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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
SESSÃO N.º 43
EM 18 DE AGOSTO DE 1908
Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Antonio de Azevedo Castello Branco
Secretarios - os Dignos Pares
Luiz de Mello Bandeira Coelho
Marquez de Sousa Holstein
SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta. - Não houve expediente. - O Digno Par Luciano Monteiro pede ao Governo que adopte providencias que logrem a execução de um accordão revalidando a eleição da mesa da Misericordia da freguesia de Unhão, concelho de Felgueiras, ao que se oppõe a autoridade administrativa local. - O Sr. Ministro da Justiça promette transmittir ao Sr. Presidente do Conselho as ponderações do Digno Par. - O Digno Par Joaquim Telles de Vasconcellos precede de algumas considerações a apresentação de um projecto que tende a introduzir alterações no actual regimen de ensino. Ficou para segunda leitura. - O Sr. Ministro da Justiça declara que fará sciente ao Chefe do Governo as considerações do Digno Par. - O Digno Par Francisco José Machado refere-se tambem ao actual systema de ensino. - O Digno Par Teixeira de Sousa envia para a mesa requerimentos pedindo documentos pelo Ministerio da Fazenda. São expedidos. - O Digno Par Conde de Castello de Paiva manda para a mesa um requerimento pedindo documentos pelo Ministerio das Obras Publicas. Foi expedido.
Ordem do dia: Continuação da discussão do projecto de lei relativo á lista civil. - Usam da palavra os Dignos Pares José de Alpoim e Sousa Costa Lobo. Encerra-se a sessão e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.
Pelas 2 horas e 20 minutos da tarde, o Sr. Presidente abriu a sessão.
Feita a chamada, verificou-se estarem presentes 20 Dignos Pares.
Lida a acta da sessão anterior, foi sem reclamação.
Não houve expediente:
O Sr. Luciano Monteiro: - Peço ao Sr. Ministro da Justiça o obsequio de transmittir ao Sr. Presidente do Conselho as observações que vou fazer.
No concelho de Felgueiras, freguesia de Unhão, existe uma Misericordia, onde em 19 de abril ultimo se realizou a eleição normal da mesa que devia começar a funccionar em 1 de julho. Contra essa eleição houve reclamações que foram attendidas; mas, havendo recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, foi proferido um accordão revalidando a eleição a que se tinha procedido.
Succede que, querendo dar-se execução ao accordão, que é lei, encontra-se da parte da autoridade administrativa local uma opposição tenaz.
Fizeram se reclamações para as autoridades superiores; ellas porem teem acolhido essas reclamações com o silencio.
Peço ao Sr. Ministro da Justiça a fineza de communicar isto ao Sr. Presidente do Conselho, manifestando a esperança em que estou de que S. Exa. dará as instrucções necessarias para que se cumpra a lei.
O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): - Declaro que ao Sr. Presidente do Conselho farei presentes as observações do Digno Par.
O Sr. Joaquim Telles de Vasconcellos: - Nas sessões passadas referiu-se o Digno Par do Reino o Sr. Francisco José Machado a assuntos de instrucção, apresentando factos contra os quaes não ha argumentos, e chamou para elles a attenção do Governo. S. Exa. ficou muito áquem do que poderia dizer, e eu hoje, não com a competencia de S. Exa., que não tenho, mas animado das melhores intenções, vou tambem chamar a attenção do Governo para este assunto, apesar de estar certo e plenamente convicto de que Governo algum deixará de prestar a maior attenção e o maior interesse ao problema da instrucção, que tão profundamente affecta a nossa sociedade, e sendo pela instrucção que se renovam as forças intellectuaes, que obrigam a progredir as sociedades em todas as suas manifestações, occupando por isso um logar proeminente na vida dos povos; creio, repito, que Governo algum descurará o assunto.
Hoje referir-me-hei simplesmente á instrucção secundaria, mas, Sr. Presidente, com inteira verdade se pode dizer que a instrucção publica entre nós deixa muito a desejar. (Apoiados).
Não quero com isto dizer que muito se não tenha feito. Bem pelo contrario muito se tem feito já e aproveito a occasião para prestar a devida homenagem a todos aquelles que incansavelmente teem trabalhado para o desenvolvimento intellectual do país. Mas se muito se tem feito, muito mais é necessario fazer ainda.
Não me referirei em especial a esses velhos edificios a que pomposamente se dá o nome de Lyceus, porque sei que não podemos de um momento para outro edificar casas apropriadas para esse fim. Mas é este assunto de capital importancia, pois a falta de hygiene, a falta da necessaria cubagem e renovação do ar, a falta de luz e asseio, etc., tudo isto concorre em prejuizo das crianças e por conseguinte dos interesses do país.
É necessario que a hygiene pedagogica, por falta de meios, se não limite a preceitos puramente theoricos e burocraticos. Toda a gente sabe que a educação collectiva das crianças deve ser
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feita em edificios apropriados, com o necessario material didatico e o indispensavel mobiliario. Infelizmente nada d'isto possuimos, e é esta uma das razões pela qual a reforma actual não correspondeu na pratica ao que tão ardentemente se desejava.
Não pretendo demolir, porque de sobejo sei quanto custa edificar, mas o que desejo e peço é que se melhore o que possuimos, para assim tirarmos o maximo proveito possivel do existente.
Com respeito a material, nenhum lyceu possue o que é necessario. Não sou eu que o digo, mas sim os presidentes dos jurys de exames, com toda a competencia, nos relatorios enviados á Direcção Geral de Instrucção Publica, e que peço licença a S. Exa. e á Camara para ler, porque melhor do que eu o dizem elles.
Assim um antigo reitor do lyceu dizia o seguinte:
«Ora a verdade clara é que em lyceu algum existia o necessario material de estudo, para se iniciar um ensino objectivo e pratico. Com installações nullas, ou incompletas, os melhores esforços dos mais dedicados professores haviam fatalmente de quebrar-se inuteis contra esta deficiencia sobre todos os pontos de vista lamentavel!
«Material de ensino. - Quasi que não existe. As reclamações e queixumes são geraes e sempre desattendidos, sem motivos justos e precedentes. O Thesouro português é sobejamente rico para sustentar as suas instituições vitaes... Acresce que ha faltas que mais revelam desleixo que pobreza, etc.».
Muito mais poderia ler, mas não o farei para não fatigar a Camara, mas creio que o que li é demais edificante para mostrar que assim, apesar das melhores reformas e das melhores iniciativas, a instrucção entre nós, não pode progredir.
Agora referir-me hei aos programmas que actualmente se encontram em vigor, chamando em especial para este assunto a attenção do Sr. Ministro do Reino, pedindo-lhe que intervenha desde já neste assunto, tanto mais quanto é certo que despesa alguma acarreta para o Thesouro Publico.
Quanto a mim, os programmas da instrucção secundaria devem ser a continuação dos programmas de instrucção primaria, e nunca invadir os programmas da instrucção superior. Ora os actuaes programmas não só invadem os da instrucção superior, como tambem peccam emquanto á forma, emquanto á extensão e emquanto á orientação. Emquanto á forma, porque não são claros e precisos, dando logar a que pontos d'esses programmas sejam explicados differentemente por professores differentes nas differentes turmas. Podendo uns ser mais extensos, outros mais concisos, não havendo por isso a necessaria uniformidade no ensino. Emquanto á extensão, porque são elles tão vastos que não podem conscienciosamente ser explicados num anno lectivo.
Emquanto á orientação, porque não ha a devida coordenação na orientação da materia, a mesma materia é explicada em differentes cadeiras, ha materias perfeitamente dispensaveis e ha outras que ahi faltam. Não quero cansar a attenção da Camara e por isso tenho sido o mais conciso possivel, mas peço licença ainda para mostrar por uma simples leitura a verdade do que affirmo. Assim, por exemplo, vendo o programma de geographia (VI classe) encontramos entre outras cousas o seguinte: «Determinação da longitude e latitude geographica por meio do graphometro e chronometro », e mais adeante: «O Sol: sua constituição, dimensões e distancia á Terra. A hypothese de Laplace sobre a constituição do systema solar».
Ora, Sr. Presidente, ha aqui cousas que eu, e o Sr. Presidente e o Conselho, que é um dos melhores ornamentos da marinha portuguesa, a que tem a honra de pertencer, só aprendemos na cadeira de astronomia.
Mas ha mais. Depois de tratar da estructura da terra, elemento solido, chegamos ao elemento liquido e vamos encontrar o seguinte:
«Movimentos do mar: ondas, marés e correntes. O fundo do mar e a vida submarina. Importancia do mar na economia da natura».
Mais parece, Sr. Presidente, que esteja a enumerar titulos de obras e volumes do que pontos de um programma do lyceu.
Pelas razões apontadas, e não por outras, direi á Camara que a percentagem media dos alumnos que completam o curso não chega a 9 por cento. Assim, de 1482 alumnos matriculados em todos os lyceus chegam ao ultimo anno 150, e d'estes só 130 completam o curso.
No Lyceu de Lisboa dava-se o seguinte: de 638 alumnos matriculados só 50 a 56 completavam o curso.
Julgo ter justificado o pedido que fiz ao Governo e em especial ao Sr. Ministro do Reino, que lamento não ver presente, pedindo a S. Exa. o Sr. Ministro da Justiça a especial fineza de transmittir ao seu collega do Reino as minhas considerações e o meu pedido e nesta ordem de ideias, tenho a honra de enviar para a mesa o seguinte projecto de lei que tambem vae assinado pelo Digno Par do Reino o Sr. Francisco José Machado. O projecto é o seguinte:
Artigo 1.° É o Governo autorizado a nomear uma commissão composta dos tres reitores dos lyceus de Lisboa para formular correcta e positivamente as alterações mais urgentes a introduzir no actual regime do ensino.
§ unico. A esta commissão poderão, por proposta collectiva dos mesmos reitores, ser aggregados os professores e quaesquer individuos cujo concurso lhes pareça conveniente utilizar para os fins que se teem em vista.
Art. 2.° O Governo porá em vigor as modificações indicadas pela dita commissão, de forma a poderem ser postas em pratica no futuro e proximo anno lectivo, e dará conta ás Côrtes do uso que fizer da autorização concedida.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario. = F. J. Machado = Joaquim da Cunha Telles de Vasconcellos.
O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): - Ouvi com toda a attenção, interesse e prazer as judiciosas considerações do Digno Par Sr. Telles de Vasconcellos, com as quaes me conformo. Communicá las-hei ao Sr. Presidente do Conselho e estou convencido de que S. Exa. fará quanto possa para remediar os inconvenientes apontados.
O Sr. Presidente: - O projecto enviado para a mesa pelo Digno Par Sr. Telles de Vasconcellos fica para segunda leitura.
O Sr. Francisco José Machado: - Felicito o Digno Par Sr. Telles de Vasconcellos pela sua brilhante estreia.
Está no espirito de todos a necessidade absoluta e urgente de reformar a instrucção secundaria.
Os individuos que collaboraram na actual organização foram decerto animados dos mais patrioticos intuitos; todavia a experiencia tem demonstrado que essa organização não satisfaz. (Apoiados).
Basta ler o que os professores expõem em documentos officiaes para ver o estado chaotico em que está a instrucção em Portugal.
Tenho ouvido dizer que a actual lei de instrucção secundaria é muito boa, porque inhabilita muita gente. Eu porem sempre suppus que as escolas são para habilitar, e não para inhabilitar. (Apoiados).
Para condemnar a actual organização do ensino secundario, basta ver que, por ella, o estudante muito intelligente, muito applicado e de muita saude, leva o mesmo tempo a fazer o curso que outro qualquer que não disponha d'esses predicados.
Alem d'isso é uma barbaridade obrigar um alumno de onze annos a estudar ao mesmo tempo oito disciplinas differentes, como, por vezes, succede.
O projecto apresentado pelo Digno Par Sr. Telles de Vasconcellos é pa-
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triotico e humano para as crianças, que são os homens do futuro.
Folgo com a boa vontade do Sr. Ministro da Justiça e espero que, com o auxilio da Camara, alguma cousa de util se poderá fazer em beneficio da instrucção publica, que é uma verdadeira causa nacional.
(S. Exa. não reviu).
O Sr. Teixeira de Sousa: - Envio para a mesa os seguintes requerimentos:
Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, seja remettida a esta Camara copia do processo de revisão de syndicancia feita á recebedoria de Miranda do Douro pelo official Casimiro Dias.
Camara dos Pares, em 18 de agosto de 1908. = Teixeira de Sousa.
Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, seja remettida a esta Camara com urgencia copia da circular expedida pela Inspecção Geral dos Impostos aos delegados do thesouro e do despacho ministerial que autorizou a expedição relativa ao serviço das commissões de falhas.
Camara dos Pares, em 18 de agosto de 1908. = Teixeira de Sousa.
O Sr. Conde de Castello de Paiva: - Mando para a mesa o seguinte requerimento:
Requeiro que, pelo Ministerio das Obras Publicas, Repartição dos Telegraphos e Industrias, me seja fornecido o numero de kilowats empregados nas differentes installações que constam do mappa que me foi enviado em virtude do meu anterior requerimento, que sem esta indicação não satisfaz. = Conde de Castello de Paiva.
ORDEM DO DIA.
Continuação da discussão do projecto de lei relativo á lista civil
O Sr. José de Alpoim: - São já passados alguns meses depois que eu soffri uma das mais profundas impressões da minha vida.
Subi, poucos dias após o sinistro acontecimento do Terreiro do Paço, as escadas do palacio dos nossos Reis. Tenho ainda na lembrança, como se fôra hoje, o aspecto de angustia suprema que me offerecera a quasi criança que a morte fizera Rei de Portugal. Ouvi as suas palavras cortadas de lagrimas; vi o seu olhar reflectindo o pavor e o soffrimento da dolorosa tragedia: uma immensa piedade, um enternecimento profundo, entraram no meu coração. E estes sentimentos ainda mais se afervoraram quando, saindo dos aposentos do Rei, vi a nobre Senhora, Rainha de Portugal, que, envolvida nos seus crepes, me lembrava as mulheres da tragedia grega, de quem um grande escritor dizia que ellas arrastavam após si a dor com um longo manto real.
