484 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
a que podessem ir as duas companhias, embora depois, segundo as leis, cada uma dellas liquidasse o seu direito,
Insinuava se que no contrato progressista não havia a luz de um negocio limpo, a luz dos estudos, que deveriam preceder qualquer resolução sobre assumpto tão importante.
Insinuava-se, emfim, que no contrato progressista mo havia a luz de um negocio limpo, a luz do concurso, em que se attendesse ás conveniencias do estado em conflicto com as de um que, misterioso e occulto.
No contrato progressista era tudo mysterioso e occulto, eram só trevas e mysterios!
E agora, sr. presidente, que luz temos nós no contrato do sr. Hintze Ribeiro?
As mesmas trevas, os mesmíssimos mysterios, e o sr. Hintze Ribeiro ali sentado, e a companhia, da Beira Alta a protestar em nome dos principios e doutrinas do sr. ministro, e nós a sanccionar tudo isto!
Eu, não, sr. presidente, não saccionarei este profundo desprezo pelos principios da probidade doutrinai e da moralidade politica.
E agora peço licença ao digno par, o sr. Vaz Preto, para lhe pedir que não exija do sr. ministro das obras publicas explicações acerca do seu decoro e da sua honra, compromettidos neste negocio.
O partido progressista desprezou as calumnias e os calumniadores; não usará agora dessa arma vil, pelo contrario, proclamará bem alto que o sr. Hintze Ribeiro é um ministro honrado, mas que não merece a dignidade da sua confiança politica. (Apoiados.)
O partido progressista está vingado, porque a ponta do punhal que tentara feri-lo, redigiu depois este contrato. (Apoiados.)
O debate vae longo, mas era necessario que o fosse, porque alem da gravidade do assumpto havia responsabilidades politicas a liquidar.
Sobre isto nada mais direi; vou entrar agora pacifica e friamente no assumpto para que tinha pedido a palavra.
Sr. presidente, disse-nos o digno par o sr. Bocage, que não desejava nem queria ter objectivo politico.
Se eu desde La muito não conhecesse o caracter serio e honrado do digno par, diria á camara que se arreceasse dos politicos que na sua estreia parlamentar fazem declarações desta ordem.
A experiencia nos ensina, que aos politicos desta casta póde applicar-se o texto latino, que um homem de sciencia applicou ao assucar de chumbo, doce designação de uma substancia, que tão perniciosos effeitos produz! O texto é o seguinte:
"Cave, sub hoc specioso nomine horrendum venenum!
Tomo porem e pela rasão que referi a declaração do sr. Bocage, como a sincera expressão dos seus bem intencionados sentimentos.
Permitta-me, porem, s. exa. que eu declare que, na discussão deste projecto, tenho um objectivo politico; entendo até que não posso deixar de o ter, pertencendo, como pertenço, a uma assembléa eminentemente politica, exclusivamente politica.
O meu objectivo politico, subordinado inteiramente aos interesses do paiz, não será mostrar que o contracto progressista é preferivel ao regenerador; da preferencia estou eu, estamos todos nós convencidos. O que neste momento me importa, o que a todos devia importar, e modificar o projecto de modo que seja melhor o contraio do que é, e melhor ainda, se é possivel, do que fora o contrato progressista.
Nas circumstancias actuaes, depois dos esclarecimentos que temos, enteado que, sem desprezarmos as justissimas conveniencias de quaesquer companhias ou emprezas constructoras, podemos attender melhor ás não menos justas conveniencias do estado. Neste sentido fallarei, apresentando duas modificações ao projecto, as quaes no meu parecer o tornam aceitável. E com a franqueza, de quem o não preocupam suggestões partidárias, devo declarar á camara que não votaria o contrate progressista sem modificações, aconselhadas pelo conhecimento mais exacto que hoje ha acerca do assumpto.
Arredarei do meu proposito a estratégia militar, que desde ha muito percorre a linha de Lisboa ao norte do paiz por Torres Vedras, em diversas ruinas e sob innumeráveis formas. É um Proteu estratégico, que se prestaria á critica alegre dos curiosos, se não fosse a respeitabilidade da sciencia militar que a serio e gravemente discutisse este memoravel assumpto.
A estratégia militar da linha de Torres foi com effeito muito bem definida pelo sr. visconde da Arriaga, quando disse: "A estratégia de Alfarellos é uma historia".
Se, por este projecto, a questão de estratégia militar foi resolvida, a gloria dessa resolução pertence unicamente ao sr. Hintze Ribeiro. O sr. ministro, no remanso do seu gabinete, sem attender ás opiniões oppostas da maioria e minoria da commissão nomeada para estudar o assumpto, fez tambem o seu traçado militar, o traçado deste projecto; e depois de approvado pela camara dos senhores deputados e em virtude das instancias da opposição daquella casa do parlamento, foi enviado á commissão militar da defeza da capital e seu porto, que, reunida em quarta feira de trevas, viu claramente a questão militar, afirmando que o traçado do sr. ministro era emfim o verdadeiro traçado militar da linha de Torres.
Ao sr. Hintze Ribeiro cabe, pois, a gloria militar da resolução desta... historia, como disse o sr. visconde da Arriaga.
Lembro á camara a prophecia dos jornaes francezes, que annunciando a forma cão do ministerio, presidido pelo sr. Sampaio, e estropeando o nome e a profissão do sr. Hintze Ribeiro, o alcunharam, de engenheiro militar distincto!
Os jornaes francezes adivinharam, pois, a futura vocação do sr. ministro das obras publicas. (Riso.)
Deixemos, pois, esta historia ca estratégica militar; occupemo-nos de outra, da estratégia e ca táctica das companhias dos caminhos de ferro: entendo que tudo póde e deve dizer-se, quando é opportuno e conveniente que se diga. (Apoiados.)
Sr. presidente, ha dois annos que andamos envolvidos nas pregas de uma intriga entre a companhia dos caminhos de ferro do norte e a dos caminhos de ferro da Beira; (Apoiados.) esta é a verdade.
A companhia da Beira lucta, pelo que lhe convem communicar a Figueira, terminus de sua linha, com a capital; a companhia do norte, promovendo os seus interesses, tem feito e faz quanto póde para evitar que a sua rival obtenha o que tanto deseja e quer.
N'esta lucta de interesses oppostos, as companhias naturalmente empregam os meios Licitos da sua influencia poderosa, e, por isso, buscam no parlamento um ponto de apoio forte que lhes favoreça e respectivo intento.
Não censuro as companhias, não censuro ninguem; todos procedem honradamente, todos usam dos meios licitos de que podem usar.
Creio, porem, que na resolução dos assumptos d'esta ordem deverá haver a maxima cautela da parte dos governos, dos que o apoiam ou combatem, principalmente quando essas companhias logram a ventura de se verem representadas no poder, como actualmente succede á da Beira Alta.
É facil, n'estas circumstancias, nascer um ou outro boato, de certo infundado, que, inoculando-se no espirito publico, vá crescendo e avultando, alimentado pelos influxos da politica partidaria, e se transforme em gravissima suspeita contra a lisura de contratos, aliás livres de qualquer macula.
Com franqueza, e sem espirito de insinuações malevo-