinhos da Sé.

As instancias parlamentares, effectuadas até agora neste sentido, o Governo tem objectado que, para proceder, aguarda as informações do commissario regio junto da Companhia monopolista. D'ellas requeri, na sessão anterior, copia, e por ellas insisto neste momento.

Vão passados quinze dias depois da assembleia geral tabaquista ter encerrado os seus trabalhos, e não pode desculpar-se, por principio algum, que o Governo ainda não tenha, por intermedio do seu delegado, conhecimento do occorrido.

Não quis precipitar-me, aventurando-me neste assunto, sem ter decorrido o tempo necessario para o Governo estar de posse das respectivas informações officiaes, cuja publicação está naturalmente indicada.

Devo, porem, desde já declarar que, quaesquer que ellas sejam, é imprescindivel chamar á autoria dos tribunaes o chefe da burnaysia, a fim de que elle precise meticulosa e judiciariamente a sua filáucia.

Por muito entrincheirado que elle esteja, e está, por detrás da Capella Sixtina ou do coro da Sé, elle não falará sem que a justiça o desengasgue. E elle seguramente o mais genuino e legitimo representante do lendario, irrisorio e ridiculo Mr. Gervais, sempre com a sua espingarda carregada, e, sem nunca a disparar.

É indispensavel, porem, procurar forçá-lo a que a dispare.

Tem elle ufania em se reconhecer dilecto filho adoptivo da Capadocia. Não quer duellos. Se, não obstante esse salvo-conducto, a resistencia que oppuser for invencivel, como tudo deixa prever, é necessario tirar-lhe a espingarda, isto é, instaurar-lhe o competente processo judicial.

Para isso, é funccionario idóneo, na questão sujeita, o procurador regio, apropriadamente instruido, para esse fim, pelo Sr. Ministro da Justiça.

Tem a palavra, pois, o Sr. Campos Henriques, a não querer que o regime fique barrado de lama.

Sobre os adeantamentos illegaes, o impune panamismo dos tabacos, não faltava mais nada!...

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro da Fazenda (Manuel Affonso Espregueira): — Emquanto ao contrato feito pela Casa Real com o Banco de Portugal, nada acrescentarei ao que já disse. As explicações que tenho dado ao Digno Par teem sido tão claras que não posso fazer mais do que confirmá-las sem acrescentar mais nada. Não ha meio de convencer S. Exa. de que está em erro.

O Sr. Sebastião Baracho: — O Sr. Ministro tem de falar com muita prudencia, e conservar-se na ordem, para não ter de o corrigir.

O Orador: — Declaro que estou dentro da ordem.

No futuro, julga o Digno Par que o contrato pode ser uma cousa muito má; mas é preciso discutir as questões como ellas se apresentam no momento actual, e exigir somente a responsabilidade dos actos que se praticam.

O Sr. Sebastião Baracho: dirá quem se engana.

O futuro

O Orador: — O contrato não foi feito no tempo d'este Governo, que apenas confirmou a entrega ao Banco de Portugal da parte que semestralmente seria deduzida da dotação do soberano.

Pelo que respeita ás quantias recebidas em virtude do decreto de 30 de agosto de 1907, se houver duvidas na liquidação das contas ou na legalidade com que essas sommas foram recebidas pela Casa Real, isso é mais uma razão que justifica a existencia da commissão especial a que se refere o projecto da dotação civil.

Effectivamente alguns jornaes, não todos, disseram que se tinha" empregado na assembleia geral da companhia dos tabacos a palavra estalar, no sentido a que o Digno Par se referiu.

Eu porem não sei por que ha de ter mais credito o jornal que referiu essa palavra do que os outros que a ella não alludiram.

O Sr. Sebastião Baracho: — Isso não é exacto.

O Orador: — Só tenho a reconhecer os documentos officiaes.

O commissario regio diz o seguinte no relatorio que enviou ao Governo:

(Leu).

Como no decorrer da discussão o grupo da opposição fizesse largas referencias ao comité de Paris, pondo em duvida a conveniencia da sua existencia, attribuindo principalmente a elle a recusa do dividendo, o Sr. Conde de Burnay tratou de o defender das arguições feitas, e de demonstrar os serviços prestados pelo comité em varias occasiões ao Pais, entre outras com o importante supprimento feito durante o Ministerio João Franco.

Disse o Sr. Conde que, sem grupo financeiro dos tabacos constituido pelo comité, esse supprimento não se teria

Página 4

4 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

feito e o Governo se teria visto em serios embaraços, porque a occasião era péssima, devido principalmente aos negocios da America, e que só com homens d'aquella importancia financeira se teria podido conseguir.

Nas actas lê se que o mesmo presidente do conselho de administração em resposta a um accionista historiara as negociações em que interveio por parte do Governo o Sr. Mello e Sousa, não podendo indicar as actas que se referiam ao caso.

Quanto ás referencias aos politicos, o relatorio do commissario regio nada diz; por isso, pedi-lhe informações especiaes a esse respeito, por meio do officio do Secretario Geral do Ministerio da Fazenda.

(Leu}.

O commissario regio, que tem estado gravemente doente ha dias, mandou dizer que ámanhã daria a resposta.

Logo que ella vier, darei conhecimento á Camara.

O Governo entende dever mandar todos estes documentos á Procuradoria Geral da Coroa para ella proceder como for legal.

No relatorio da companhia não se allude effectivamente aos 50 contos de réis com que ella é obrigada a contribuir para o Estado pela importancia minima garantida na partilha de lucros.

Essa quantia está, porem, inscrita no Orçamento Geral do Estado e o Governo ha de, em tempo competente, obrigar a companhia a pagá-la.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei relativo á lista civil

O Sr. Francisco José de Medeiros: — Começo por felicitar o Digno Par Sr. Dias Costa, pelo seu excellente discurso, na ultima sessão. Excel lente como todos os discursos que S. Exa. profere, sempre bem falados, bem argumentados, e sempre mais ou menos mordentes. Hei de referir-me mais de uma vez a esse notavel discurso no decorrer da minha modesta, oração, na qual me proponho apreciar, sem preoccupações politicas de qualquer especie, o projecto em discussão, tendente a fixar a lista civil de El-Rei o Senhor D. Manuel II, a elevar a dotação, ou sejam os alimentos do Senhor Infante D. Affonso, a liquidar as contas entre o Estado e a Casa Real, e a estabelecer uma forma original e unica de pagamento do respectivo saldo, que nessa liquidação for apurado contra a Casa Real.

Sem quaesquer preoccupações politicas, porque não sou opposicionista, nem ministerial. Não sou opposicionista porque, a meu juizo, o Governo tem procedido melhor do que peor, e se não tem feito cousas grandes, tambem não ha causado grandes males.

Não sou ministerial, porque não tenho a honra de fazer parte da actual concentração monarchica, como nunca tive o gosto amargo de me associar á colligação liberal franco-progressista, lembrado sempre do aphorismo corrente em Westminster, de que, quando os dois bancos, ou sejam os dois partidos constitucionaes, se juntam, mal vae á causa da liberdade. Nem opposicionista, nem ministerial, mas sempre progressista, embora um pouco fora da moda, menos por vontade propria, do que pela força inlutavel das cousas.

Como os tem pôs mudam, e para peor! Quando em 16 de fevereiro de 1827 a mesa ou commissão de fazenda desta Camara deu o seu parecer sobre a dotação da Familia Real, e na qual era attribuida á Rainha D. Maria II a quantia de 1 conto de réis por dia, disse ella no respectivo relatorio o seguinte :

A mesa dos negocios da fazenda, considerando a importancia do objecto sobre o qual tem a dar o seu parecer, e as difficuldades que se lhe offerecem, pelas circunstancias em combinar a indispensavel e decorosa sustentação do Throno e de tão augustas personagens com o estado actual da Fazenda Publica, perplexa tem procurado todos os meios que pode escogitar, para desempenhar, como é do seu dever, lima tão ardua, delicada e difficil tarefa, offerecendo e submettendo á sabedoria d'esta Camara as observações que lhe occorreram, á vista dos documentos que lhe forem apresentados.

A illustre commissão de fazenda de 1908, signataria do projecto em discussão, nada diz que se pareça com isto; nada mesmo diz, em absoluto, no seu relatorio quanto á dotação do Rei. Quem ler esse relatorio fica ignorando se a commissão teve ou não presentes quaesquer documentos, e se procurou e escogitou ou não os necessarios meios de bem cumprir a sua difficil missão. Km face do relatorio da commissão de 1903 não pode dizer-se d'ella, o que de si disse a sua antecessora de 1827. E se assim não é, venham as declarações e provas em contrario.

A leitura da discussão que o alludido parecer de 1827 teve na sessão d'esta Camara, de 21 de fevereiro d'esse anno, convence de que a mesma Camara ponderou então os diversos capitulos de despesa da administração da Casa Real, como: ucharia, criadagem de toda a especie, cavallariças, rações, pensões, esmolas, casas pagas, etc. E tão desordenada era nesse tempo a administração d'essa Casa, que o Conde de Linhares dizia na mesma sessão de 21 de fevereiro que apor uma pessoa util se sustentavam dez inuteis e sem emprego, e que, julgando a Nação pagar para o bem estar e esplendor do Throno e dos Principes, nada mais fazia do que pagar uma longa folha de pensões, beneficios, esmolas e sinecuras, e isto tudo sem estar sujeito a fiscalização alguma, e sem norma nem regulamento».

Sem quaesquer preoccupações politicas, porque, monarchico, não tenho comtudo a paixão da realeza, e, liberal acima de tudo, nem por isso tenho a paixão do povo. E que o fetichismo da monarchia conduz fatalmente ao direito divino dos réis, assim como o fanatismo do povo leva do mesmo modo ao direito divino das multidões; e eu não sigo por nenhum d'estes caminhos, que ambos acabam num precipicio.

Nenhuma paixão me inspira ou dirige a palavra, e sobretudo me consola que nenhum interesse me determina a vontade.

Apreciarei, portanto, o projecto em discussão em toda a sua contextura, com absoluta imparcialidade, como quem só trata de bem cumprir os seus deveres de homem publico, tendo sempre o maximo respeito pelas pessoas, e completa intransigencia nas ideias.

Tendo algumas observações a fazer a diversos artigos do projecto, é todavia por causa do artigo 5.° d'elle que entro nesta discussão, pois hei de combatê-lo, tanto quanto puder.

