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SESSÃO DE 30 DE JULHO DE 1869

Presidencia do exmo sr. Conde de Lavradio

Secretarios- Os dignos pares, Visconde de Soares Franco, Conde de Fonte Nova

Ás duas horas e meia da tarde, sendo presentes 19 dignos pares, declarou o sr. presidente aberta a sessão.

Lida a acta da precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento por não haver observação em contrario.

Deu-se conta da seguinte

Correspondencia

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição sobre ser auctorisada a camara municipal de Lisboa a fazer um contrato com a companhia lisbonense de illuminação a gaz, para a illuminação do concelho, sob as bases que hão de regular o mesmo contrato.

Teve o competente destino.

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição sobre ser o governo auctorisado a conceder definitivamente o estabelecimento das linhas telegraphicas submarinas que forem de interesse publico.

A commissão de obras publicas.

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição sobre o modo de contar o tempo do serviço militar aos officiaes do exercito que fizeram, parte do extincto quadro de engenheria civil.

A commissão de guerra.

O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, pedi a palavra para declarar á camara que não tenho comparecido a algumas sessões por incommodo de saude.

Mando para a mesa este requerimento.

"Requeiro que, pela secretaria d'estado dos negocios do reino, seja enviado a esta camara a consulta do conselho d'estado, relativo á pretensão do coronel Theotonio Maria Coelho Borges.

"Sala da camara dos dignos pares do reino, 30 de julho de 1869. = Marquez de Vallada."

Leu-se na mesa, e foi approvado para se expedir.

O sr. Marquez de Vallada:- Visto approximarmo-nos do fim da presente sessão legislativa, pedia que se desse andamento ao requerimento que tive a honra de enviar para a mesa, e que é de um empregado da repartição tachygraphica, o sr. Salazar de Eça. Para que se não demore a justiça que este empregado pede lhe seja feita, e que de certo a commissão administrativa desta camara fará, peço a v. exa. que de as providencias para que o negocio a que me refiro tenha a devida solução.

O sr. Presidente:-, Logo que se reuna a commissão administrativa ha de este negocio ter o devido andamento.

O Orador:- Sr. presidente, eu queria dizer mais alguma cousa sobre assumpto diverso, mas olho para aquellas cadeiras (as dos srs. ministros) e vejo que estão viuvas; não me atrevo portanto a fazer nenhuma pergunta. Agora já os srs. ministros não podem dizer que não ha crise nem que nenhum delles pediu a sua demissão, por este facto já ser publico e bem notório.

Houve uma reunião dos srs. deputados, na qual se communicou pelo sr. ministro do reino que s. exa. tencionava pedir a sua demissão. Não sei se isto será um novo meio de alcançar popularidade e mais votos de confiança, ou para se obter novas representações, pedindo que se conservem no poder os actuaes ministros como pessoas indispensaveis para levar à cabo a grande obra da regeneração politica desta terra.

Seja como for, visto que s. exa. o sr. ministro do reino 46

se comprometteu commigo a que o sr. conde de Samodães não sairia do governo sem que todo o ministerio o acompanhasse, e que s. exa. tomava a responsabilidade dos seus actos, não posso deixar de estranhar agora que effectivamente já tenham saído os srs. conde de Samodães e Antonio Pequito Seixas de Andrade, que estavam tão unidos no mesmo pensamento e iguaes na mesma responsabilidade, e os outros srs. ministros não os acompanhassem tambem na sua demissão. E repito que não posso deixar de estranhar isto depois de se haver dito numa reunião solemne, ainda que particular, da camara dos senhores deputados, e ainda numa mais solemne e publica desta camara, que a responsabilidade ministerial era de todos os membros do gabinete.

Em vista da viuvez das cadeiras ministeriaes, entendo que nesta occasião nada mais posso por agora dizer; mas se apparecer algum dos srs. ministros hei de pedir a responsabilidade dos seus actos, e hei de mostrar diante delles a rasão que tinha de desconfiar da sua politica, e cada vez mais, por me parecer que effectivamente, para ocaso presente, se podem applicar aquellas palavras latet anguis in herba... Aqui ha mais alguma cousa! Aqui ha mysterio!.. . Quando os srs. ministros comparecerem, usarei da palavra mais largamente, procurando, por assim dizer, desembaraçar esta teia em que o paiz está envolvido e enredado.

(O orador não reviu as notas dos seus discursos na presente sessão.}

O sr. Visconde de Fonte Arcada:- Sr. presidente, quando uso de um direito, não receio que me censurem, porque mais de uma vez solicito que se satisfaça a minha exigencia.

Apresentei aqui um projecto, de lei sobre o modo de regular o direito de caçar; este projecto foi remettido ha muito tempo á commissão de administração publica; o que se tem passado na commissão não sei eu, só sei que ainda não deu o seu parecer.

O projecto a que me refiro é muito importante, não só por que promove a conservação da caça, que desde eras mui remotas as nossas leis tiveram em vista, mas tambem por que era mais um embaraço para que na occasião em que os fructos estão pendentes, as propriedades não sejam devastadas pelos caçadores, e os seus cães; o meu projecto, por um lado promove a conservação da caça, e por outro defende as propriedades do damno causado pelos caçadores, que são um verdadeiro flagello para os proprietarios.

Ainda ha pouco tempo entrei numa fazenda, na qual vi a grande destruição da novidade pelo oidium, destruição que os caçadores augmentavam com os seus cães.

Por consequencia é necessario que a commissão de um parecer sobre o projecto; eu não quero limitar-lhe o direito de examinar o projecto, mas é necessario que appareça o resultado de seu exame; o que digo é que deve dar um parecer, porque assim é impossivel continuar, e annulla-se completamente a iniciativa dos membros desta camara.

O sr. Presidente: - Tomo em toda a consideração as reflexões, e emquanto ao objecto do requerimento do empregado da tacbygraphia, a que se reportou, não posso fazer mais do que convidar a commissão de administração publica a dar promptamente o seu parecer, e não é a primeira vez que assim procedo. Tem a palavra o sr. Rebello da Silva.

O sr. Rebello da Silva:- Pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação da camara municipal do

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concelho de Soure contra as projectadas medidas tributarias.

Agora perguntarei a v. exa. se não ha projecto nenhum sobre a mesa.

O sr. Presidente:- Não ha projecto nenhum sobre a mesa dado para ordem do dia.

O sr. Rebello da Silva:- Sobre a mesa deve haver tambem um parecer da commissão de obras publicas, que pedi se imprimisse, para a camara poder ter perfeito conhecimento delle.

O sr. Presidente: - Os dois pareceres que ha sobre a mesa são: o n.° 20, que versa sobre o contrato para uma carreira de vapores no Sado; e o n.° 21, sobre a pretensão dos empregados dos pesos e medidas. Se a camara quizer póde dispensar o regimento e discutir estes pareceres... O sr. Rebello da Silva:-Sr. presidente, estou longe de querer que se discuta o parecer sobre a petição dos empregados dos pesos e medidas. O parecer refere-se a uma interpellação que ha dias teve logar nesta camara, e para a sua discussão parece me que deve ser prevenido o sr. ministro das obras publicas.

Agora pergunto a v. exa. se sobre a mesa ha alguma communicação dos srs. ministros, porque acabo de ouvir na camara dos senhores deputados a declaração do sr. presidente do conselho, de que dois ministros saíram do gabinete, o sr. Pequito e o sr. conde de Samodães. O sr. conde enviou a está camara os documentos ácerca das negociações financeiras com Hillel. Já os examinei, e sobre elles tenho de apresentar algumas reflexões. Como o sr. conde de Samodães já não pôde, na qualidade de ministro, responder ás minhas perguntas desejava saber dos seus collegas, que ficaram no ministerio, e como solidarios teem de tomar a responsabilidade dos: actos de s. exa. qual delles se propõe responder. Admiro o silencio do governo. Ignorámos tudo. Julgam acaso os srs. ministros esta camara um corpo morto? Ás communicações desta ordem devem ser-lhe feitas immediatamente, porque assim o exigem a dignidade e o decoro (apoiados) deste ramo do poder legislativo e o respeitosas instituições.

O sr. Presidente:- Devo declarar ao digno par, o sr. Rebello da Silva, que ainda não recebi participação alguma nem official, nem confidencial, de que exista crise ministerial.

O sr. Rebello da Silva: - Pedia a v. exa. que tivesse a bondade de mandar convidar algum dos srs. ministros, porque tres acham-se na outra casa do parlamento, para virem dar as explicações que devem a esta camara. É um dever dó poder executivo, e nada póde dispensá-lo delle. O gabinete responde em ambas as casas do parlamento. Não o esqueça elle, ou nós (apoiados).

Estamos em crise ha quinze dias, e o espectaculo não póde ser mais deploravel e inconveniente. Isto assim não é governo representativo! (Apoiados.) Isto assim não póde continuar! O governo constitucional não consente o que estamos presenciando com pejo. Assim talvez se proceda nas sachristias, mas não se governa assim com o paiz e para o paiz.

Repito, pois, o meu pedido, para que v. exa. queira ter a bondade de convocar qualquer dos srs. ministros que estão na, camara dos senhores deputados para darem as explicações, que era dever seu terem já dado. Tenho que dizer sobre o assumpto. A crise é grave, a occasião urgente, e similhante estado protrahido indefinidamente não tem justificação, nem de forma alguma póde desculpar-se (apoiados).

O sr. Presidente: - Vou dar cumprimento, ao pedido do digno par, não sei porem se na outra camara estão alguns dos srs. ministros.

Vozes: - Estão tres.

O sr. Presidente: - Se estão tres vou mandar saber se algum póde vir.

O sr. Rebello da Silva: - Pedia ainda a v. exa. que, emquanto os srs. ministros não chegam, a sessão fique permanente, visto não haver outro assumpto para se tratar (apoiados).

O sr. Visconde de Fonte Arcada:- Sr. presidente, o objecto para que eu tinha pedido a palavra já passou; julguei que, se tinha pedido que o parecer da commissão de obras publicas ácerca da petição dos empregados dos pesos e medidas, entrasse já em discussão, mas como não é disto que se trata, não tenho nada a dizer; porque, se fosse para que o parecer entrasse já em discussão, eu sustentaria que o projecto não devia entrar agora em discussão, porque o que a mim me succedeu, creio que succedeu a todos os mais dignos pares, que foi o recebermos os projectos impressos depois de já estarmos aqui na sala, e não era possivel tratarmos da sua discussão sem o termos examinado bem; mas como não é disto que se trata, abstenho-me de dizer cousa alguma mais.

(Pausa.)

(Entrou o sr. presidente do conselho.)

O sr. Rebello da Silva: - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - Tem v. exa. a palavra.

O sr. Rebello da Silva: - Pedi a palavra para saber do nobre presidente do conselho, se o governo está completo, ou se ha alguns dos seus membros que pedissem a demissão, e neste caso qual foi o motivo que determinou essas demissões.

E só o que por emquanto desejo saber.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros. (Marquez de Sá da Bandeira):- Em primeiro logar peço desculpa á camara por não ter vindo mais cedo, mas como estava dado para ordem do dia na camara dos senhores deputados o projecto dos contingentes do exercito, que diz respeito á minha secretaria, eis o motivo por que não vim, ainda que eu para comparecer aqui mais cedo, aproveitei a occasião era quanto se não entrava na outra camara na ordem do dia; mas logo que ella ali se comece, terei de me retirar para aquella camara.

Agora, passando a responder ao digno par, o sr. Rebello da Silva, e com respeito á pergunta que s. exa. me dirigiu, que na quarta feira passada, o sr. ministro das justiças, Pequito, me escreveu dizendo que se achava doente, e desejava sair do ministerio, e que assim pedisse a Sua Magestade a sua demissão. Tambem hontem, durante o despacho, o sr. conde de Samodães pediu igualmente a Sua Magestade que lhe concedesse a demissão, e ambas ellas foram aceitas. Eis-aqui está respondida a primeira parte da pergunta do digno par. Mas passando á segunda, em que s. exa. deseja que eu lhe diga os motivos por que aquelles cavalheiros pediram a sua demissão do ministerio, o que posso dizer é que elles tiveram as suas rasões especiaes para não poderem continuar, e com bastante pezar meu e dos meus collegas. No entanto o que posso asseverar é, que emquanto aquelles cavalheiros estiveram no ministerio, procederam de tal modo, que posso, asseverar que nunca encontrei pessoas mais respeitaveis, nem mais honestas, nem com mais vontade de servir bem o seu paiz.