Subi as escadas do Paço, com o meu cerebro e o meu coração afervorados na paixão profunda da democracia, no sentimento impetuoso de justiça e de liberdade que nelles havia feito avigorar a funesta politica que arrastara á morte o Rei de Portugal.
Entrei á presença do Senhor D. Manuel e da Rainha de Portugal com o respeito devido á sua alta jerarchia, e á sua dor profunda: mas dos meus labios não caiu nem uma palavra de arrependimento pelo meu passado de luta - de que me orgulho tanto! - nem uma só frase de arrependimento pelas minhas ideias apaixonadamente liberaes. Se no meu espirito houvesse o menor laivo de censura intima, não subiria as escadas do Paço.
Se ahi houvesse mostrado o menor retrocesso nas minhas ideas, não falaria, com o desassombro de todos os dias, no Parlamento. Entrei monarchico: saí monarchico. Mas monarchico como me fizeram o espectaculo da Europa, a evolução scientifica da politica moderna - e até a triste experiencia dos homens e a dolorosa lição das cousas. Monarchico: e ardente e apaixonadamente liberal!
Mas estes principios politicos receberam, do espectaculo piedoso de uma mulher, afogada de dor, das lagrimas de uma criança, como que uma sagração enternecida. A ideia impregnou-se do sentimento: e, se a ideia é poderosa por si, torna-se invencivel quando de impulso de cerebro se transforma num latejo de coração. Sim! A mim proprio jurara que acima de tudo -de tudo!- poria sempre o meu país e a liberdade, mas que faria todos os esforços, pelo meu conselho e pela minha acção, para consubstanciar a criança, que é o Rei de Portugal, com os supremos interesses da patria e as aspirações sagradas da democracia!
A mim proprio jurara que, através de todos os desgostos, por entre os odios dos cortesãos, rompendo pelas ameaças de defensores palacianos que fugiram na hora do perigo, defrontando me com a intriga e a calumnia a irromperem de conciliabulos das ante-camaras ou da sombra das sacristias, eu diria a verdade ao Rei.
Não é para este que se fala no Parlamento. Aqui não é o Paço. Esta é uma casa do povo. É para o povo que falo: mas as vozes que aqui se escutam eu creio que atravessarão até á casa do primeiro entre esse povo, do mais alto magistrado da nação. É até dever do Rei ouvi-las. E d'aqui lhe digo, aqui lhe repito - mais uma vez, mais uma vez!... - que esses sinaes funestos, esses luzeiros agourentos que se viram no reinado do Senhor D. Carlos começam a accender-se no ceu. Sim! Ha presagos clarões: passa no céu um fremito, precursor do vento de loucura que ás vezes perde os homens e as collectividades.
«Mal vae!» - grito ao país - «Mal vae!» - ouça-o o Rei. E o projecto que se está discutindo, tão desvairado nos seus propositos como leviano nas suas disposições, tão desconhecedor do actual estado de alma da sociedade portuguesa, tão conforme ás normas de um passado condemnavel, votado pelos partidos que o Rei arrancou da agonia em que se debatiam, tão symptomatico da absoluta cegueira dos homens publicos que não souberam aconselhar, servir, defender, salvar o Rei o Senhor D. Carlos e agora influem no poder e na Coroa, esse projecto não será lei sem que eu diga quanto é funesto ao país e lugubre, como um dobre funebre, para o prestigio das instituições monarchicas.
Por mim, se houvesse recebido das mãos do Rei de Portugal a quasi esmola de força e de vida que aos partidos esmagados dera a mão real, por mim, perante a enorme desgraça do Senhor D. Manuel, perante a sua mocidade e inexperiencia, perante a recordação pavorosa d'esse passado que se amortalhou nas sombras do crepusculo tristonho e tragico de um dia de inverno, perante as sofreguidões moraes de um povo abalado por uma enorme convulsão, em nome até da ordem, que não é somente o repouso material absolutamente indispensavel hoje no nosso país, mas a acalinação dos espiritos e das consciencias, por mim, nunca apresentaria ao Parlamento da minha patria o documento imperfeito e escuro, anti-liberal e monstruoso, que é o projecto em discussão.
Vedavam-m'o a minha honra individual e os interesses do meu país: prohibiam-m'o a minha fé monarchica e a comprehensão dos meus deveres de chefe de um partido! E, antes de mostrar os males d'esse projecto e de definir o que eu, se tivesse o poder, faria nos dois casos gravissimos, verdadeiros problemas de ordem moral e politica, a lista civil e os adeantamentos, cumpre-me assentar uma affirmação: - é que nunca o Governo ou os chefes dos partidos me deram conhecimento do projecto de lei que apresentaram ao Parlamento. Nunca no Paço, por quem quer que fosse, a menor palavra me foi dita sobre esse assunto.
Não tinha El-Rei que me ouvir: não era este assunto da minha competencia e sim do seu Governo e das Côrtes. Mas, se acaso o Chefe do Estado tro-
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casse quaesquer ideias sobre a solução d'estes dois problemas, eu, dir-lhe-hia serenamente, rosto a rosto, que vou dizer nesta camara onde, entre outros, se sentaram o Duque de Loulé, Sá da Bandeira, o Bispo de Viseu, bellas e nobres figuras de tempos bem proximos, mas que já parecem tempos remotos e heroicos pela verdade e nobre altivez com que então se falava ainda aos Reis de Portugal!
Voto contra este projecto. E a minha magua é não possuir tanta força que o pudesse arrancar á discussão! Voto contra a ligação, no mesmo projecto, da fixação da lista civil e da liquidação dos chamados adeantamentos, ligação contraria á feição legal e moral de um projecto que apenas devia referir-se a fixação das sommas destinadas á dotação de El-Rei. Voto contra esta confusão que já trouxe tantas discussões apaixonadas e que, por consummada inhabilidade, veio demorar, prolongar por diversos estadios, um debate que devia ser, de um jacto, illuminado de toda a luz, julgado perante a nação inteira para prestigio de um Rei que devi abrir uma dynastia nova, para socego do país, que carece de repouso fortificador e sincero, que não é a escuridão duvidosa, a sombra suspeita e criminosa. Voto contra a lista civil, que não sei se realiza a sua missão constitucional de manter o decoro da alta dignidade do Rei: voto contra ella em nome da deficiencia de elementos para poder apreciá-la, em nome do prestigio da Coroa, que precisa de arrancar-se á mais tenue sombra de suspeita de confusão entre os dinheiros do povo e o dinheiros do Rei; voto contra ella, porque fica o caminho aberto, pelos exemplos do passado, para aquellas operações que tanto abateram o lustre da instituição monarchica. Voto contra as disposições por que se pretende chegar á liquidação das sommas dadas illegalmente á Casa Real, não somente porque essas disposições foram inseridas no projecto de lei da lista civil, mas ainda porque, sendo essa forma de liquidação susceptivel de complicações nocivas ao bom nome da Coroa, não tendo a clareza e a limpidez de execução indispensaveis num acontecimento que abalou a consciencia nacional, é opposta ás regras do bom-senso politico e adversa aos claros principios da recta e honesta justiça. Exponho assim, sem rebuço, na crueza de uma frase que oxalá pudera ser dura como o aço e inflexivel como o bronze, a minha opinião.
Oxalá ella atravesse as colgaduras e razes dos Paços Reaes! Oxalá a conheça o país inteiro, tão firme é a minha convicção de que, no inicio d'este novo reinado, os homens publicos chamados pelo Rei a acudir ás desgraças da patria, honrados com a suprema confiança de serem investidos em faculdades de Coroa para escolherem, elles, os Ministros do Rei, não podem fazer peor serviço á monarchia do que elaborar, ou sanccionar, este projecto de lei.
Por que, illusões? Por que, sofismas? Elles, esses homens, é que teem a responsabilidade suprema. Se não quisessem, este projecto não era approvado. Elles aconselham, elles votam. Essa responsabilidade fique-lhes.
Eu não a quero, nem pelo país nem pelo Rei. Voto contra, falo contra.
A lista civil! Como é que, perante a sua fixação, perante a obrigação constitucional da monarchia, procedem os homens publicos a quem a Coroa entregou os destinos do país?
As despesas da lista civil, que pertencem aquellas despesas «que se prendem mais directamente á Constituição politica, e que correspondem a obrigações que se não pode illudir sem se faltar ao pacto constitucional» devem merecer a maior attenção dos Parlamentos e o maior cuidado dos Ministros da monarchia. (Apoiados).
Os interesses do povo teem de conjugar-se com o alto respeito e decoro da realeza.
Nada mais deprimente, e até mais perigoso, de que um Chefe de Estado arrastando a sua magistratura, o seu nome e o da sua familia, pelas condições de uma existencia mesquinha e destoante da sua dignidade, perante o povo a cujos destinos preside, e perante as nações estrangeiras, a cujos olhos elle symboliza a representação suprema da patria. (Apoiados).
É certo! Mas nada mais destruidor do prestigio da realeza da que apparecer o Chefe Estado, elle e a sua familia, como sendo um encargo á nação, personagens gozando-se de riqueza e gozos materiaes num país pequeno e pobre, assediado de infortunios, esmagado por desastres economicos e financeiros.
A mais pequena observação do que se passa nas monarchias europeias prova, como diz Greef, que «a dotação dos soberanos é tanto mais elevada quanto o seu poder é mais absoluto; o orgão custa tanto mais quanto é menos aperfeiçoado, mais individualista, menos ao serviço do complexo do Estado e da sociedade cujas funcções são insufficientemente differenciadas e por isso mesmo menos solidarias». Grande e profunda verdade! Não olhemos todas as monarchias. Basta attentar no que se passou na França, que é hoje republicana.
Extingue-se a realeza absoluta em França: e a Luiz XVI, a Assembleia Nacional, toda monarchica, concede-lhe uma lista civil de 25.000:000 de francos.
Veio o imperio, depois de alguns annos de regime republicano, e restabelece a lista civil da realeza bourbonica.
Cae Napoleão I e surge a restauração, com Luiz XVIII e o louco Carlos X, empolgado pela reacção clerical que fazia atravessar o velho Soult, marechal do imperio e filho da revolução, as das de Paris, de cirio na mão e opa sobre o seu uniforme, atrás do andor das procissões; a lista civil sobe a 32.000:000 francos. Os cortesãos e os ultramontanos atiram Carlos X para o exilio; vem a realeza liberal de Luiz Filippe e a lista civil de Luiz Filippe baixa a 13.000:000 francos, para, depois do golpe traiçoeiro de 2 de dezembro, sobrevindo o imperio cesarista e reaccionario de Napoleão III, ella de um salto ascender outra vez a 25.000:000 francos.
A lista civil da monarchia liberal era quasi metade da monarchia ultramontana ou do imperio cesarista! É um facto a affirmação de que a dotação de um Rei é tanto maior quanto mais se aproxima do poder absoluto.
Basta esta consideração, de uma tão profunda verdade, para os homens publicos e os Parlamentos deverem estudar com a maior attenção esse assunto, não com o fim covarde e reservado de deprimir a funcção real, mas de a identificarem com as condições do país e com o fim, elevado e nobre, de realçarem a Coroa, solidarizando-a com o pensar e sentir da nação. Porque é que a Inglaterra, esse grande país de fé monarchica tão apaixonada e profunda, de um lealismo realista tão fervoroso e apregoado, mas de um tamanho espirito legalista e de um tão ardente ciume das prerogativas populares, que Talleyrand disse que ella «tinha em si alguma cousa de republicano» exerce uma tamanha vigilancia na fixação da lista civil e são os maiores, os mais dedicados amigos da realeza, que discutem as verbas, uma a uma, da lista civil, sendo algumas d'essas verbas sujeitas todos os annos ao exame do Parlamento? Porque os seus homens publicos querem, como Disraeli, o humilde hebreu que foi o chefe do partido conservador inglês e governou a autocratica Gran-Bretanha, o Ministro que pôs na cabeça da Rainha Victoria a Coroa Imperial das Indias, querem poder dizer com supremo orgulho: «Não ha Soberano de um grande país que custe ao seu povo tão pouco como o Soberano de Inglaterra».
Porque? Porque ali os homens publicos não teem como ponto de honra monarchico o conceder ao Soberano as sommas que melhor lhe pudessem convir; porque a Inglaterra quer grande, rica, mas respeitada, a Casa Real; porque ali se julga que do dinheiro
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do povo não pode, sem um crime, ser dado ao Rei mais do que é indispensavel á justa representação do seu alto cargo; porque ha o amor raciocinado da realeza, e não a baixa adulação e especulação dos cortesãos; porque ali todos os monarchicos se envergonhariam de perante as Côrtes, não conhecerem a situação financeira da Casa Real e proverem, como homens esclarecidos e livres, ás exigencias determinadas por um consciencioso exame d'essa situação.
Quer a Camara ver? Morrera Guilherme IV. Subira ao throno a Rainha Victoria, a «flor de Maio», que assim lhe chamavam carinhosamente, numa como ternura amorosa que durou por toda a longa existencia da nobre e feliz soberana, aquelles que a acolhiam com paixão nas festas publicas, á simples passagem pelas das da velha Londres. Foi quasi um delirio romantico a sagração e a coroação da gentilissima princesa, cuja graça e formosura como que punham um reflexo de enthusiasmo e mocidade no rosto dos guerreiros das lutas napoleonicas, a cuja frente se via a figura rigida e severa do vencedor de Waterloo.
Pois as Camaras discutiram-lhe longamente a sua dotação, cercearam na em 300 contos da nossa moeda, na somma attribuida ás despesas do bolso particular da Rainha, porque os representantes do povo entenderam que ellas não podiam ser iguaes ás de um homem, de um Rei. E o Deputado que propôs essa reducção, monarchico lealissimo - Grote, era o seu appellido - declarou que o respeito devido ao Soberano não se devia medir pelas disposições da Camara em votar fundos para o uso da Coroa: elle affirmava, pelo contrario, que os homens que mais prezavam o respeito devido á Coroa eram os que mais vivamente desejavam que ella não se apresentasse sobre a apparencia de um fardo odioso e moral, esmagando os hombros do povo.