Emquanto ao artigo 1.° do projecto, que fixa em 1 conto de réis por dia a dotação de El-Rei o Senhor D. Manuel II, voto esta quantia pelo unico fundamento de ter sido essa tambem a dotação dos Reis D. João VI, D. Maria II, D. Pedro V, D. Luiz I e D. Carlos I; mas faço-o com o espirito duvidoso e com a consciencia incerta. E direi os motivos da minha duvida, e da minha incerteza.

Será demasiada, será diminuta, será bastante essa dotação de 1 conto de réis diarios para o Rei sustentar o decoro da sua alta dignidade, como diz o artigo 80.° da Carta Constitucional?

Quaes foram, neste ponto, os fundamentos ou bases em que o Governo e as commissões de fazenda das duas casas do Parlamento assentaram, aquelle a sua proposta e estas os seus pareceres ou projectos, não optando por outra qualquer quantia?

Nem o relatorio do Governo, nem os relatorios das commissões conteem quaesquer esclarecimentos a tal respeito; e todavia elles eram uteis para se averiguar se o que se propõe é bom e, no caso negativo, o que de melhor e mais justo tem a fazer-se.

Assombroso! Por cada pessoa util, dez vadios. E era para estes vadios que ia a parte das decimas destinadas ao esplendor do throno e ao bem estar dos principes. Que jacobino não seria hoje este Conde de Linhares !...

Acontecerá agora o mesmo? Será

Página 5

SESSÃO N.° 42 DE 17 DE AGOSTO DE 1908 5

eternamente prodiga e perdularia a administração da Casa Real?

O que eu sei é que no relatorio do decreto de 30 de agosto de 1907, sobre adeantamentos á Casa Real e aumento da lista civil, se lê o seguinte terrivel pregão de descredito:

Vendidos os diamantes (da Coroa) para comprar inscrições (que foram averbadas á Coroa), vendidas as inscrições para pagar emprestimos (da Casa Real), empenhados até a quasi completa absorpção dos seus rendimentos os bens particulares da Casa de Bragança, já nada havia que vender nem que empenhar. E... inaugurou-se por isso um novo systema de expedientes... Primeiramente, a titulo de liquidação de antigas reclamações da Coroa, foram autorizados pagamentos pelas leis de 13 de maio d i 1896 e de 12 de junho de 1901; esgotado, porem, este ultimo meio, recorreu-se por um lado aos adeantamentos a descoberto, autorizados por despachos dos ultimos Governos, contrahindo-se por outro lado novas dividas a pessoas e estabelecimentos particulares, que se elevam já hoje a centenas de contos de réis.

Isto é o que aqui disseram, proficiente e eloquentemente, os Dignos Pares Srs. Ressano Garcia, Baracho e Teixeira de Sousa acêrca de rendas de bens nacionaes pagas pelo Estado á Casa Real, e sobre as despesas d'esta Casa; demonstra que a administração da Casa Real é um poço sem fundo, que nunca se enche, como o famoso tonel dos tempos mythologicos! Tudo isto impõe uma reforma illustrissima e reverendissima na administração da Casa Real, como tanto e essencialmente importa á Nação, uma reforma de fona encomble.

Acontecerá agora o mesmo? Será eternamente prodiga e perdularia a administração da Casa Real?

O que eu sei é que a Camara, que tem a obrigação constitucional de fixar a dotação do Rei, devia ser informada leal e honestamente de todas as circunstancias attinentes ao assunto, para não faltar, nem ao seu dever para com o Chefe do Estado, votando uma dotação que não correspondesse ao decoro da sua alta dignidade, nem ao seu dever para com o país, zelando mal a applicação do imposto, que devera ser uma cousa sagrada para todos os Governos, para todos os Parlamentos e para todos os principes! «Nem mesquinhez indecorosa para o throno, nem prodigalidade onerosa para os cidadãos, que á custa do seu trabalho contribuem para as despesas do Estado — como dizia Silvestre Pinheiro Ferreira.

Como os tempos mudam para peor! Na dita sessão d'esta Camara, de 21 de fevereiro de 1827, disse por sua vez o Conde de Rio Pardo, discutindo o projecto de dotação da Familia Real:

Eu não posso adoptar o artigo 1.° (attinente á lista civil da Rainha D. Maria II) pela exorbitancia da dotação (1:000$000 réis por dia), que nelle se estabelece. O Imperador do Brasil tem unicamente a dotação de 9:000$000 réis por mês, e não acho justo que a Senhora D. Maria II, Rainha de Portugal, tenha uma dotação que é mais do triplo que tem seu Augusto Pae, que, tendo um filho, successor do imperio, e tres filhas, não cobra nada mais, alem dos 9:000$000 réis, sendo o Brasil muito mais rico que Portugal e esperando grandes acrescentamentos. Logo, por essa razão, não se deve dar a sua Augusta Filha mais do triplo, em um Estado muito mais pobre.

Que feroz jacobino não seria, hoje este Conde do Rio Pardo! E tanto mais feroz que até disse que, para a fixação da dotação real, se devia entrar na averiguação dos rendimentos dos terrenos que ficaram pertencendo ao Soberano pelo artigo 85.° da Carta Constitucional. E tanto mais feroz, quanto é certo que a esse tempo ainda não tinha sido promulgado o decreto de 18 de março de 1834, que mais tarde aumentou os bens da Coroa com diversos predios provindos da Casa do Infantado.

Tanto em 1827, como agora, era de justiça incontestavel considerar os rendimentos dos bens da Coroa para a dotação real.

Intemeratos portugueses eram aquelles antigos fidalgos da Côrte; altivos fidalgos eram aquelles antigos portugueses Conde de Linhares e Conde do Rio Pardo!

Cumpre que a Casa Real reduza as suas despesas ás proporções das suas receitas: disse aqui o Digno Par Sr. Teixeira de Sousa, com sinaes de applauso do illustre Presidente do Conselho de Ministros, que durante a discussão do projecto já tinha dito tambem que ninguem devia deixar de limitar os seus gastos aos meios de que dispõe. E por sua vez o Digno Par Sr. Dias Costa contestou, dizendo que ninguem tinha o direito de intervir na casa alheia.

Não tem razão d'esta vez o Sr. Dias Costa. A Casa Real não é rigorosamente, quanto ás suas despesas a casa alheia de que nos fala o Digno Par, visto que é a nação quem paga todas essas despesas, e até as festas do casamento do Rei e do Principe Real.

O direito que o Sr. Dias Costa nega, vem-nos a nós, Pares do Reino, dos artigos 80.° e 81.° da Carta, que, impondo ás Côrtes Geraes o encargo de assinarem dotação ao Rei e á Rainha sua esposa, e alimentos ao Principe Real e aos Infantes, lhes dão ipso facto o direito de inquirir e apreciai-as despegas necessarias a fazer, e como é que o seu dinheiro tem sido gasto.

São estas as observações que faço ao artigo 1.° do projecto, que só voto, repito, em razão da tradição, mas com o espirito duvidoso e com a consciencia incerta. E não posso deixar de estranhar que o Governo trouxesse á discussão parlamentar este melindroso assunto, desamparado de quaesquer esclarecimentos.

Quanto á dotação do Senhor Infante D. Affonso, ou sejam alimentos, como diz o artigo 81.° da Carta Constitucional, na importancia de 16 contos de réis por anno, voto o § unico do artigo 3.° do projecto, com uma modificação, de que falarei depois.

Ao Infante D. Luiz, herdeiro presumptivo da Coroa durante o reinado de D. Pedro V, foi fixada na lei de l5 de março de 1804 a dotação de 16 contos de réis. Ao Infante D. Augusto, herdeiro presumptivo da Coroa desde o começo do reinado de D. Luiz I até o nascimento de seu filho D. Carlos, foi fixada igual dotação pela lei de 11 de fevereiro de 1862. E, por. essa tradição, dê-se tambem ao Sr. Infante D. Affonso, presentemente herdeiro presumptivo da Coroa, a dotação de 16 contos de réis.

Referirei, a proposito da dotação dos membros da Familia Real Portuguesa, alguns factos honrosissimos para a memoria da Rainha D. Maria II.

Dispõe o artigo 81.° da .Carta que as Côrtes assinarão alimentos ao Principe Real e aos Infantes desde que nascerem. Pois ao Principe Real D. Pedro, nascido em 1837, e ao Infante D. Luiz, nascido em 1838, só foram assinados alimentos no anno de 1845, pela lei de 23 de abril d'este anno, porque a Rainha D. Maria II, sua augusta mãe, «attendendo ás urgencias do Thesouro, quis que se sobrestivesse na apresentação, para esse fim, ao corpo legislativo, das competentes propostas de lei», como se diz no relatorio da respectiva proposta apresentada pelo Governo na sessão da Camara dos Deputados, de 9 de abril de 184o.

Mais ainda. A este tempo eram já nascidos os Infantes D. João, D. Maria Anna e D. Antonia, e todavia, certamente pela mesma razão, os alimentos d'elles, assim como os dos Infantes D. Fernando e D. Augusto, nascidos depois, só foram assinados, no anno de 1854, pela lei de 15 de março do mesmo anno.

Bellos exemplos de desinteresse, estes, da excelsa Rainha, que assim demonstrou não abrigar no coração aquella sacra auri fames, que a tantas indignidades e villanias arrasta, não raro, fidalgos e plebeus, principes e vassallos!

Convem, como disse, em que a dotação do Senhor Infante D. Affonso seja elevada de 10 contos de réis a 16 contos de réis, mas somente emquanto elle for herdeiro presumptivo da Coroa.

Sei bem o que occorreu com o Infante D. Augusto, a quem, apesar de

Página 6

6 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

perder a qualidade de herdeiro presumptivo da Coroa pelo nascimento do Principe Real D. Carlos, depois Rei, foi conservada a dotação de 16 contos do réis até o fim da sua vida, não obstante varias investidas feitas no Parlamento para a reducção dos seus alimentos. E sei tambem que, sendo a Carta lei organica do país, não é regular, principalmente em vista do artigo 9.° da lei de 24 de julho de 1885, adoptarem-se providencias que lhe sejam contrarias, embora essas providencias não sejam oppostas a qualquer disposição constitucional, como as define o artigo 144.° da Carta, e entre as quaes não devem contar-se, em verdade, os artigos 80.° a 83.° d’esta.

