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CAMARA DOSJMGNOS PARES

SESSÃO DE 3 DE JULHO DE 1861

PRESIDÊNCIA DO EX.™" SR. VISCONDE DE LABORIM VICE-PRESIDENTE

o j. ¦ j- j Conde de Mello

Secretários: os dignos pares\D pedrQ do Rio

(Assistiam os srs. ministros da justiça, e o da marinha, e entraram depois o sr. presidente do conselho, e sr. ministro da fazenda).

Depois das duas horas da tarde, tendo-se verificado a presença de 26 dignos pares, declarou o ex.mo sr. presidente aberta a sessão

Leu-se a acta da antecedente contra a qual não houve reclamação.

Não houve expediente que mencionar.

O sr. Conde ão Bomfim:—Participo que se acha consti-tuida a .commissão de marinha e ultramar, tendo nomeado para seu secretario o sr. visconde de Castellões, para relator o sr. conde de Linhares, e para presidente a elle sr. conde; que consequentemente está apta para começar os seus trabalhos; e em breve apresentará alguns projectos que estão a cargo da commissão.

O sr. Ministro'ãa Justiça (Moraes Carvalho):—'Peço a palavra por parte do governo,, unicamente para declarar que Sua Magestade digna-se receber, amanhã ao meio dia a deputação que;lhe deve entregar o decreto das cortes approvando o contrato matrimonial da Senhora. Infanta D. Antónia..

O sr..Conãe ãe Thomar:,—Disse que, em consequência do estado da«sua. saudei devia» partir, para as Caldas.no principio d'estc.mez, o que não pôde fazer em consequen* cia da discussão.importanteique aqui tem.havido; masque não.pôde.por mais.tempo demoransey.p tem- de/roartir áma-

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nhã, que por isso como tinha pedido a palavra para uma explicação, a qual não poderá dar posto que seja mui breve, visto o grande numero de oradores que ainda estão isentos, se não se lhe conceder de usar agora da palavra, por isso pede esse favor (apoiados).

O sr. Presidente: — Creio que a camará não terá duvida (apoiados). Tem a palavra.

O Orador: — A sua explicação será o mais resumida possivel, até mesmo porque o sr. ministro a que tem de responder não se acha presente.

O sr. Ministro da justiça: — Assim que acabe a discussão em que na outra camará está empenhado o sr. ministro da fazenda, aqui virá logo.

O Orador:—Ê um pouco tarde. O sr. Ministro da Justiça: — Ás quatro horas. O Orador: — Esta explicação nada tem de offensiva para o sr. ministro, pôde portanto da-la na sua ausência; e como a camará lhe concedeu a palavra vae usar d'ella agora.

Tinha dito no seu discurso que sentia que o governo, pela imprensa ministerial, mostrasse que o seu systema de governar era revolver o passado, e não apresentar boas medidas, sustenta-las e convencer os corpos legislativos e a nação de sua conveniência: e sente que o sr. ministro da fazenda, na resposta que deu ao seu discurso, querendo tomar em consideração algumas palavras n'elle ditas, viesse auctorisa-las, pois procurou justificar um acto seu e do governo, revolvendo o passado. S. ex.* disse n'um tom realmente offensivo para elle orador, que o mesmo tinha na sua vida publica actos que não podia deixar de trazer á lembrança da camará; e para o tornar odioso apresentou as demissões dos srs. Mousinho de Albuquerque e José da Silva Carvalho.

Parecia-lhe cousa assentada entre todos não trazer mais . á discussão actos que se passaram em epochas agitadas, em que todos os partidos, governo e opposição, sem excepção de nenhum, praticaram .actos que no estado normal não praticariam; mas como assim não é, vê-se na neces-, sidade de observar em primeiro logar que essas demissões não são filhas só da sua iniciativa, mas de todo o ministério que tomou a sua responsabidade; e crê que nenhum dos que fizeram parte dos dois gabinetes que as deram, se recusará a tomar, ainda hoje, essa responsabilidade; e em segundo logar que explique á camará as duas demissões. A do sr. Mousinho de Albuquerque teve por fundamento, em 1841, a sua proposta de uma mensagem á coroa, em que esse illustre cavalheiro pedia a Sua Magestade em nome do parlamento que demittisse o ministério a quem fazia as mais graves aceusações, entre as quaes as de corrupção. Dito isto, pergunta se depois de um caso d'estes um ministério tão altamente aceusado podia continuar a dar a sua confiança a um homem que no parlamento apresentava uma mensagem d'esta natureza?