Grandes e nobres palavras! Aquelle que as pronunciasse no nosso Parlamento seria capitulado de um jacobino feroz: a reacção ameaçá-lo-hia com a ponta de uma espada e espancá-lo-hia com o madeiro de uma cruz. Grandes e nobres palavras! Porque é que eu evoco o exemplo da Inglaterra? Porque, neste ponto, entendo que Portugal pode e deve seguir fielmente o exemplo do país mais liberal do mundo, porque não ha, neste assunto da lista civil, differenciação alguma d'aquelle povo - e porque não pode haver maior tristeza para um país livre, maior mal para as instituições monarchicas, do que a apresentação de uma proposta de lista civil em que aos representantes do povo não é dado um elemento de estudo e apreciação, e em que elles são apertados no dilemma: ou votar ás cegas, brutamente, ou não associar o seu nome a semelhante incongruencia, a semelhante desprestigio para a Coroa e a tamanho desrespeito pelo Parlamento. Ah! não! Eu e os meus amigos, por serem monarchicos e liberaes, não emparceirarão o seu nome nessa obra devida aos conselheiros officiosos do Rei!
Sim! Se eu e os meus amigos exercessem a menor influencia na direcção dos negocios publicos, se a Coroa lhes houvesse outorgado as faculdades que concedeu aos partidos, a proposta da lista civil não viria á Camara desacompanhada de todos os esclarecimentos, todas as informações.
Pedem-se sommas, ás cegas; vae-se, ás cegas, votar. Um conto de réis por dia para o Rei. Porque? Muito? Pouco? Quem o sabe? Onde, elementos de informação e de estudo? Nada! Esta proposta devia ser acompanhada das informações da Administração da Casa Real - ou, se a Camara quisesse um inquerito á sua Fazenda e Administração, dos resultados d'esse inquerito. (Apoiados).
Pois comprehende-se, sobretudo depois da questão dos adeantamentos, em seguida ás suspeições argentarias, erguidas no ultimo reinado, comprehende-se que assim seja entregue aos representantes do país um documento sêco, esteril, fallido de toda a luz? Porque se ha de votar? Não ha senão um argumento. Foi assim no reinado do Senhor D. Carlos. Pois mais uma razão para o não ser agora. E que razão! E porque o foi? Porque já tinha sido desde o tempo de D. João VI! Ha nada mais contrario ao bom senso? Tudo indica que essa somma, attribuida ao Rei que ainda tivera o poder absoluto e que portanto ainda conservava aquelle prestigio quasi divino que os povos ignorantes consagraram aos velhos Reis, alcançasse das Camaras uma dotação superior ás verdadeiras necessidades da representação e decoro de um monarcha constitucional. «Mas a vida encareceu, e essa somma hoje vale incomparavelmente menos» - allegar-se-ha. Mas quem o duvida? É verdade.
Portanto, vae dar-se ao Rei menos do que elle, sendo assim, deve ter para o luzimento da sua alta magistratura. É um mal. E até um perigo. «Tem o mesmo que seu pae» - dizem, Mas porventura não se diz que os adiantamentos do Senhor D. Carlos foram devidos a ser pequena a dotação real? Não se allega que o Rei não podia viver com aquillo que o país lhe dava? Então porque ha de chegar agora o que então não era bastante? Que sabemos nós para poder votar esta lei? Ainda pode dizer-se que a dotação de um conto de réis é maior que nos tempos antigos, porque ao Rei é tirado o custeio de alguns palacios que passam a pertencer á Fazenda Nacional, porque a cargo do Ministerio das Obras Publicas ficam a conservação e reparação dos Paços na posse da Coroa, porque o Museu dos Coches converte-se em Museu Nacional, porque passam a ser pagas pelo Thesouro as viagens officiaes que o Rei tenha a fazer dentro do proprio país.
Sendo assim, o argumento de que o Rei recebe o mesmo conto de réis por dia que o pae e avós é inexacto: São pois falsas as informações do relatorio da proposição vinda da Camara dos Deputados. A dotação não é a dos reinados anteriores. É um conto de réis por dia, alliviado de sommas que constituiam encargo. Quaes são essas sommas a mais? Vagas, indeterminadas, sem um numero, sem um documento: Pois acaso com os dinheiros da nação, e com o bom nome da Casa Real, pode proceder-se assim? Ignora-se o mal enorme, que proveio á Coroa, de o país não saber, exactamente, como em todas as nações, quanto custava ao Estado, e o terrivel prejuizo moral de as contas do Rei não serem sagradamente claras, publicas, sem sombras, de uma transparencia de vidro, tendo o país a absoluta certeza de que não ha a menor confusão entre a sua Fazenda e a da Coroa? Pois o exemplo do passado e a necessidade de tornar querido do povo o novo Rei, uma criança, ferido da desgraça, pois a simples noção do bom senso, da lealdade, da verdade, não mandavam que se fizesse assim?
Que deveria fazer-se então? Acompanhar esta proposta de lei de todas as informações, quando não fossem fornecidas por um inquerito, ministradas ao menos pelo administrador da Casa Real. E a lista civil não devia ser global, um conto de réis diario, mas sim por parcelas, discriminada por verbas, como se fez na Inglaterra, e onde ainda assim se pratica, exactamente porque, apesar de economias enormes feitas na vida intima do Paço, se não extinguia o deficit na lista civil. A lista civil do Rei de Inglaterra compõe-se das seguintes verbas:
110:000 libras para as despesas particulares do Rei e da Rainha;
125:800 libras para as despesas com o pessoal da Casa Real e com as pensões a invalidos e reformados;
198:000 libras para as despesas proprias de representação da Casa Real;
20:000 libras para obras e reparações;
13:000 libras para beneficencia e actos de caridade do Soberano;
8:000 libras para despesas eventuaes e imprevistas.
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Estas verbas orçam pela quantia de 470:000 libras.
Mais de um terço d'esta somma é affectada, por Act do Parlamento, ao pagamento dos ordenados e das pensões das pessoas pertencentes á Casa Real, como já succedia no reinado da Rainha Victoria.
Tamanha quantia, diga-se de passagem, pequena para a grandeza e população da Inglaterra e suas colonias, foi dada porque os Reis abandonaram ao Estado as grandes rendas da Coroa.
Apenas lhes resta o apanagio do ducado de Lancaster. Este é propriedade particular do Rei; mas o officio de administrador d'esse apanagio é considerado funcção politica, e o Parlamento, todos os annos, é informado da importancia da renda do ducado, mau grado o seu producto pertencer todo ao bolso do Rei.
As pensões não podem ser concedidas pelo Rei arbitrariamente, são submettidas á apreciação do Comptroller: e existe um «auditor of the civil list» que é ordinariamente um dos principaes clerks do Thesouro.
Grande e nobre país, onde os dinheiros do povo são emfim escrupulosamente zelados, onde as sommas da Casa Real cabem até sob a alçada do funccionario superior do Estado que superintende na execução pratica do orçamento!
Porque não ha de proceder-se assim em Portugal? Se eu tivesse a honra de me sentar no logar do Sr. Ferreira do Amaral, a lista civil seria apresentada ao Parlamento como a lista civil inglesa: seria apresentada por parcelas, por verbas, com o que só teria a lucrar o prestigio da Coroa.
Num país pobre, com um operariado mal remunerado, com uma burocracia miseravelmente paga, com os cultores de profissões liberaes em geral escassamente retribuidos, com os propagandistas das ideias revolucionarias que comparam o estipendio opulento de um conto de réis por dia ao magro salario dos proletarios, com os tantissimos a quem a falta de instrucção não deixa perceber as necessidades da representação no officio de reinar, é conveniente fazer a discriminação das verbas da lista civil, para a pobreza, as paixões, e até a ignorancia, não se offuscarem acremente, doerem ou irritarem, com uma somma tão avultada num orçamento reduzido.
A Monarchia só lucrava com este processo.
A boa administração prosperava.
E a Coroa e a sua Fazenda carecem de apparecer ante os olhos da nação como um symbolo de honra, como um modelo de lisura, como um exemplo de inteireza e de economia!
Eis o que os dissidentes fariam. E não se ficaria por aqui.
Cerrar-se-hiam, por um conjunto de providencias, as fendas por onde se escoou, no ultimo reinado, tanto dinheiro para despesas que levantavam a consciencia publica.
Muitas d'essas despesas são verdadeiros adeantamentos - ou peor do que isso!
Refiro me ás despesas nas obras dos Paços em usufruto da Coroa.
Pelo artigo 4.° da lei de 16 de julho de 1855 é «o Governo autorizado a despender annualmente até a quantia de 6:000$000 réis para os concertos e reparações que forem necessarios á conservação dos palacios e jardins que não podem ser arrendados».
Esses palacios e jardins que nunca podem ser arrendados, o § unico do artigo 3.° da mesma lei diz serem «os jardins de recreio e os palacios destinados para residencia ou recreio do Rei».
Pois á sombra do artigo 5.° da mesma lei, nesses palacios e noutros em usufruto da Coroa, que não se acham em iguaes condições, teem-se gasto quantias que, por documentos officiaes, no espaço de 18 annos, se provou excederem a 2:800 contos!
Como foi este abuso? Pela interpretação dada ao artigo 5.º da referida lei. Ella diz:
Art. 5.° O Rei poderá fazer em todos os bens da Coroa, de que trata esta lei, as mudanças e construcções que julgar uteis para sua conservação, melhoramento ou aformoseamento, e todas as bemfeitorias ou construcções não comprehendidas no artigo antecedente, bem como as acquisições, serão pagas por conta do Estado, havendo sobre a sua conveniencia a devida decisão das Côrtes, nos termos do artigo 85.° da Carta Constitucional».
A simples leitura, uma interpretação leal e honesta, fazem ver immediatamente que as despesas de conservação, melhoramento, aformoseamento bemfeitorias e construcções, devem ser, antes, examinadas, estudadas, apreciadas, votadas, pelo Parlamento.
Entendo que, depois de feitas, é que o Parlamento as podia apreciar! E nem isso se fez.
Entregava-se, em mão, á Casa Real os seis contos de réis, que foram, não se sabe como, elevados a quatorze - e faziam-se todas as obras á sombra do artigo quinto!
A consequencia foi o gastarem-se os milhares de contos de réis que, em minha consciencia o digo, talvez assombreasem o Senhor D. Carlos, se d'ellas lhe fosse dado inteiro conhecimento. Sabe Deus por que mãos, e como se escoou tanto dinheiro!
O certo é que, para prestigio da, Coroa, e para se não poderem repetir semelhantes factos, urge tomar providencias.
E o § 3.º do artigo 2.° da proposta de lei em discussão não é bastante explicito e peremptorio para o Rei ficar fora de toda a implicancia do seu nome em assunto que tanto prejudicou a Coroa no reinado de seu augusto pae.
Qual a forma de cortar este mal? Vou eu dizê-lo. Mas, como o assunto se prende com outro, gravissimo sob o ponto de vista moral para o prestigio da Coroa, referir-me hei primeiro a este, a fim de expor, ligando-as, as providencias que julgo indispensaveis.
Qual é esse assunto? O dos arrendamentos, feitos ao Estado, de bens da Casa Real. Ha bens que a Casa Real não pode em caso algum arrendar. Di-lo o § unico do artigo 3.° da lei de 16 de julho de 1885. Este artigo preceitua as condições em que os arrendamentos do outros bens se podem fazer; o prazo é de 20 annos: não pode ser renovado o arrendamento antes dos ultimos tres annos.
Mas ha palacios, jardins e dependencias que não podem ser arrendados. Di-lo o § unico do artigo 3.° Ei-lo, a esse paragrapho:
«§ unico. A disposição d'este artigo não comprehende os jardins de recreio, nem os palacios destinados para residencia ou recreio do Rei, os quaes nunca poderão ser arrendados».
Não ha nada mais claro.
Quaes são, entre outros, estes palacios? Aponta-os a lei de 18 de março de 1834, que no seu artigo 2.° estatue:
Art. 2.° Os bens da extincta Casa do Infantado ficam pertencendo á Casa Real e encorporados nos proprios della: porem os palacios de Queluz, da Bemposta, do Alfeite, de Samora Correia, de Caxias, e de Murteira, casas, quintas e mais dependencias d'elles, são destinados para decencia e recreio da Rainha, como os palacios e terrenos de que trata o art. 85.° da Carta Constitucional da Monarchia.»
Pois estão arrendados, e arrendados até ao Estado, dando-se a aggravante de se pagarem rendas sem haver arrendamento lavrado, alguns d'esses palacios com as suas dependencias!
Tudo isto consta de documentos enviados ao Parlamento.
É illegal. E é immoralissimo.
A pureza de principios mandava que, se a Familia Real não carece d'esses palacios, jardins e dependencias para seu recreio, os devolva ao Estado.
Não os precisa?
Entrega-os.
Pedir dinheiro ao Estado por aquillo
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que é do Estado, e que este, por determinado e exclusi-o fim, lhe concedia, não é proprio da missão immaculada de chefes da Nação.
Mas a Casa Real não pode prescindir d'essas rendas?
Melhor valeria então expor-se a verdade, entregar esses palacios ao Estado e aumentar se claramente, á luz do sol, a lista civil!
Quer se porem, conservar á C era faculdade do arrendamento?
Pois bem. Os arrendamentos quando feitos ao Estado sejam antes approvados pelas Côrtes.
Evitam-se as suspeitas, acaba-se com o favoritismo que possa haver das regiões officiaes em favor da Coroa. E porque isso só redunda em proveito e lustre moral do Rei, sem até lhe tocar em interesses materiaes, e porque isso convem aos interesses do país e aos direitos do Parlamento, proponho que ao artigo 6.° se acrescente o seguinte:
«§ unico. Dependem de previa approvação das Côrtes os contratos entre o Governo e a Fazenda da Casa Real para arrendamento e utilização, em serviços publicos, de quaesquer bens da Coroa que possam ser arrendados nos termos da lei de 1855. Fica tambem entendido que para os fins de que trata o artigo 5.° da mesma lei de 16 de julho do 1855 é indispensavel a previa decisão das Côrtes».
Assim, acaba-se com uma fonte de abusos.
Não se pode, senão por intermedio do Parlamento, arrendar ao Estado palacios reaes, com suas quintas, dependencias e jardins.
Nem pode fazer-se nelles as obras, construcções, aformoseamentos, melhoramentos e acquisições sem previa autorização das Côrtes.