Por isso mesmo, e para evitar taes inconvenientes, e para se obtemperar a um principio de justiça, é que na lei que se está elaborando deve consignar-se que o aumento da dotação do Senhor Infante D. Affonso só durará emquanto elle conservar a qualidade de herdeiro presumptivo da Coroa, em razão da qual qualidade apenas lhe é concedido o mesmo aumento.

E, dispostas assim as cousas, não se poderá, de futuro, dizer que é alterada a dotação do mesmo Senhor Infante.

Farei tambem algumas ponderações acêrca do artigo 2.° do projecto, no qual se diz que El-Rei o Senhor D. Manuel II faz; expressa cedencia, á Fazenda Nacional, do Paço de Belem e dos Paços de Caxias e Queluz, casas, quintas e mais dependencias, deixando de permanecer, como até agora, na posse e usufruto da Coroa.

Relativamente ao Paço de Belem e suas dependencias, declaro sinceramente que não conheço o diploma legal, em virtude do qual esses predios, pertencendo á Nação, estejam na posse e usufruto da Coroa; pois é certo que elles não estão incluidos entre os de que fala o artigo 3.° da lei de 11 de julho de 1821, nem entre os de que trata o artigo 2.° do decreto de 18 de março de 1834. E se tal diploma não existir, é claro que á Coroa não poderá attribuir-se fundadamente o gozo do dito palacio e suas dependencias.

Deve, porem, existir o alludido diploma; e por isso peço ao Governo que o indique para esclarecimento do assunto.

E, dando como assente que tal esclarecimento virá ao debate, tenho a ponderar que da comparação do artigo 2.° e § 1.° da proposta governamental, com o artigo 2.° e § 1.° do projecto em discussão, resulta que este projecto não abrange as dependencias do palacio de Belem, que naquella proposta estavam expressamente comprehendidas. E este caso precisa de ser bem esclarecido.

Tendo o Rei feito, segundo a proposta governamental, cedencia expressa do palacio de Belem e suas dependencias á Fazenda Nacional, é claro que, não se falando no projecto ex discussão da cedencia d'estas dependencias, isto deve ter acontecido, ou porque El-Rei retirasse expressamente a expressão cedencia das mesmas dependencias, ou porque a illustre commissão de fazenda não acceitasse a cessão real, ou por mero lapso d'esta commissão.

Ora não acredito que El-Rei o Senhor D. Manuel II, tendo cedido expressamente á nação as dependencias do palacio de Belem, retirasse depois a cessão feita. Não posso,, não devo, não quero acreditar isto. Palavra de Rei não volta atrás. O Rei não engana a nação. Mas, se é certo que El-Rei retirou a cedencia das alludidas dependencias, digam-no claro e precisamente e Governo e a commissão.

Não tendo El-Rei retirado a cessão das dependencias do palacio de Belem, tambem não quero acreditar que a illustre commissão de fazenda renunciasse propositadamente á cedencia real, de acordo com o Governo, com damno manifesto do Pais. Se, porem, é certo que a commissão, de acordo com o Governo, não acceitou a cedencia real, que, aliás, representa um valor importante, é indispensavel que o Governo e a commissão se expliquem a tal respeito, dizendo os motivos por que a cessão foi renunciada.

O que supponho é ter havido mero lapso por parte da commissão, como já o houvera na Camara dos Senhores Deputados; e tal lapso deve ser corrigido, em nome do bem publico e mesmo por cortesia para com o Rei.

Entendo assim que o artigo 2.° e § 1.° do projecto devem ser modificados, no sentido de se acceitar a cedencia das dependencias do palacio de Belem, como o fazia a proposta governamental.

Relativamente aos palacios de Caxias e Queluz, casas, quintas e mais dependencias d'elles, parece-me, sem quebra do respeito devido ao augusto Chefe do Estado, que El-Rei o Senhor D. Manuel II nada tinha para ceder até este momento. E é facil a demonstração, na qual foi já prevenido pelo Digno Par Sr. Conselheiro Ressano Garcia, tendo ambos visto este caso do mesmo modo, e chegando ao mesmo resultado.

Estes predios pertenciam, como outros, á Casa do Infantado, extincta pelo decreto de 18 de março de 1834, o qual determinou no artigo 2.° que os bens dessa Casa ficassem pertencendo á Fazenda Nacional e encorporados nos proprios d'ella; sendo, porem, es pala- j dos de Queluz e Caxias, alem de outros, com casas, quintas e mais dependencias, destinadas para decencia e recreio da Rainha.

Destinados para decencia e recreio da Rainha, que era D. Maria II. O gozo, portanto, d'estes bens pela Coroa terminava, segando o decreto, pela morte d'esta Rainha, pois que o mesmo decreto não disse «destinados para decencia e recreio ca Rainha e seus sucessores», como pelo artigo 85.° da Carta, ficaram pertencendo ao Rei e seus successores os bens de que elle trata.

E tanto assim era e tanto assim se entendia que, fallecida D. Maria II, veio a lei de 16 de julho de 1855 determinar no artigo 1.° que «no presente reinado do Senhor D. Pedro V continuasse em vigor a disposição do decreto de 18 de março de 1834, que assinou á Coroa os palacios e terrenos nacionaes nelle designados».

Evidentemente, se a posse e usufruto dos alludidos bens, provindos da Casa do Infantado, estivessem radicados na Coroa, isto é na Rainha D. Maria II e seus successores, o citado artigo 1.° da lei de 16 de julho de 1855 seria desnecessario e inconveniente.

E como a disposição d'este artigo 1.° da lei de 16 de julho só vigorava para o reinado de D. Pedro V, é claro que, fallecido este monarcha, os ditos bens ficaram ipso facto pertencendo á Nação em propriedade plena, como o mesmo acontecera no tempo decorrido desde a morte de D. Maria II até á promulgação da referida lei de 16 de julho.

Vieram depois as leis de 11 de fevereiro de 1862 e de 28 de junho de 1890, que declararam por sua vez, em vigor nos reinados de D. Luiz I e de D. Carlos I a dita lei de 16 de julho de. 1855. E. applicando-se o mesmo processo usado a respeito do reinado de D. Pedro V, e tendo deixado de vigorar esta lei no dia 1 de fevereiro ultimo, em que tragicamente acabou o reinado de D. Carlos I, é forçoso reconhecer que os ditos bens, provindos da Casa do Infantado, pertencem em propriedade plena á Nação desde aquelle dia 1 de fevereiro até este momento.

Assim, El-Rei o Senhor D. Manuel II nada podia ceder relativamente aos palacios de Queluz e Caxias, casas, quintas, e mais dependencias d'elles, porque não tem direito algum a taes bens. Não o tem como herdeiro de seu augusto pae, que não lh'o podia transmittir, visto que, pelo artigo 5.° da lei de 28 de junho de 1890, a lei de 16 de julho de 1855 deixou de vigorar no dia 1 de fevereiro ultimo; não o tem como Rei, porque a Nação ainda não lh'o attribuiu e deferiu por um acto da sua vontade soberana.

Na discussão do projecto disseram o nobre Presidente do Conselho de Ministros e o illustre relator e Digno Par Sr. Alexandre Cabral que a posse e usufruto dos predios provindos do Infantado pertencem ao Rei Senhor D. Ma-

Página 7

SESSÃO N.° 42 DE 17 DE AGOSTO DE 1908 7

nuel como successor do Rei D. Carlos I, que nelles succedera ao Rei D. Luiz I, assim como este ao Rei D. Pedro V, e este á Rainha D. Maria II.

E para isso fundam-se no artigo 80.° da Carta e no artigo 2.° do decreto de 18 de março de 1834, segundo os quaes a posse e usufruto referidos ficaram, a seu juizo, radicados na Rainha D. Maria II e seus successores.

Mas não é certamente assim; e o exame, mesmo superficial, d’estas disposições legaes o demonstra.

No artigo 85.° da Carta estatue-se que:

Os palacios e terrenos reaes, que teem sido até agora possuidos pelo Rei, ficarão pertencendo aos seus successores, e as Côrtes cuidarão nas acquisições e construcções que julgarem convenientes para decencia e recreio do Rei.

Estes palacios e terrenos devem ser os mencionados no artigo 2.° da lei de 11 de julho de 1821.

No artigo 2.° do decreto de 18 de março de 1834 estabelece-se que:

Os bens da extincta Casa do Infantado ficam pertencendo á Fazenda Nacional e encorporados nos Proprios d'ella; porem os palacios de Queluz, da Bemposta, do Alfeite, de Samora Correia, de Caxias e da Murtosa, casas, quintas e mais dependencias d'elles, são destinados para decencia e recreio da Rainha, como os palacios e terrenos de que trata o artigo 85.° da Carta Constitucional da Monarchia.

Estas palavras «são destinados para decencia e recreio da Rainha, como os palacios e terrenos de que trata o artigo 85.° da Carta» não querem dizer que os ditos predios provindos do Infantado ficam equiparados em tudo aos bens de que trata o artigo 85.° da Carta, mas evidentemente e apenas significam que os bens do Infantado são destinados para decencia e recreio da Rainha, como para decencia e recreio da Rainha são destinados os' bens do artigo 85.° da Carta. Isto é, todos esses bens, uns e outros, tanto uns como outros, eram destinados para decencia e recreio da Rainha D. Maria II.

Com relação, porem, á duração do gozo d'esses bens, o dos bens do Infantado acabava evidentemente com a morte da Rainha D. Maria II, visto que o artigo 2.° do decreto de 1834 não o deferiu tambem aos successores d'ella, emquanto que o dos bens do artigo 85.° da Carta continuava nos successores da mesma Rainha, conforme a expressa determinação d'este artigo 85.°

E se esta não fosse a verdadeira intelligencia do artigo 2.° do decreto de 18 de março de 1834, e se p que se disse por parte do Governo e da commissão tivesse plausibilidade, ficariam sem sentido as palavras do artigo 1.° da lei de 16 de julho de 1855, que limitavam ao reinado de D. Pedro V a applicação do artigo 2.° do mesmo decreto, e não teriam significação iguaes palavras das leis de 11 de fevereiro de 1862 e de 28 de junho de 1890, que restringiram aos reinados respectivos de D. Luiz I e de D. Carlos I a applicação d'aquella lei de 16 de julho.