Pelo que respeita k do sr. José da Silva Carvalho, disse que ninguém mais do que elle sentiu esta demissão, e ap-pellou para o testemunho do sr. presidente. Foi ella dada n'uma occasião de convulsões politicas, em que o governo se viu na necessidade de adoptar uma medida politica de grande importância —o decreto de 1 de agosto. O primeiro corpo da magistratura, com o sr. José da Silva Carvalho á frente, oppoz-se a esta medida que o governo julgava absolutamente indispensável. Depois que a mensagem foi levada á presença de Sua Magestade, o governo tinha só dois caminhos a seguir: ou retirar-se, o que era altamente prejudicial á causa publica n'aquella occasião, ou sustentar a sua medida com um acto de força sobre o individuo que exercia um emprego de confiança do governo, eque nunca devia ser órgão d'essa mensagem. Confessa e novamente chama o testemunho do sr. presidente da camará, que elle e os seus collegas foram obrigados a praticar este acto; e que o motivo foi só este, e não por intolerância. Que n'essa occasião deu o sr. presidente da camará uma prova de que sabia ser bom amigo politico e bom amigo pessoal. Bom amigo politico, dizendo que não se podia recusar, attentas as circumstancias em que se achava o paiz e o governo, de aceitar a commissão exercida por um homem de quem era antigo amigo; bom amigo pessoal, porque só aceitou com a condição de que logo que esse amigo voltasse a ser amigo politico do governo, n'esse mesmo dia havia de pedir a sua demissão; e com effeito, elle, sr. conde, teve a satisfação de reintegrar mui brevemente aquelle illustre cavalheiro. É este um dos grandes actos de intolerância de que foi aceusado. Como disse, não esperava o orador que estes factos fossem trazidos á discussão, tendo passado dezesete e vinte annos sobre elles; e muito mais havendo actos análogos praticados em satisfação ao sr. ministro, que tão a propósito recordou aquelles.

Ninguém pôde ter esquecido que houve uma epocha n'este paiz, em que o Demosthenes portuguez, deixem-n'o assim dizer, o sr. Almeida Garrett, fez um discurso violentissimo contra o governo, n'uma questão, que este declarava que não era ministerial; e que o objecto de todas as invectivas e injurias d'esse discurso foi a pessoa do sr. Antonio José d'Avila. Em satisfação de s. ex.* julgou-se então necessário dar a demissão ao auctor do discurso, não de um cargo politico que exercesse, mas dos de chronista mór do reino, e inspector geral dos theatros. S. ex.a devia lem-brar-se, antes de fallar n aquellas duas demissões, que tinham ellas motivo justificado nas circumstancias em que então se achava o governo; e que ainda havia esta que também não devia ter esquecido.

Pelo que respeita á demissão em que aqui fallou, disse que a camará havia de estar lembrada de que não se queixou do governo pelo ter demittido; e nem podia queixar-se pois reconhecia que o governo estava perfeitamente no seu direito, tanto mats^que fora elle próprio que a pedira, e por mais de uma vez. NoTnomento em que chegou ao Bio de