A Coroa não perde - e, se perdesse, mais vale, muito mais, a sua honra! - e a nação vê, sabe claramente, como se gasta o dinheiro nos Paços Reaes e não tem a menor duvida sobre a legalidade e escrupulo com que o Estada paga rendas á Coroa.
O contrario d'isto é proseguir num passado de trevas e de suspeições.
Na grande Inglaterra, a simples entrega do palacio e jardins de Claremont House á Rainha de Inglaterra foi motivo de grande debate no Parlamento Inglês, tão fervorosamente monarchico e tão sentimentalmente affeiçoado á Rainha Victoria.
Nesse grande país, é tal a meticulosidade na applicação dos dinheiros do povo, na conveniencia e opportunidade do pagamento das obras dos Paços e de outras despesas que, como disse na nossa Camara dos Deputados um dos seus mais illustres oradores, no orçamento das despesas dos Paços, apresentado ao Parlamento, até vem designada a verba consagrada, como gratificação de Natal, ao jardineiro do Palacio do Buckingham.
Por isso, por estes e outros significativos factos, o prestigio da Monarchia, que ali se identifica com o amor e respeito ás liberdades publicas, com um religioso cuidado pelo dinheiro do povo é tão profundo, tão intenso, e cada vez cresce e se afervora mais.
Mas - dirá alguem - como se pode demorar a dotação da lista civil, se o Rei precisa da sua dotação para viver? Não teem responsabilidades as opposições, no longo debate travado á volta d'este assunto? Não. Se o Governo tivesse reunido as Côrtes, immediatamente á morte do Senhor D. Carlos, poder-se-hia logo tratar da fixação da lista civil. E isso é o que seria perfeitamente constitucional. Mas poderá objectar-se: se a lista civil deve ser apresentada parcelarmente, com um estudo demorado das differentes verbas, e em face das informações da administração da Casa Real ou do resultado de um inquerito parlamentar, como poderia fixar-se, logo, a lista civil? O Parlamento votaria, interinamente, temporariamente, até uma resolução definitiva, as sommas que julgasse necessarias para a sustentação e decoro do Rei. Não podiam - não discuto a hypothese - reunir-se logo as Côrtes? Urgia dissolvê-las? Acceitemos a hypothese. O Parlamento era convocado somente, como o foi, para começos de maio? Havia tempo, e mais que tempo, desde fevereiro até aquella epoca de se organizarem todas as informações, todos os orçamentos, sobre a administração da Casa Real. Mas supponhamos que não havia. Então - e assim foi proposto pelo Sr. Dr. Egas Moniz em nome da dissidencia - então o Parlamento votaria provisoriamente as sommas que parecessem indispensaveis para a sustentação e decoro da Familia Real. E, depois, se fixaria a lista civil, colhidos honradamente todos os elementos de informação. Se esses elementos honestos e serios de informação mostrassem que a somma a arbitrar legitimamente devia exceder um conto de réis por dia, eu não hesitaria em votar essa somma maior.
O contrario não seria honesto. É isto o que devia fazer-se. Assim como um dos primeiros passos do Governo devia ser o ordenar-se o proseguimento rapido, immediato, do inventario judicial dos bens da Coroa immoveis e moveis, «avaliando-se os moveis susceptiveis de deterioração e fazendo-se dos objectos preciosos uma exacta descripção». Manda-o o artigo 8.° da lei de 16 de julho de 1855. É uma vergonha, um triste symptoma de decadencia, que ainda se não tenha feito. A lei deve cumprir-se sempre. Mas quando a lei roça pelos degraus do Thesouro, por amor do Rei, para a sua gloria e realce, a lei deve ser de uma rijeza de marmore, implacavel como o gladio symbolico que os estatuarios attribuem á deusa formosa e severa da Justiça.
Expus a traços rapidos, mas firmes e decisivos, a minha opinião sobre a lista civil. Disse ao país, e creio que a minha voz chegará ao Paço, a maneira porque eu entendo que se devia proceder. O que eu e os meus amigos politicos fariam fica assim definido. Desde que entrei na Camara dos Pares, jamais revi um discurso, e nem sequer attentei no que me é attribuido nos Summarios das sessões. Nem ao menos revi, quer nos Annaes quer nesse Summario, os discursos pronunciados por mim na sessão, tão dolorosa para o meu espirito, em que tive de defrontar-me com o meu antigo chefe. D'esta vez, já o declarei ao chefe da redacção esta casa, desejo rever o meu discurso. Quero publicá-lo por inteiro, na minha prosa chã e rude. Quero que as minhas opiniões fiquem exaradas, como monarchico que sou, para que, quando cheguem os dias funestos, inevitaveis, se não se mudar o curso das cousas e os homens publicos não desgrudarem os seus olhos cerrados pelas paixões, eu possa dizer que nem me associei nos erros, nem lhes assumi a responsabilidade, nem deixei de dizer ao país e ao Rei aquillo que me mandava a minha honra.
O que se prepara com esse projecto, não é proprio, não, do que estadistas de animo, perspicaz, de resolução austera, com amor desinteressado da monarchia, deviam querer para um Rei subido ao poder no começo da mocidade e que se devia aproximar, por um absoluto esquecimento do passado, do cerebro e do coração da sua patria. Repito-o mais uma vez. Devia ter-se dado uma amnistia, ampla e completa, a civis e militares por todos os crimes politicos até 31 de janeiro inclusive. Devia ter-se logo revogado todos os decretos ditatoriaes, excepto aquelles, pouquissimos que eram, de que urgia o exame parlamentar. (Apoiados). Deviam restaurar-se logo, por uma immediata apresentação ao Parlamento das respectivas propostas de lei nas bases concretas e democraticas apresentadas pela dissidencia, as liberdades fundamentaes do direito de associação, de reunião de imprensa. Devia, na questão dos adeantamentos, que é uma enfermidade a roer, a destecer, as fibras intimas da politica portuguesa, adoptar-se o systema de toda a luz, toda a publicidade, toda a justiça, que não é incompativel com a moderação e a equidade e com o estudo das circunstancias em que taes
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factos se produziram. Devia, na lista civil, proceder se de modo a que o Rei ficasse com as sommas absolutamente necessarias á sua alta situação, conformes com os recursos economicos e financeiros do país, e que essas quantias, votadas esclarecidamente pelo Parlamento, apparecessem perante a nação inteira como insusceptiveis de falsificação ou de mentira.
Nada ha que perca os thronos como a suspeita de que os dinheiros do povo escorrem, ás occultas, surrateiramente para as arcas do Rei.
Quem quiser atacar no cerce as instituições prova que o Chefe do Estado recebe o que não lhe pertence, que os Ministros obtiveram a sua influencia e poderio por condescendencias argentarias, disfarçadas em varios pretextos. O novo Rei devia ser o chefe de uma dynastia nova, apparecer ao povo aureolado não somente do prestigio da tradição, que já é pouco e mal resiste ás ondas da democracia anti-monarchica, mas como o grande Chefe, no poder, da revolução, dia a dia, pacifica e legal, em favor das grandes causas politicas e sociaes.
Deixe-me a Camara embalar-me nesse doce sonho, tão facil de realizar, de um Monarcha novo e profundamente liberal, como o da Italia, que, no dizer do socialista da extrema esquerda, Artur o Laburiola, quasi realizou a monarchia radical - apparecendo aos olhos da nação na attitude nobre de repellir todo o passado, na torre de marfim do mais alto desinteresse material, puro de toda a suspeita, sem uma possibilidade d'aquelles incidentes, sejam, de que ordem forem, que, nos ultimos dezoito annos mancharam o ouro da Coroa portuguesa. É um sonho? As minhas vozes são apodadas de brados revolucionarios? Os meus amigos são chamados jacobinos por aquelles que, tendo enormes responsabilidades nos desastres do ultimo reinado, querem agora dominar e influir nos destinos do país? Pois dominem, e influam, e governem.
Quem lhes quer roubar a força, tanto mais que se apresentam orgulhosamente como tendo nas mãos as faculdades omnipotentes que a Coroa lhes concedeu? Dominem, influam, governem.
Eu e os meus amigos só lhes lembraremos as palavras de Luiz XVIII, nos extremos da agonia, estendendo as mãos sobre a cabeça do neto de Carlos X e dizendo para este, naquella visão do futuro que ás vezes parece illuminar a pupilla baça dos moribundos: «Poupae a Coroa d'esta criança!»
E agora vou entrar na parte mais delicada, mais intima d'este projecto, o artigo 5.°
Não o faço sem temor. Arreceio-me de que uma palavra apaixonada atraiçoe a resolução profunda e sincera de me referir a este assunto, sem as represalias, que aliás seriam bem legitimas, do meu coração ulcerado por tanta injustiça recebida d'aquelles que servi numa longa jornada de tantos annos, quasi desde que no meu cerebro ardeu a luz de uma ideia.
Terei dominio sobre mim. Não me vibrará na voz um fremito de paixão. «Socega, o dominio pertence aos fleugmaticos», dizia na Revolução um dos seus mais poderosos filhos, impassivel e bello como o anjo do exterminio, que assim lhe chamavam, para o livido e tremulo Robespierre. Não a tenho, porque a não possuo de condição natural, a fleugma dominadora e soberana. Mas a mim proprio impus o proposito de me erguer acima de todos os resentimentos, os mais illegitimos, acima de todos os aggravos, os mais injustos.
É assim que eu, sem erguer a voz, digo lamentar profundamente que a pasta da Fazenda, quando já fôra publicado o decreto ditatorial de 30 de agosto, houvesse sido confiada ao Sr. Espregueira.
Não houve neste facto nem uma inspiração, nem um serviço ao Rei. Foi um mau lance, foi um mal para a Coroa. Depois da publicação do decreto ditatorial de 30 de agosto era inevitavel a liquidação, publica e ruidosa, dos adeantamentos.
Como é que foi entregue a pasta da Fazenda a um dos Ministros que teem responsabilidades na entrega de quantias illegaes a pessoas da Familia Real? E d'essa entrega já ha confissão na imprensa e no Parlamento.
O Sr. Espregueira, numa carta particular, com nota de reservada, do Sr. José Luciano, que elle portanto não tinha o direito de converter em documento publico, em documento official, lançou um despacho mandando fazer um adeantamento.
Não me refiro a outros factos. Basta este.
Como é que a um homem publico, implicado num assunto que, depois do decreto de 30 de agosto e depois da entrevista Galtier, havia de ser forçosamente trazido a uma critica ardente, a um julgamento inevitavel, se pode entregar a resolução de um pleito em que elle surge como principal personagem? Como é que ao Rei que abre um reinado novo, ao Rei que escreve a carta de 5 de abril, se lhe indica que tome para seu Ministro aquelle homem publico que tem parte primacial como responsavel nessa herança sinistra legada pelo ultimo reinado?
Não discuto a personalidade do Sr. Espregueira como o Ministro do contrato dos tabacos. Isso já poderia parecer proposito de aggravo. Seja. O chefe do partido progressista fez bem em indicar a um Soberano novo, e que deve fazer um governo que não lembre o passado, o seu Ministro naquelle desgraçado contrato? Passe!...
Mas o chefe do partido progressista, entre quem e o Sr. Espregueira occorreram todos os incidentes dos adeantamentos, foi prudente, foi habil, fez um bom serviço ao Rei, realçou o prestigio das instituições, correspondeu cabalmente ao beneficio da Coroa, que lhe outorgou poderes, como o de escolher Ministros, quando indicou o Sr. Espregueira para a delicadissima situação de Ministro da Fazenda?
Responda a consciencia da Camara! Exponho os factos.
Foi apenas irreflexão, funesta sim, mas irreflexão? Acceito esta hypothese, porque não quero aggravar nem doesta ninguem.
Foi uma irreflexão triste, foi talvez a illusão de que podia continuar na sombra, no mrysterio, depois do decreto de 30 de agosto, e até depois de tantos documentos atirados á publicidade, á liquidação d'essa triste questão. Porque o peor mal d'este longo episodio, tão pouco moral e tão pouco legal, dos ultimos dezoitos annos, foi o medrar, o avolumar-se, esse incidente, á semelhança de larva nascida e criada na treva, numa proposital e accintosa sombra, que pode ser proficua a homens publicos, mas não o é ao Rei!
A traços rapidos, vejamos como a sombra se adensa á volta d'essa questão e como essa noite tem sido irritante para o país e funesta para as instituições.
O Sr. João Franco declarou, na Camara dos Deputados, que haviam sido feitos, illegalmente, adeantamentos á Casa Real.
Reclamou lhe a opposição, no seu legitimo direito, que trouxesse á Camara, logo, todos os esclarecimentos.
Recusou-os.
Quem faz taes affirmações tem as provas.
Negá-las ao Parlamento é, se não um crime, uma audacia.
Em ambas as casas do Parlamento apertou-se uma mordaça aquelles que interrogavam! Veio o decreto de 30 de agosto. Continuou a engrossar a sombra. Nem documentos, nem nomes, nem sommas. Um pregão de descalabro da Casa Real e 160 contos de réis a escorrerem para as arcas da Casa Real. Mais nada.
Uma noite espessa em volta da questão!
Os chefes dos partidos, que, com o Rei e com os Ministros da Fazenda, é que podiam conhecer a questão, o que declararam no Parlamento?
O Sr. Hintze Ribeiro não fez nenhuma declaração precisa; o Sr. José Lu-
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ciano fez uma: «é que o Rei nunca lhe pediu adeantamentos por conta da sua dotação». No espirito publico ficou a impressão de que os dois homens publicos haviam negado: mas as incertezas da sua resposta ainda foram mais avolumadas pelo decreto de 30 de agosto.
E a proposito, como ha alguem, pergunto-o sinceramente, que possa duvidar da existencia de adeantamentos illegaes quando o Rei de Portugal os confessa, os clama, por sua livre vontade, num documento?
Nada de bicos e habilidades que irritam a consciencia publica!
Comprehende-se que um Rei e os seus Ministros attenuem e desculpem erros.
Quando os confessam, é porque a sua consciencia o exige, ou a força da evidencia se impõe por forma que elles os trazem á luz.
Negar os adeantamentos é affrontar até a intelligencia do Chefe do Estado que os veio expor perante os olhos do país.
Existem. São um facto. Só loucos, ou palacianos de olhos grudados, os podem negar.