O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, creio que já não devemos surprehender-nos de cousa alguma. O governo constitucional acabou completamente entre nós, e todas as praticas constitucionaes teem sido prostergadas! Hoje imperam os corrilhos e imperam as cotteries; os sãos principios desappareceram portanto para dar logar apenas ao apparecimento das paixões!

Sr. presidente, ha dias que, em uma reunião, me levantei eu prevendo tudo isto, por saber que havia uma conspiração a principio latente e depois completamente manifesta contra o sr. conde de Samodães. Essa conspiração trabalhou primeiro nas trevas, e veiu depois mais desassombradamente á luz do dia, ia forte no trabalho de sapa, arcar com o sr. ministro da fazenda, para o derrubar do poder. Perguntei então aos srs. ministros se eram todos por um e um por todos? E respondido me foi (invoco a remi-

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niscencia dos meus collegas que testemunharam a minha asserção) "que todos elles ministros tomavam a responsabilidade das medidas do sr. conde de Samodães". Pois não foram ellas discutidas em conselho de ministros? Não ha uma lei decretada, me parece, no tempo do ministerio do sr. duque de Saldanha, quando se creou a presidencia do conselho de ministros, na qual se estabeleceu e determinou que medidas de certa importancia não haviam de ser tratadas unicamente por um ministro, e sim de accordo e harmonia com todos os membros do gabinete? Isto, sr. presidente, não foi mais do que a consagração dos principios constitucionaes; e portanto todas as medidas do sr. ministro da fazenda não eram só da sua responsabilidade, mas igualmente da de todos os seus collegas. No entanto desappareceram os srs. ministros da justiça e da fazenda, e ficaram os outros seus collegas, e desappareceram apesar do nobre presidente do conselho, o sr. marquez de Sá, acabar de dizer nesta camara, que nunca viu maior probidade nem desejo tão ardente de bem servir o seu paiz como o mostraram os dois ministros demittidos! Pois apesar de tudo isto uns ministros ficaram, e aquelles dois sairam, pela intimação dos jornaes republicanos que defendem o governo (O sr. Rebello da Silva:- Apoiado). A monarchia que lhe agradeça. Não se querem conservadores no poder, mas querem se republicanos! Forniam estes um partido, e é um partido, e eu respeito as idéas de qualquer partido que for.. Se a republica se estabelecer é mister acata-la; mas em tudo e por toda a forma é preciso que as cousas sigam .º seu caminho natural. Quando se sae do caminho constitucional vae-se direito ao abysmo. Neste ponto caiba a responsabilidade a quem de direito toca.

Não tem o governo assento na camara para vir explicar seus actos? Dois dos srs. ministros desappareceram e os outros não!... Como foi isto? Porque se não explicam as causas destas mutações?... Aventam-se; e digamos aqui toda a verdade, o sr. bispo de Vizeu é a alma do ministerio; é s. exa. que concentra em si todo o poder; e é portanto sobre elle que eu lanço desafogadamente toda a responsabilidade.

Não posso deixar de repetir, e de bem faze-lo sentir á camara, a declaração governamental de que, saindo o sr. conde de Samodães, os seus collegas o acompanhariam nesse acto. Mas que vemos? ... Saem dois, e diz-se que vae proceder-se a uma reconstrucção!

E cuidam, os ministros que ficam, que assim hão de melhorar as nossas finanças? Quem será o novo regenerador financeiro, o novo Colbert, o novo Sully, o novo Necker, o novo Turgot, que venha sentar-se nas cadeiras ministeriaes para pôr a direito a nossa fazenda publica? Quem será o homem que tenha a coragem de dividir os sacrificios por todos, desde o logar mais elevado até á choupana mais humilde? Se alguem apparecer com essa coragem, saudemo-lo, não como um talento fulgurante, não como louvor a uma pessoa, mas como a santificação de um principio, e de uma grande virtude.

Estou ancioso por saber quem será o novo reformador; mas sobre esta minha bem natural curiosidade, está o desejo sincero de que entremos deveras na verdadeira senda do governo constitucional.

Sr. presidente, não ha duvida de que por parte do governo, ou antes por parte do ministro influente, que é o sr. bispo de Vizeu, não se tem poupado cousa nenhuma, inclusivamente intimidações á coroa, para se conservar o poder! Pois o que querem dizer essas allusões aos festins de Balthasar, feitas numa reunião pelo sr. ministro do reino, allusões em que já aqui fallei?! Tenho pena que não esteja presente s. exa. para lhe perguntar onde são esses festins de Balthasar, e o sr. ministra devia responder-me, porque cada um ha de e deve tomar a responsabilidade do que diz. Ha o firme proposito de por todos os modos possiveis ter a corôa em coacção; é portanto preciso, necessario, urgente, que á mesma corôa se aponte quem é essa pessoa que a tem em coacção, e quaes os precedentes desse individuo. Deve sempre fallar-se a verdade ao rei e ao povo, porem nesta occasião, em que o perigo urge, deve dizer-lha nua e crua mais do que nunca.

Sinto realmente não ver presente a alma do ministerio, o homem que o vivifica com o seu halito, com a sua palavra, com a sua influencia e com a sua decantada popularidade. E notavel que muitos homens, que não querem ver nenhum padre, que aborrecem o poder temporal do papa, estejam tão contentes por ter por seu chefe um padre!... É verdade que o sr. bispo de Vizeu foi a Roma combater o poder temporal do papa, e por consequencia conquistou por esse lado as sympathias de algum patriotismo mal avisado.

Sr. presidente, os srs. ministros têem descurado tudo completamente, e eu chamo a attenção da camara e dos homens que se occupam dos negocios publicos para o artigo do Times do dia 26, chegado hoje, porque desejaria saber se ha algum documento (notem estas minhas palavras) a respeito do emprestimo, e se poderão cotar-se os fundos no stock-exchange.

Hei de exigir todos os documentos a respeito deste negocio, pois é necessario que não estejam diariamente a illudir-nos com telegrammas falsos e com promessas fingidas, e é mister saber-se toda a verdade. Eu hei de dize-la, para que se não continue a abusar da posição de ministro, sem respeito para com os poderes publicos, nem para com as leis. Hei de dizer a verdade toda, repito-o, e hei de insistir nella para que as minhas palavras vão echoar onde é necessario que se repercutam, e para ver se conseguimos assim que por uma vez, finalmente, se entre no verdadeiro caminho constitucional.

O sr. marquez de Sá já não devia estar ao pé do sr. bispo de Vizeu, porque todos sabem como o sr. ministro do reino trata os seus collegas. Isto não se póde tolerar, digo o com pezar meu, mas bem alto o digo, porque fiz tenção de dizer tudo. Se o sr. marquez de Sá já não está capaz de ser ministro, como diz o sr. bispo de Vizeu, deve sair, e o sr. bispo devia fazer com que elle fosse demittido.

Sr. presidente, não me admira que não se respeitem os cabellos brancos, quando não se respeita cousa alguma, quando nunca se respeitou nem a elevação da pessoa, nem a dignidade, nem a historia, nem a auctoridade; mas se teimarem, se presistirem, ha de haver a coragem de levar a defeza dos bons principios até ás ultimas consequencias, hão de apparecer documentos para nos justificarmos. Eu sinto e admiro que o illustre general, de quem sou amigo, e que me persuado está illudido, por que faço justiça ao seu honrado caracter, queira presidir a esta situação da maneira como os negocios caminham, e tendo ao seu lado o sr. bispo de Vizeu como ministro do reino!

Sr. presidente, presistamos na tribuna, e defendamos a liberdade até á ultima, tratando de illustrar aquelles que estão rodeados de nuvens negras através das quaes é difficil penetrar a verdade, e pratiquemos todos os esforços como bons portuguezes, porque a patria nunca careceu tanto dos esforços honrados dos seus filhos. Sr. presidente, é talvez chegada a occasião em que os pares do reino devem imitar os pares da camara ingleza e os membros de outros parlamentos, que se teem dirigido aos mais altos logares, e ahi face a face, com o chefe do estado, fazer-lhe conhecer toda a verdade e toda a gravidade da situação, e a responsabilidade que pesa sobre quem dirige os negocios do paiz, para que elle possa avaliar as circumstancias e prover de remedio prompto, porque quando elle vem tardio já não serve.

Sr. presidente, se as cousas continuam a caminhar assim, não direi que caminhamos para um abysmo, mas direi que caminhamos para a perda da nossa independencia, com a qual folgarão os inimigos de Portugal, e os portuguezes degenerados e ambiciosos que julgam que a união

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de Portugal com a Hespanha lhe ha de trazer muito dinheiro.

Não quero, repulso com todas as minhas forças essas idéas de iberismo. Ha muito tempo que o digo, e fui talvez o primeiro que tive a honra de levantar um brado do alto desta tribuna, contra essas nefandas idéas ainda quando ellas pouco se manifestavam, por parte desses degenerados portuguezes.

Mas, sr. presidente, para sustentar a honra, a dignidade é a independencia da nação é preciso governar bem, é preciso dizer sempre a verdade e não praticar actos como o actual governo tem praticado; é necessario que elle não mande publicar nos seus jornaes telegrammas falsos; dando como realisado um emprestimo que se não verificou, e tudo para armar á popularidade! Mas o povo já deve estar desenganado: o povo já deve conhecer o que são os srs. ministros e o que valem; mas se ainda não os conhece em breve se desenganará. Hoje o povo, só poderá esperar do governo o enorme augmento dos tributos, a miseria publica em toda a parte, a falta de trabalho para os artistas e a fome geral em todas as classes da sociedade. O que eu não comprehendo é como havia homens que clamaram constantemente contra as medidas do sr. Fontes Pereira de Mello, quando s. exa. geria a pasta dos negocios da fazenda, dando-lhe o nome de esbanjador e contratador de emprestimos ruinosos, que condemnavam a reforma da secretaria dos negocios estrangeiros; que taxavam de inimigo da patria o sr. Martens Ferrão e votavam ao ostracismo o sr. Joaquim Antonio de Aguiar; não comprehendo, repito, como esses homens não clamam hoje igualmente contra os desperdicios do actual ministerio! Não sei como não se revoltam contra os emprestimos ruinosos que se teem feito, ou se teem querido fazer actualmente! Não clamam contra os emprestimos ruinosos, porque nem esses mesmos o governo póde fazer, por isso que não merece confiança alguma aos banqueiros estrangeiros. Esta é a verdade que todos reconhecem.

Estamos constantemente á espera de um emprestimo que os jornaes republicanos do governo nos annunciam como realisado, e todos os dias apparece o desengano de que se não poderá verificar! E os esforços para que se realise não são pequenos, porque elle e os supprimentos são convenientes para corretagens e luvas que enriquecem muita gente.

Eu, sr. presidente, imponho ao governo toda a responsabilidade pelo descredito do paiz e pelo estado em que se acham os negocios publicos, e peço a Deus que illumine quem possa salvar-nos do abysmo em que nos achamos prestes a cair, e que esse escolhido possa, pelo prestigio do seu nome, pelos seus precedentes, pela sua integridade e reputação, conduzir a porto seguro a nau do estado, e nos livre destes continuos vae-vens da sorte, deste estado incerto de cousas que tudo faz trepidar, e estremecer o commercio e a fortuna geral e particular. Este systema de expedientes não é possivel que possa continuar, e faço votos ardentes e sinceros para que os partidos, pondo de parte qualquer melindre, prestem a sua coadjuvação aos homens competentes que emprehendam com cordura a regeneração politica desta terra.

Tenho concluido.

O sr. Vaz Preto: - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - Tem o sr. Rebello da Silva a palavra.

O sr. Rebello da Silva:- Cedo da palavra, e usarei della depois do sr. Vaz Preto, que ainda não fallou nesta questão.