1 Janeiro a noticia da mudança do ministério, a cuja confiança devia a sua nomeação, escreveu o orador a pedi-la principalmente por haver sido aquelle gabinete substituído por outro a que presidia o sr. marquez de Loulé, cujos precedentes politicos o levariam talvez a ser membro da opposição parlamentar. O que porém o orador extranhou e extra-nha, foi ter-se-lhe dado a demissão depois do sr. ministro dos negócios estrangeiros e da fazenda o ter assegurado de que lh'a não dava, por isso mesmo que o novo pedido que lhe fizera, fundava-se principalmente em querer collocar o sr. ministro em posição vantajosa com relação aos periódicos que sustentam o ministério. Que o Portuguez e o Jornal do Commercio diariamente pediam a sua demissão; e disse por isso a s. ex.* que se para não desmerecer d'estes periódicos e da imprensa ministerial, o sr. ministro entendesse que devia dar-lhe a demissão, de bom grado a aceitava, podendo até s. ex.* dar por fundamento o seu pedido. Foi um acto de pura deferência e de amisade, de collega antigo e de amigo sincero, porque não obstante as iras do sr. ministro da fazenda contra o orador, ainda respeita da mesma maneira o sr. ministro, e continua a ser seu amigo; mas por isso mesmo não pôde deixar de sentir que, havendo s. ex.* declarado que não lhe dava a demissão, por isso mesmo que o Portuguez a exigia, acrescentando que este jornal fazia politica por sua conta, fosse depois achar pretexto para demitti-lo, não no seu discurso sobre as irmãs da caridade, mas na carta por elle escripta á Independência Belga, rectificando algumas inexactidões de um artigo que aquelle jornal publicou acerca d'esta questão; e explicando os factos de uma maneira muito mais suave do que tinha feito no discurso.

É esta a única explicação que tem a dar para que q publico saiba a rasão da sua exoneração, e a da resposta retrospectiva do sr. ministro. Quando disse que o governo tinha sido intolerante, não foi por ter-lhe dado a demissão, mas por a dar pelo motivo que s. ex.* sabe; pois conserva em seu poder documentos pelos quaes pôde provar que foi para satisfazer a imprensa ministerial que o governo obrou assim. Não lê taes documentos porque não quer cançar a camará, e limita-se a esta explicação.

O sr. Presidente:—Não estando presente os dignos pares conde da Taipa, e marquez de Vallada que são os dois primeiros inscriptos, tem a palavra o sr. visconde de Algés.

O sr. Visconde de Algés: — O estado muito precário de minha saúde obriga-me a uma declaração quasi igual á que fez o sr. conde de Thomar, pois também como s. cx.a terei de ir brevemente para o campo, e, se hoje me não coubesse a palavra, provavelmente não tomaria parte n'esta discussão; mas como v. ex.a m'a concede por me competir na ordem da inscripção, usarei d'ella para fazer breves e suc-cintas reflexões.

Se alguém ha que esteja persuadido de que vae longa esta discussão não partilho eu essa opinião; pelo contrario entendo que em assumptos de tão alta importância e transcendência como este não é perdido, mas empregado em proveito do paiz, o tempo que se gasta em esclarecer a matéria. Se porém alguma cousa ha que possa escurecer o brilho d'esta discussão será o meu discurso, porque o limitado contingente do meu talento colloca-me em grande distancia dos altos voos da capacidade e saber dos illustres oradores que me precederam. Certo d'esta circumstancia, e para ver se pela novidade de methodo poderei atrahir alguma attenção e captar a benevolência dos meus nobres collegas, procurarei desviar-me da senda que outros têem trilhado, e encarar o assumpto por diversa maneira.

Antes porém de começar as minhas observações, cum-preme fazer uma solemne declaração. Ouvi dizer a um dos primeiros illustres oradores que tomaram parte nesta discussão, que a questão acerca das irmãs da caridade era uma arma politica que se pretendia manejar contra o governo. Pela minha parte, e appello para a historia da minha vida parlamentar, que é já longa, não costumo mover-me por tal incentivo; não sei nem quero saber se ha n'isto o manejo de alguma arma politica, o que sei com intima persuasão é que se trata de um objecto muito importante, e que por isso mesmo que o é, e pelas circumstancias de que se acha revestido, não deve servir de arma politica (apoiados), não é d'aquelles que sem inconveniente se podem converter em meio de opposição, e tenho por menos acertado o emprega-lo como instrumento para tal fim contra qualquer governo (apoiados), confundindo-se as vantagens que d'elle possam resultar com o desejo de derribar um ministério, qualquer que elle seja. Considero pois o meio de opposição nada importante para o comparar aos resultados que pôde produzir a boa resolução de um assumpto importante, qual é este que tende a dotar o paiz de grandes benefícios. Portanto, ao oceupar-me d'esta questão não levo em vista favorecer, nem guerrear o governo, mas sim expor francamente o meu modo de a ver e considerar.