Esse decreto brigou com as affirmações dos chefes.
Mais sombra sobre sombra! Abre-se o Parlamento. Surge o episodio da carta: é negado pelos jornaes progressistas, pelos leaders da Camara, a existencia d'esse documento em que o Sr. José Luciano ordenava a entrega d'um adeantamento a uma pessoa da Familia Real. Dois dias depois, a carta é confessada, apparece transcrita no orgão official do partido progressista! Foi, pelo país fora, uma sensação de espanto, crescendo ainda mais as suspeições e a sombra.
Acontece ainda um facto que mais vem avolumá-los e para que chamo a attenção da Camara, pedindo ao Sr. Ministro da Fazenda que m'o explique.
Ainda nenhum dos talentosos oradores precedentes a mim se referiu, bem que elle haja preoccupado o espirito publico e mais feito avolumar escuridões á volta d'este caso. Ei-lo:
O nobre chefe progressista na sessão de 21 de novembro de 1906 fez as seguintes declarações, que vou ler devagar:
«Tenho a declarar que nunca, como Presidente do Conselho, me foi pedido qualquer adeantamento sobre a dotação do Augusto Chefe do Estado. Nunca me fizeram tal pedido, nem a nenhum dos Ministros das situações de que fiz parte».
A Camara ouviu bem? Nem o Sr. José Luciano nem nenhum dos seus Ministros recebeu pedido para qualquer adeantamento sobre a dotação do Rei.
Não ha declarações mais categoricas.
Mas tome-se o Summario da Camara dos Deputados de 15 de junho e veja-se a declaração do Sr. Espregueira:
«Pedindo, diz o Summario, aos tachygraphos, que reproduzam absolutamente as suas palavras, pois deseja que fiquem transcritas textualmente como vae pronunciá-las, porque assume a responsabilidade dos actos que pratica».
Esta declaração não foi simplesmente, como se vê. Foi escrita. Até se acha aspada no Summario, tal era a sua gravidade e importancia.
«Fiz, eis essa declaração, supprimentos extraordinarios á Casa Real, mas esses supprimentos são muito inferiores ao limite que é dado ao Governo para fazer adeantamentos aos funccionarios publicos».
E claro: esses adeantamentos foram feitos ao Rei, como funccionario publico. Portanto, sobre a sua dotação. «Sobre a dotação do Augusto Chefe do Estado», são as palavras do Sr. José Luciano.
Como é que estas declarações se conciliam? Ignoro-o.
«Nada, nenhum adeantamento nos foi pedido, a mim e aos meus Ministros, sobre a dotação do Rei», diz o chefe progressista.
«Fiz adeantamentos, como a outro empregado publico, a El-Rei sobre a sua dotação», diz o Sr. Espregueira.
Como se entende?
Ha uma hypothese: o Sr. Espregueira procedeu ás escondidas, procedeu por alvedrio seu. Só quem não conhece a estructura intima dos partidos no reinado do Sr. D. Carlos é que tal poderia imaginar.
Se assim fosse, o chefe progressista não apoiaria, não mandaria defender, na imprensa e no Parlamento, o Ministro que, em assunto tão grave, o não consultou e até veio desmenti-lo.
Significam então essas palavras «não foram pedidos» que os adeantamentos foram dados sem haverem sido solicitados?
Não pode ser. Seria confessar dois crimes: a corrupção da Casa Real e a entrega de dinheiros do Thesouro. Não o posso suppor.
Então, quê?
Que os dois homens publicos não foram exactos, verdadeiros?
Que o Sr. José Luciano fez uma affirmação não correspondente á realidade?
Não quero aggravar. O facto é que as sombras continuam.
Peço ao Sr. Ministro da Fazenda que me explique a contradição flagrante e que concilie a sua frase com a affirmação do seu chefe.
Acrescento ainda que mais sombras se accumulam!
O Sr. Espregueira diz que fez adeantamentos a El-Rei dentro dos limites de operações iguaes aos empregados publicos. Isto é, conforme as leis que regulam os adeantamentos feitos a esses funccionarios.
Ora essas leis são os artigos 1.°, 2.°, 3.° do decreto com força de lei de 21 de abril de 1892, do artigo 16.° da lei de 21 de maio de 1896, e do artigo 123.° e seguintes do regulamento de 23 de junho de 1897. Estes artigos determinam duas formas de fazer adeantamentos.
Por uma, o interessado requer; acompanha o requerimento de um boletim burocratico; recebe 30 por cento dos respectivos vencimentos annuaes, pagando á Caixa Geral de Depositos o juro de 6 por cento até reembolso total e, ao Thesouro, um premio de risco variavel segundo as idades.
Admittindo que El-Rei pudesse ser considerado como um funccionario - e mostro que não pode sê-lo - a quem se applicasse semelhante disposição, foram feitos assim os adeantamentos?
Não. Foram-no por «operação em conta de subsidios devidos pela lei e descritos no orçamento geral do Estado como encargo regular effectivo do Thesouro, precedendo autorização especial do Governo», conforme autoriza o artigo 10.° da lei de 21 de maio de 1896? Essa era a segunda forma de adeantamentos.
Foram feitos assim, por esta forma, que ainda seria admissivel, mau grado não se achar regulamentado aquelle artigo. Não.
Como é, então, que o Sr. Espregueira faz as suas declarações, pelas quaes se conclue que deu adeantamentos a El-Rei o Sr. D. Carlos, como empregado publico, pela sua dotação? Sempre escuridões, sempre sombras!
Sombras em tudo! Tão profundas, que todos ou muitissimos dos Ministros ignoravam o que se passava nessas conferencias havidas entre o Rei o Presidente do Conselho, entre este e os Ministros respectivos, a proposito dos adeantamentos ao Rei ou a pessoas da Familia Real.
Digo-o e repito-o. Nunca em Conselho de Ministros, no meu tempo, se versou semelhante assunto. Nunca com o Sr. Presidente do Conselho, com o seu collega da Fazenda, com qualquer dos Ministros dos Gabinetes de que fiz parte, troquei uma palavra sobre tal materia.
Era convicção minha, quando esta questão se levantou, que os Governos progressistas não haviam feito adeanta-
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mentos, entregado quaesquer sommas illegaes ao Rei, a pessoa da Familia Real.
Nem por sombras suspeitei d'aquillo que já hoje é conhecido.
Faço estas affirmações, com toda a energia, sem intenção de aggravar ninguem, sem o proposito de carregar as culpas de outros.
É precisa toda a luz, toda a justiça: mas são crueldade e paixão os relampagos de odio hysterismo de perseguição a nevrose de castigar.
Os adeantamentos á Casa Real são actos illegaes: caiam responsabilidades legitimas, sejam de que ordem forem, sobre os que nelles intervieram.
Não podem comparar-se com outros adeantamentos, porque estes assumiam o aspecto gravissimo de serem feitos ao Chefe do Estado, ao supremo depositario da lei, a quem dá ou tira o poder.
Em verdade, porem, não foram elles um incidente d'essa funesta politica chamada do engrandecimento do poder real, que criou na sociedade portuguesa o desrespeito á lei e um modo de ser, da vida politica, muito caracteristico?
Na Inglaterra, ha a velha frase «a lei vale mais do que o Rei, porque a lei é que faz o Rei e não é o Rei que faz a lei».
Aqui, durante um larguissimo periodo, entendeu-se o contrario. Convergiam os olhos para o Paço: a lei era a vontade do Presidente do Conselho, que, por seu turno, era ou se julgava ser o reflexo da do Rei.
Invocava-se - lembram-se todos, não é assim? - o nome do Rei para tudo. Introduziram-se na administração abusos, praxes, que desnervaram toda a fiscalização seria.
O Parlamento collaborava nessa obra, até porque o menor sinal de independencia ou de protesto correspondia á sua dissolução.
O desprezo da lei tornou-se a atmosphera respiravel. Por mim recordo-me de actos que pratiquei, condescendencias que tive, acções de clientela, praxes que encontrei, e reconheço que, não sendo um espirito transigente nem uma consciencia facil, fui algumas vezes, até sem d'isso dar tento; na corrente doentia d'esse tempo.
Os que vivem á beira dos paúes, por mais resistente que seja o arcabouço, tambem soffrem de febres!
A politica do engrandecimento do poder real tambem consigna o regime presidencial que já aqui tão brilhantemente descrevera o Sr. João Arroyo, formidavel orador que a Camara admirara neste debate.
A vida politica superior decorria entre o Rei e o Presidente do Conselho.
Eram estes os unicos que estavam em relações constantes e directas.
Creio firmemente que houve muitissimos Ministros que jamais trocaram uma palavra com o Chefe do Estado sobre assuntos das suas secretarias! E - a verdade sempre! - talvez muitas vezes porque d'elle se não aproximavam, com receio de ferir susceptibilidades do chefe do Governo, que, por mercê do regime presidencial, avocara a si toda a influencia real e criara uma situação privilegiada, quasi omnipotente. Porque era até que se conservara tão profundo sygilo nesta questão dos adeantamentos? Porque os Ministros, sabe Deus ás vezes com que repugnancia e através de quantos desgostos, fizeram os adeantamentos que o Presidente do Conselho, sendo o unico que falava com o Chefe do Estado, lhes impunha. Porque este mysterio, esta reserva, era até, junto da Coroa, uma das forças, um dos elementos do poder, do chefe do Governo e chefe de partido.
Poder-se-hia dizer que a suprema austeridade, a altiva e austera hombridade, deviam mandar romper com semelhantes imposições. É verdade! Mas havia a malaria que contaminava os mais fortes! Infiltrara-se nos animos a doença do desrespeito á lei. E, diga-se toda a verdade, os homens publicos que resistissem estavam condemnados a morrer politicamente, sem que os apoiasse sequer o seu partido e sem que a propria nação, desconfiada e tambem doente, lhes desse a menor força. Não se sabe o que aconteceu com alguns homens publicos, dos mais eminentes do país, quando romperam com o chefe politico dos seus partidos? Nem Paço nem povo os acompanharam.
O Paço repelliu-os: o povo não os alentou.
Em França, quando foi dos dias tormentosos do Terror, um dos mais valorosos organizadores da revolução, o poderoso escritor e implacavel orador da Constituinte, l'abbé Sieyés, ligou o seu voto, sempre silenciosamente, a alguns actos dos maios violentos d'aquella epoca tão grande nas suas obras de redempção de um povo, como grande até em desvairamentos e paixões.
Um dia perguntaram a Sieyés: - «que fez durante o Terror?» - «Vivi» - respondeu. Viveu, porque se ca ou, transigiu, obedeceu. Não é heroico - mas é humano! A vida do poder, da luta, da dominação, é tão precisa nos que mourejam a faina de homem publico, como a vida physica. Quem resistisse áquella funesta theoria do engrandecimento do poder real com a omnipotencia absoluta do Paço e na Presidencia do Conselho, morria para o Governo, para a consideração do seu partido, e não encontrava na opinião publica o amparo moral que influe alento para a resistencia e para o combate.
Não exponho este quadro, de uma flagrante realidade, para attenuar a responsabilidade de quem quer que seja. Repito: quero toda a luz, quero a effectivação das legitimas responsabilidades. Mas a justiça é dizer a verdade inteira. Digo-a. É porque a digo, e porque quero toda a claridade é que me insurjo contra o artigo 5.° que, a juizo meu, se originou no proposito de continuar as trevas do passado, que interpretou mal a vontade do Soberano traduzida na sua carta de 5 de abril e que prosegue as escuridões d'esta dolorosa questão dos adantamentos.
A simples leitura d'esse artigo 5.°, tal como o Governo, com assenso dos partidos, o apresentou, mostra como a vida velha, com as suas falsidades, requer prorogar e impor-se. Que determina elle? A criação de uma commissão especial, nomeada pelo Parlamento, composta de funccionarios - um juiz do Supremo Tribunal de Justiça, um vogal do Supremo Tribunal Administrativo, um outro mais do Tribunal de Contas, e ainda outro da Junta do Credito Publico, todos presididos pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça - encarregados da liquidação de contas entre o Estado e a Fazenda da Casa Real. Esta proposta é, como o provou o Sr. Medeiros no seu bello discurso, inconstitucional. Offendia, como mostrou, o artigo 10.°, § 1.°, e o artigo 36.°, § unico, da Carta Constitucional. Teria, alem d'isso, a inconstitucionalidade de dar áquella commissão a faculdade de fazer leis, pois só por uma lei se podia fazer a liquidação dos adeantamentos. Se assim não fosse, bem estava o decreto ditatorial de 30 de agosto! A Camara não pode delegar as suas attribuições legislativas. Mas o que a mim ainda importa accentuar mais do que a inconstitucionalidade é que, para o funccionamento d'essa commissão, não se determinava o processo a seguir, nem se fixava prazo para a liquidação. Quer dizer: estava-se em face de um caso semelhante ao da portaria de 22 de novembro de 1879, referente aos direitos em divida, nas alfandegas, da Casa Real, o seu encontro com creditos da Casa Real sobre o Thesouro Publico. Trinta e nove annos são decorridos e ainda não veio a publico, ainda não o conhece o Parlamento, ainda o não conhece o país, ao resultado dos trabalhos d'essa commissão! O mesmo aconteceria agora; foi uma tentativa da vida velha com as suas sombras e habilidades!
A opposição da Camara dos Deputados, as reclamações da commissão parlamentar de inquerito, fizeram que
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essa proposta tivesse uma modificação. Ella foi no sentido de que será approvada por lei a quantia que for reconhecida como saldo a favor do Estado. Esta modificação em nada alterou a inconstitucionalidade da proposta. E, sob o ponto de vista de confusão, de sombras, de habilidades, é ainda vida velha. Começa logo por estatuir que será approvada por lei a quantia reconhecida como saldo a favor do Estado: portanto, não o havendo, não é precisa lei, portanto não carece a questão de vir ao Parlamento. É o que está na proposta. O Sr. Ministro da Fazenda já declarou que, em todas as hypotheses, a questão viria ao Parlamento. Não bastam declarações. É preciso que a lei o preceitue, e nesse sentido mando para a mesa uma emenda, concebida nos seguintes termos:
«Artigo 5.° Uma commissão presidida pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, composta de um juiz do mesmo tribunal, de um vogal do Supremo Tribunal Administrativo, de um vogal do Tribunal de Contas, e de um vogal da Junta do Credito Publico, designados pelos mesmos tribunaes e pela Junta do Credito Publico será incumbida da liquidação de contas entre o Estado e a Casa Real; A QUAL SERÁ APPROVADA POR LEI; a quantia que for reconhecida como saldo a favor do Estado será paga pela fazenda da Casa Real em prestações annuaes, não inferior a 5 por cento d'essa quantia».