O sr. Presidente: - Tem o sr. Vaz Preto a palavra.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, ouvi as explicações que acabou de dar o nobre presidente do conselho, e confesso ingenuamente que nem eu, e supponho que nem a camara, nos podemos dar por satisfeitos, porque ellas estão completamente em contradicção com outras que o governo tem dado categoricamente.

Sr. presidente, o sr. marquez de Sá acabou de dar parte a esta camara que dois ministros tinham saido do ministerio. Surprehendeu-me na verdade a declaração que s. exa. fez? porque julgava o ministerio completamente solidário, como s. exa. e o sr. bispo de Vizeu tinham declarado por varias vezes!

O declarar-se que não houve votação alguma nas duas casas do parlamento, pela qual o gabinete se visse na necessidade de pedir a sua demissão, e bem assim que nenhum projecto singular de qualquer ministro fora rejeitado, e que por isso não existe o caso de se poder invocar o principio de solidariedade, é um perfeito sophisma. Pois quem ignora o que se tem passado nas duas casas do parlamento e no seio das commissões?! Sr. presidente, poderá o sr. presidente do conselho de ministros, ou qualquer dos seus collegas, negar que tem havido desaccordo entre a commissão de fazenda, o respectivo ministro e o governo, que tem tomado, como devia, o partido do seu collega? Poderá o governo desconhecer, e mesmo contestar, a veracidade de terem os projectos do sr. conde de Samodães soffrido alterações essenciaes? Estará o actual gabinete tão desmemoriado que se não recorde que a auctorisação que aqui passou para o emprestimo de 18.000:000$000 réis foi vencido por um simples voto?!

Não se recorda o sr. presidente do conselho de ministros que para obter o gabinete aquella votação teve de vencer immensas difficuldades, teve sobre si compromissos, e por ultimo vir o sr. ministro do reino declarar á camara que aquelle era o unico modo de se evitar a multa pelo contrato Goschen? Desconhece porventura o sr. presidente do conselho de ministros os factos que se teem dado com o fim de serenar a tempestade que se levantou no seio da maioria? Ignora tambem s. exa. qual tem sido o procedimento do seu collega do reino para impedir a erupção das rajadas de mau humor, que a maioria tem contido muito a custo, e que para esse fim foi mister que o sr. bispo declarasse que elle é que era o responsavel pelos actos ultimamente praticados pelo sr. conde de Samodães?

Portanto é claro que todas estas peripécias são usuaes no systema representativo, e que attentas as declarações do sr. ministro do reino, o governo era solidário neste caso pela forma e modo por que se tem conduzido; comtudo de repente, quando menos se imaginava, vemos por esta declaração que fez o nobre presidente do conselho que o sr. ministro da fazenda pediu a sua demissão, e que o sr. ministro da justiça tambem foi obrigado a pedir a sua? porque a imprensa ministerial o intimou.

Eu pergunto pois ao sr. presidente do conselho aonde está a solidariedade do governo, e qual o motivo por que saiu o sr. ministro? Pois quando o sr. ministro da fazenda tinha quasi concluido um negocio importantissimo, como era o do emprestimo, para o qual as côrtes lhe dera auctorisação, cujas condições altamente onerosas revelam o melindre e gravidade do assumpto; é nesta occasião, digo, em que s. exa. tem entre mãos este gravissimo assumpto, que carece ainda da ratificação da camara, porque não se conteve nas forças da auctorisação, cue elle desapparece do seio do gabinete!

E nesta occasião pois que o governo devia fazer todos os seus esforços para o seu collega se conservar, que o sr. ministro da fazenda deixa de ser ministro da coroa! Sobre este ponto é que eu desejo que o sr. presidente do conselho de explicações claras, precisas e categoricas á camara para que o paiz saiba quaes foram as circumstancias que se deram e que obrigaram o sr. ministro da fazenda a pedir a sua demissão, e a corôa a conceder-lha em circumstancias tão difficeis. No systema representativo estes acontecimentos devem ter uma explicação racional e plausivel, e essa é que eu desejo, e espero que o nobre presidente do conselho de á camara, pois s. exa. conhece muito bem que o systema representativo é todo de publicidade.

Sr. presidente, note v. exa. e a camara que só não foi-

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resolvida promptamente a crise ministerial, sem duvida a financeira em que o paiz se acha ha de ressentir-se, e hão de ser terríveis as suas consequencias, porque vão aggravar os ónus que já pesam sobre o thesouro.

Sr. presidente, o estado em que se acha o para é temeroso, desgraçadamente a tripulação e os pilotos que teem dirigido a nau do estado, pela sua audacia e impericia, conduziram-na a um mar tormentoso e cavado, sem a saberem dirigir para o porto de salvamento, vendo-se por toda a parte cercados de baixios e de tempestades tormentosas, que sem duvida a farão sossobrar, se outros mais hábeis, peritos e conhecedores daquelle mar não lhes acudirem na hora da agonia e do naufragio! Fatal ignorancia, indesculpavel audacia! Sr. presidente, eu desconheço este systema, e assombra-me o desassombro com que os srs. ministros se sentam ainda hoje aqui depois de tantos desvarios, de tanta irreflexão, de tanto desleixo, de tanta incuria e de tanta imprudencia!! Sr. presidente, todas essas minguadas economias, tiradas ao sustento de centenares de familias, e em prejuizo e com a desorganisação dos serviços publicos, teem sido levadas em offerenda á avidez dos argentarios estrangeiros. O paiz nada tem lucrado, porque os seus encargos subiram extraordinariamente. Lance-se os olhos sobre essas repetidas operações em que o nosso credito diminuiu todos os dias, contemple-se as operações a 70 e 80 por cento, na realidade desgraçadissimas, e reconhecer-se-ha facilmente que a crise é grave, terrivel, temerosa e assustadora, e que se não for de prompto resolvida, entendo que o governo tomará sobre si immensa responsabilidade; comtudo, nesta occasião suprema, o governo não pôde, nem deve deixar de proceder com toda a prudencia e sisudez, mas ao mesmo tempo com a maior brevidade. (O sr. Rebello da Silva: - Agora é que eu peço a palavra.) Compenetrado pois bem das circumstancias difficeis e das difficuldades numerosas que assoberbam a actual situação, o governo, se entende poder completar-se em boas condições, deve declarar á camara se está resolvido a reconstruir-se, e apresentar-se no primeiro dia de sessão cheio de força, e resolvido a affrontar os perigos e obstáculos que o circumdam, na certeza de que toda a demora póde trazer graves prejuizos á causa publica.

Note v. exa., sr. presidente, e a camara, que as circumstancias em que nos achamos são anormaes, e que por consequencia estas divergências que ha entre o governo e as duas casas do parlamento aggravam todos os dias os nossos males, pois mais do que nunca nesta occasião é necessario que o governo seja forte, que apresente as medidas tributarias, e que as faça passar, bem como discutir o orçamento, e não continuar uma crise latente que existe já ha mais de vinte dias, crise que só agora veiu a lume (mesmo na occasião em que menos devia apparecer), desapparecendo o ministro que acaba de fazer um contrato, que ainda não está definitivamente approvado pelas camaras. Este procedimento é pouco constitucional, de mau precedente e novo. Como vejo o sr. presidente do conselho, homem essencialmente liberal, e acostumado a proceder como deve, nestas lides, tenho até certo ponto a convicção intima de que s. exa. conhecedor de factos que lhe teem sido occultados, não desmerecerá do seu glorioso passado, e desfazer-se-ha de collegas que o teem altamente compromettido, encobrindo-lhe os acontecimentos com as circumstancias que se têem dado.

Sr. presidente, termino pois aqui as minhas reflexões e perguntas, e espero que o nobre marquez de Sá, sem trangiversões, declare terminantemente á camara as causas que determinaram a saída dos seus collegas, e explique como a demissão delles nada envolve a solidariedade ministerial.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros:- 0 sr. conde de Samodães tem assento nesta casa, e o sr. Pequito na camara dos, senhores deputados, e elles darão as explicações convenientes quando terminar a crise.

O caso de se demittirem alguns ministros e de continuarem outros é muito vulgar no systema parlamentar. Ainda ha pouco saiu o sr. Carlos Bento por motivos pessoaes, e os outros ministros ficaram.

Em Inglaterra, como v. exa. sabe, acontece o mesmo frequentemente. No tempo do ministerio de lord Palmerston, lord Russell saiu do ministerio e os outros ministros ficaram. E ainda não ha muito tempo que em Hespanha saiu o ministro das obras publicas.

Para sair o ministerio todo é necessario ou um acto do poder moderador ou uma votação do parlamento; não é só a vontade de um ou outro ministro que deve fazer demittir um ministerio. Eu espero porem que brevemente será resolvida esta questão.

Agora peço á camara o favor de me dispensar, porque acabo de receber um bilhete do sr. presidente da outra camara, avisando me de que se vae entrar na ordem do dia, que é a discussão de um projecto importante que pertence á minha repartição.

O sr. Rebello da Silva:- Diz o sr. presidente do conselho que tem negocios que o prendem na outra casa do parlamento, então peço que venha para aqui algum dos seus collegas, porque o debate não póde parar. Isto é que é constitucional.

Não quero prender a s. exa., mas o que desejo é que venha assistir á discussão um dos seus collegas.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Rebello da Silva.

O sr. Rebello da Silva: - A camara ha de ter notado que desde que tenho a honra de lhe pertencer esta é a primeira sessão em que me apresento combatendo o governo com um grau de vigor, que até hoje não julguei conveniente empregar contra outros gabinetes. Vou dar a rasão.

E porque até hoje ainda não encontrei governo, que me suscitasse apprehensões tão vivas, nem situação que se desvairasse por caminhos tão próximos do precipicio, calcando com ousadia sem exemplo aos pés os principios - que reputo mais sagrados! Este governo saiu da constituição sem causa justificada, invadiu todos os poderes, demoliu sem reconstruir, é inferior ás circumstancias, e desafia todos os perigos. Eis a rasão por que o combato com toda a energia, e hei de continuar a combate-lo sem trégua, nem repouso de um momento (apoiados). Nem de um momento, repito! Este governo representa para mim duas feições, ambas obnoxias, ambas fataes, que não posso aceitar por forma alguma.

Não póde viver com a tribuna aberta, porque se esfacela diante da critica dos seus actos, detesta a luz, sustenta-se por meios subterraneos, engana as paixões para as explorar, e sacrifica os mais preciosos interesses do paiz ao pensamento egoista de vegetar mais alguns dias sem idéas, sem iniciativa, sem plano. Capitula coagido com as exterioridades do systema representativo, mas mina-lhe os principios, e desconceitua-lhe a sancção. Funcciona com o parlamento, mas não é um governo que honre a tribuna, e que se não assuste com a publicidade. Se podesse amanhã fechava as camarás, e ia legislar nos gabinetes das secretarias. Já o fez, e renovaria o attentado se o ousasse! A sua presença é uma ameaça, ou pelo menos uma reticência gravida de suspeitas para as instituições parlamentares e para o respeito profundo devido á magestade da lei.

Este gabinete é o governo das dictaduras. Este gabinete é o governo que se valeu das manifestações das praças publicas para resurgir de uma queda voluntaria, e se refugiar na omnipotencia de uma usurpação audaz do poder legislativo. Este gabinete é o governo, que para prolongar a existencia, não hesitou em levantar o presente contra o passado, em frechar de recriminações todos os ministerios que o precederam, e em se prevalecer de meios, que a acção regular do systema não auctorisa, que o senso do paiz reprova, e que a nação ha de geralmente condemnar um dia, porque desde já me atrevo a prophetisar que poucos mezes mais serão precisos para elle deixar de si uma memoria

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execranda, e as mais tristes tradições! Sinto, não posso deixar de deplorar, que o meu velho e respeitado amigo, o nobre marquez de Sá, que na maior parte das cousas está innocente (peço licença para pelo amor da justiça separar a sua responsabilidade) continue a associar o nome illustre, a reputação illibada e a sua gloriosa espada a similhante governo, que nem já mesmo a auctoridade do glande nome de s. exa. póde sustentar, que vacilla, que estende para se conservar as mãos até aos adversarios que injuriou na véspera, que traz duas pastas quasi em leilão sem encontrar em quinze dias quem as aceite com a responsabilidade de se associar a elle, e que nos faz assistir á scena nunca vista de uma agonia, que arrasta sem dignidade, estorcendo-se nas vascas de uma ambição esteril, que nem sabe viver, nem póde acabar de expirar com resignação, olhando para o futuro.