O thema d'este debate foi uma interpellação vocal e instantânea, sem se guardarem as formalidades usadas, que o sr. conde de Thomar dirigiu ao sr. presidente do conselho em 23 do passado, por ver publicado no Diário ãe Lisboa d'esse dia o decreto de 22 com referencia ás irmãs da caridade. O sr. conde de Thomar achou n'aquelle decreto uma exorbitância das attribuições do poder executivo, que invadira as do legislativo, e censurou por isso o governo; e o sr. presidente do conselho respondeu adduzindo os argumentos que lhe pareceram convenientes para mostrar que o governo estava no seu direito publicando o referido decreto. O sr. conde de Thomar não se deu por satisfeito com a resposta do sr. presidente do conselho, e continuou a sustentar pque o decreto era attentatorio do poder legislativo.

A vista do que, e pois que não ha proposta nenhuma sobre a mesa, parece-me que a camará só tem a examinar qual das duas opiniões deve prevalecer, se a do sr. presi-

dente do conselho na sua negativa, se a do sr. conde de Thomar na affirmativa; e para que isto se possa verificar com pleno conhecimento de causa julgo opportuno fazer uma resenha, ainda que rápida, do que se tinha passado antes de apparecer o decreto de 22 de junho.

Todos sabem que o governo, depois das graves questões suscitadas na imprensa e fora d'ella sobre este assumpto, resolveu-se a publicar, pelo ministério do reino, a portaria de 5 de março deste anno, em que ordenara que se intimassem as irmãs da caridade, congregadas no hospício de Santa Martha, para abrirem mão d aquelle estabelecimento e dos bens que lhe pertencessem, devendo executar-se esta ordem dentro de quarenta dias; que este praso igualmente se entendera que devia ser contado do dia em que se verificasse a intimação, posto que na portaria nada se dissesse sobre este ponto. Fez-se a intimação, e houve polemica pelos jornaes questionando-se quando Analisava o praso dos quarenta dias. O negocio porém foi objecto de geral attenção, porque logo se soube que houvera repugnância por parte das irmãs da caridade, até que appareceu no Diário ãe Lisboa outra portaria, datada de 22 de março, que recaiu sobre uma representação do governador civil de Lisboa, dando parte de que as irmãs da caridade do hospicio de Santa Martha, a superiora Cherton e a visitadora Maria Levi, tendo sido intimadas para darem cumprimento á portaria de 5 de março, resistiram formalmente, e protestaram contra aquelle acto; protesto que não quizera admittir a auctoridade administrativa; e ordenou-se pela dita portaria de 22 de março que fossem intimadas as pessoas que ãiri-gissem aquelle estabelecimento para darem cumprimento á primeira portaria de 5 de março, fazendo-lhes saber que a sua negativa as exporia a um processo criminal como desobedientes ás ordens da auctoridade publica, e no caso de não acquiescerem levantar-se o respectivo auto, que seria remettido ao procurador régio para proceder segundo as leis.

Decorreu muito tempo depois da publicação d'esta portaria, durante o qual a imprensa por um e outro lado se occupou do assuin, to, segundo as idéas que diversamente defendia; e foi n'este estado de cousas que appareceu o decreto de 22 do mez passado, que deu causa a este debate, e que o sr. conde de Thomar qualificou na sua iniciativa de attentatorio do poder legislativo, e também no decurso de suas observações de attentatorio do poder judiciário em quanto invadia as attribuições deste poder independente.

Sr. presidente, o quê me parece inconcusso é que quem ler o extenso relatório d'aquelle decreto, não espera achar em conclusão o decreto .pelo modo como está concebido; pelo contrario, devia esperar medidas fortes e violentas, e de tão dura execução, pelo menos, como eram as que se continham naquellas portarias, que não poderam ser executadas! Pela minha parte não posso descobrir a rasão d'esta repugnância entre a exposição dos motivos e a parte decreto ri a !