De tudo o que acabo de expor sobre este ponto concluo que relativamente aos palacios de Queluz e Caxias, casas, quintas e mais dependencias d'elles, o projecto não pode, racionalmente, ser approvado como está redigido.

A respeito do § 3.° do artigo 2.° e a respeito do artigo 3.° do projecto declaro que approvo o pensamento d'essas disposições.

As despesas com a conservação e reparação dos paços que permanecem na posse da Coroa ficam pelo projecto á conta do Estado. E isso não é rigorosamente uma novidade em vista dos artigos 4.° e 5.° da lei de 16 de julho de 1850, revigorada posteriormente pelas leis de 11 de fevereiro de 1862 e de 28 de junho de 1890.

No citado artigo 47.° diz-se:

E autorizado o Governo a despender annualmente até a quantia de 6:000$000 réis para os concertos e reparações que forem necessarios á conservação dos palacios e jardins, que nos termos do artigo antecedente não podem ser arrendados. A todos os outros bens são applicaveis as regras geraes de direito, relativas a concertos e reparações a que é obrigado qualquer usufrutuario.

E no citado artigo 5.° diz-se:

O Rei poderá fazer em todos os bens da Coroa, de que trata esta lei, as mudanças ou construcções que julgar uteis para a sua conservação, melhoramento ou aformoseamento, e todas as bemfeitorias ou construcções não comprehendidas no artigo antecedente, bem como as acquisições serão pagas por conta do Estado, havendo sobre a sua conveniencia a devida decisão das Côrtes, nos termos do artigo 85 ° da Carta Constitucional.

D'este modo, a respeito de palacios reaes, todos destinados á decencia, residencia ou recreio do Rei pelo artigo 2.° do decreto de 18 demarco de 1834, pelo artigo 85.° da Carta e pelo artigo 1.° d'aquella lei de 16 de julho, como o foi posteriormente o palacio da Pena, e por isso não podem ser arrendados conforme a disposição expressa do § unico do artigo 3.° da mesma lei, só não estão assim comprehendidas no referido artigo 5.° as construcções ou bemfeitorias cuja despesa não exceder annualmente a quantia de 6:000$000 réis, declarada no artigo 4.° da mesma lei. Quer dizer: segundo a legislação vigente, as despesas com palacios e jardins, até esta importancia, são pagas pelo Governo por virtude da autorização do artigo 4.°; e as despesas excedentes á dita quantia de 6 contos de réis são pagas pelo Estado, mediante a 1 respectiva decisão das Côrtes, na forma do artigo 5.° d'aquella lei de 16 de julho.

Certamente a ultima parte do artigo 4.° nada tem com os jardins de recreio e com os palacios destinados a residencia ou recreio do Rei, os quaes não são arrendaveis, e só é applicavel aos bens da Coroa que possam ser arrendados. E quando mesmo fosse extensiva aos ditos jardins e palacios, não alteraria isso os termos do problema, porque, nada rendendo taes bens, não podia haver reparações ordinarias d'elles, nos termos do artigo 2228.°, § 1.°, do Codigo Civil.

Estas despesas do § 3.° do artigo 2.° e as feitas com viagens officiaes dentro e fora do Pais e com a recepção official de Chefes de Estado estrangeiros, como verdadeiramente extraordinarias, não devem sair da quantia fixada como dotação do Rei para as suas despesas ordinarias.

Durante o ultimo reinado as despesas feitas com os palacios reaes e com viagens escandalizaram a opinião, irritando-a o mais que é possivel; mas os abusos, que devem ser prevenidos e reprimidos, não são motivo para não se fazer o que racionalmente deve ser feito.

Como prevenção deve tornar-se ainda mais claro o projecto no sentido de que nada se fará sem previa especial e especificada determinação das Côrtes.

Como repressão exporei o meu pensamento a proposito do artigo 4.° do projecto.

E para se cortarem muitas questões pela raiz entendo que o § 3.° do artigo 2.° devia transformar-se de modo a ficar bem claro que os unicos predios da Nação destinados a habitação e recreio do Rei e seus successores seriam os palacios da Ajuda, Necessidades, Pena, Cascaes e Mafra, com as respectivas dependencias, exceptuada a parte d'este ultimo palacio que está actualmente occupada com diversos serviços publicos.

Estes bens não poderiam ser arrendados pela Casa Real. E os mais predios da Coroa ficariam pertencendo em propriedade plena á Nação.

Não approvo o § 4.° do artigo 2.° do projecto por não haver necessidade da installação especial de um museu nacional para os reaes coches.

A despesa com tal museu resultaria em mero desperdicio. E o dinheiro do imposto, que representa quasi sempre grandes sacrificios dos contribuintes, frequentemente a miseria d'elles e não raro as suas lagrimas, só deve ser applicado em cousas necessarias e uteis para o Pais.

No artigo 4.° do projecto estabelece-se que nenhuma quantia, alem da mencionadas nos artigos antecedentes,

Página 8

8 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

será abonada para despesas da Casa Real, qualquer que seja a sua natureza ou denominação.

Esta disposição será tão inutil como o foi a disposição igual do artigo 6.° da lei de 28 de junho de 1890, que regulou a lista civil do ultimo reinado, e que já vinha de analogas leis anteriores.

O artigo 6.° d'esta lei não obstou a que no ultimo reinado se fizessem illegalmente adeantamentos a descoberto á Casa Real na importancia de réis 771:715$700, confessados pelo proprio Rei D. Carlos no citado decreto de 30 de agosto de 1907, e a que se fizessem tambem despesas desvairadas e loucas, de milhares de contos de réis, com os Paços Reaes e com as reaes cavallariças, com viagens escusadas e varias outras cousas desnecessarias.

Será da mesma forma inutil o artigo 4.° do projecto em discussão.

E tão inutil que o Digno Par Sr. Julio de Vilhena já nos disse que nenhuma duvida teria, como Ministro, em pagar as dividas futuras do Rei, se o visse accionado por ellas nos tribunaes ou noutro caso assim apertado!

Nem contra a delapidação dos dinheiros publicos teve efficacia, como intimidação racional, o artigo 403.°, com relação ao artigo 421.° do Codigo Penal, pela falta de uma lei de responsabilidade ministerial.

Parece-me que o remedio para esse mal enorme, de que tem enfermado a administração publica, viria em grande parte de uma lei de responsabilidade ministerial, que feita, aliás, sem a abominavel apprehensão melancolica de que os Ministros são deshonestos só pelo facto de serem Ministros, e executada com firmeza, embora sem uma misantropia facil para todas as provas e severa para todas as penas, transmudasse todavia a dita responsabilidade de uma cousa pittoresca, que é agora, noutra cousa seria, como deve ser.

Mas tal lei nunca virá, por ser um verdadeiro perigo para todos os que teem governado e queiram governar arbitrariamente, contra a lei e contra o interesse publico ; e a responsabilidade ministerial, por isso, não passará jamais de um mero artificio de rhetorica politica, empregado por uns ambiciosos em disponibilidade, contra outros ambiciosos em exercicio.

Referir-me-hei agora ao famoso artigo 5.° do projecto, que imprudentemente engancha na questão da dotação do Rei a liquidação das contas entre o Estado e a Casa Real, ou seja a questão dos adeantamentos a descoberto feitos por aquelle a esta. O artigo 5.° é a minha delenda Carthago.

Começo por protestar contra as palavras do illustre Presidente do Conselho de Ministros, quando na sessão

j d'esta Camara de 5 do corrente mês, e segundo o respectivo Summario a pag. 328, disse que «quem votasse contra o artigo 5.° collocaria sobre a cabeça de El-Rei a insinuação de que o jovem e sympathico monarcha quisera, na carta que lhe escreveu, representar uma comedia indigna».

Taes palavras teem todas as apparencias de uma violencia á consciencia de cada membro d'esta Camara, que toda respeita profundamente o augusto Chefe do Estado. E por mim tenho a declarar que, votando liberrimamente contra o famoso artigo 5.°, o meu voto não poderá significar de modo algum aquella insinuação de indignidade, e só mente significará o meu protesto contra o que se me afigura uma grande injustiça.

E demais, para que tal irritação da parte do illustre Ministro, se El-Rei na sua alludida carta de 5 de fevereiro ultimo só fala do recebimento d'aquillo que o Parlamento lhe votar, e não do pagamento das dividas do seu augusto pae?

O artigo 5.° entrega a uma commissão burocratica especial a liquidação e estatue que «a quantia que for reconhecida como saldo a favor do Estado, depois de approvada por lei, será paga pela Fazenda da Casa Real em prestações semestraes não inferiores a 5 por cento d'essa quantia, até integral pagamento».

Havendo já uma commissão de inquerito parlamentar eleita pela Camara dos Senhores Deputados nos termos e para os effeitos dos artigos 15.° § 3.°, 36.° § 1.° e 139.° da Carta, e do artigo 14.° da lei constitucional de 5 de julho de 1802; e tendo essa commissão resolvido começar os seus trabalhos pelo estudo e exame da celebre questão dos adeantamentos feitos á Casa Real, parece que a criação de uma commissão burocratica especial para liquidar as contas entre o Estado e esta Casa, e de um modo definitivo, como era evidente intuito da proposta do Governo, é um mero arranjo politico, preparado, sim, com a respectiva manha, mas tambem, e é certo, com evidente menoscabo de funcção parlamentar e até com damno da Monarchia.

Mero arranjo politico... Homi soit qui mal y pense.

Quer dizer: o Parlamento, que está a conhecer de um assunto, defere a outrem o conhecimento do mesmo assunto, continuando, porem, a conhecer d'elle simultaneamente. Em direito processual havia remedio para isso, era a excepção da litispendencia; nas em politica o remedio é... aguentar e cara alegre.

Em conformidade com a proposta do Governo, saldo contra o Estada e a favor da Casa Real, ou saldo contra a Casa Real e a favor do Estado eram negocio findo, reconhecidos que fossem um ou outro pela commissão burocratica especial. O menoscabo do Parlamento era manifesto, mas, ao menos neste ponto, ficavam em situação igual o Estado e a Casa Real.

Acontece, porem, que no projecto em discussão as cousas são postas de maneira que o saldo a favor do Estado só depois de approvado por lei tem de ser pago pela Casa Real.