Os negocios publicos correm quasi ao desamparo. A contradicção reina em tudo como soberana. Diz-se uma cousa hoje e faz-se amanhã outra. Estamos em 30 de julho, e não ha um projecto util de que a camara dos senhores deputados se occupe. Hontem fechou-se a sessão, porque não compareceu um só ministro, e não havia assumpto de que se tratasse. A mesa desta casa não tem que propor á nossa discussão! É assim que se cumpre o famoso programa da salvação publica, ao cabo de mais de tres mezes de sessão a iniciativa deste gabinete nem uma só das grandes medidas tributarias conseguiu fazer votar, e das largas e profundas reformas, com que prometteu organisar por uma vez a fazenda publica, nem uma só appareceu ainda. Appello para a lealdade do valente general, que me honra com a sua amisade, e que está junto de mim para me ouvir; elle que diga com a mão na consciencia se esta e a situação a que tinha desejado ligar o seu nome, se é este o programma que tinha riscado, se está, ou não vinculada a sua palavra perante a coroa, perante as côrtes, e perante o paiz ao que se não cumpriu, nem póde já ser cumprido.

Lembremo-nos de que estamos no seculo XIX, e que neste seculo não póde haver governos compostos de elementos hermaphroditas (riso geral). Estamos em um seculo, em que se não allia facilmente o sagrado com o profano na gerencia dos negocios publicos. Essas aggregaçõas hibridas, que exerceram certo predominio no tempo das ordens monásticas, no tempo da sua grande influencia, foram proscriptas ha muito. Infelizmente o que vemos nós? Um governo largamente dotado pelo parlamento, auctorisado para fazer reformas importantes (de que usou e abusou), aproveitar-se de um incidente parlamentar para dissolver a camara, e, em vez de reunir logo os conselhos da nação, demorar a sua convocação, para empolgar a dictadura. Recorrer para o paiz, e quasi na véspera delle nomear os deputados, por uma especie de emboscada sem exemplo, alterar a circumscripção dos circulos, violando a lei e os principios, e fazendo suppor á Europa, que Portugal no fim de trinta e cinco annos de governo representativo está abaixo de alguns estados da America do sul (apoiados).

E este golpe fundo na dignidade do systema cobriu-se com o pretexto das famosas economias, que passaram á superfície dos serviços na maxima parte, e que nos que feriram de mais perto deixaram tudo demolido, arrasado ou anarchisado! Dessas economias a deducção nos vencimentos dos empregados publicos, não chega para a multa que ha de pagar-se a Goschen, e as geraes, realisadas em toda a despeza orçada em 1867, não bastam para satisfazer uma só das annuidades do emprestimo contratado em 16 de abril. Arrancou-se o óbolo ao pobre, reduziram-se familias á miseria, atrazou-se o progresso do paiz unica e exclusivamente para saciar a avidez daquelles argentarios estrangeiros, que o governo no momento em que cortejava a popularidade disse que ia proscrever para sempre, como representante da politica de resistencia (apoiados). Daquelles argentarios que o governo disse que havia de repellir, figurando-se na posição heróica do archanjo com o pé sobre o peito do dragão para pouco depois - evolução deploravel I - cair quasi de joelhos diante delles, aceitar suas condições leoninas e offensivas, e ajustar até o resgate da honra e do credito do paiz em uma multa sem precedente (apoiados), para depois estender as mãos a todos, soltar sobre as praças colonias de corretores (apoiados), e expor a nação a receber na face a injuria de um delles, do mais arrojado, como vituperio do nome portuguez, e a humilhação do principio da auctoridade. Facto incrivel! Até os corretores de peior nota na Europa vieram quasi como envergonhados declarar á imprensa que não eram corretores do governo de Portugal (apoiados). Tão baixo nos fez descer!

Quando o governo se demittiu sabe a camara, e sabe o para que a crise se espaçou por quinze dias, como agora, e que um personagem illustre, que se achava ausente foi chamado para formar novo gabinete. Foi neste intervallo que um festeiro de manifestações nacionaes muito conhecido saido de certa officina aonde se forjavam antes alacridades contra o ministerio do sr. conde d'Avila, tentou salvar a vida do ministerio, que lhe é quasi tão caro coroo a propria vida, implorando a cooperação dos antigos alliados. Diz-se que os illudiu com promessas de regeneração politica, que teve logo depois o cuidado ou a ingenuidade do esquecer, ou de quebrar. Foi á sua iniciativa só fecunda nestas campanhas, que em grande parte se deveram as girandolas estrepitosas de foguetes, que ouvimos estalar, os bramidos dos trombones e os rufos dos tambores, depois aquellas representações enthusiastas de rhetorica arriscada, e finalmente todas as simulações da verdadeira opinião publica, que por um caminho mais, ou menos tortuoso obrigaram a recuar a corôa indirectamente para passar da escolha já feita para a reconducção do ministerio, e para substituir ao governo das camaras o governo das dictaduras, das invasões, e dos attentados constitucionaes. Mas o que a camara talvez ignore ainda é que, quando se discutiu o emprestimo, o gabinete receioso de não obter nem mesmo o unico voto moral, que alcançou, esteve indeciso sobre o rumo que seguiria, e que o mesmo festeiro intrépido, que ensaiara as manifestações de janeiro intentou renova-las em julho, tornando para isso a procurar os mesmos individuos, que da primeira vez tinham sido o apoio o a salvação dos ministros, que os recompensaram como é voz publica. Mas a experiencia tinha aberto os olhos a todos, os devotos estavam desenganados do que eram o valiam os informadores, e a camara dos pares deveu á repugnancia das victimas logradas o não ser regalada com uma innocente e clamorosa serenata patriotica. Não faltou vontade nem emprezario. Faltaram sómente figurantes que se quizessem associar.

De novo torna a periclitar a situação, não sei porque causa, nem me importa. Repete-se ainda a comedia, mas com scenario e personagens diversos. Representa-se o terceiro acto, e espero que seja a conclusão de toda a peça, que já saiu bem cara ao paiz. Agora as manifestações suo de outra especie, e as coacções ensaiadas pertencem a differente cathegoria. Umas vezes espalha se que a commissão de faseada da camara dos senhores deputados projecta de um só traço reduzir a metade a lista civil, o que é falso, e isto para depois apregoar a influencia que desviou o golpe (apoiados). Outras vezes, porque alguns membros desta e da outra camara se mostram desenganados da politica do governo, forjam-se contra elles calumnias e insinuações, attribuem-se-lhe ambições e projectos, que nunca tiveram, e ensaia-se o plano das suspeições na larga escala, em que os claustros sabiam applica-lo para gerar desconfianças e indisposições entre collegas, e para illudir a opinião publica (apoiados). Num dia fazem-se edições de ministerios que os confidentes divulgam (apoiados), noutros criam-se entidades que no systema representativo não podem ter representação (apoiados), convocando reuniões sem o conhecimento do chefe do gabinete, para lhes pedir votos que a livre acção do poder moderador não comporta, e que se a

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sabedoria da assembléa não repellisse seriam um acto de verdadeira coacção á corôa (muitos apoiados), voto que felizmente foi negado. Mais ainda. Alguns jornaes publicaram a carta de um illustre orador republicano do reino vizinho, na qual convida o paiz a despedir o seu monarcha para entrar na grande confederação iberica (Vozes:- É verdade, é verdade.) sem se lembrar aquelle elevado engenho, que eu admiro e respeito, que a resposta seria perguntar-lhe se a Hespanha se acha muito feliz desde que despediu uma minha e quando trata de escolher ainda um rei.

Mas, cousa notavel! Os jornaes publicaram a carta, e podiam faze-lo livremente. Podiam mais ainda. Podiam sustentar a sua doutrina, porque o campo da discussão deve abrir-se sem obstaculo a todas as opiniões; mas o governo não julgou que valesse a pena dizer duas palavras em favor do soberano, ou da instituição monarchica. Deixou correr a carta traduzida sem correctivo!! (Apoiados.) De modo que pelo silencio absoluto guardado sobre ella o sr. Emilio Castellar deve cuidar que Portugal suspira pela hora de despedir o seu rei (apoiados). A Europa não sei o que supporá.

Não acaba aqui esta serie de symptomas expressivos. O sr. marquez de Vallada alludiu á incrivel phrase attribuida por s. exa. ao sr. ministro do reino em uma reunião nocturna da maioria da outra casa, e a imprensa commentou-a. Ainda me custa a crer que palavras similhantes saltassem dos labios de um ministro da coroa. Festins de Balthasar! Conspirações á mesa dos principes contra a situação! É inaudito. E para que? Os ministros é que são os verdadeiros conspiradores contra a propria existencia. Elles é que se suicidam. Não precisam de nenhum impulso para baquear. Caem desfeitos de gangrena interna. Caem feridos de morte pelos seus actos. Festins de Balthasar? Isto não se diz, nem é reverente até analysa-lo. Caio-me. Ha lances em que o silencio diz mais do que a palavra. Mas só recordarei que na sala de Balthasar as letras misteriosas significavam o exterminio da monarchia (apoiados).

Entrego todas estas peças do processo ao juizo da camara. Ella o julgará.

Pela minha parte não moraliso. Digo só que é preciso que se restituam ao governo representativo a dignidade, a sinceridade, e o prestigio offuscados, senão perdidos de todo. Que estes artificios repugnantes, estas ciladas de falsa opinião, estas compressões mal dissimuladas deshonram o systema, apoucam a realeza, e aniquilam as instituições. Não se governa com visualidades reprovadas, nem com jogos malabares prohibidos. Não se governa fazendo ostentação publica de resistencia aos principios, á verdade, á lealdade, e ao decoro do regimen. Não póde ser. A monarchia constitucional assim caminha direita ao abysmo (muitos apoiados). E hoje, mais do que nunca, é essencial que ella se eleve e engrandeça, e não é escorregando pelo plano inclinado das insidias calculadas, das, coacções sobrepostas, e das simulações transparentes que ha de fortalecer-se e conquistar brios para a luta. Os ares estão grossos, e as tempestades circulam nos horisontes. Não é este o seculo dos raios que fulminam rapidos e irresistíveis? Dizia um publicista illustre, que em todos os naufragios dos thronos, de que tinha noticia, a culpa fora sempre dos maus pilotos que iam junto ao leme (muitos apoiados). A monarchia não se illustra e afirma, quando a acanham os que deviam eleva-la, quando a deprimem os que o dever e a lealdade obrigavam a defende-la. Nenhuma praça repelle o assalto com a guarnição disposta-a capitular (apoiados).

Disse o sr. presidente do conselho: "Retirou-se o sr. ministro da justiça, porque a sua saude não lhe permittia continuar a exercer o seu cargo". Admiravel! Que saude politica tão elástica que, depois de dois mezes de ferias gosadas nos ares patrios e sadios do Gavião (riso) se avigora, consente que o sr. Pequito se de por habilitado, que occupe na outra casa a sua cadeira e a tribuna, e que de repente, por uma especie de mutação theatral, declina em moléstia chronica e incuravel (riso). S. exa. sae enfermo, apparece, e adoece em poucas semanas! O Diario narra a sua apparição, e dois dias depois sabemos do seu óbito ministerial! Que enfermidade cruel e pertinaz! Tendo ainda declarado na véspera que era solidario, no dia seguinte some-se de subito como certas figuras das antigas magicas. Um alçapão habilmente aberto sorve-o, traga-o, e fecha-se com a campa, mas orphão de epitaphio. Isto será muito grave, muito liso, muito constitucional? Merecia esta sorte um homem honrado, serio, e leal, que fez talvez o sacrificio da sua opinião para acompanhar os collegas que hoje o alijam fora do batel á voz de perigo, sem generosidade, nem escrupulo? Cuidam que este homicídio ministerial lhes dilata a vida? Enganam-se. O que matou o sr. Pequito ha de mata-los tambem. Pouco lhe hão de sobrevir.