O decreto estabeleceu no artigo 1.° que é dissolvida a corporação das irmãs da caridade fundada pelo decreto (lei) de 14 de abril de 1819, não podendo mais ser considerada como entidade juridica. O que era natural, e a todas as luzes evidentes, em presença do que refere o relatório, era dizer-se no artigo 1.° que o estabelecimento das irmãs da caridade, creado pelo decreto dc 14 de abril de 1819, e extincto por effeito do decreto de 9 de agosto de 1833, era agora dissolvido; porque o governo quando pronuncia esta dissolução não usa de um arbitrio, nem de um direito facultativo, mas desempenha um dever qual é o de fazer com que tenha execução a lei. Se as irmãs da caridade existiam em virtude de uma lei, que lhes tinha dado a entidade juridica, não podiam perde-la nem deixar de existir com essa condição senão em virtude de outra lei; e pois que o governo entende que o decreto dc' 9 de agosto de 1833 extinguiu aquella corporação, quando a declara dissolvida, pôde alguém dizer que cumpre um dever, porém não, que adopta um arbitrio. Mas não foi isso o que se fez; não se diz no decreto, posto que se ache no relatório que o precede, que aquella corporação já estava extincta, circumstancia que reputo essencial e indispensável para o governo poder pronunciar a dissolução, e determinar que as auctoridades competentes procedam em conformidade com ella dentro da orbita das suas attribuições. Nem se diga que n'esta parte o relatório suppre o decreto, porque a matéria principal deve sempre ser expressa no documento que estatue as prescripções que têem de se executar.

É isto o que principalmente tenho a observar com algum reparo quanto ao 1.° artigo do decreto, e não posso occul-tar por esta occasião o desejo que tenho de preencher uma lacuna ou de esclarecer um ponto duvidoso quanto aos verdadeiros motivos, pelos quaes não. foi cumprida a portaria de 22 de março. No intervallo d aquella data á do decreto de 22 de junho correram diversas versões sobre o não cumprimento da portaria; diziam uns que as auctoridades que no judicial tinham de propor as competentes acções não acharam legaes as diligencias da auctoridade administrativa, ou a ordem que para isso recebera; affirmavam outros que se duvidava da procedência da comminação e instauração do processo criminal, ordenado pela portaria de 22 de março. N'este estado de incerteza appareceu o decreto de 22 de junho, que não esclarecendo a duvida confirmou comtudo a revogação dos preceitos da portaria; e o sr. ministro da justiça, de quem ha muito reconheço e respeito a capacidade, pretendeu no seu bem elaborado discurso, ou antes dissertação, dar o motivo d'este acontecimento e a causa da existência do decreto. Disse s. ex.a que o procurador régio expozera algumas duvidas sobre o assumpto, com as quaes não concordara, sendo ouvido, o procurador geral da coroa; que o governo procedera então a uma conferencia com os empregados superiores do ministério pu-

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blico, á qual não assistira, por doente, o procurador geral da coroa; e que em consequência de varias observações e de terem apparecido documentos que provavam ou pelo menos podiam fazer acreditar que o edifício de Santa Mar-tha e mais alguns objectos foram adquiridos pelas irmãs da caridade, ou por alguem que lh'os concedeu, resolveu o ministério por esta superveniente circumstancia não fazer executar a referida portaria e adoptar as disposições do decreto de 22 de junho. Como porém, contra o meu desejo, posso ser inexacto, peço ao sr. ministro da justiça que n'esse caso me corrija.

O sr. Ministro ãa Justiça:—Se v. ex.a me dá licença, direi que não foi ahi que se tratou do decreto.

O Oraãor:—Eu não disse que tinha sido na conferencia que se fizera o decreto, nem podia dize-lo, pois sei perfeitamente que não era ali a occasião nem o logar; mas parece-me que fui exacto emquanto ás rasões que s. ex.a deu para se não ter cumprido a portaria (apoiaãos).