Quer dizer, o saldo liquidado pela commissão burocratica contra o Estado é definitivo e logo exequivel; mas o saldo liquidado contra a Casa Real pela mesma commissão não é definitivo, e só é exequivel depois de approvado por lei. Em favor da Casa Real estabelece-se, como garantia contra a resolução injusta da commissão burocratica, a intervenção do poder legislativo, que aliás só lhe pode ser util e jamais nociva. O Estado... esse é relaxado ao arbitrio da commissão burocratica, sem nenhuma especie de recurso ou controle

Repugna francamente esta diversidade de criterios.

É certo que o Digno Par Dias Costa, o illustre Ministro da Fazenda e o nobre Presidente do Conselho de Ministros significaram claramente na ultima sessão, a proposito de uma interrupção feita por mim, aquelle Digno Par, que o parecer ou decisão da commissão burocratica teria de ser sub-mettida sempre e em todos os casos á sancção parlamentar; mas isso não é evidentemente o que está no artigo 5.° do projecto, que diz assim:

Uma commissão presidida... e composta de será incumbida da liquidação de contas entre o Estado e a Fazenda da Casa Real; e a quantia que for reconhecida como saldo a favor do Estado, depois de approvada por lei, será paga pela Fazenda da Casa Real, em prestações annuaes, não inferiores a 5 por cento d’essa quantia até integral pagamento.

A intervenção do Parlamento e a approvação por lei só teem logar no caso de haver saldo a favor do Estado. Sem duvida alguma, é isto o que está no artigo 5.°, e não aquillo que o Digno Par Sr. Dias Costa e aquelles illustres Ministros disseram. E d'este modo o argumento formulado contra o projecto fica integro e irrefutavel.

E depois na mesma intervenção das Côrtes neste negocio, segundo o projecto, ha menoscabo ainda para a instituição parlamentar, porque o poder legislativo tem de limitar-se a approvar ou rejeitar esse saldo, sem o poder diminuir nem aumentar; o que repugna á dignidade do Parlamento e até ao senso commum.

Mais ainda. Como o Rei intervem na

Página 9

SESSÃO N.° 42 DE 17 DE AGOSTO DE 1908 9

formação das leis, dando ou negando, livremente, a sua sancção aos decretos das Côrtes Geraes, em que situação moral fica elle collocado perante o seu Pais, tendo de resolver por si, definitivamente, o pleito entre o Estado e a Casa Real, que directa e essencialmente lhe interessa?

Se a commissão burocratica condemnar a Casa Real e as Côrtes Geraes a absolverem, o Rei, sanccionando, no seu interesse, o decreto absolutorio das Côrtes, expõe-se aos azares de discussões apaixonadas. Mas tambem é certa que, não sanccionando o decreto absolutorio das Côrtes, nem por isso se executa a discussão da commissão por, falta de approvação legal.

Se a commissão burocratica condemnar a Casa Real e o decreto das Côrtes condemnar esta decisão, o Rei, não usando do veto contra este decreta pôr temor da opinião, apesar de cônscio da sua justiça, está verdadeiramente coacto no exercicio da sua pre rogativa; mas, usando do veto, absolve por si só e no seu interesse, a Casa Real da condemnação que lhe fôra imposta pela commissão e pelo Parlamento, o que exporá o Rei a toda a casta de censura e a todas as mordeduras venenosas da maledicencia.

Vale a pena reflectir um pouco nisto.

E, tambem, que inversão e até que perversão de principios esta de fazer do Parlamento juiz de um litigio meramente civil, uma liquidação de contas, ente o Estado e a Casa Real?

As Côrtes a julgarem uma questão de dinheiro entre os respectivos interessados, quando mesmo fosse regular na forma depois de uma lei tal autorizar, seria sempre, no fundo das cousas, repugnante e contrario á divisão e independencia dos poderes politicos. O poder legislativo a julgar! Já causa engulhos o artigo 41.°, § 1.° da Carta, quanto mais isto.

Dirá tambem a respeito do artigo õ.° que elle é como que o instrumento de um contrato leonino entre a Casa Real e o Estado, em favor d'aquella e contra este. A demonstração é facil.

Em primeiro logar no caso que, aliás parece absurdo, de o Estado vir a ser declarado devedor, na o ha para o pagamento do seu debito o mesmo favor que se concede á Casa Real, se ella for a devedora, como provavelmente é.

Em segundo logar, é quasi incomprehensivel, á força de injustificavel, a forma de pagamento concedida á Casa Real em vinte prestações annuaes de 5 por cento do debito que se liquidar. Isto é, mediante o pagamento apenas do juro, aliás modico, de 5 por cento do capital adeantado, a Casa Real satisfaz assim a sua divida de capital e juros!

E sobre isto, poucas ponderações mais.

A quantia adeantada á Casa Real pelo Estado, deve ser havida como proveniente da divida fluctuante d'este, que, desde muitos annos, fecha sempre com deficit os seus orçamentos. E, concedendo mesmo que o Estado só pague por tal quantia o juro de 5 por cento, que vae receber da Casa Real durante vinte annos, é certo que, consolidada a divida fluctuante, como não pode deixar de ser, o Estado ficará sendo eternamente devedor do capital adeantado e pagando por todas as gerações os respectivos juros da consolidação.

Comprehendia que a nação renunciasse ao seu credito sobre a herança do Rei D. Carlos: a nação é pobre, mas foi sempre bizarra. Repugnam-me, porem, como jurisconsulto e como juiz, os contratos leoninos.

Contratos assim, numa administração particular, seriam motivo para interdição por prodigalidade e talvez por demencia; mas na administração publica são... o que são.

Por estes motivos, voto, em minha consciencia, contra o artigo 5.° do projecto, que ainda é peor do que o artigo 5.° da proposta governamental, e que representa, pelo menos, uma grande injustiça, alem de amesquinhar o honrado proposito de El-Rei, de pagar a divida de seu Augusto Pae á nação.

E faço isto sem exclamações de nenhuma especie, porque, não sendo jacobino nem realista, não desejo, em caso algum, gritar nem «Aqui d'El-Rei contra o Povo», nem «aqui do Povo contra o Rei».

Justiça a todos é a minha divisa, e tambem o meu officio.

Supponhamos, porem, que o artigo 5.° do projecto é approvado. Como ha de a commissão burocratica proceder á liquidação das contas entre o Estado e a Casa Real?

Não o diz o artigo.

Não o dizem tambem os relatorios, nem do Governo nem das commissões de fazenda das duas casas do Parlamento, que são, a tal respeito, como em tudo, uma especie de canis mutus de Isaias.

É, porem, forçoso que a commissão burocratica ouça as partes interessadas na contenda, o Estado e a Casa Real, para que cada uma exponha as suas pretensões e offereça as provas de qualquer especie que tiver, sem deixar tambem de proceder officiosamente a quaesquer investigações necessarias ou convenientes para o bom desempenho da sua ardua e difficil missão.

Nem se comprehende que, honesta e sensatamente, se proceda de outro modo.

E depois, sobre o processo assim instruido, é que a commissão burocratica deve proferir a Sua decisão.

Cautela, porem!

No decreto de 30 de agosto de 1907, o proprio Rei D. Carlos reconheceu a existencia de adeantamentos a descoberto, feitos pelo Estado á Casa Real, na importancia de 771:715$700 réis.

E, pretendendo-se no mesmo decreto compensar, em parte, este debito com a privação perpetua de alguns bens da Coroa, arrendados ao Estado, claro é que se tratava de rendas futuras, e tanto assim que na parte já citada do relatorio do mesmo decreto se declaram esgotados (em 30 de agosto de 1907, note-se bem) os pagamentos autorizados pela lei de 12 de junho de 1901, a qual lei, no artigo 19.°, § unico, alinea a) de excepção permanente, «autorizou o Governo a pagar á Administração da Fazenda da Casa Real a importancia das rendas dos predios pertencentes á mesma casa e que o Estado usufrue para diversos serviços publicos, podendo abrir, nos termos d'esta lei, os creditos especiaes necessarios».

Ora não vá acontecer que, perante a commissão burocratica, sejam as cousas dispostas e preparadas e por ella definidas de maneira que, a pretexto de rendas ou qualquer outro, aquelle saldo em favor do Estado seja diminuido ainda e até mesmo invertido a favor da Casa Real! Cautela, pois.

E o Estado, usufruindo alguns dos predios da Coroa, será obrigado a pagar renda d'elles á Casa Real?

Por outra forma: poderá a Casa Real dar de arrendamento, e determinadamente ao Estado, os alludidos predios?

Conforme o artigo 2.° do decreto de 18 de marco de 1834, os palacios de Queluz, Bemposia, Alfeite, Samora Correia e Murteira, casas, quintas e mais dependencias d'elles, são destinados para decencia e recreio da Rainha, como palacios e terrenos de que trata o artigo 85.° da Carta Constitucional.

Quer dizer, todos esses bens, aquelles como estes, uns e outros, foram destinados á decencia e recreio da Rainha.

Nem a disposição literal do decreto dá outro sentido.

Ora, se todos esses predios, os que tinham sido do extincto Infantado e os de que trata o artigo 80.° da Carta, foram destinados á decencia e recreio dos Reis pelo dito decreto de 1834 e pelas leis posteriores de 16 de julho de 1805, de 11 de fevereiro de 1862 e de 28 de junho de 1890, parece que os Reis não podiam dar-lhes outro destino e fazer negocio com elles, sem contrariarem fundamentalmente os intuitos da nação.

Arrendamento não é manifestamente decencia e recreio.

E porem certo que, nos termos ex-

Página 10

10 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

pressos do artigo 3.° e § unico da citada lei de 16 de julho de 1805, os bens da Coroa declarados nos artigos antecedentes (que são todos aquelles predios) podem ser arrendados, excepto os jardins de recreio e os palacios destinados a residencia ou recreio do Rei.

Isto é tambem reconhecido no artigo 19.°, § unico, alinea a), de execução permanente, (da citada lei de 12 de junho de 1901. É o direito constituido.

E d'aqui é forçoso inferir-se que todos os predios pertencentes á Coroa, com excepção dos jardins de recreio e dos palacios de residencia ou recreio do Rei, podem ser dados de arrendamento pela Casa Real, seja a quem for e até ao proprio Estado, visto que tal faculdade não tem limitação alguma.

O melhor direito a constituir seria fixarem-se nesta lei, que estamos elaborando, os determinados palacios, jardins, parques e. mais dependencias d'elles, destinados a residencia e recreio do Rei, que os não poderia arrendar.