Nem essa porem arranca este artigo, assim modificado, de uma atmosphera de ambiguidades e sombras. Quaes são as attribuições d'essa commissão? Distinctas das da commissão parlamentar? Não, porque esta pode assumir as mais amplas attribuições. Nada lh'o veda. - Sendo assim, contendo-se dentro d'estas, para que serve? O Sr. Presidente do Conselho, na sessão de 26 de maio, da Camara dos Deputados, em resposta ao illustre Parlamentar o Sr. Moreira de Almeida, disse que essas attribuições eram larguissimas e que, se houvesse divergencias entre as opiniões da commissão parlamentar e a extra-parlamentar, prevaleceriam aquellas. Então, quaes os seus effeitos? Faz o mesmo que a commissão parlamentar? Inutil. Diverge? Inutil, porque prevalecem as opiniões da outra. Então, sendo assim, porque continua? Que razões mysteriosas a fazem subsistir? Vida velha, vida velha!
Em tudo a contradição e a confusão! Um conto de réis por dia, de lista civil, isto é, para decoro do Rei - e nesse conto de réis, nessa somma, dada para «o decoro da sua alta dignidade» o Governo inclue outra que não é precisa para tal decoro, pois apenas representa o pagamento de uma divida!
O Governo diz que insere este artigo para honrar a carta de El-Rei, que é generosa e nobre.
Mas, dando o dinheiro ao Rei já com o fim d'este pagar a sua divida ao Estado, é o Estado quem a si proprio paga! E, sendo esta somma dada por 20 annos, o Estado não recebe a divida e ainda continua a pagar ao Rei a titulo e com o pretexto d'essa divida, ao fim de 20 annos, aquillo que não é preciso para o decoro da sua alta dignidade!
Já se viu maior desatino?
Mais ainda: do conto de réis por dia tira-se annualmente 5 por cento sobre o valor da divida. Mas esta a quanto sobe? Ignora-se. Não pode saber-se, pois ainda vae ser fixada. Portanto, se for muito grande, que succederá? É que ella absorve a dotação ou uma parte importante da dotação! Com o que ficará então o Rei ou como conservará elle o decoro da sua alta dignidade?
Quanto á questão se o Rei deve ou não pagar os adeantamentos de seu pae, encaro-a ainda mais sob o ponto de vista moral do que legal.
O Rei disse que pagava. Pague. Assim se interpretou a sua carta. O Rei fez bem. Quer proceder como, com as dividas de seu pae, procedeu o Rei de Italia, Humberto I. Tudo quanto seja tolher, ou illudir esse nobre movimento, a opinião publica vê-lo ha com uma suspeita que não honrará a causa da realeza. Como monarchico, sou de opinião que deve honrar-se a palavra do Rei. Á questão legal antepoe-se a questão moral.
Como devia pois tratar-se a questão dos adeantamentos? O que deveria fazer-se de modo a respeitar os legitimos direitos na nação? É simples: resolver este incidente com toda a publicidade, com toda a justiça. Não deveria por modo algum confundir-se este assunto com o da lista civil. O Governo devia trazer ao Parlamento todos os elementos de informação, relativos á entrega de quaesquer sommas á Familia Real ou a pessoas da Familia Real. Esses elementos todos seriam entregues a uma commissão parlamentar, composta de representantes de todos os partidos da Camara. Essa commissão teria poderes de avocar a si todos os documentos de que ainda carecesse e de ir ás Secretarias de Estado.
Essa commissão faria um relatorio dos seus trabalhos, indicando as medidas a tomar. Por sua iniciativa, ou pela do Governo, seria elaborada e apresentada ás Camaras uma proposta de lei «a fim de que se autorizasse uma transacção com a Casa Real nas condições que se estabecessem, com respeito ao quantitativo da divida e forma do pagamento ou determinava a criação de um tribunal para a resolução d'esta questão, conforme o artigo 56.° do Codigo do Processo Civil.
Nesse tribunal, cujos membros seriam da nomeação de ambas as partes interessadas, discutia-se a questão dentro de prazo determinado, observando-se os preceitos legaes já estatuidos.
Se não fosse possivel fazer essa transacção, decidia-se o pleito no Tribunal Arbitral, servindo as indicações do relatorio da commissão de esclarecimento ao representante do Estado».
Foi neste sentido feita uma declaração pelo Sr. Dr. João Pinto e pelos meus amigos, na Camara dos Deputados. Essa doutrina, tão clara e tão nobre, é a que agora eu sustento. D'esta forma não havia sombras, e a resolução da questão dos adeantamentos, sob o ponto de vista do Estado rehaver o seu desembolso, seria nitida e clara, sem possibilidade dos longos e multiplos debates, que tão funestos podem ser.
Vou acabar a minha oração. Ella foi um discurso sem utopia, sem paixão. Falei em nome da ordem, em nome da verdade. Foi um discurso sem utopia, porque apresentei formulas praticas de solução. Foi sem paixão, porque não tive aggravos para ninguem. Ao Governo, presidido por um homem de bem e um liberal, não o accusei com vehemencia porque seria injustiça: elle tem feito serviços, assumiu o poder quando outros o repelliam e, se não tem feito quanto devia, já tem praticado obras uteis e liberaes: alem d'isso, elle representa os dois partidos historicos. Estes é que são responsaveis. Aos partidos, fiz merecidos traços de critica, e o meu desejo é que elles se differenciem por ideias como nos tempos do seu esplendor e se saibam integrar numa monarchia liberal e progressiva. Falei em nome da ordem, absolutamente indispensavel neste país, porque só as soluções nitidas que apresentei podem inspirar a confiança, base da ordem e acalmação. Falei a verdade á Casa Real e expu-la sem sequer empregar a rude energia, aliás tão bella e nobre, como dois fidalgos portugueses, em 1827, se referiram ás despesas da Casa Real e, ás sommas da lista civil. Trouxe-as hontem, a essas palavras, o Sr. Medeiros a esta Camara. Grandes fidalgos, grandes portugueses!
Eram da raça, por ventura descendentes d'aquelle D. João de Menezes de quem o grande Rei, «o homem», dizia que lhe devia muito «porque nunca lhe falava á vontade».
Inspirei-me, no meu discurso, nos principios supremos da justiça e de respeito á soberania nacional, condições da verdadeira liberdade, da liberdade que todos os homens publicos de-
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vem amar não só pelo bem que lhes faça, mas até pelos soffrimentos que lhes traga, á semelhança de um fidalgo escocês que, havendo tido uma audacia amorosa para a linda Maria Stuart, subiu ao cadafalso, de onde, olhando as janelas reaes, tristemente bradou: «adeus á mais linda e á mais cruel das francesas... adeus áquella que me faz morrer e por quem morro de amor»! A justiça e a soberania nacional, como attributos da liberdade, são nos tempos que vão passando palavras que produzem calafrios nos animos conservadores. A esses annos, tão ardendo em zelos realistas, para que me não apodem de jacobino, lembro-lhes que D. João IV, Duque de Bragança, Rei de Portugal, disse: «Os Reis mais que os outros homens devem dar ao mundo razão das suas acções. A justiça e observancia d'ella conserva as monarchias mais do que as armas».
Estas palavras foram escritas talvez ao mesmo tempo em que as Côrtes portuguesas, em 1641, lhe disseram: «o poder dos Reis provem originariamente da nação; a esta, e só a esta compete velar pela execução das leis e até recusar-se á obediencia quando o Rei, pelo seu modo de governar, se torne indigno e tryannico».
Da soberania nacional, disse o primeiro Rei constitucional, D. João VI numa proclamação aos portugueses: «A minha real autoridade só é legitima e forte quando se funda na vossa vontade e no vosso amor, porque só no vosso amor e na vossa vontade acha os seus direitos legitimos».
Eu e os meus amigos votamos contra este projecto, pelos principios que expusemos. Aquelles que se dizem incondicionalmente realistas vêem no até por aquellas palavras de dois Principes da Casa de Bragança, um que fundou a dynastia, outro que foi o primeiro Rei constitucional d'este país. E, seja por que motivo for, nós todos rejeitemo lo, porque é um serviço ao país e um grande e honesto serviço á monarchia.
(S. Exa. foi cumprimentado por varios Dignos Pares).
O Sr. Sousa Costa Lobo: - Tinha pedido a palavra unicamente para me occupar do regime administrativo da Casa Real.
Mas não se assiste a uma discussão travada entre tão distinctos oradores, como os que me teem precedido, sem que surjam ao espirito novas ideias, e o desejo de as manifestar.
Nem o tempo nem as forças me bastariam para referir tudo quanto me tem suggerido a discussão.
Limito-me, pois, a um ponto capital que servirá de preambulo ao assunto que principalmente desejo ventilar.
Uma horrorosa catastrophe, sem exemplo na nossa historia, fulminou o país.
Se a crise mental e material d'ahi originada está ou não conjurada, não me atrevo a decidir, porque não conheço sufficientemente o estado do país.
Mas ninguem contestará que seja de suprema importancia inquirir das causas que originaram essa tremenda desgraça.
Scientificamente, esse inquerito deve primeiro determinar a causa directa e immediata, e d'ahi pode remontar ás causas superiores e concorrencias collateraes.
Discutirei unicamente a primeira. E essa foi a acção governativa e, e João Franco.
Releve-me, pois, a Camara que enuncie a minha opinião sobre a execravel obra de João Franco, porque diverge consideravelmente do que tenho ouvido no decurso d'esta discussão.
E, para o fazer, procuro collocar-me na situação do historiador que, passados seculos, julga imparcialmente o passado, de que só resta a memoria.
Não desconheço a imprudencia de me intrometter com paixões ainda candentes.
Mas as tremendas calamidades por que ternos passado encerram uma lição momentosa, e essa lição, no meu entender, não tem sido correctamente interpretada. Seja dito sem immodestia, e com o devido respeito.
João Franco não commetteu nenhuma empresa inaudita na historia.
Tem-se falado na tentativa de regresso ao regime absolutista.
Essa accusação revela uma grande confusão de ideias. O regime absoluto em todo o mundo está em via de completa extincção, como o demonstram os recentes acontecimentos na Russia e nos países musulmanos.
Nem o Marquez de Pombal abrigaria hoje uma tão desatinada pretensão, porque era um estadista, e sabia muito bem distinguir o factivel do impossivel.
Mas ha um poder bem mais temeroso, que não morreu, antes cobra cada dia nova vitalidade. É o que se chama o cesarismo.
É o regime preconizado por quantos detestam o Governo parlamentar. O cesarismo, qual o ideou o seu autor, de quem deriva o nome, é sob apparencias constitucionaes, e sem exclusão de assembleias legislativas, o poder supremo exercido por um ditador.
Entre os dois systemas de Governo, absoluto e cesareo, ha um ponto commum: é que em ambos domina exclusivamente a vontade de um unico individuo. Mas o poder absoluto do antigo regime era limitado pela organização social então existente, pelas franquias da Igreja, da aristocracia, dos concelhos e de muitas corporações religiosas, scientificas e industriaes.
O cesarismo, que é de facto o poder absoluto, mas conferido pelo voto popular, não reconhece nenhuma restrição.
E esse poder, tanto pode ser conferido pelo povo a um Monarcha, como a um funccionario electivo, tanto por plebiscito, como pela annuencia tacita.
E não ha duvida que, em tempos modernos, ella tem levado a cabo obras grandiosas.
Foi estribado nelle que D. Pedro IV derribou em Portugal o antigo regime absolutista. Nelle se firmara o Imperio de Napoleão I. Com essa investidura effectuou Bismarck a unificação da Allemanha.
E digo que a concepção cesarista ganha cada vez mais em vigor. É preconizada por profundos pensadores. Quem o duvidar leia os escritos politicos de Renan, de Carlyle em Inglaterra, de Nietzsche em Allemanha: recordo apenas os apologistas mais conhecidos. E o que sobretudo a robustece é que tem a seu favor a grande maioria do partido socialista.
Nós em Portugal, que andamos sempre um seculo atrás do mundo civilizado, entretemo-nos ainda com a obrigatoria questiuncula das formas de Governo, monarchico ou republicano.
A questão que hoje domina no mundo não é essa. É a de quem ha de governar, se o capital, se o trabalho.
Os socialistas, para attingirem o seu fim, teem mais confiança no cesarismo do que na republica parlamentar.
Essa questão foi ha dois ou tres annos debatida no congresso socialista de Haya, entre os Srs. Jaurès, um dos chefes ao socialismo em França, e o Sr. Bebel, chefe do socialismo allemão. Não posso cansar a Camara com pormenores, mas o que lhe posso afiançar é que Bebel tratou com o maximo desdem a questão da forma de Governo, preferindo, no estado actual das cousas, a monarchia allemã á republica francesa.
Segundo o que se pode colligir das suas manifestações publicas, era este poder cesareo que João Franco pretendia implantar em Portugal. É o que elle chamava o engrandecimento do poder real. Neste proposito era favorecido pelas tendencias de que acabo de fazer menção; e ainda por uma forte corrente nesse sentido, de que ninguem pode contestar a existencia no nosso país, corrente produzida pela completa descrença no regime parlamentar.
Que justificação invocava João Fran-
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co para o seu procedimento? Invocava o assentimento popular, quer dizer, o fundamento do cesarismo.
Mas nunca poderia elle ter conseguido o seu fim, porque para essa empresa requeria se um estadista de gigantesca estatura, e elle não era senão um pygmeu, intellectual e politicamente.
Mas, como diz o nosso povo, a verdade manda Deus que se diga; elle procedeu francamente, e não desmentiu o seu nome patronymico.
Vou illustrar o meu pensamento com a narração de um facto historico, de que não somente fui testemunha presenceal, mas em que fui pessoalmente envolvido. O facto não é conhecido, se bem que já uma vez o referi d'este logar.