Era ministro da justiça o sr. Pequito. Reassumira o exercicio do cargo, disse-o o Diario. Estávamos todos na fé de que elle, e o gabinete compunham um todo solidario. De repente eclypsa-se o ministro, e um deputado declara a uma assembléa que seu irmão desapparecera!! (Riso. - O sr. Marquez de Vallada: - Risum teneatis, arnica!?)

Isto não é possivel, isto não é governo representativo. O gabinete era solidario, e os ministros não caem assim sem causa, enviando-se-lhes o .cordão como nas trevas do velho serralho de Constantinopla.

O sr. ministro da justiça não padeceu revés politico e é lançado da sua cadeira!? Nenhuma proposta, sua foi rejeitada, não existe mesmo parecer contrario a nenhum projecto seu, como existem alguns ácerca de actos dos seus collegas, e elles ficam e o sr. Pequito sae! (Riso.) Que significa isto? Foi a eloquencia infeliz de s. exa. que o precipitou, como se diz ao ouvido para explicar a catastrophe? Pois a figura de rhetorica, mais ou menos desditosa, póde estrangular o ministro que a esboçou nos raptos de um dia menos bem agourado de eloquencia parlamentar? Nesse caso peço justiça contra os ministros que não faliam ou escrevem sem cobrir de luto a tribuna, sem porem a grammatica em sangue sem porem a lógica, o senso commum e a urbanidade em derrota. Se aquelle foi réu, esses merecem dez vezes mais a mesma pena, porque a sua palavra é o ludibrio de uma das mais formosas manifestações da intelligencia - a expressão oral (riso-apoiados).

Esses sim é que são verdadeiramente réus, porque são o ultrage e a antithese da intelligencia e da palavra culta!

Não póde ser, sr. presidente! E o ministro da fazenda, o sr. conde de Samodães, homem ligado a ambas as camaras pelo vinculo de promessas solemnes, ligado á solução de questões importantissimas por uma responsabilidade propria e indeclinavel, o sr. conde de Samodães, constituido na obrigação de dar contas de actos de immensa gravide, desapparece da gerencia dos negocios publicos, e com elle desaba todo o systema tributário proposto para cobrir o déficit, filho dos encargos aggravados pelas suas operações financeiras!

Desapparece quando tinha de dar conta ás côrtes das clausulas do emprestimo contraindo ha pouco em Londres, e das rasões por que acabam de fazer passar por baixo das forcas caudinas, elle e o governo, a maioria desta camara, não ratificando o contrato Goschen, e adoptando na negociação com Stern segundo se affirma, as emendas que tive a honra de apresentar, e que esta casa houve por bem rejeitar. Para gloria do ministerio saiba-se que eu é que sai vencedor sem o saber, que eu é que tinha rasão, e que o gabinete abusou da excessiva lealdade dos que votaram com elle (muitos apoiados).

O sr. conde de Samodães devia ter desapparecido antes do contrato Goschen, ou depois de realisado plenamente o contrato Stern. A boa gerencia, dos negocios publicos repelle estes eclipses repentinos!

Peço desculpa a v. exa. e á camara de alguma expressão mais forte empregada na apreciação destes factos, mas

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na realidade, quando ao cabo de trinta annos de systema representativo tocamos ulceras tão profundas, quando vemos uma agonia de quinze aias, talvez de mais tempo, sobresaltando o pais, quando vemos manifestar-se uma ambição phrenetica, deploravel, e quasi néscia, sem tira-los que a auctorisem, fazendo armas de tudo sem remorso para alongar um mez, ou dois uma vida sem gloria? sem idéas, sem rasão de ser, rojando-se até ao mais baixo, e silvando e colleando como a serpente trilhada contra todos os principios, quando a vemos impenitente e malévola morder todas as reputações, preterir todos os deveres, e envenenar todas as intenções, quando a vemos finalmente segurar-se na queda inevitavel a todas as escoras sem escrupulo, sem discernimento e sem escolha, não podemos deixar de nos indignar, e é impossivel que o sangue não pule nas veias dos que ainda o não sentem gelado, porque a existencia sem o prestigio das pompas moraes, que são a sua coroa, não vale a pena de se arrastar, e só representa humilhação, tristeza, ruina, e a suprema miseria humana em fim!

Sou dos que pertenceram á velha milicia parlamentar, a qual, embora lhe chamem muitas vezes partidaria, sabia cumprir o seu dever, e vencedora, ou vencida, no poder, ou fora delle, firmava a sua bandeira, delimitava os campos, e caia, ou triumphava immovel no seu posto. Essas batalhas, sim, essas é que honravam. Grandes capitães e soldados briosos em um e outro arraiai; cores vivas e esplendidas matizando os estandartes; armas nobres e cortezes nas mãos de todos; divisas claras nos pendões; e a intelligencia, a sciencia, a illustração, e a gloria muitas vezes por luz e guia, dos recontros. Então houve tribuna, houve discussão, houve ministros e houve politica activa, crente, e fecunda. Hoje!... Oh! hoje os ultimos são os primeiros, e em logar da vida encontrámos o silencio, ou a dissolação de um sepulchro.

As condições deste regimen são severas. Governa quem sabe e póde governar, Não se occupa o poder para encher os bancos da coroa, ou. para alardear a vangloria pueril de trazer o correio choutando atrás da caleça ministerial. Não se guardam as pastas para as ter vasias de idéas e cheias de recriminações. Não se busca o apoio dos amigos e auxiliares para impor o culto da idolatria pessoal, e para querer arrebanhar votos, e não opiniões, punindo com doestos a menor discordancia como um sacrilegio. O governo parlamentar fez-se para elevar o nivel intellectual do paiz, e não para o rebaixar ás falsas apreciações de soalheiros, ou ás maximas boçaes dos livros de trovas sebastianistas.

Ha blasphemias contra a civilisação, que se não dizem, nem escrevem sem fazer corar as faces do paiz. Estamos no occidente da Europa, mas estamos ainda na Europa, e não em Tunis, em Tripoli, ou no Riff. Somos filhos dos guerreiros de D. Pedro, herdeiros das grandes reformas de Mousinho que fundaram a sociedade nova, e contemporaneos da dictadura de Passos Manuel. Vimos o que poderam homens illustres-contemplámos o que... não poderam os dictadores de agora. Depois da raça dos gigantes vem isto? Pergunto á camará: Não será já chegado o tempo de arrancar do leme a mão temeraria e inexperiente, que nos leva ao naufragio? Não será tempo no meio da cerração densa, que nos envolve, de accendermos o pharol da intelligencia pare, fugirmos dos escolhos, já tardo, quando o ruido das vagas bramindo nos avisa do perigo e da morte?

Nesta epocha em que vemos abalados os thronos. que pareciam mais solidos, em que o furacão da ira popular varre dynastias de seculos, em que toda a Europa se inclina cortada de receios e apprehensões sobre a uma ainda cerrada do futuro, uma que encerra as questões mais graves da organisação social e politica, nesta epocha, repito, em que Portugal luta com as dificuldades do problema financeiro e do conflicto imminente, é prudente, é possivel conservar-se este estado de crise affectiva, consumindo dias, semanas, em evoluções e tramas que a liberdade, alma das instituições parlamentares, não conhece e maldiz, e que só poderiam ser tolerados no reinado de D. João III, quando os claustros e as sachristias nas trevas forçavam a mão do Principe e dos ministros? Não: a consciencia, a urgencia do momento, e a voz imperiosa da occasião tudo nos brada, que o tempo da salvação do paiz não deve perder-se em manejos subterraneos para salvar um gabinete, que deu o que podia dar, e que fez tudo o que sabia e podia fazer.

O governo póde arrastar-se ainda dois, ou tres mezes, não o contesto, e se fosse unicamente partidario desejava-o, porque a demonstração da sua impotencia havia de ser ainda mais solemne e completa; mas o que o governo ainda não fez, já o não faz; e não o faz, porque lhe faltam as forças (apoiados). A popularidade, que attrahiu por meios que não lhe invejo, desamparou-o, e não volta.

Hoje não é facil que nenhum homem pratico em negocios e forte na tribuna consinta em associar o seu nome ás responsabilidades dos actos deste gabinete, e quando um ministerio chega a estas condições, não é necessario um voto parlamentar para que se retire das suas cadeiras, porque os governos não se retiram só quando lhes é negado o apoio parlamentar, mas quando reconhecem a sua impotencia, e é este tambem um meio constitucional de cair, de que ha numerosos exemplos no paiz e fera delle. Não são só os revezes parlamentares, que motivam a queda dos governos; deve a determinar igualmente o convencimento da sua incapacidade para vencer os obstáculos, sobretudo quando o paiz atravessa circumstancias criticas e melindrosas. Os governos que não podem governar retiram-se para que a sua pertinacia não provoque consequencias funestas. É um dever de lealdade, de consciencia, e de patriotismo.

E quaes são as circumstancias em que nos achamos? Em 17 de agosto vencem-se avultados supprimentos em Londres, a que é urgente acudir por meio, do emprestimo externo. Fez-se elle? Sobre que bases? É exacto que a companhia dos caminhes de ferro de sueste manifesta novas exigencias, e que o banqueiro concessionario advertiu o governo de que sem as satisfazer não alcançará favoravel cotação? Se tudo isto é exacto, prolongar a crise, conservar suspensas soluções urgentissimas, e cuidar só de mendigar successores ha vinte dias para as pastas vagas do sr. conde de Samodães e do sr. Pequito, como se desculpa e o que significa?

O governo não póde continuar a gerir os negocios publicos senão para continuar a attestar de dia para dia que a sua missão acabou.

Peço desculpa da vehemencia. Respeitei este foro aonde grandes exemplos e vozes admiraveis assignalaram es seus poderes; sei quanto lhes soa inferior, mas não lhes cedo no amor do paiz e da liberdade. A occasião é grave e suprema, e se as musas vingadoras da tribuna me inspirarem alguma phrase mais severa, não lhes pedirei que levantem a mão de cima da minha fronte. O gabinete, depois do desgano publico da sua impotencia, póde arrastar-nos a perigos serios. Todos os sentem. Calem-se os que quizerem. Eu não! Cumpri o meu dever. O resto não me pertence. Deus salve o paiz!

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos dignos pares e srs. deputados, tando da maioria como da minoria.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros:- Duas palavras apenas em resposta ao que acaba de dizer o digno par. Digo e repito que o caso actual da saída de dois ministros da gerencia dos negocios publicos, não é novo; tem-se dado muitas vezes em Portugal e nos paizes estrangeiros. Sendo presidente do conselho4e ministros o sr. duque de Loulé, um pequeno incidente que houve na camara dos senhores deputados determinou-me a sair daquelle edificio para ir ao paço pedir a minha demissão, e depois de a obter é que escrevi aos meus collegas e ao presidente da camara

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dos senhores deputados a participar-lhes a resolução que tinha tomado.