Assim os palacios da Ajuda, Necessidades, Cascaes, Pena, Mafra e suas dependencias, excepto a parte d'este ultimo palacio presentemente occupado em diversos serviços publicos, seriam bastantes para isso.

E os mais predios da Coroa, comprehendidos no artigo 85.° da Carta ou vindos do Infantado, ficariam definitivamente no pleno dominio da nação.

O decreto de 30 de agosto de 1907 referiu-se apenas a adeantamentos a descoberto feitos pelo Ministerio da Fazenda em virtude de despachos dos ulmos Governos.

Haveria, porem, outros adeantamentos feitos encobertamente á Casa Real?

Não o sei, e devo mesmo crer que os não houve.

A proposito, todavia, de um regime de adeantamentos de tão variadas especies, durante o qual os dinheiros publicos eram considerados, em regra, roupa de franceses, não será excesso de zelo investigar a tal respeito.

E o artigo 5.° do projecto autoriza manifestamente essa investigação.

Relativamente a despesas encobertas da administração publica quero lembrar á Camara umas eloquentes palavras de Hintze Ribeiro, proferidas na sessão d'esta Camara, de 18 de junho de 1888. Dizem assim:

Mas então por onde sae todo o dinheiro que se gasta sem que o Parlamento o vote? Altos mysteriou da orçamentologia.

As despesas a mais saem, provavelmente, do mesmo cofre de onde sairam as que se fizeram por occasião da visita do Rei da Suecia, e por occasião do casamento do Principe Real.

Nem os orçamentos nem as contas do Thesouro dão noticias d'ellas. Todos as vêem... mas ninguem as conhece.

A Camara ouviu bem? Tocos as vêem, mas ninguem as conhece.

Estas palavras são tão dignas da boca de ouro de um grande orador, como podiam ser escritas pelo calamo de Tacito.

O que ellas, porem, revelam sobre tudo é um systema de administração, que de illegalidade em illegalidade, de mystificação em mystificação, de abuso em abuso, de esbanjamento em esbanjamento, de loucura em loucura, a passo breve e a passo largo, em carreira moderada e em carreira vertiginosa, nos levou á desgraçada situação em que nos encontramos, feita das vergonhas do passado, das tristezas do presente e dos pavores do futuro.

Que a commissão burocratica inquira bem, inquira de tudo com escrupulosa lealdade; e só d'esse modo cumprirá honesta e patrioticamente a sua elevada e difficil missão.

Estou naturalmente chegado ao termo da minha modesta oração.

Na trajectoria da civilização ha sempre alternativas de claridade e de sombra, nuvens que a escurentam, e irradiações luminosas que a douram.

Da ultima ditadura direi, sem odio a ninguem, que ella com a serie inteira das suas desvairadas medidas liberticidas, com todos os seus bufos e mouchards, com os seus violentos processos politicos, era um horrivel delirium tremens, que tinha de acabar fatalmente por uma revolução ou por um crime, uma grande mancha negra na historia politica de Portugal.

Essa ditadura não acabo n por uma revolução, porque a revolução abortou na noite de 28 para 29 de janeiro de 1908, mas acabou por um crime horroroso na tragica tarde de 1 de fevereiro do mesmo anno.

Como, porem, a humanidade sempre caminha através daquellas alternativas de luz e de sombra, imaginei que a terrivel sangueira de 1 de fevereiro, mesmo porque foi' terrivel, seria o inicio de uma era nova, o ponto de partida para uma mudança radical na politica portuguesa, em que o amor do bem publico, o respeito da lê: e dos principios, e o culto da liberdade e da justiça substituissem, com outros homens e até com os mesmos homens, o velho regime, que com as suas praticas abusivas e obnoxias levou o país ao extremo em que se encontra.

Sobretudo o respeito da lei! Sou um fervoroso crente nos grandes resultados benéficos do respeito da lei, em tudo e por parte de todos, de alto a baixo, desde a suprema altura social até a ultima camada humana.

Infelizmente, porem, os factos ainda não confirmaram por completo aquella minha, previsão optimista.

Na politica portuguesa observam-se ainda os mesmos processos tortuosos e emmaranhados, os mesmos egoismos crus, os mesmos erros funestos, as mesmas habilidades desacreditadas e as mesmas illusões fataes, que são outros tantos sinaes de mau agouro.

E comtudo era facil mudar isto para bem, enveredando pela estrada larga, lisa e luminosa da verdade. Bastava que Rei, Governo e Parlamente cumprissem todos o seu dever. Menos até: se apenas uma qualquer d'essas tres entidades estivesse firmemente no seu logar, ella seria sufficiente por si só para obstar a administrações ruinosas, como as que teem feito a nossa desgraça.

Não se collocando, porem, nem o Rei, nem o Governo, nem o Parlamento no seu logar, bem poderá acontecer, como muitos receiam, que em breve isto nem seja Monarchia, nem Republica, mas sim puro Egypto, para honra e gloria de todos os fautores dos erros que de longe vêem.

Não me permitto dar conselhos á Monarchia; mas, apreciando serenamente as occorrencias, parece-me que a melhor propaganda, a propaganda verdadeiramente racional, que ella pode fazer no seu interesse, é a pratica de uma politica justa e francamente liberal, elevada e digna, e de uma administração firme e escrupulosamente honesta, cumprindo e fazendo cumprir as leis, respeitando os direitos de todos e de todos exigindo a observancia das suas obrigações.

A Monarchia tem o direito e o dever de defender-se, porque é a legalidade existente. Defenda-se, porem, principalmente d'aquelle modo. Os cirios espectaculosos e os comicios sertanejos, as genuflexões servis dos que a adulam e as astucias interesseiras dos que a exploram, as ameaças e perseguições, as sabradas da policia e as descargas da municipal, não lhe servirão de baluarte.

Pela violencia e pelo terror não se defenda! Mal está para aquelles que só pela violencia e pelo terror se podem sustentar: disse-o com justeza quem terrivelmente o experimentou! Sempre, sempre, sempre dentro da Constituição, que é a sua fortaleza, defenda-se a Monarchia com a lei, não resistindo todavia a nenhuma reforma prudente e justa. E só d'este modo será util a si e ao Pais, que bem merece ser propiciado por melhor fortuna.

Bem o merece com effeito... E a proposito termino, dizendo com um grande historiador: — «Deus, que deixa cair sobre as nações o peso das suas culpas, não consentirá que a vida inteira d'ellas se componha de mentira

Página 11

SESSÃO N.° 42 DE 17 DE AGOSTO DE 1908 11

permanente e de logro fatal». (Vozes:— Muito bem, muito bem).

(S. Exa. A não reviu}.

O Digno Par enviou para a mesa a sua moção e a seguinte proposta:

Proponho:

1.° Que seja eliminado o artigo 5.° do projecto;

2.° Que no caso de o mesmo artigo não ser eliminado, seja então substituido pelo seguinte:

«Artigo 5.° Uma commissão presidida pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, e composta de um juiz do mesmo tribunal, de um vogal do Supremo Tribunal Administrativo, de um vogal do Tribunal de Contas e de um vogal da Junta do Credito Publico, designados pelos mesmos tribunaes e pela Junta do Credito Publico, será incumbida da liquidação de contas entre o Estado e a Fazenda da Casa Real; e, qualquer que seja o resultado a que essa commissão chegar, será ella submettida ao poder legislativo, resolverá definitivamente sobre o assunto, sendo o saldo que se liquidar a favor do Estado pago pelas Fazendas da Casa Real em prestações annuaes, não inferiores a õ por cento d'essa quantia, até integral pagamento.

Camara dos Pares, 17 de agosto de 1908. = F. de Medeiros.

Foi lida, admittida e ficou em discussão juntamente com o projecto.

O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): — Vou procurar, no tempo que me resta para o encerramento da sessão, responder ás considerações apresentadas pelo Digno Par Sr. Medeiros, meu velho amigo, parlamentar distinctissimo, e insigne jurisconsulto.

Afigura-se-me não ser difficil a defesa do projecto, e antes muito facil, tanto mais que, nesta discussão, como em outras, ou posso mesmo dizer em todas que tem havido, só a questão politica tem predominado.

Abriram-se as Côrtes a 29 de abril ultimo e, desde então até hoje, tendo já terminado o periodo normal de uma sessão legislativa, o Parlamento quasi que só se tem occupado de politica, ou a questão politica é que tem sido exclusivamente debatida. (Apoiados). E isto quando veio á Camara um projecto tão simples, tão claro, de um caracter tão urgente, e que só representa e traduz o exacto cumprimento da lei, o acatamento a um preceito do nosso codigo fundamental. (Apoiados}.

Não é meu proposito irrogar qualquer censura, ou ainda fazer o mais pequeno reparo ao proceder dos illustres parlamentares, mas, no momento actual da politica portuguesa, é dever de todos os homens publicos dizerem francamente o que sentem e o que pensam em relação aos acontecimentos que se vão apresentando.

Assim, seja-me licito dizer que um dos motivos, porventura o motivo principal, que determina os Governos a lançarem-se no caminho da ditadura, que, aliás, todos nós condemnamos, é precisamente este mau systema de preferir a todos os debates aquelles em que a paixão politica prepondera.

Os Governos, vendo que projectos simples, claros, mas convenientes e uteis, soffrem largas impugnações e demoradissimos debates, para evitarem esse contratempo, recorrem ás ditaduras, que nós todos deploramos, contra as quaes todos protestamos, considerando-as um mal, que não deve repetir-se, por ser extremamente prejudicial ás instituições e ao bem do Pais. (Apoiados}.

Mas como não é ao Governo que cumpre demarcar o terreno da discussão, e como elle tem de acceitá-la nos termos em que lh'a offerecem, vou responder ás considerações de ordem politica apresentadas pelo orador que me antecedeu no uso da palavra, e que, em todo o caso, reputo eminentemente injustas.

Na opinião dos Dignos Pares Ressano Garcia e Sebastião Baracho, o Governo não satisfaz ás aspirações liberaes nem ás exigencias do momento, e entendem que a amnistia concedida aos ultimos delictos politicos foi mesquinha, acanhada, restricta, quando devia ser ampla, larga, generosa. O Governo é reaccionario e anti-liberal. Por outro lado, o Digno Par Conde de Arnoso, e ainda ultimamente o Digno Par Pimentel Pinto, que sinto não ver presentes, apreciando os actos do Governo, e sujeitando essa apreciação a um criterio que, por igual, julgam acertado, affirmam que se deixa campear livremente os inimigos das instituições, que nos comicios, na imprensa e no Parlamento fazem uma propaganda tenaz contra as instituições.