Era o dia 19 de maio de 1870. O Parlamento estava então aberto: e para esse dia fôra marcada sessão nesta Camara. Porem, durante a noite, tinha estalado uma revolução em Lisboa. O Ministerio foi forçado a demittir se. O país era governado por um illustre ditador, cujo busto adorna o ambito d'este hemiciclo e para quem está votado um monumento glorificativo.
Naquelle dia, á hora regimental, compareci nesta sala. Encontrei-me aqui com um pequeno numero de collegas, numero insufficiente para se abrir a sessão. Naturalmente nos juntámos todos a discutir os acontecimentos. De repente franziu-se o reposteiro d'aquella porta de entrada, a da esquerda da Presidencia. A ella assomou um sargento. Posso garantir que não era mais que um sargento, se não era ainda de posto inferior.
E o sargento disse as seguintes palavras, que me ficaram para sempre gravadas na memoria:
«O marechal manda dizer que os senhores que, aqui então podem continuar a estar, mas que não entra mais ninguem».
E o sargento retirou se.
Recommendo este facto á meditação dos homens publicos.
Passo agora ao assunto de que especialmente fiz cargo.
Sr. Presidente: como em toda a argumentação se requer certeza nas premissas, dirigi ao Sr. Ministro da Fazenda um requerimento pedindo-lhe me informasse sobre a sua competencia na administração economica da Casa Real em relação á lista civil e a quaesquer outras verbas de despesa, autorizadas pelo Parlamento.
S. Exa. teve a amabilidade de me responder em um officio, de que pedi a inserção no Summario das nossas sessões.
Esse officio notifica que a missão do Ministerio da Fazenda se limita a entregar á Casa Real as sommas autorizadas, e que nada mais sabe a esse respeito; que é de crer que haja na Casa Real regulamentos administrativos approvados por Sua Majestade. Claramente o digno Ministro entende que esses regulamentos estão fora da sua alçada.
O conhecimento d'esses regulamentos teria sido para mim de um grande auxilio no desempenho da minha tarefa, porque eu ignoro completamente a economia interna da Casa Real. Assim não tenho, para assentar o meu juizo, outros elementos senão os que constam da notoriedade publica.
Todavia creio que estes bastarão para me fundamentar.
Solicitei tambem a informação sobre quem representa a Casa Real como entidade civil. A esta pergunta o illustre Ministro responde que o representante deve ser um mordomo nomeado por El-Rei, segundo o preceituado no artigo 84.° da Carta Constitucional.
Discutirei em primeiro logar este ponto, porque basta uma ligeira consideração para sobre elle se formular um juizo definitivo.
Das expressões do officio - deve sei - se deprehende que no Ministerio da Fazenda não se sabe ao certo quem é esse representante civil da Casa Real. E cumprehende-se essa incerteza.
O teor do artigo 84.° da Carta Constitucional é o seguinte:
«A dotação, alimentos e dotes, de que falam os artigos antecedentes, serão pagos pelo Thesouro Publico, entregues a um mordomo, nomeado pelo Rei, com quem se poderão tratar as acções, activas e passivas, concernentes aos interesses da Casa Real».
Quem é, pois, na actualidade, esse mordomo, de que fala o artigo? É o mordomo-mor, ou o administrador da Casa Real? E quem é que representa os outros membros da Familia Real? É o mesmo personagem, quem quer que elle seja, ou um outro? O Sr. Ministro nada sabe a este respeito, e ainda menos eu.
Perguntei tambem a S. Exa., no meu requerimento, se havia alguma legislação especial a este respeito. A este particular não responde o officio, de onde concluo que não ha nenhuma.
Ora, todos os artigos da Constituição carecem de uma lei regulamentar, e o artigo 84.° não faz excepção. Não é mester possuir um grande cabedal de conhecimentos juridicos, para se ante verem as duvidas que deve offerecer no foro a execução d'este artigo.
Assim, por exemplo podem, porventura, ser applicaveis ao Rei aquellas prescrições do Codigo do Processo Civil, que obrigam a parte a comparecer pessoalmente em juizo, e a inhibem de se fazer representar por procurador?
Pode o Rei ser citado para depor ou jurar pessoalmente na presença do juiz, sob pena de ser havido por confesso quanto aos factos sobre que se requereu o depoimento ou o juramento?
Evidentemente que não.
Deve, portanto, o referido artigo 84.° ser autenticamente interpretado como um preliminar indispensavel para uma regular administração da Fazenda Real.
Qual seja a legislação constituenda, deixo ao juizo dos jurisconsultos. Para isso fallece-me a competencia. Mas, evidentemente, um principio fundamental é o da legislação de todos os países monarchicos, que o Rei não pode comparecer em juizo senão por procurador.
Passo agora a discutir outro elemento de reforma, que, no meu entender, deveria ser introduzido na administração da lista civil, e dos supprimentos a essa lista, outorgados pelas Côrtes. Esse elemento é a superintendencia do Governo.
Sentiria profundamente se as observações que vou submetter á consideração da Camara causassem o minimo dissabor a qualquer membro da Familia Real.
Eu considero a Familia Real como uma das familias mais desgraçadas que ha hoje em Portugal.
A tremenda calamidade que a excruciou, a horrorosa carnificina a que foi presente, os trances angustiosos que experimentou, são para commover o animo mais empedernido.
O meu intento é prestar-lhe um serviço, e lamento que não tenha havido alguem, mais autorizado do que eu, que d'elle se tenha lembrado, o que me dispensaria d'este penoso encargo, e me daria maiores probabilidades de bom exito.
Vou mandar para a mesa a seguinte proposta:
«Proponho que, sem prejuizo da votação do projecto em discussão e ouvidas as commissões de fazenda e legislação, seja o Governo convidado a apresentar ás Côrtes uma proposta de lei regulando a applicação da lista civil e de quaesquer sommas autorizadas para despesas da Casa Real, e determinando o processo de prestação de contas pelos funccionarios palatinos, encarregados da respectiva administração».
É esta a minha proposta.
Não me impute V. Exa., Sr. Presidente, a presunção de eu, julgar que ella seja adoptada.
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É um triunfo, que, velho como sou nesta Camara, nunca consegui.
Depois, desgraçadamente, os acontecimentos demonstram o acerto das minhas previsões. Mas a Constituição não me outorgou aqui um logar, senão para emittir o meu parecer, e, por isso, continuarei a lavrar na areia.
Como a Camara vê, é esta proposta apenas uma recommendação feita ao Governo, que não impede a immediata votação do projecto em discussão; uma recommendação a que o Governo e as commissões de fazenda e legislação darão o valor que entenderem. A minha opinião é que não deveriam desprezar o alvitre que proponho, porque seria util para o país e para o Soberano. Mas é este um voto individual, porque não posso falar senão em meu nome, e sei bem o apreço que merece um voto isolado.
Justificarei agora em breves palavras a minha proposta.
Para nós, os monarchicos, o Rei não é um individuo, é uma instituição.
O Rei é uma magistratura, que exerce altas funcções politicas e administrativas, e que representa a nação perante as potencias estrangeiras. Assina-se-lhe o que se chama uma lista civil, para que elle possa desempenhar o seu officio com independencia e dignidade. É de um conto de réis por dia
Attenta a importancia relativa dos dois países, é proporcional á do Rei de Espanha, que é de cerca de tres contos e meio diarios, sete milhões de pesetas por anno.
Por isso tambem me associo ao parecer dos oradores que teem sustentado não dever aquella quantia ser onerada com dividas, que a nação pagaria de bom grado, e que vão diminuir consideravelmente a modesta dotação de dois setimos da lista civil espanhola.
Respeitando e honorificando o Throno, a nação respeita se e honra-se a si propria.
Por que razão estamos nós deliberando nesta sala de luxuosa architectura? Não seguramente para nossa satisfação individual, qualquer barraca de madeira serviria para o proposito; mas porque a nação quer indicar, pelo apparato externo que os rodeia, o respeito que devem merecer os seus representantes.
Se eu tivesse o poder de liquidar a questão das dividas da Casa Real, tinha-o feito de uma maneira muito simples.
Trazia ao Parlamento uma lista completa de todas as dividas da Casa Real. Propunha-lhe que todos os adeantamentos do Thesouro fossem cancellados; que a nação pagasse os debitos a particulares; e que se tomassem as medidas convenientes para se não repetirem semelhantes desaguisados.
Era este proceder nobre, generoso, e, por fim, mais proficuo para a nação do que a crueza de Shylock, reclamando o arratel de carne retalhada do corpo do seu devedor.
Em logar d'isto; qual é a situação actual?
Tenho assistido com toda a attenção, e com o unico desejo de me elucidar, a toda a discussão d'esta Camara. Tenho lido os debates da outra Camara, e os jornaes. Pois é me absolutamente impossivel dizer, nem ainda muito em grosso, a monta d'essas dividas.
Consequentemente é-me igualmente impossivel decidir a quanto fica reduzido o conto de réis diario que se vae conceder ao Rei.
O Sr. Teixeira de Sousa presume que, com os rendimentos da Casa de Bragança, elle ha de bastar. Mas isto é apenas uma conjectura, porque S. Exa. nem sabe ao certo quanto rende a Casa de Bragança.
O Sr. Dias Costa limitou-se a dizer que a Casa Real tem ainda muitos recursos, mas não nos informou de quaes elles sejam.
Mas a todos quantos oradores se teem occupado d'esta questão o que unicamente lhes dá cuidado é que o Thesouro não perca os seus dinheiros; quanto ás outras dividas a particulares, lá se avenha o Rei como entender.
Aproveito esta occasião para confutar uma opinião do ultimo Digno Par cujo nome menciono.
Julga o Sr. Dias Costa que a superintendencia governativa na Casa Real é uma tyrannia, porque, diz S. Exa., ninguem admitte a ingerencia alheia na administração da sua casa.
S. Exa. labora numa falsa concepção da Casa Real. A Casa Real não é uma casa qualquer. Ha encargos annexos á majestade do Throno, de que estão immunes os subditos.
Se um particular administra mal, e se arruina, as consequencias recaem unicamente sobre elle. Mas se a Casa Real é mal administrada, não padece somente o Rei, mas, com elle, padece a nação inteira, porque é abatido o decoro do Chefe do Estado.
Pois o Digno Par não tem deante dos olhos, bem claras e palpaveis, as consequencias d'essa má administração?
Não insisto sobre este ponto, porque, para o tratar exhaustivamente, seria forçado a emittir juizos, que somente o futuro historiador poderá imparcialmente formular.
Vou apontar ao Digno Par o exemplo mais demonstrativo que conheço da differença entre a Familia Real e uma familia particular.
Que ha no lar domestico de mais repugnante á publicidade que a gravidez da esposa? E todavia os periodos da gravidez da esposa do Rei, determinados pelos medicos da real camara, são publicados no Diario do Governo.
E quando nasce o Principe?
Ignoro a pragmatica de Portugal. Mas a pragmatica em Espanha é caracteristica, e põe bem em relevo a differença, que estou definindo.
Quando se dão os prenuncios do parto, toda a Côrte é convocada officialmente para uma sala contigua aos aposentos da Rainha, e o recemnascido é apresentado por seu pae, em uma salva de prata, a toda a Côrte assim reunida.
E por que se faz tudo isto? Porque as occorrencias na Casa Real interessam a nação inteira e não unicamente uma familia.
Que se deduz incontroversamente de toda a questão dos adeantamentos, que tanto tem commovido a opinião publica?
Deduz se que a Casa Real tem sido pessimamente administrada. Não faço excepção a todos os mais ramos da Fazenda Publica.
Uma casa que gasta mais que o seu rendimento é uma casa mal administrada.
Diz-se geralmente que na Casa Real ha muitos desperdicios.
O anno passado, um jornal, as Novidades, de que sinto não ter guardado os respectivos numeros, apontava muitos d'esses esbanjamentos, e ninguem, que saiba, o contraditou.
Em qualquer economia domestica, onde não ha conta, peso, nem medida, a ruina é inevitavel; e que essa era a condição da Casa Real, é a impressão que me ficou da leitura d'esses artigos.
Nem é de espantar.
A incuria e a imprevidencia nos gastos constituem um traço distinctivo do caracter nacional. Em todas as classes domina o prurido de uma vã ostentação. E foi sempre assim, do que dão testemunho a historia e a literatura.
Não classifico de profusão muitas pensões e esmolas concedidas pela caridade dos Soberanos, a qual o Sr. Dias Costa justamente encomiou.
Mas aqui, no meu entender, está o maximo perigo.
A caridade é, sem duvida, uma obrigação christã e humanitaria. Um animo compassivo é naturalmente propenso a esquecer a medida dos seus haveres. O prazer proveniente do beneficio conferido exerce uma seducção difficil de refrear.
É na consideração inolvidavel de deveres superiores que se ha de estribar a firmeza necessaria para a resistencia. Ultrapassar as suas posses é uma culpa e um desatino, em qualquer grau da hierarchia social.
Eu creio que não ha ninguem tão
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opulento, que, se fosse a satisfazer todos os pedidos que lhe são endereçados por pessoas realmente necessitadas ou que se dão por taes, não ficasse em breve reduzido á miseria.
No nosso país, por aquella disposição gerada por quatro seculos de absolutismo, em que o Rei era a ponte de todas as graças e mercês, são sem conto os desvalidos que se lembram de recorrer á caridade regia. É uma manifestação do atavismo nacional.
E se não são satisfeitos, naturalmente não indagam se cabe nos haveres do Soberano o dar-lhes remedio, mas attribuem a causa a mesquinha avareza.
O Sr. Presidente do Conselho disse-nos aqui o outro dia que El-Rei queria satisfazer as dividas de seu pae, e encareceu muito este intento. O Sr. Dias Costa abundou no mesmo sentido. Estão na tradição nacional.
Para nós, os portugueses, o Monarcha ideal, e tambem o Governo ideal, é aquelle que nunca recusa um dispendio de dinheiro; mas d'onde ha de vir esse dinheiro, d'isso não curamos.
Permitta-me a Camara que, com risco de passar por um snob e pedante, me autorize com uma recordação historica.