A saída do ministerio todo depende do poder moderador ou de uma votação das camaras; se o poder moderador lhe retirar a sua confiança, o ministerio sairá, e se as camaras mostrarem por uma votação que o ministerio lhes desagrada, tambem sairá. Fora disto não ha actualmente nada que o determine a sair.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, depois de ter ouvido o digno par o sr. Rebello da Silva, cujo discurso admiravel eu não posso por forma alguma nem de longe imitar, limitar-me-hei a fazer algumas perguntas acompanhadas de simples e singelos commentarios, e direi que não concordo de modo algum com as idéas do sr. presidente do conselho, nas quaes s. exa. avança que quando um ministro sáe do ministerio os seus collegas se podem conservar no poder constitucionalmente. Quando se sae por doença, como aconteceu com o sr. Pequito, tem todo o cabimento a doutrina sustentada pelo sr. presidente do conselho; mas quando se sae como saiu o sr. conde de Samodães, já não é a mesma cousa; isto implica ou desaccordo e desharmonia com a camara ou com os seus collegas. Que existe desharmonia não padece duvida neste caso; eu reduzo as minhas" perguntas ao seguinte. Porque saiu do ministerio o sr. conde de Samodães? Estava em desaccordo com os seus collegas, ou perdeu a confiança da camara? Não tinham s. exas approvado e subscrevido as principaes medidas apresentadas por aquelle senhor? Então que desaccordo houve? Se não houve desaccordo entre o sr. conde de Samodães e os seus collegas, então a saída de s. exa. foi para acalmar a irritabilidade da camara, eis-aqui pois o caso de solidariedade. Se pois houve desaccordo com o governo, diga s. exa. quaes são os pontos de administração de fazenda em que differem, a camara tem direito a ser informada neste ponto, são estas as praxes constitucionaes. O que é facto é que o sr. conde de Samodães pediu a demissão; quando um ministro sae sem uma votação da camara é porque está em desaccordo com os outros ministros, e nesse caso eu tenho necessidade de saber se o governo toma a responsabilidade dos actos do seu ex-collega da fazenda, sobretudo no que diz respeito á carta de Hillel, publicada num jornal estrangeiro, a proposito da qual vieram os documentos que estão sobre a mesa, e que na verdade são interessantes e derramam muita luz ácerca daquella desastrosissima operação; eu preciso muito, a camara igualmente e o paiz que se esclareça aquelle engano, e que nos reparem por uma satisfação condigna do insulto e offensas publicadas por aquelle insignificante corretor.

Tendo saido o sr. conde de Samodães, preciso saber se estão resolvidos a responder, os outros seus collegas, pelos actos por elle praticados até hoje relativos aos contratos Goschen, Stern, e o corretor Hillel, são negocios importantes e aos quaes o governo não póde abster-se de dar todas as explicações condignas.

Sr. presidente. Em resumo. As minhas perguntas limitam-se ao seguinte. Saber as rasões que determinaram a saída do sr. conde de Samodães? Se foi para acalmar a camara, qual o motivo da conservação dos collegas que se diziam solidarios. Se foi pelo contrario, para resolver difficuldades que a divergencia e pontos de governação publica traziam ao gabinete; nesse caso desejo saber qual esse desaccordo, as idéas em que versava, qual a doutrina que era contestada. Finalmente seja qual for a causa de demissão do sr. conde de Samodães, desejo, saber se os seus collegas tomam a responsabilidade pelas operações do credito que elle realisou, e pelo modo com que se conduziu ácerca de Goschen Stern e Hillel. Eis-aqui succintamente as minhas perguntas e espero que s. exa., o sr. marquez de Sá, terá a bondade de responder.

O sr. Ferrer:- Sr. presidente, pedi a palavra para breves observações; antes porem de as fazer, tomo a liberdade de perguntar a v. exa. se está mais alguem inscripto?

O sr. Presidente: - Não, senhor.

O Orador: - Eu sinto que, tratando-se de um objecto tão grave como este que tem estado em discussão, e em, que tem tomado a palavra tantos oradores da opposição ao governo que alardeia ter maioria nas duas casas do parlamento, não se tivesse levantado ainda nem uma só voz a defende-lo? Que é feito pois desses oradores que teem nesta casa quebrado lanças pelo governo? Provará este silencio, a existencia dessa preconisada maioria? Ainda ha bem pouco tempo passou nesta casa um projecto importante, e passou por um voto!... Ora, sr. presidente, não é isto o que tenho lido nos livros que tratam de direito constitucional. Não é isto de certo; e dirijo-me a s. exa., o sr. presidente do conselho, que nui bem o sabe. Tratando se de doutrinas de principios, amicus plato sed magis arnica veritas.

O sr. Presidente do Conselho (que está ao lado do orador juntamente com um senhor deputado, diz para este): - Tambem o sr. Ferrer saiu do ministerio de que fez parte.

O Orador: - Eu sai do ministerio, mas ninguem me forçou a isso. Sai porque entendi que estava em minoria, e em contradicção com os meus collegas, e porque o governo constitucional só é das maiorias. Entendi que tendo uma opinião isolada, devia sair é deixar ficar os meus collegas; mas na occasião actual não se dá esse caso, porque os ministros que pediram a demissão foram levados a isso, todos o sabemos. O proprio sr. Pequito. dizia a todos que, não se demittiria sem nessa demissão ser acompanhado dos seus collegas, e por fim, taes foram as intrigas e os meios empregados que. aquelle ministro saiu, e os seus collegas ficaram! Todos sabem isto, e ninguem ignora tambem o que a imprensa disse de s. exa. Não gosto de fallar na imprensa, mas na verdade maguou-me ver que um jornal ministerial publicou, na véspera da saida do sr. Pequito, artigos violentissimos contra elle, e no outro dia foi o proprio jornal que disse ser o sr. Pequito um homem honradissimo! Ganhou s. exa. este epitheto de um dia para outro, no intervallo de uma noite; de sorte que nalgumas horas que mediaram entre um e outro artigo, conquistou s. exa. o nome de homem honrado que na véspera se lhe contestava!

Ora, isto não póde ser assim; chegam as cousas a um ponto que não é possivel soffrer que cheguem.

Deixando, porem, isto de parte, vou fazer duas breves considerações ao sr. presidente do conselho sobre o que ouvi a s. exa. O digno presidente do conselho de ministros respondeu a um digno par, que havia crise ministerial, por quanto dois dos seus collegas haviam pedido a demissão; mas em resposta ás substituições quando se lhe perguntou quem seriam os individuos que substituiriam os seus collegas, s. exa. nada disse, por entender que as camaras não teem nada com a organisação dos ministerios nem com as recomposições, por ser isso um acto privativamente do poder moderador; mas na outra camara, e em resposta a uma pergunta identica, disse s. exa., e ouvi-o eu = que o ministerio havia de ser reconstruído com individuos que fossem agradaveis á outra camara.

O sr. Presidente do Conselho:- As duas camaras.

O Orador:- Aceito a variante, mas entendo que antes de organisado o governo as camaras não teem nada com a sua organisação ou reconstrucção. As camaras só teem, depois do governo se apresentar, a esperar pelos seus actos para os examinar, a fim de os approvar ou rejeitar. Tudo o que é anterior a isto pertence ao chefe do estado. Eu não sei, sr. presidente, como antes do governo ser organisado ou reconstruido se possa dizer que os membros que hão de entrar no ministerio hão de ser agradaveis ás camarás, quando esse negocio não depende do governo actual nem do parlamento, mas depende de uma prerogativa que a carta estabelece ao monarcha, e elle só exclusivamente é que della póde usar. Portanto o governo não podia afiançar que aquelles que hão de ser nomeados teem esta ou aquella qualidade, e hão de ser ou não agradaveis ás ca-

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maras, porque primeiro elles hão de ser agradaveis ao chefe do estado.

Disse tambem o sr. presidente do conselho, que o governo não sairá sem ter uma votação contraria nas camaras. Esta doutrina é verdadeira, mas tambem s. exa. ha de confessar que não são meios para sustentar o actual gabinete essas reuniões fora das camarás, esses apoios extraordinarios, esses votos de confiança, que se solicitaram, mas que não se conseguiram. Tambem não são meios legaes essa comedia que se representou, porque todos sabem como foi preparada, pois que, sr. presidente, não ha segredo nisto, póde-se dizer; é uma cousa publica, e que se passou diante de cincoenta homens, e entre cincoenta homens não ha segredo. Disse-se (é official) que o governo não se podia reconstruir, e que portanto o sr. bispo de Vizeu pedia a sua demissão. Para que se fez esta declaração? Se era um acto de côrtezia podia-se fazer depois de s. exa. se demittir. Tinha assento nesta camara, e podia fazer o que o sr. presidente do conselho disse com relação aos srs. conde de Samodães e Pequito, e é que s. exa. se podiam explicar, visto um ter assento nesta casa, e o outro na outra camara.

Mas, sr. presidente, foi uma ameaça á maioria, para que ella desse um voto de confiança ao governo; propoz-se esse voto e a camara sabe que a rasão por que se não approvou foi porque este voto era pedido numa occasião de crise.

Tratava-se de fazer passar alguma medida importante para o paiz? Não, senhor. Tratava-se da reconstrucção do ministerio. Isto era uma arma que se empregava para levar o chefe do estado a aceitar a reconstrucção, que talvez não fosse do seu agrado.

Sr. presidente, é necessario dizer a verdade toda, é necessario que a nação tenha della conhecimento; e ainda hoje não digo tudo, más um dia hei de contar a historia desta crise desde o seu principio até hoje.

Sr. presidente, já lá vão tres ministros; saiu primeiro o sr. Carlos Bento; seguiram-se os srs. conde de Samodães e Pequito. Sabe v. exa. o que isto me faz lembrar? E que este governo acha-se nos festins de Thiestes. Peço aos srs. tachygraphos que tomem nota de que fallo nos festins de Thiestes e não em outros; festins em que o personagem da fabula devorava os proprios filhos. Apparece um embaraço, deita-se um ministro ao mar, e o governo continua! Onde está aqui a solidariedade? Onde estão as leis do cavalheirisimo e da civilidade? Uns ministros sacrificam outros para se conservarem no poder! Lastimo que o sr. presidente do conselho, que é um perfeito cavalheiro, subscreva a tal doutrina nunca até ao presente conhecida. Se esta situação continua, ainda teremos outro ministro lançado ao mar, ainda se alija outro membro do gabinete mas o caso fica! Isto não póde ser.

Sr. presidente, entendo pelo que estudei nos livros de direito publico, que no governo constitucional representativo os ministros são responsaveis pelo seu nascimento e pela sua morte, e o governo é obrigado a justificar, porque introduz no ministerio um individuo e exclue outro; justificação que deve ser feita com toda a clareza perante o parlamento. Não basta dizer o sr. fulano pediu a sua demissão, é preciso dizer tambem o porque. O parlamento tem direito de saber por que saiu este ou aquelle ministro.

Disse o sr. presidente do conselho que o sr. Pequito saia do ministerio, porque está doente. Mas porque saiu o sr. conde de Samodães? Este não está doente, e o sr. presidente do conselho não nos disse a causa da sua saida. Um saiu por doente, outro não se sabe porque saiu. Mas eu custa-me a acreditar que o sr. Pequito esteja doente, e com isto não quero desmentir o sr. presidente do conselho. Pois o sr. Pequito, depois de vir da sua terra, onde se esteve restabelecendo, chegando aqui de perfeita saude, e tanto que indo eu felicita-lo, elle me disse que estava perfeitamente bom, adoece no fim de tres dias e não póde continuar no ministerio? Pois o governo póde estar dois mezes sem o sr. Pequito, por s. exa. estar doente, e porque adoece logo tres dias depois de s. exa. ser restituido ao seu logar de ministro é demittido! O governo não devia aceitar a demissão do sr. Pequito. Se elle estava doente, dessem-lhe nova licença. Isto não póde ser. Não digo mais nada.

(O orador mão reviu as notas deste discurso.)

O sr. Rebello da Silva:- Tinha extensas observações a fazer, mas vou resumi-las em poucas palavras, porque não quero demorar o debate. As explicações do sr. presidente do conselho não me satisfizeram. O momento actual é gravissimo, todos o apreciamos. Não se póde adiar por mais tempo a questão de fazenda, não se póde protrahir a solução de um problema, que foi o programma do governo, e que é e ha de ser por muito tempo o programma do paiz.

O sr. marquez de Sá declarou ha pouco que fora pedir a sua demissão, quando pertenceu a um dos gabinetes passados, sem o communicar aos seus collegas. Fez muito mal. Devia pedir a sua demissão depois de lho fazer constar. E o que mandam os principios. E hoje deve pedi-la, porque não póde governar. Ministro nenhum deve pedir a sua demissão sem o participar em conselho, e nenhum ministerio póde sustentar-se á espera de um revés politico, quando todas as circumstancias determinam a sua queda.

O sr. duque de Loulé na sua ultima administração, contando numerosa maioria na casa electiva e na hereditária, retirou-se porque viu que assim mesmo não podia caminhar.

