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SESSÃO N.° 45 DE 17 DE DEZEMBRO DE 1906 571

applauso de todos. Tambem eu tenho o mesmo desejo, mas essa commissão não tem attribuições para isso, não tem iniciativa, não tem poderes.

Se por seu livre alvedrio estudasse uma organização, qual o meio para a fazer vingar? O Ministro não era obrigado a pol-a em vigor, e esse trabalho ficava perdido.

Sabendo de antemão que o trabalho que fizesse de nada serviria, quem é que se abalançava a estudar, ou expor os seus conhecimentos sem ter ordem para isso?

Agora, depois de approvado este projecto, já a commissão tem attribuições que lhe dá a lei, e tem iniciativa para propor o que entender mais conveniente para o bem do exercito e do paiz, e o Ministro da Guerra qualquer que elle seja tem de acatar e pôr em execução os seus trabalhos.

Dizem S. Exas. que ficam cerceadas as attribuições do Ministro da Guerra.

Não ha duvida, mas é para evitar as demasiadas attribuições que tem e de que teem feito demasiado uso, que se adoptam estas medidas, afim de evitar alterações successivas e muitas vezes caprichosas das instituições militares.

O supremo conselho fica com maiores faculdades e com mais estabilidade porque só por uma lei pode ser derogado.

O Sr. Ministro da Guerra podia effectivamente modificar esta instituição, não ha duvida; mas para o fazer tinha de recorrer a um acto de dictadura.

Aqui tem V. Exa. a razão por que eu entendo que a doutrina d'este projecto é util e vantajosa para o exercito e a Camara o deve approvar para que as instituições militares não estejam todos os dias a soffrer alterações ao capricho de qualquer Ministro. Assim o exercito sabe que as suas reformas são feitas pelo proprio exercito, pelos seus officiaes mais competentes e hão de ter estabilidade.

Se S. Exas. inventassem outra cousa melhor que tenha estabilidade, que não possa ser derogada facilmente, bom era, porque eu não tenho até hoje visto que os que teem combatido este projecto tenham apresentado propostas que resolva ou substitua esta, dando mais vantagens e mais garantias.

Para que V. Exa. e a Camara vejam a instabilidade das nossas instituições militares, vou ainda referir-me a outros factos.

Toda a gente conhece as luctas e as opiniões que tem havido para se saber como nós havemos de defender o nosso paiz, e quaes os pontos de concentração onde havemos de esperar o inimigo se tivermos a desgraça de sermos atacados.

Houve tempo em que se queria que nós esperássemos o inimigo o mais proximo possivel das fronteiras e para isto fizeram se muitos estudos, escreveram-se muitas memorias, fizeram-se muitos levantamentos de terreno, etc., etc.

Depois este plano foi absolutamente abandonado.

Em seguida pensou-se em estabelecer campos entrincheirados. Mandou-se estudar o terreno para estabelecer um em Celorico, comprehendido entre esta posição Guarda, Trancoso e Serra da Estrella.

Fizeram-se estudos do terreno, fizeram-se exercicios militares nas suas proximidades, escreveram-se memorias etc., etc. Despertou um grande enthusiasmo entre os militares o campo entrincheirado em Celorico. De repente faz-se uma callada completa em torno d'este plano. Nunca mais se ouviu falar em campo entrincheirado em Celorico. Passou de moda. Apareceram outras ideias novas. Por essa occasiào tambem se ouviu falar n'outro campo entrincheirado no Alemtejo, parece-ine que entre Estremoz e a Serra de Ossa. Tambem se mandaram fazer reconhecimentos, exercicios, estudos, se escreveram memorias, se impulsionaram os espiritos por este plano.

Passa-se tempo, succedeu o mesmo que a todos os outros anteriormente concebidos.

Nunca mais se falou em tal.

Morreu á nascença.

Mais tarde imaginou-se esperar o inimigo mais no interior do paiz. Para ,a execução d'este plano, concebeu-se um campo entrincheirado proximo de Tancos, comprehendido entre os rios Tejo, Zezere, Nabão e a estrada districtal n.° 51, tendo como guarda avançada a praça de Abrantes. Ignoro se este plano tambem foi ou não posto de parte, pois ha muito que não ouço falar n'elle.

Ouvi tambem falar que entrava no plano da defesa de Lisboa fortificar a peninsula de Setubal. E provavel que este plano não tenha sido abandonado, porque o Tejo já não basta para a capital se julgar defendida, pois o grande alcance da artilharia moderna é mais que sufficiente para bombardear Lisboa, sendo collocada em ponto distante da margem esquerda.

Por isso creio que este plano não estará posto de parte.

Mais tarde pensou-se que só se havia de defender o paiz fortificando as duas cidades, Lisboa e Porto.

Como se previsse que o inimigo podia occupar parte do paiz, porque estando de posse das provincias do norte tirando todos os recursos ás forcas de defesa, o que seria muito prejudicial, este plano foi ainda abandonado e imaginou-se então concentrar só em Lisboa a defesa do paiz.

Veja V. Exa. que diversidade de planos e ideias em assumptos de tão capital importancia.

Vamos agora a ver o que aconteceu com o plano de concentração das forças apenas nas proximidades de Lisboa. Tambem é curioso o que tem acontecido.

Imaginou-se primeiro que para defender a capital era necessario tres linhas de defesa, ou antes quatro. As opiniões mais auctorizadas eram que a defesa da capital fosse mais exterior, o mais distante possivel.

A primeira linha de fortificações devia ter a sua extrema direita em Santarem apoiada no Tejo, passando pelas alturas de Rio Maior, e indo apoioar a extrema esquerda em Peniche, no Oceano.

A segunda linha tinha a. extrema direita na Alhandra, passava pelas alturas do Sobral de Monte Agraço e terminava na foz do rio Sizandro, tambem no Oceano. Eram as antigas linhas de Torres Vedras.

A terceira tinha a sua extrema esquerda na Povoa de Santa Iria passava por Mafra e ia terminar em Safarujo, proximo da Ericeira.

A quarta, a mais interior, apoiava a sua extrema direita em Sacavem e a esquerda em S. Juião da Barra. Este plano, que parecia dever estar assente, foi tambem em parte modificado.

A praça de Peniche, que era considerada um ponto importante para se apoiar a extrema esquerda da linha exterior, foi desclassificada, está hoje abandonada. Uma praça que sempre foi considerada pelas sumidades militares de uma grande importancia foi posta de parte, e nem ao menos foram aproveitados os seus magnificos quarteis para a installação de alguma força militar. Única praça que desde o seu inicio, no tempo de D. Sebastião, continuada pelos Filipes e considerada de uma grande importancia por officiaes sabedores da arte da guerra, está reduzida a ter um destacamento de sargento.

A prova da grande importancia que lhe ligaram é que se chegou a construir a estrada militar de Santarem a Peniche.

Está hoje posta de parte, quasi esquecida.

Atrevo-me n'esta occasião a pedir ao illustre Ministro da Guerra que olhe com attenção para esta praça, porque pode ainda ter muita importancia para a defesa do paiz.

Até pelas suas tradições deve ser aproveitada. Actualmente está abandonada e d'aqui a alguns annos não terá apenas vestigios de ter sido uma praça de guerra de primeira classe.