O sr. Ministro ãa Justiça: — Observou que tinha dito que o procurador régio tinha apresentado ao procurador geral da coroa as suas duvidas, ponderando que, depois da superiora do estabelecimento allegar que aquelle edifício era propriedade franceza, era possivel não ter bom êxito o seguimento do processo policial.

Que o governo estava na persuasão de que a referida propriedade tinha sido doada ás irmãs de caridade por uma ordem das cortes constituintes de 1821, e que por isso reputava acertada providencia a que se lê na portaria de 5 de março; mas que documentos posteriores lhe vieram demonstrar que não era assim; pois tendo chegado aqui em 1828 um procurador dos frades carmelitas de Pernambuco, exigindo a propriedade que lhe pertencia, foi-lhe esta entregue; mas como estava bastante deteriorada, fora posta em praça e arrematada pelas irmãs de caridade, que d'ahi queriam concluir ser o estabelecimento uma propriedade franceza. (O sr. Visconde ãe Algés: — Era o mesmo que eu acabava de dizer.) E quanto ao governo chamar alguns funecionarios com o procurador régio "'e o procurador geral da coroa, que não pôde comparecer, observou que a esse respeito dissera que n'essa occasião se assentara deixar a decisão das questões de propriedade para os meios competentes; e que se adoptariam as providencias do decreto de 22 do mez passado, que não foi assentado n'aquella reunião.

O sr. Visconãe ãe Algés: — Observo-a v. ex.a e á camará que é exactamente o que acabei de dizer, o mesmo que o sr. ministro vem de repetir, o que faz com que eu estimasse muito esta interrupção pela qual s. ex.a ratificou tudo o que venho de expor. Assim fica evidente que o decreto veio pôr termo ás difficuldades que a portaria suscitara, e mandar que não se instaurasse o processo criminal contra as irmãs da caridade, e se resolvesse a questão da propriedade»nos tribunaes ordinários; e vê-se que tenho narrado lealmente este negocio (apoiaãos).

Em consequência do exposto vejo-me obrigado a fazer duas observações. Em primeiro logar esta declaração do sr. ministro contraria directamente uma parte do relatório do sr. presidente do conselho, que precede o decreto de 22 de junho, diz-se ali:

«As intimações administrativas, a que se procedeu em virtude da portaria de 5 de março ultimo, têem todas ficado sem êxito por parte das irmãs da caridade, negan-do-se estas constantemente a obedecer á auctoridade.»

Se o motivo de não se executar a portaria de 22 de março foi o que acabou de dizer o sr. ministro da justiça, a apresentação de um documento que mostrava ser propriedade das irmãs da caridade o hospicio de Santa Martha, não o foi então a resistência das irmãs da caridade como se diz no relatório! Nem se podia admittir essa formal desobediência, nem era crivei que se deixasse ficar impune uma resistência effectiva aos mandatos da auctoridade, e que se não tomassem as providencias necessárias para que esses mandatos recebessem immediatamente o seu devido cumprimento, e eu prefiro a acção do governo que faz suspeitar a sua auctoridade, ainda que os seus preceitos possam ser diversamente avaliados, á fraqueza de se deixar desobedecer, e perder o prestigio, sem o qual não ha poder. Por outra parte se é exacta, como supponho, a rasão que expendeu o sr. ministro da justiça, o que me parece que seria justo e digno do governo liberal, era remover a dif-ficuldade, publicando outra portaria na qual expondo-se francamente o que tinha acontecido, e o conhecimento que o governo tivera sobre a propriedade do edifício de Santa Martha, se concluísse pelas providencias que o mesmo governo ainda julgasse convenientes, sem menoscabo da sua auctoridade, e com o firme propósito de fazer cumprir as suas determinações. A outra observação que tenho a fazer comprehende-se na exposição da primeira, convém saber, que não podendo conciliar-se o que escreveu no seu relatório o sr. presidente do conselho com o que affirma em seu discurso o sr. ministro da justiça, subsistem graves ap-prehensões sobre o verdadeiro motivo, porque se não deu execução ás portarias de 5 e 22 de maio, e entendo não dever ser mais explicito.