Se o ministerio póde reconstruir-se, reconstrua se; se póde governar, governe; mas o que não podia era prolongar a crise, é demorar por quinze dias mais a solução urgente, Isto é que não póde consentir-se. Viva, se tem vida, mas viva.

Moribundo e agonisante é que não permittem os interesses do paiz que o deixemos continuar, só porque não se sente com animo de seguir o caminho que o dever lhe aponta (apoiados).

Cumpre-me dar uma explicação á camara. Algumas pessoas, que me ouviram, attribuiram a uma phrase pronunciada por mim, sentido que lhe não dei, suppondo me intenções de censura, que estão longe da minha idéa.

Referi a publicação de uma carta do eloquente tribuno hespanhol, o sr. Emilio Castellar, e notei que ella tivesse sido feita em differentes jornaes, e em alguns até que não são hostis ao gabinete; e alguem entendeu, que eu accusava esses jornaes pelo facto de reproduzirem aquelle escripto. Não é exacto. A meu ver a carta podia ser publicada, e eu mesmo a publicaria se fosse jornalista; mas quem não posso deixar de censurar é o governo por deixar correr á revelia a doutrina daquelle documento, porque a obrigação do governo é cobrir sempre a corôa em tudo e em toda a parte. Admirei-me de que o gabinete não achasse nada que responder ao sr. Castellar. Não fica mal aos ministros escreverem, e algum dos actuaes é primoroso estyllista e polemico. Não houve tempo, ou não mereceu uma replica a carta do distincto orador? (Apoiados.)

Porque? Passam em julgado as suas asserções audazes, quando nos convida a despedir o rei e a fundar a republica iberica. Se acaso se tratasse de alguma vaidade ferida, de algum acto proprio estranhado não se demoraria a resposta. Porque reinou profundo silencio sobre um escripto importante? Não censuro os jornaes. Fizeram o que eu faria. Noto só a indifferença do governo (apoiados).

Emquanto á crise, a camara fará o que entender, e os poderes publicos obrarão do modo que julgarem mais conveniente. Do governo não espero nada, e da sua reconstrucção muito menos. O gabinete póde prolongar a agonia, mas não prolonga a existencia; pôde-se collar ao poder, como o molusco ao rochedo, porem não resolve nenhuma difficuldade, não adianta um passe, e espaça e adia com risco imminente a solução dos problemas de fazenda e de administração. A popularidade perdida não volta, e os meios de governar faltam-lhe. Hoje é preciso que os ministerios pró-

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vem vontade, consciencia, conhecimento dos negocios, patriotismo, e que a opinião publica os fortaleça. Se não tiverem tudo isto, os naufragios hão de ser successivos, e só peço á providencia que nos poupe o ultimo, que nos livre da suprema catastrophe!

Quando ficto os olhos do espirito no passado e procuro antever o futuro, estremeço vendo os graus de analogia que existem entre os dias tristes que atravessamos, e a dolorosa epocha de 1580 (apoiados). Foi nessa epocha que a velha unidade da monarchia já estremecida caia agonisante nos braços de alguns homens, que tambem promettiam salva-la; foi nessa epocha que se levantou o prior do Grato inebriando as multidões com a palavra cheia de illusões de renovar os dias gloriosos do mestre de Aviz! Mas o braço do bastardo do infante D. Luiz não podia com a espada de D. João I, e a grande raça dos heroes desapparecera nas sombras da decadencia. Ministros sem capacidade, conselheiros sem intelligencia, soldados sem chefes, e um rei cardeal moribundo e dominado pelos claustros, como haviam de organisar a resistencia nacional? Tudo estava alluido e tudo desabava. Nas côrtes de Santarem e Almeirim a discordia, a inveja, a pussilanimidade, e o egoismo. Só uma voz nobre falla vá a linguagem heróica de outras eras. O bispo de Leiria estendia em uma .das mãos aos deputados o documento que attestava as indecisões da coroa, e escondia na outra a cédula das promessas de Christovão de Moura. Tudo agonisava - rei, povo, liberdade, brios, e independencia. Todos invocavam a patria, e ninguem se lembrava senão de si... E assim que morrem as nações. (Muitos apoiados. - Vozes: - Muito bem.)

O veneno da corrupção minava a maior parte das forças, o desalento e a descrença quebrava o resto. Nos areaes de Alcácer, ou nos aljubes de Marrocos e de Fez jazia morta, ou captiva a flor da nobreza. A par do luto da derrota de D. Sebastião avivava a dor dos que sentiam o luto proximo da perda da independencia. A pobreza era geral. A fome batia ás portas do maior numero. Os cofres publicos vasios quasi que desarmavam antecipadamente a defeza. A questão de fazenda apressava então a dissolução dos elementos, que ainda podiam congregar-se para acudir ao perigo. Assim de ruina em ruina, de humilhação em humilhação, no meio da anarchia mansa que precede de orddinario os grandes cataclysmos, chegou-se ao ponto da ordem e da segurança serem apenas um desejo sem realidade; chegou-se ao ponto do maior numero (cumulo de infelicidades!) nas trevas caliginosas do desespero já não ver luzir para si outra luz, nem outra esperança, senão o clarão sinistro despedido das lanças e mosquetes dos veteranos do duque de Alva (muitos apoiados).

A luta com o estrangeiro foi curta. Em Cascaes, na ponte de Alcantara, e nas margens do Douro o partido sem cabeças e sem disciplina da independencia caiu derrotado para não tornar a levantar-se. Depois ... até os que tinham pelejado com elle foram rojar-se aos pés do conquistador, e pedir-lhe é que não estava na sua mão conceder - que fizesse surgir daquellas ruinas e daquella podridão o Portugal nobilissimo de seus avós! Mas o dominio estranho é esteril e triste como o captiveiro, que representa, e a sua voz mata, não vivifica. Filippe II não povoou senão de patibulos, de verdugos, e de delatores as solidões moraes rasgadas em roda de um throno militar. Sessenta annos de oppressão, de desastres successivos, e de aviltamento provaram aos portuguezes, que o leão de Castella podia devorar membro por membro os estados que associava ao seu destino, mas que não, sabia salvar-se a si, nem salva-los a elles. A Hespanha embrutecida pelo despotismo e pela intolerância monacal declinava rapidamente, e cingindo nos braços armados o pequeno reino, alvo. constante de sua ambição, queria arrasta-lo comsigo ao abysmo. O muribundo já meio afundado nas aguas tempestuosas queria levar-nos por força á mesma morte!... Bastou uma hora, bastaram quarenta homens, quarenta fidalgos, auxiliados pelo sentimento unanime do paiz, para sacudir um jugo longo e detestado (muitos apoiados).

Dentro de oito dias a casa de Áustria, que ainda fazia tremer a Itália, e os inimigos alliados para a combater, não contou em Portugal uma villa, ou uma aldeia sua, nem um soldado, nem um canhão, e ficou sabendo o que vale a vontade de um povo quando quer e sabe ser livre (repetidos apoiados).

O povo disse não, e com a ponta da espada gravou nos campos de batalha com o sangue das veias o glorioso protesto de Aljubarrota. Deus abençoou suas bandeiras, e a historia da independencia ornou-se com mais uma formosa pagina. O povo disse não, e manteve a palavra, mas é por que teve fé em si e nos seus destinos, porque pelejou unido e resoluto, porque tomou a nacionalidade por divisa e o throno da sua escolha por base (apoiados) D. João IV foi o rei do paiz, o rei do direito legitimo affirmado pela soberania popular. A sua força invencivel nasceu destas duas circumstancias (apoiados). Para as chancellarias estrangeiras representava a legitimidade ferida em 1580 pela usurpação hespanhola, mas para os subditos era o rei levantado em seus braços, ungido pelo amor da liberdade, e saudado pelo enthusiasmo da emancipação, e pelo orgulho da alforria victoriosa (muitos apoiados).

O que perdeu o reino em 1580? A incapacidade dos ministros, a pusillanimidade do rei e das côrtes, e o desalento geral. O que salvou a nação em 1640? A união das forças e das vontades, a fé viva, e a decisão heróica. D. João IV tomou ministros que souberam segurar-lhe a corôa na cabeça, teve generaes, como o que se acha neste momento ao meu lado, que souberam attrahir a victoria a seus estandartes, retintas de sangue nos campos de batalha as folhas das espadas como a deste, e mutilados tambem alguns gloriosamente como elle! Generaes que hastearam sobre a cupula da monarchia restaurada a bandeira rota das balas, a bandeira que tantas vezes guiara á victoria Sancho Manuel, o marquez de Marialva, D. João da Costa, André de Albuquerque, Mathias de Albuquerque, e outros que eram da familia de Mem Rodrigues de Vasconcellos, e dos capitães de D. João I (apoiados).

Quer a camara saber o que é, o que vale, e o que significa um paiz sem ministros? Quer ver quaes são os resultados que póde trazer um governo sem força, sem plano, sem energia, e sem prestigio? Contemple a epocha de 1807. O exercito de Napoleão commandado por Junot já atravessava as fronteiras de Portugal, e um gabinete adormecido e inepto ainda ignorava o tratado leonino, que desmembrava a patria. As águias napoleonicas adejavam já com as garras abertas para empolgar a capital, e Lisboa ignorava tudo, quando já a sombra da invasão lhe escurecia o rosto. A ultima hora um grito de angustia dispertou a todos. Era tarde. Viu-se então um espectaculo que resumiu as maiores lastimas humanas. A dynastia fugitiva entregava o paiz aos invasores! Uma minha louca era levada entre gemidos e soluços para bordo do navio, que havia de transporta-la longe da terra, aonde repousavam os ossos de seus antecessores. O principe regente, quebrando a espada sem combater, deixava as praias da patria aos inimigos, e via abrir as velas das naus ao vento com a anciedade com que veria despregar as azas á esperança na crise de uma batalha decisiva. Arrancando-se dos braços do seu povo, ia esconder alem do Atlântico, na terra de Santa Cruz, o sceptro e a corôa de D. João I e de D. José, e lançar os alicerces da separação de um grande imperio. Em roda delle, pallidos, consternados, vergados pelo remorso apinhavam-se os ministros e os côrtezãos, porque este immenso infortúnio ainda achou côrtezãos, e a bandeira britannica desfraldava-se sobre a, catastrophe como penhor de segurança para os prófugos. Esta foi a scena dolorosa do ultimo somno da monarchia. A do ultimo somno da liberdade trahida narra-a o lutuoso periodo de 1828. Se um Nuno Álvares, um João das Regras, ou um marquez de Pombal aconselhassem a monarchia, Junot te-

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na recuado como annos depois recuou Massena (apoiados).

Ensoberbecido pela invasão facil, e considerando no sen orgulho os portuguezes como um rebanho docil, o conquistador, recebendo a deputação do reino, e dirigindo-se a um fidalgo portuguez, perguntou-lhe: "Quereis ser hespanhoes? Não, não, e não!" redarguiu com os olhos accesos em ira, aquelle representante honrado das tradições patrias, levando a mão aos copos da espada! (Muitos apoiados.)

O mesmo respondemos nós hoje ao tribuno eloquente do reino vizinho.

Hespanhoes? Nunca. Unidos a Castella, nunca. A Castella... jamais! (Sensação e repetidos apoiados.- Vozes: - Muito bem, muito bem.)

Não queremos! Não despedimos o rei, que é neto de D. Pedro, do fundador das instituições livres. Não sonhamos engrandecimentos falsos, que encerram futuros tenebrosos. Não aceitámos promessas que a experiencia ha dois seculos desmentiu. Não queremos de Castella senão amisade, respeito reciproco, accordo de interesses, e... menos zêlo pelos nossos destinos (muitos apoiados). Separados quasi no berço vivemos com gloria, unidos pela força agonisamos. Somos irmãos-mas irmãos independentes, coro existencia e individualidade propria (muitos apoiados). Eis a nossa resposta. Mas para a affirmar carecemos de um governo que saiba e possa mante-la; de um governo que alce firme ha mão robusta a velha bandeira da nossa independencia (apoiados); porque se não a alçarmos assim, não sei qual Lerá a sorte de Portugal. Deus vele por elle, porque sem leme na tormenta só Deus fará o milagre de o salvar! (Apoiados - Commoção profunda.)