Para uns, o Governo é quasi que cumplice nos excessos a que se entregam os que francamente hostilizam o actual regime; para outros, o mesmo Governo é reaccionario, liberticida, retrogrado.

Não pedirei a S. Exas. uma cousa, que reputo impossivel, e é que se ponham de acordo uns com os outros; mas cotejando os argumentos de ambos, a unica conclusão a tirar é que o Governo é liberal e tolerante, respeitador dos direitos individuaes e das regalias dos cidadãos, mas que cumpre a lei, que mantem a ordem, sem a qual a sociedade não pode subsistir. (Apoiados).

Tem-se dito tambem que o Governo não cumpre o seu dever, e que a situação actual é tão apertada e difficil como quando se perpretrou o horroroso attentado de 1 de fevereiro.

Para se ver quanto esta asserção é inexacta, e absolutamente destituida de fundamento, basta que nos lembremos de que nessa epoca, ou nos dias que antecederam esse acontecimento verdadeiramente tragico, era absolutamente irrespiravel a atmosphera que nos rodeava, que lavrava uma intensa desconfiança, e que os que saiam de suas casas, mercê do arbitrio que então dominava, não tinham a certeza de a ellas voltar. (Apoiados).

Hoje, a liberdade é completa, perfeita a tolerancia, e estão devidamente salvaguardados e garantidos os direitos dos cidadãos.

Parece-me que não pode ser tido na conta de somenos importancia este serviço prestado pelo Governo, e que, pelo contrario, elle tem um altissimo valor.

Mas, acrescentam ainda os Dignos Pares: o Governo, subindo ao poder, não apresentou logo um conjunto de medidas de largo alcance economico e financeiro, e não revogou, como devia, todos os actos ditatoriaes publicados pelo Ministerio transacto; e deixa de pé a lei de 13 de fevereiro, a lei de imprensa, e sem remodelação a providencia que conferiu determinadas attribuições ao juizo de instrucção criminal.

Esta accusação é absolutamente injusta.

Em primeiro logar, os homens que se sentam actualmente nos bancos do poder, tomando conta dos sellos do Estado numa occasião extremamente difficil e perigosa, não podiam desde logo elaborar esse conjunto de medidas, porque, então a sua preoccupação tinha por fim a manutenção da ordem, e o restabelecimento da normalidade.

Mas se, subindo ao poder, o primeiro cuidado do Governo foi o de pacificar os animos, aberto o Parlamento apresentou-lhe uma serie de providencias, e d'entre ellas, seja-me permittido citar a que diz respeito á crise vinicola, a qual, com o esforço e a boa vontade de todos, tende á resolução de um problema gravissimo.

Ainda não ha muitos dias foi votada na outra casa do Parlamento, e está pendente da resolução d'esta Camara, uma proposta relativa ás sobretaxas, que deve ter o incontestavel merito de abrir os mercados estrangeiros á importação dos nossos productos.

O Sr. Ministro da Fazenda, com o seu zelo inexcedivel, tratou de organizar o orçamento e acompanhou-o de um conjunto de medidas de valor indiscutivel . (Apoiados).

Pelas pastas do Reino, Guerra, Marinha, Estrangeiros e Obras Publicas, tem sido tambem apresentadas propostas

Página 12

12 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

de largo alcance, e, pela pasta da Justiça, que actualmente me está confiada, foi submettida á consideração do Parlamento ama proposta que se destina a revogar a actual lei de imprensa, absolutamente contraria a todos os principies liberaes.

Mas se mais vasto e completo fosse o plano do Governo, elle ficaria, ou a dormir no seio das commissões, ou nas mesas das duas Camaras, á espera que terminassem as discussões politicas, que, aliás, se renovam a cada instante.

Dito isto em defesa do Governo a que tenho a honra de pertencer, vou entrar na analyse do discurso proferido pelo meu excellente amigo o Digno Par Sr. Medeiros, e referir-me-hei, tanto quanto seja possivel, a todos os pontos por S. Exa. versados.

Começou o Digno Par por alludir ao artigo 1.°

Que diz, ou que preceitua esse artigo?

Que a dotação do Augusto Chefe do Estado será, como nos reinados anteriores, de 1 conto de réis por dia.

Será essa quantia exagerada?

Será sufficiente para manter o decoro que compete a quem exerce a mais elevada magistratura da nação?

Em 1821 (lei de 11 de julho) foi votada a dotação de El-Rei D. João VI em 360 contos de réis annuaes, e não foi tida na conta de exagerada, como hoje é.

Se, por um lado, as condições da vida se teem aggravado extraordinariamente de então até hoje, claro está que a dotação que se propõe não pode considerar-se excessiva; mas se, por outro lado, tomarmos em linha de conta as circunstancias do Thesouro, que, não são lisonjeiras, devemos entender que é de conveniencia manter o que está estabelecido numa serie de leis, que tem a seu favor a approvação do Pais, e como que a consagração nacional.

Allega-se que este artigo 1.° não vem convenientemente elucidado, e que está ermo ou falho de documentos, que habilitem a Camara a saber se a quantia que se propõe é ou não excessiva.

Mas, se as propostas de lei anteriores, a que o Digno Par fez uma larga referencia, vinham acompanhadas dos necessarios documentos que as esclareciam, que utilidade e que vantagem haveria em reproduzir o que já tem sido apresentado?

E, afinal, o Digno Par o Sr. Medeiros reconheceu que o artigo 1.° é o que devia ser, pois declarou que o approvava.

Designar especificadamente as despesas que a dotação é destinada a satisfazer é principio acceitavel nos países em que, como na Inglaterra e na Italia, essa dotação é larga e generosa, mas entre nós, em que é pequena e reduzida, é melhor e mais justo manter a nossa tradição. (Apoiados).

Com relação ao § unico do to esmo artigo, repete-se exactamente, em relação ao Senhor Infante D. Affonso, o que nos remados anteriores se deu, respectivamente, com os Infantes D. Luiz e D. Augusto.

No tocante ao artigo 2.º apresentou o Digno Par largas considerações, ás quaes procurarei responder com o preciso desenvolvimento. Vou tratar dos Paços Reaes:

Na lei de 11 de julho de 1821 — a primeira sobre dotação real — se diz no artigo 3.° que ficavam designados para habitação e recreio de El Rei os palacios da Ajuda, Alcantara, Mafra, Salvaterra, Vendas Novas e Cintra, com todas as quintas e tapadas annexas.

A Carta Constitucional de 1326 dispôs no seu artigo 85.° que os palacios e terrenos reaes, que teem sido até agora possuidos pelo Rei, ficarão pertencendo aos seus successores, e as Côrtes cuidarão nas acquisições e construcções que julgarem convenientes para decencia e recreio do Rei.

Desde essa epoca as leis da dotação não designam os Paços destinados para o Rei.

A lei de 20 de março de 1827, assinada pelo Infante Regente, diz, no artigo 7.°, que as mencionadas dotações não affectam de maneira alguma os particulares direitos d'aquellas altas personagens, nem a fruição dos respectivos palacios e propriedades, na conformidade do artigo 85.° da Carta Constitucional.

A lei de 19 de dezembro de 1834, que fixou a dotação de D. Maria II, diz no artigo 3.° que a sobredita dotação em nada affecta a fruição dos palacios e quintas reaes.

Outra lei da mesma data fixou a dotação da Imperatriz viuva e de Sua Alteza a Princeza D. Amelia, e diz no artigo 3.° que: o Governo porá á disposição de Sua Majestade a Imperatriz um dos palacios da nação, que por decreto de 18 de março do mesmo anno (1834) ficaram unidos á Coroa, e que lhe offereça uma commoda e decente habitação.

Os Paços a que se refere esta lei são os de Queluz, da Bemposta, do Alfeite, de Samora Correia, de Caxias e da Murteira, que pertenceram á Casa do Infantado extincta por esse decreto.

Já não existem os de Samora Correia e da Murteira, que sob a designação de reaes almoxarifados de Salvaterra de Magos foram cedidos integralmente a beneficio do Estado pelo decreto de 10 de setembro de 1849, para serem vendidos.

A cedencia do da Bemposta, para serviço do Ministerio da Guerra, por decreto de 9 de dezembro 1850, foi feita com a reserva de se não considerar por isso como separada do dominio da Coroa, e encorporado de novo nos bens nacionaes. Este decreto está publicado ao n.° 504 do Diario do Governo de 26 de dezembro de 1850. Deve notar-se que nelle se diz que o palacio da Bemposta fôra expressamente incluido no numero d'aquelles predios que, em virtude do artigo 85.° da Carta Constitucional, foram reservados para meu uso e dos meus successores.

9 de dezembro de 1850.

Sua Majestade El Rei Manda publicar o Decreto abaixo transcrito, expedido pela Vedoria da Casa Real, pelo Qual Sua Majestade a Rainha Houve por bem conceder o Real Palacio da Bemposta e suas dependencias para ali se estabelecer a Escola do Exercito.

Attendendo ás considerações que o Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Guerra fez subir á Minha Presença, sobre a falta em que se acha a Escola do Exercito de um local conveniente para o estabelecimento das aulas e mais dependencias da mesma escola, e havendo-Me outro sim ponderado o dito Meu Ministro que o Palacio Real da Bemposta. com suas pertenças, reune todos os requisitos necessarios para a boa accommo dação e regular serviço d'aquelle Instituto, e finalmente merecendo sempre a minha Real Solicitude, tudo quanto possa concorrer para o progresso literario ou scientifico dos Meus Subditos, e em especial d'aquelles que pertencem, ou se destinam ao nobre mister das armas: Hei por bem conceder o uso do dito Palacio com suas dependencias, para ali se estabelecer a Escola do Exercito, emquanto for necessario para o dito fim, entregando-se ao respectivo Ministerio a administração d'elle, sem que todavia se considere por isso como separado do dominio Coroa, e encorporado de novo nos bens aacionaes o referido Palacio, expressamente incluido no numero d'aquelles predios, que, em virtude do artigo 85.° da Carta Constitucional, foram reservados para Meu uso e dos Meus herdeiros e successores. D. Manuel de Portugal e Castro, Vedor da Minha Real Fazenda, assim o tenha entendido e faça executar. Paçô, aos 9 de dezembro de-1850. = Rainha. =D. Manuel de Portugal e Castro.

