DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 331
como membro do ultimo ministerio de que tive a honra de fazer parte.
E digo inexactidões, porque a inexactidão na apreciação das cousas, muitas vezes póde provir do que se diz, e outras do que se deixa de dizer, e que era necessario que se dissesse.
Eu não pretendo discutir nesta casa a consulta do supremo tribunal administrativo, ainda que não ha nenhuma entidade official, que, em um paiz livre, não esteja sujeita á fiscalisação do parlamento e da imprensa.
Analyso simplesmente os actos do governo, no uso do direito, e com a obrigação que me assiste de velar pelo stricto cumprimento da lei e de pugnar pelos interesses publicos e pelo desaggravo da verdade e da justiça, quando assim é necessario.
Limito-me, pois, a discutir a resposta ao recurso, dada pelo sr. ministro da guerra, em referencia á reclamação sujeita ao supremo tribunal administrativo, pelo então, tenente coronel o sr. Quintino Lopes de Macedo.
Essa resposta do sr. ministro da guerra não fornece todos os elementos necessarios para a apreciação é solução da questão.
Nessa informação, o sr. ministro, em vez de enviar ao supremo tribunal administrativo os mais amplos e completos esclarecimentos de facto sobre o assumpto, o que me parece que deveria ser o objecto essencial, senão unico, da sua informarão, achou melhor fazer a critica de um acto de um seu antecessor, taxando esse acto de incorrecto e illegal, assertos estes de s. exa. que pareciam bem desnecessarios e intempestivos; porque a legalidade ou ilegalidade era o tribunal a que o negocio fora sujeito que a havia de julgar, e as incorrecções dos actos dos ministros é o parlamento que as julga, e não os ministros uns aos outros, em decretos do executivo, o que é deprimente, tanto da dignidade pessoal como do decoro e prestigio dos poderes publicos.
Portanto, sr. presidente, o que eu preciso demonstrar é que o acto censurado pelo actual sr. ministro da guerra não foi incorrecto, nem illegal, e que pelo contrario, a censura do sr. Fontes Pereira de Mello é que foi uma irregularidade desusada; mas antes de entrar nas observações que preciso fazer, permitta-me a camara que lhe leia o decreto a que tenho de me referir.
(Leu.)
Primeiro que tudo, cabe-me perguntar, como é que se applicou á resolução deste negocio o decreto de 10 de dezembro de 1868, quando o sr. ministro da guerra em 1880, durante a discussão nesta camara da celebre questão dos coroneis, confessou e sustentou que aquelle decreto não estava em execução, e effectivamente nunca fizera obra por elle durante a sua longa gerencia?
Como é que ainda ultimamente, em 9 de fevereiro deste anno, s. exa. apresentou na camara dos senhores deputados um projecto de lei, para que se puzesse em Vigor o artigo 75.° daquelle decreto?
Como é que se explicam estas contradicções?
Como é, pois, que, não estando em execução o decreto de 10 de dezembro de 1868, e que para poder vigorar foi preciso que o sr. ministro julgasse necessario apresentar um projecto de lei, se foi, não obstante isto, applicar aquelle decreto á resolução de uma questão, considerada como litigiosa, e que foi commettida á decisão do supremo tribunal administrativo, como ultima instancia do contencioso?
Como é que se fazem vigorar decretos com força de lei, que estavam suspensos por longa successão de annos, por despachos em requerimentos particulares?
Como é que a jurisdicção e competencia dos tribunaes é pura materia de despachos ministeriaes?
Como é que, por um simples despacho, ignorado do publico, se creou jurisdicção especial, e ad hoc, para resolver tambem uma questão especial e unica?
Isto encerra uma irregularidade de ordem tal, que até offende o artigo 145.° § 10.° da carta constitucional da monarchia, que peço licença á camara para ler:
"Ninguem será sentenciado senão pela auctoridade competente, por virtude de lei anterior, e na forma por ella prescripta."
Ora o que é evidente é que, não estando em vigor o decreto de 10 de dezembro de 1868, nem abolido p foro militar, ou as leis vigentes sobre promoções militares; nem tão pouco tendo sido decretada a nova forma do processo perante o supremo tribunal administrativo, o sr. ministro da guerra creou a seu bei praser uma nova jurisdicção para julgar um certo negocio contra todos os principios de direito e constitucionaes que determinam que não se podem instituir jurisdicções, nem formas de processo senão por lei.
Nem ao menos se publicou previamente um decreto declaratorio que dissesse que estava em vigor, para todos, daquella data em diante, o decreto de1868.
Em vez disto auctorisou-se por uma forma bastante irregular a resolução do negocio a que me estou referindo; de sorte que nos futuros annaes das resoluções ou acórdãos do supremo tribunal administrativo, sobre questões militares, em virtude da lei recentissima que acaba de ser decretada em côrtes, tem que figurar um decreto, cor assim dizer prehistorico, unico no seu genero e para o qual fora exhumado o decreto de 10 de dezembro de 1868.
Mas está, ou não, em vigor o decreto de 10 de dezembro nos seus differentes artigos, e póde um ministro, por qualquer acto seu, pôr este ou aquelle em execução a seu livre arbitrio?
Deixemos, porem, estas considerações, e passemos a outras.
Disse o sr. ministro da guerra que não achava muito correcto, nem conforme com as disposições legaes o modo por que tinha sido feita aquella promoção. As proprias expressões do sr. ministro são as seguintes, que vou ler:
"Que não julgava muito correcto, nem conforme ás disposições legaes, o acto pelo qual, depois de ter dado por prompto o recorrente para o serviço activo em 30 de julho de 1880, em vez de esperar-se o resultado da inspecção da junta militar de saude, foi em 4 de agosto do mesmo anno promovido a coronel o recorrido Barnabé, que era tenente coronel mais moderno do que o recorrente na mesma arma."
Vejamos, pois, como as cousas se passaram, e examinemos completamente todos os factos e circumstancias para podermos apreciar as afirmativas do sr. ministro e conhecer que leis foram infringidas naquella promoção.
Em 1880, em fins do mez de julho e principios de agosto, quando esta promoção teve logar, estava fora de Lisboa, na provinda de Traz os Montes, o ministro da guerra, fazendo uso das aguas de Vidago, e ali recebia a correspondencia oficial da secretaria da guerra, sobre todos os negocios que dependiam da sua assignatura ou resolução.
Era frequente a correspondencia com todos os chefes de repartição, auctorisados para isso pelo sr. director geral. Tinha tambem ficado assente que em casos extraordinarios e urgentes se dirigisse a secretaria ao sr. presidente do conselho de ministros para decidir o que fosse conveniente, e era ao mesmo sr. Braamcamp que se deviam entregar todas as semanas os decretos que deviam subir á assignatura regia.
Por esta forma a resolução dos negocios, quer fossem promoções, ou outros quaesquer, não se demorava, embora o ministro estivesse em Vidago, assim como não se demoravam quando estava em Lisboa, porque todos os dias quasi sem excepção dava despacho.
Ora, as ultimas participações que recebi em Vidago, da secretaria da guerra, foram do chefe do gabinete, datadas de 26 de julho e de 1 de agosto, e as do chefe da pfi-