Recentemente, lendo uma historia do reinado de D. Sebastião, deparou-se-me um documento, em que os seus contemporaneos louvavam este Rei pelo seu animo grandioso, e apontavam como um dos seus meritos, «que todas as mercês, que, faz, lhe parecem pequenas, e não sente ser pobre, senão pelas não poder fazer grandes, e, se as não faz, é porque lh'o estorvam, porque elle sempre para isso teve vontade».
Quer dizer, pobre como era, se lhe não fazem embargo, o Rei por sua vontade reduzia-se á miseria.
E o mais gracioso é que, nesse mesmo escrito, procuravam dissuadir a Rainha viuva, D. Catarina, de se passar para Castella, porque ali, «se V. A. quiser fazer mercê do que leva d'estes reinos ás pessoas que vo-lo hão de pedir, que por isso hão de esperar, virá V. A. a pedir esmola muito depressa». Evidentemente porque em Castella não teria quem lhe fizesse os supprimentos requeridos para o exercicio da regia liberalidade.
Ora é exactamente isto que um povo, analfabeto como o nosso, ainda hoje espera do Rei, inesgotavel largueza.
O povo não concebe, nem lhe importa, que o Rei fique a pedir esmola. Por isso e necessario pôr ao lado d'este um desalmado, sobre quem recaia a responsabilidade das recusas, e as consequentes imprecações.
Qual é actualmente a situação do Rei a respeito da sua fazenda? Se condescende com os innumeros pedidos que lhe fazem, vê-se em breve reduzido ás tristes condições em que hoje se encontra, alvo de offensivas discussões. Se recusa, adquire a situação de mesquinho, que será igualmente explorada pelos inimigos da monarchia.
Falei dos actos de caridade individual. Mas ha um sem numero de solicitações de todo o genero que lhe são dirigidas para obras de beneficencia, de culto religioso, scientificas, literarias, artisticas, e outras que ignoro. Do Soberano se espera que patrocine todo o benemerito emprehendimento de iniciativa particular.
Qualquer de nós pode avaliar, por experiencia propria, a quanto isso deve montar no caso do Soberano. Mas um particular recusa quando mais não pode, e ninguem dá attenção a isso, senão os desfavorecidos; uma negativa do Rei vem logo para as gazetas, onde é malsinada, deturpada, ridicularizada, como se elle tivesse ainda á sua disposição as especiarias da India e as minas do Brasil.
A respeito d'este genero de contribuições posso citar um facto de que tenho conhecimento. É de notoriedade publica, porque todos os seus tramites vieram publicados nos jornaes. Mas eu fixei-os, porque me fizeram uma triste impressão.
Vou referi-lo com muita repugnancia. Mas preciso de comprovar a minha proposta, e, como não tenho a eloquencia que arrebata o animo dos ouvintes, sou obrigado a valer-me de factos positivos.
Sua Majestade El-Rei o Senhor D. Luiz I, de saudosa memoria, em uma sessão da Academia Real das Sciencias a que presidia, annunciou que constituia á mesma Academia o donativo de um conto de réis annual, para ser por ella conferido, como premio, á melhor obra de literatura que tivesse apparecido durante o anno.
Com toda a veneração pela memoria do generoso Monarcha, não me seja levado a mal o dizer que, na minha humilde opinião, nem a Fazenda da Casa Real permittia esse donativo, nem julgo que a literatura seja promovida por essa forma.
A literatura fautoriza-se soccorrendo os homens de letras que tenham dado provas da sua capacidade. O talento litterario é congenito, desenvolve-se, mas não se adquire, pela industria; e nenhum premio o fará surgir onde elle não existe.
O que a Academia tem feito d'esse conto de réis que, segundo parece, lhe tem sido desde então continuado pela Casa Real, não o posso dizer.
Não duvido que lhe tenha dado uma applicação muito proveitosa. Mas não sei, nem creio, que a literatura tenha por elle recebido o minimo additamento.
Não para aqui a lição que pretendo derivar d'este facto.
Era ainda recente a nefanda atrocidade que angustiou a alma de Sua Majestade El-Rei, quando a Academia lhe enviou uma deputação para lhe perguntar se continuaria o referido donativo. Que havia de Sua Majestade de responder? Respondeu que sim. Assim interpellado, e naquelle momento, não podia dar outra resposta.
Aqui é que se patenteia com toda a evidencia a necessidade de um economo responsavel. Se elle existisse, era a sua obrigação responder redondamente que não, porque á Fazenda Real não sobravam recursos para essa largueza, aliás de utilidade muito problematica.
Naturalmente a Camara espera que eu lhe diga como se procede nos países estrangeiros a respeito da administração da lista civil. Alguma cousa lhe posso dizer, mas não com tanta plenitude como desejava, porque os meus elementos de informação foram unicamente aquelles que casualmente tinha á mão. O Governo pode facilmente, por meio dos nossos representantes diplomaticos, inteirar-se, se assim o entender, de todas as particularidades nos differentes países.
A Inglaterra é um país cujo exemplo se pode sempre imitar com inteira confiança em pontos do regime constitucional e da administração financeira. É de lá que vem esta denominação de lista civil.
Ali essa lista que, conforme diz a respectiva lei que a confere ao Soberano no principio de cada reinado, lhe é assinada «para sustentar a sua casa e a honra e a dignidade da Coroa», é superintendida pelo Ministerio chamado do Thesouro (The Lord of the Treasury), Ministerio de que é sempre titular o chefe do Governo, o primeiro Ministro.
A lista civil da Rainha Victoria, e suppõe que tambem a do actual Monarcha, é de 385:000 libras. Nesta somma não se comprehendem as dotações especiaes de cada um dos outros membros da Familia Real.
Seguramente eu não tenho a loucura de comparar a lista civil da opulenta Inglaterra com a do pobre Portugal. O que pretendo demonstrar com esta referencia é que esse povo, muito respeitador do seu Soberano, entende que se não offende a dignidade da Coroa impondo-lhe as restricções aconselhadas por uma previdente administração financeira.
O Digno Par Sr. Cunha citou com lastima e desdem o caso de não sei que Ministro de Estado inglês, que falava de joelhos ao Soberano, lhe beijava a mão e até chorava. Saiba o Digno Par que ainda hoje o Presidente da Camara dos Communs, o Speaker, quando
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entrega ao Rei alguma mensagem da sua Camara, sempre o faz de joelhos.
A somma que constitue a lista civil é pela lei dividida em cinco verbas estrictamente limitadas, e o Thesouro é responsavel pela applicação d'estas verbas aos fins determinados.
A primeira, 60:000 libras, é para a bolso particular do Monarcha; é com esta que elle tem de custear a sua economia domestica, com excepção das despesas, a que são applicadas as outras verbas. D'estas tenho aqui tambem os algarismos, mas não vale a pena apontá-los. Bastará dizer que uma verba é para os salarios dos dignitarios e servidores regios; outra para pensões aos criados aposentados: ainda outra, igualmente perfixada, para esmolas, obras de beneficencia e piedade: aqui temos a limitação imposta aos estimulos da liberalidade. Este limite é de 13:200 libras, 59:400$000 réis.
E, finalmente, o ultimo, para occorrencias imprevistas.
Se, porventura, acontecer que a lista civil seja excedida, o Governo é obrigado a apresentar ao Parlamento, dentro de trinta dias, uma conta documentada e particularizada. Com tanto rigor fiscaliza a mais pecuniosa nação do globo as despesas da Casa Real.
Em Italia posso unicamente dizer que a lista civil é sujeita á inspecção do Ministerio da Fazenda; porque, juntamente com as outras contas do Estado, é annualmente apresentada ao Parlamento uma conta da sua gerencia.
E com tanta minudencia é elaborada esta conta que desce até aos centesimos de lira. A este proposito dizia uma vez chistosamente um jornal que, se o Rei tivesse comprado um charuto mais, tinha ultrapassado a sua dotação. Por forma alguma entendo que se deva entre nós chegar a taes extremos.
Em França, no tempo do imperio, havia um Ministro da Casa Imperial unicamente occupado d'essa administração. E, sem embargo d'isso, nos termos do decreto de 26 de maio de 1853, todos os annos o Imperador nomeava uma commissão especial, cujo relatorio era submettido á sua approvação, para verificação e apuramento das contas da gerencia da lista civil. Ignoro o que agora se faz nesse país, mas não tenho a menor duvida de que ha de dar-se alguma especie de revisão nas despesas votadas pelo Parlamento para uso do Chefe do Estado.
Estas informações, torno a repetir, são muito incompletas, mas creio serem sufficientes para demonstrar que nos países de uma sensata administração financeira se julga indispensavel uma verificação da gerencia da lista civil.
No nosso país, as deploraveis occorrencias que ultimamente teem vindo a lume, e suscitadas pela ausencia de toda a fiscalização, tornam, mais que em nenhum outro, imperativa a instituição de um qualquer processo que impossibilite a reincidencia.
A minha proposta limita-se a recommendar ao Governo que estude a maneira de effectuar esse impedimento, mas sem prejuizo, sem adiamento do projecto pendente.
O artigo 4.° d'este projecto diz, é verdade, que nenhuma outra quantia, alem das autorizadas, será abonada para despesas da Casa Real. A disposição d'este artigo é, só por si, uma demonstração cabal da necessidade da providencia que recommendo. Em um país no qual se julga muito curial o estabelecer, como prescrição topica e occasional, um principio fundamental da Constituição do Estado, ninguem pode ter confiança nos propositos da sua observancia.
Pois, porventura, até agora tinha alguem competencia para abonar á Casa Real qualquer quantia, que não tivesse sido autorizada pelas Côrtes?
Terminarei com algumas reflexões genericas, que submetto ao julgamento d'aquelles que consideram qualquer interferencia na administração da Casa Real tão indefensavel como o seria no caso de qualquer outro individuo.
Eu estou convencido que seria um grande serviço prestado á Coroa o libertá-la de requerimentos, de engodos, de astucias, de lisonjarias, de todos os impulsos á asserção do personalismo.
Ordinariamente, nas Côrtes dos principes, os que contrafazem a verdade são os que grangeiam o amor, são palavras do Padre Antonio Vieira, e este, que muito frequentara as Côrtes, falava com conhecimento de causa.
Estou convencido de que, hoje em dia, não ha monarchia possivel, sem que seja realidade objectiva, e não mera fraseologia, o artigo da Constituição que declara o Rei irresponsavel.
Dentro d'estes limites, o campo de acção de um Monarcha constitucional é ainda muito dilatado, e subministra-lhe a faculdade de prestar incalculaveis serviços ao país, e de legar ao porvir um nome glorioso.
Não tardarão a desencadearem-se incriminações contra o Parlamento. Em verdade já começaram. Eis aqui o que diz um jornal de uma terra sertaneja, descontente com a attitude do Parlamento na questão vinicola.
Lê-se aqui uma violencia increpação contra o Parlamento.
(Leu).
É necessario guardar o Rei dos conselhos d'aquelles desavisados ou ardilosos, que, apontando-lhe estas expressões de descontentamento, o incitem a assumir funcções que a Constituição lhe não confere. Se o Parlamento se desmanda, a nação o revocará ao cumprimento dos seus deveres. Em todo o caso é certo que, fora da sua esfera constitucional, a acção regia é inefficaz, quando não é nociva.
Alem d'isto, sobre elle recaem todos os aggravos, reaes ou imaginarios, de qualquer individuo ou collectividade.
A este respeito seja-me ainda relevado citar um facto, que, pela sua mesquinhez e feição comica, mostra as miseraveis vindictas, que o Rei inconscientemente provoca, quando nelle julgam concentrado todo o poder governativo.
É o caso de uma freguesia rural da provincia, que ameaça passar-se em massa para o partido republicano, se lhe não concedem uma estação postal.
Tenho aqui o jornal em que se encontra a noticia referente ao caso.
(Leu).
No fastigio do Throno a posição é muito tormentosa, e afigura-se-me que, contemplada d'ahi, a humanidade deve offerecer um espectaculo desolador. Por isso é necessario rodeá-lo de antemuraes, que o amparem contra o resvaladeiro da prepotencia e da soberba. É necessario incessantemente lembrar, ao Soberano que, para bem ou para mal, os seus actos ficarão para sempre gravados no bronze da historia; que a posteridade o ha de julgar; e que a memoria do seu reinado é immorredoura, emquanto houver um país chamado Portugal.
Em conclusão, entendo que a adopção da minha proposta seria uma garantia de regularidade economica na Casa Real, o descargo para o Monarcha de dissabores e responsabilidades, um exemplo para o país de uma judiciosa administração, e o consequente realce das instituições monarchicas.
(O orador foi cumprimentado por muitos Dignos Pares).
O Sr. Presidente: - Como está quasi a dar a hora de concluir os trabalhos, encerro a sessão, dando para ordem do dia de ámanhã a mesma que vinha para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram 5 horas da tarde.
Dignos Pares presentes na sessão de 18 de agosto de 1908
Exmos. Srs.: Antonio de Azevedo Castello Branco; Marqueses de Avila e de Bolama, de Penafiel, de Pombal, de
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Sousa Holstein; Condes: das Alcaçovas, de Arnoso, do Bomfim, do Cartaxo, de Castello de Paiva, de Castro, de Figueiró, das Galveias, de Mártens Ferrão, de Sabugosa, de Valenças; Viscondes: de Athouguia, de Monte-São; Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Sousa Costa Lobo, Teixeira de Sousa, Campos Henriques, Fernando Larcher, Mattozo Santos, Veiga Beirão, Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Simões Margiochi, Ressano Garcia, Baptista de Andrade, D. João de Alarcão, João Arroyo, Joaquim Telles de Vasconcellos, Vasconcellos Gusmão, José de Alpoim, Silveira Vianna, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Pimentel Pinto, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Sebastião Telles e Sebastião Dantas Baracho.
O Redactor,
JOÃO SARAIVA.
Rectificações
Por lapso não se designou na sessão n.° 33, de 3 de agosto de 1908, a que horas ella começou, e quantos Dignos Pares responderam á chamada Começou ás 2 horas e 25 minutos e estavam presentes 26 Dignos Pares. Tambem por lapso se não disse que a acta da sessão anterior fora approvada sem reclamação, e que não houve expediente.
Nos Annaes n.° 40, de 12 de agosto de 1908, pag. 3, linha 11, onde se lê: «ao Estado de 567:900$000 réis»; deve ler-se: «do Estado, de 567:900$000 réis».