(Publicado no Diario do Governo, n.° 504, de 26 de dezembro).

Diz-se que este alvará da vedoria da Casa Real não tem a referenda do Ministro, mas que melhor referenda que a sua propria solicitação, a publicação no Diario do Governo e o estabelecimento da Escola do Exercito no Paço da Bemposta.

No numero dos palacios reaes a que se refere a lei de 11 de julho de 1821 não se encontram os de Belem e das Necessidades.

E facil a explicação d'isto.

Houve- duvidas sobre se o palacio de Belem, ou, como era designada, «Real quinta de Belem» pertencia ao patrimonio particular, ou era da Coroa.

Um decreto de 6 de outubro de 1826, da Infanta-Regente, considerou essa quinta como património particular, e

Página 13

SESSÃO N.° 42 DE 17 DE AGOSTO DE 1908 13

mandou que por addicionamento se descrevesse e avaliasse, para se juntar ao inventario a que se procedera por fallecimento de D. João VI. Para este fim criara-se uma commissão especial por decreto de 22 de junho de 1826.

Esta commissão não julgou procedentes as razões apresentadas, e decidiu que a quinta de Belem e suas pertenças deviam ser consideradas como bens da Coroa. É de 11 de maio de 1827 a sentença de partilha em que se declarou expressamente que pertencia á Coroa e não era particular a mencionada quinta. E como, tendo sido comprada por D. João V, esteve sempre na posse da Familia Real e tanto que chegou a ser considerada sua propriedade particular, está comprehendida na disposição do artigo 85.° da Carta Constitucional.

A importancia da herança era de 580:066$690 réis, mais 50 acções da Companhia das Vinhas do Alto Douro, e o que se liquidar no Thesouro Publico de 250:000 libras esterlinas. Foi esta herança dividida em 5 partes — 116:013$238 réis — mais as acções (10) e a 5.ª parte de £ 250:000 a liquidar.

Quanto á conservação das dependencias do Paço de Belem, na posse da Coroa, ella importa encargo e não beneficio, porque nellas vivem familias de leaes servidores do Estado, que morreram pobres e são tambem precisas para as carruagens reaes.

Paçô das Carrancas, Porto. — É particular. Foi comprado por 35 contos de réis por escritura particular, pagando-se a quantia de 2:520$000 réis de contribuição de registo. Acha-se registado na 2.ª Conservatoria do Porto, a favor do Sr. D. Carlos, em data de 21 de janeiro de 1903.

Necessidades. — Foi mandado construir por D. João V, havendo junto ao palacio um convento que foi entregue aos congregados de S, Filipe Nery.

No reinado de D. José hospedaram-se ali os filhos de Jorge III de Inglaterra. Posteriormente esteve no Paçô a Academia Real das Sciencias, e foi no convento que se reuniram as Côrtes de 1821, realizando-se as suas sessões na grande sala da livraria.

Em 1833 foi este Paçô designado para residencia de D. Maria II, realizando-se ali grandes obras e mobilando-se por conta da mesma Rainha.

Por estar na posse da Academia em 1821 é que não foi incluido no numero dos Paços Reaes quando se fez a primeira dotação da Familia Real e se designaram alguns dos Paços que ainda existem.

No de Alcantara, que já não existe, é que se alojou D. Miguel quando voltou ao reino em 1827.

Vem agora a questão das obras nos

Paços Reaes, e, a este respeito, antes de passar adeante, devo dizer que todo o dispêndio que se realizou com essas obras não aumentou em 5 réis que fosse a dotação da Familia Real.

A Camara sabe que ha mais de trinta annos se inauguraram as obras da Avenida da Liberdade. A abertura d'essa nova arteria, das suas avenidas adjacentes, trouxe como consequencia a construcção de muitos predios. Attrahidos por essas obras accorreram á capital muitissimos operarios, que encontraram aqui melhor salario e mais commodidades de vida. Aqui se estabeleceram e constituiram familia.

Vieram depois acontecimentos tristes, como foram o ultimatum de Inglaterra de 11 de janeiro de 1890, a revolta de 31 de janeiro de 1891, no Porto; e, por ultimo, em 1892, os desastres financeiros,. que a Camara conhece perfeitamente.

Em vista de todos estes acontecimentos, os capitães retrahiram-se e diminuiu, se é que não parou, a febre das construcções. Os proprietarios só faziam as obras absolutamente indispensaveis para a conservação dos predios.

Viam-se então na capital centenas, milhares de operarios, aos bandos, percorrendo as repartições de obras publicas, os Ministerios, os Paços Reaes, a pedir pão ou trabalho.

Então, os philantropos, a imprensa, os moralistas, todos aquelles que condemnam os esbanjamentos dos Governos, e a facilidade com que se dispõe dos dinheiros da nação, os que teem que perder, todos emfim, clamavam, em altos brados, que era de uma injustiça revoltante, que era perfeitamente descaroavel e deshumano que o Estado não procurasse acudir á situação miseranda d'esses famintos.

Para se acudir, pois, a essa crise de trabalho, que durou de 1893 a 1899, foi necessario admittir nas obras publicas cerca de 7:000 operarios. Foi então, que para os Paços Reaes, igrejas e edificios publicos, para toda a parte, onde podia haver obras, se mandavam esses operarios, e como por um lado elles não dispunham de grande competencia para o trabalho de que os encarregavam, e como por outro lado tinham a certeza de que, findo o mesmo trabalho, não encontravam outro, d'ahi o elevado custo que attingiram certas obras.

Não houve nenhum interesse para a Familia Real, com as despesas effectuadas por essa occasião, nenhuma vantagem auferiu.

Havia apenas a necessidade de matar a fome a centenares de familias.

Esta é a verdade, e a razão por que tanto se avolumaram as despesas nos Paços Reaes. As Rainhas estabeleceram á sua custa uma sopa economica, para os que tinham fome.

Passo agora a referir-me ao artigo 5.°, que o Digno Par Medeiros disse ser a sua delenda Carthago.

Que diz o artigo 5.°?

Diz que uma commissão presidida pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, e composto de um juiz do mesmo tribunal, de um vogal do Supremo Tribunal Administrativo, de um vogal do Tribunal de Contas, e de um vogal da Junta do Credito Publico, nomeados pelos proprios tribunaes e por aquella repartição será incumbida de regular contas entre o Estado e a Fazenda da Casa Real.

Pois então não reune esta commissão as garantias necessarias de independencia, de saber e de imparcialidade?

O Digno Par a quem estou respondendo sabe muito bem que todos os tribunaes indicados no projecto gozam do respeito e da estima publica; depois, se o artigo 5.° não existisse, então é que o Digno Par teria razão de queixa.

Se a commissão fosse eleita pela Camara então é que poderia suppor-se que o Governo, pela sua maioria, influiria nesse acto; mas a commissão está nomeada, é seu presidente uma pessoa de alta respeitabilidade, são por igual respeitaveis os restantes membros d'ella, e pelo que respeita á Junta do Credito Publico sabe-se que a maneira correctissima por que esta entidade tem procedido merece o applauso de nacionaes e estrangeiros. (Apoiados).

E uma commissão isenta de qualquer suspeita.

Mas allega-se : ainda ha duas commissões.

Que importa que haja duas commissões, se os fins d'ellas são diversos?

A de que trata o artigo 5.° apura as contas á face dos documentos, a parlamentar tem tambem de liquidar responsabilidades.

Onde está a incompatibilidade entre essas duas commissões?

Pergunta-se ainda o que succederá se as duas commissões emittirem pareceres contrarios.

Respondo que não é isso possivel, porque ambas ellas procedem em virtude de um mesmo exame dos documentos que lhes são submettidos.

Como é que em presença dos mesmos documentos as resoluções podem ser diversas ? E quem julga em ambos os casos e em ultima instancia é o Parlamento.

Perguntou ainda o Digno Par que se fará se o resultado a que as commissões cheguem for no sentido de se apurar um saldo a favor da Casa Real.

Se fosse possivel apurar um saldo a favor do Estado, o Digno Par sabe

Página 14

14 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

muito bem que elle se não poderia pagar, sera que uma lei autorizasse esse pagamento.

A proposta do Digno Par é portanto inutil.

Diz-se ainda que o Governo insistindo em conservar o artigo 5.°. faz que a chamada questão dos adeantamentos tenha duas discussões. Uma quando se apresentar o parecer da commissão que elle cria outro quando a commissão parlamentar apresentar os seus trabalhos.

Mas nada impede que dos dois pareceres se faça uma só discussão.

E de duas uma: ou é conveniente ou inconveniente prolongar a discussão deste assunto.

No primeiro caso o artigo 5.° não prejudica ; no segundo o patriotismo do Parlamento só attenderá aos superiores interesses do Pais.

Como deu a hora e julgo ter respondido a todos os pontos do discurso do Digno Par, ponho termo ás minhas considerações, pedindo á Camara desculpa do tempo que lhe tomei e agradecendo a benevolencia com que me ouviram. (Vozes:—Muito bem, muito bem).

(O orador foi muito cumprimentado).

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: — A sessão seguinte será ámanhã, com a mesma ordem do dia. Está encerrada a sessão.

Eram 5 horas e 35 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 19 de agosto de 1908

Exmos. Srs.: Castello Branco

Antonio de Azevedo; Marquezes: de Avila e de Bolama, de Pombal, de Sousa Holstein; Condes: das Alcaçovas, do Bomfim, do Cartaxo, de Castello de Paiva, de Figueiró, de Martens Ferrão, de Sabugosa; Visconde de Algés; Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Sousa Costa Lobo, Teixeira de Sousa, Campos Henriques, Carlos Palmeirim, Mattozo Santos, Veiga Beirão, Dias Costa, Ferreira do Amaral, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Ressano Garcia, Gama Barros, João Arroyo, Joaquim Telles de Vasconcellos, Vasconcellos Gusmão, José de Alpoim, Silveira Vianna, «Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Pimentel Pinto, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Sebastião Telles e Sebastião Dantas Baracho.

O Redactor,

João SARAIVA.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×