Vou concluir. Siga o governo os seus instinctos; levante-se, levante-se para vacillar, ou acabe de cair = faça o meu nobre amigo, o sr. presidente do conselho, o que entender, e a consciencia lhe dictar, - permaneça mais uns dias, mais uns mezes, ou retire-se já-qualquer que seja a resolução tomada, o meu coração fica hoje tranquillo. Cumpri um dever sagrado como portuguez, como par do reino, como cidadão e como homem que preza os fóros do seu paiz. O resto... a immensa responsabilidade do que se faz e do que se quer fazer... ha de pesar sobre os que neste momento se lembram mais de si do que da patria (muitos apoiados).

O paiz que nos julgue, e Deus que nos proteja! (Muitos e prolongados apoiados.)

Vozes: - Muito bem! Admiravelmente!

(O orador foi comprimentado por muitos dignos pares e srs. deputados.)

O sr. Presidente do Conselho: - Eu estimei muito ouvir o digno par que acaba de fallar referir-se á tendencia que existe no espirito publico para a sustentação da, nossa independencia.

Efectivamente, os homens que fazem parte da actual situação partilham a opinião de s. exa., e estuo convencidos que ao menor indicio de invasão por parto do inimigo, o paiz inteiro se levantaria como um só homem para defender a sua autonomia.

Mas, sr. presidente, essas idéas que se têem apresentado a respeito da união iberica, são, por assim, dizer, envergonhadas, não se patenteiam francamente. Ha no reino vizinho muitas pessoas que julgam possivel a realisação da união dos dois paizes; mas estão completamente enganados, porque isso em logar de nos servir de garantia, só nos traria os resultados de 1580.

Agora, em relação tambem á phantasiada união dos dois paizes por meio da republica federativa, isso seria igualmente uma grande desgraça para a peninsula inteira. Havia de succeder o que tem succedido com as republicas hispano-americanas, onde quizeram seguir o systema governativo dos Estados Unidos, não se achando preparados para isso, do que resultou ter havido durante cincoenta annos, revoluções sobre revoluções, e as continuadas guerras civis que têem destruido os recursos das republicas do México, Bolívia, Venezuela e de outras.

Não é portanto a forma republicana ou monarchica que exclusivamente assegura a liberdade de uma nação, porque, alem da republica dos Estados Unidos, vemos na Europa que a Bélgica é um dos paizes que tem mais liberdade, apesar do seu governe republicano, e nós mesmos ha muitos amos que tambem gosamos de uma liberdade que não teem outros paizes, que dizem que suo mais civilisados do que o nosso. Nós com os melhoramentos de que ainda precisamos e mais algumas reformas que cumpre fazer, mo fallo da reforma chamada descentralisacão, que se por uma parte tem vantagens, quando se contem em certos limites, e fora dellas tem inconveniencias, porque, se se fizesse uma descentralisacão completa, poderia o governo ficar embaraçado de gerir convenientemente os negocios geraes do estado. As vezes repetem-se certas palavras que se tornam como fundamento de asserções absolutas, sem se attender a que se se adoptassem essas asserções se encontrariam graves difficuldades. Veja-se o que tem succedido na chamada republica do Paraguay, que é governada pelos dictadores mais despoticos que tem havido. Portanto procuremos melhorar as instituições do nosso paiz, sem sobressalto, e tratemos de limitar as nossas despezas, que são maiores do que aquellas que podemos fazer.
Para administrar o estado, com este fim, ha homens capazes em todas as fracções politicas liberaes, as quaes tem entre si pouca differença de opiniões quanto aos principios geraes. Há dez ou doze annos as fracções politicas tinham mais significação do que têem actualmente, hoje são mais ligações pessoaes do que outra cousa, podemos todos concorrer, cada um por seu turno, para melhorar o estado do paiz sem que se pense em que é possivel faze-lo de repente, principalmente em relação ao estado da fazenda publica, porque quem tentasse tomar medidas para reduzir immediatamente as despezas publicas não o podia conseguir sem gravissimos incovenientes. É possivel diminuir o mal, mas para isso é necessario uma serie de annos em que concentremos a nossa attenção para todos os melhoramentos de que o paiz tanto carece.
Emquanto ao mais que disse o digno par estou de accordo com s. exa. se for preciso fundir a nossa independencia contra qualquer aggressão externa havemos de fazer o mesmo que se fez em 1640, e como fizemos na guerra dos sete annos de que resultou expulsar os francezes de Portugal e de Hespanha, e levarmos a bandeira portugueza alem dos Pyrinéus e do Garona.
O Sr. Marquez de Sabugosa: - Sr. Presidente, eu não esperava tomar parte nesta conversa que hoje tem havido nesta casa a respeito da demissão de dois membros do gabinete. Não pude porém deixar de pedir a palavra na occasião em que o sr. Presidente de conselho disse, que todos deviamos acreditar que o actual gabinete estava nas mesmas idéas, nutria os mesmos sentimentos que o sr. Rebello da Silva tinha aqui apresentado sobre a independencia nacional e a respeito da conservação da nossa autonomia.
Acredito firmemente que o sr. Presidente do conselho se acha possuido dos mesmos sentimentos patrioticos, que são essas as suas idéas, e parece-me que, como eu, toda a camara o acredita. Em ninguem confio mais para a defeza da independencia do nosso paiz e das nossas instituições do que no sr. Presidente do conselho, e da sua lealdade, dedicação e patriotismo tudo espero, mas não é só de s. exa., que se trata. São absolutamente necessarias algumas explicações.
Ha um jornal que defende o gabinete, e que tem toda a importancia na situação, tanto que intimou ha dois dias um dos ministros da coroa a sair do poder, e esse ministro saiu. Desse jornal era redactor ou collaborador um dos actuais ministros: e se não foi isto o que somente o levou aos conselhos da coroa, porque todos conhecem o talento do sr. Latino Coelho, as suas qualidades como orador e es

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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 353

criptor, e a sua erudição como homem politico, porem foi de certo o ser redactor daquelle jornal o que determinou a sua entrada no gabinete, porque s. exa. havia muito que não era membro do parlamento, e não me consta que noutro jornal, a não ser no Jornal do commercio, s. exa. tratasse da politica do paiz.

Esse jornal defende ha tempo claramente a federação republicana na peninsula. Ora, como não ha nenhum jornal do governo que tenha apresentado idéas contrarias a estas, como não ha acto nenhum pelo qual se mostre que o sr. Latino Coelho, antigo redactor daquelle jornal, discorda delle, parece-me por consequencia absolutamente necessario que o sr. presidente do conselho tome isto em consideração, e que o sr. Latino Coelho venha declarar positivamente que não partilha dessas idéas, e que as suas relações politicas com aquelle jornal acabaram, e só assim se poderá conservar no poder; de outro modo não vejo que se possa conservar no logar de ministro da coroa, parecendo ter solidariedade nas doutrinas daquelle jornal.

Agora não são só theorias, como já disse o sr. Latino Coelho em outra occasião, é um apostolado, pois já se diz = ponha se fora o rei, porque o mais tudo se arranjará =. Sr. presidente, reservava-me para provocar algumas explicações do gabinete, depois delle reconstruido, porque não gosto de entrar nas conversações como esta em que temos estado, e porque confiando no sr. presidente do conselho, estou convencido que se s. exa. receiasse que o sr. ministro da marinha partilhasse as idéas daquelle jornal, não o havia de conservar no poder. Reservava-me, pois, como disse, para nessa occasião fazer algumas perguntas; as palavras, porem, do sr. presidente do conselho obrigaram-me a fallar desde já neste assumpto, e póde ser que o que temos dito hoje aqui não seja perdido, ou pelas explicações que necessariamente hão de ser dadas, ou por se ter chamado mui particularmente a attenção do sr. marquez de Sá sobre este objecto.

Aproveitando a occasião, direi duas palavras ácerca da demissão dos dois membros do gabinete, pedindo licença ao sr. Ferrer para dizer que não concordo com s. exa. em que a reconstrucção seja inconstitucional.

Os ministros gastam se muitas vezes nas lides do parlamento, como se tem visto aqui e fora; mas emquanto as camaras e o poder moderador teem confiança no presidente do conselho, este póde apresentar ao chefe do estado os novos collegas para o ajudarem na governação, e não me parece que por um ou dois ministros saírem do poder, seja obrigado a sair todo o ministerio, porque isso dava logar a que as situações mudassem contra o voto das maiorias, e por consequencia do paiz.

Nisto pois não estou de accordo com os meus collegas, e parece-me que o gabinete constitucionalmente se póde reconstruir; se tem porem força para o fazer, se na conjunctura actual é possivel, isso é outra cousa, parece-me muito difficil, senão impossivel.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - São duas palavras somente. É apenas para dizer que o sr. Latino Coelho já declarou nesta ou na outra camara, não sei mesmo se nas duas casas do parlamento, que desde que entrou para o ministerio cessou completamente as suas relações com o Jornal do commercio, e todos sabem que o caso que se deu com o sr. Latino Coelho é o mesmo que se deu com o sr. Mendes Leal, que desde que foi chamado para o ministerio, cessou de tomar parte na redacção de jornaes; portanto, depois daquella declaração, nós devemos acreditar a palavra honrada de qualquer cavalheiro.

Emquanto á imprensa que defende o governo, já está dito, por mais de uma vez, que este governo não tem jornal nenhum seu; para o ter era necessario que pagasse, mas o governo não gasta 5 réis para esse fim, deixa livre a todos escrever o que quizerem; é o systema que temos seguido (apoiados).

O sr. Marquez de Sabugosa: - Sinto dizer que não me satisfez a resposta do sr. presidente do conselho, porque o sr. Latino Coelho o que disse aqui foi apenas que = desde que era ministro nunca mais escrevera para o Jornal do commercio -(apoiados}. Não nos disse que tinha acabado as suas relações com aquella folha, o que é muito differente, perdoe-me o nobre marquez de Sá (apoiados}; antes ao contrario, as apparencias, que todos notam é de que s. exa. conserva as mesmas relações (apoiados repetidos). Agora mesmo esse jornal intima um collega seu para sair, e elle effectivamente sae do gabinete! Por esta forma é que se deve julgar; não duvido da palavra honrada do sr. Latino Coelho, mas em vista dos factos, e porque da boca de s. exa. ainda não se ouviu senão a declaração de que não escrevia para o jornal, mas não a de que tinham cessado ali as suas relações politicas, não posso realmente dar-me por satisfeito. (Uma voz:- Muito bem.)

Agora outra reflexão, e é, que o nobre presidente do conselho diz que = o governo não dá dinheiro algum para jornaes =; eu acredito inteiramente essa declaração, e reconheço a moralidade da administração; e posso ser testemunha como uma das pessoas que os acompanhou na intimidade; mas se no gabinete houvesse um ministro que partilhasse as idéas que aquelle jornal apresenta, é forçoso reconhecer que esse subsidio seria o de maior preço que se tem pago. (Vozes:- Muito bem, muito bem.) É pois necessario, e muito necessario, que o sr. ministro da marinha venha aqui para nos dar explicação terminante a similhante respeito.

O sr. Presidente:- Está acabada esta conversação e chegada a hora; por consequencia designo para primeiro dia de sessão a segunda feira proxima, porque amanhã, sabbado, é dia feriado muito solemne como todos sabem. A ordem do dia serão os pareceres impressos e distribuidos.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e tres quartos da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão
de 30 de julho de 1869

Os exmos srs.: Condes, de Lavradio, de Castro; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Sá da Bandeira, de Sabugosa, de Sousa, de Vallada; Conde de Fonte Nova; Viscondes, de Algés, de Benagazil, de Fonte Arcada, de Soares Franco; D. Antonio José de Mello, Costa Lobo, Rebello de Carvalho, Larcher, Reis e Vasconcellos, Baldy, Rebello da Silva, Preto Geraldes, Menezes Pitta, Ferrer.

Ractificação

Na sessão de 26 de julho, publicada neste Diario, faltou mencionar que depois de aberta a sessão se fez leitura da acta, e que esta foi approvada, não havendo reclamação em contrario.

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