Em presença de todo o ponderado, o que fica sendo o decreto de 22 de junho? Cousa pouco ou nada significante, porque emquanto á dissolução da corporação das irmãs da caridade, e de negar-lhe a entidade juridica, nada fez nem podia fazer, senão reconhecer a existência do facto e applicação do direito, pois que se a lei de 1833 se entende, como o governo pertende sustentar, foi ella e não o governo que operou essa consequência. E se por occasião da decretada dissolução se levantasse questão sobre direitos de propriedade não era necessário que no 2.° artigo do decreto se resal-vasse a competência do poder judicial para a decidir, pois que é d'elle exclusiva a jurisdicção em taes casos.

Portanto parecè-me que não procede o receio do digno par, o sr. conde de Thomar, porque o decreto é tão simples e innocente, que não pôde considerar-se attentatorio nem das attribuições do poder legislativo, nem das do poder judicial; e se alguma cousa destruiu, foi o que se havia determinado pelas portarias de 5 e 22 de março.

Agora, sr. presidente, depois de haver expendido o que entendi quanto á historia e importância do decreto de 22 de junho, devo passar ao exame da matéria principal. • O encerramento da legislatura passada, por ter acabado mais cedo do que o seu praso ordinário, em virtude da dissolução da camará dos srs. deputados, não deixou progredir a discussão d'esta matéria então encetada e agora renovada, que é a verdadeira questão sobre a existência legal, ou extineção da corporação das irmãs da caridade.

É cousa notável o que todos nós estamos presenciando, e vem a ser—que um facto de todos conhecido, que um direito, e uma legislação por todos compulsada, apresenta dois campos de gladiadores, entendendo e apreciando uns

0 facto e a legislação de uma maneira, apreciando-a e en-tendendo-a outros de diversa forma! É certo, e o sr. ministro da justiça, que foi meu collega no foro, porque também exerci por alguns annos o nobre emprego de advogado, sabe muito bem que apparecem frequentes vezes no foro questões muito duvidosas na sua resolução, mas de ordinário as duvidas são suscitadas, ou porque o facto a que se ha de applicar o direito é concebido em termos de ambigua significação, ou porque a matéria e o direito é complicado, ou porque este tenha de procurar-se como subsidiário no direito romano, como geralmente acontece sobre matéria de legados, e em outros casos; mas a respeito de um facto tão positivo e expresso, qual é a existência, condições-e entidade juridica de um estabelecimento ecclesiastico ou de caridade, e das leis expressas e terminantes sobre o assumpto, parece ao primeiro intuito inacreditável, que possa haver duvida fundada; todavia é força reconhecer com imparcialidade que alguma rasão ha que justifica e faz acreditar de sinceras as differentes opiniões que se sustentam sobre a matéria; porquanto, dizem uns = as irmãs da caridade não estão comprehendidas nos decretos de 9 de agosto de 1833, e de 28 do maio de 1834, porque não vivem em communidade regular, porque não têem profissão, nem votos senão por um anno, porque não têem clausura, e pelo contrario gosam a liberdade de saírem do estabelecimento mesmo para o exercicio da caridade, e por consequência não é nenhuma das corporações religiosas de que tratam aquelles decretos, e por isto não foram comprehendidas em suas disposições =. Afíirmam porém outros = que a corporação das irmãs da caridade ó uma communidade religiosa, porque vivem em commum, com obediência a superior ou superiores ecclesiasticos, porque têem votos ainda que por tempo limitado, e até noviciado; e por todas estas rasões sustentam que se devem considerar comprehendidas nos decretos de 9 de agosto de 1833, e de 28 de maio de 1834=.

Sendo estes em geral os argumentos oppostos que se ad-duzem, tenho ainda de os reforçar por ambos os lados, e muito em concreto com auctoridades que ninguém pôde recusar. Seja a primeira com referencia ao relatório do sr. presidente do conselho de ministros, que precedeu o decreto de 22 de junho. 0 sr- presidente do conselho tendo sustentado no seu relatório que a corporação das irmãs da caridade ficava comprehendida nas disposições dos decretos de 9 de agosto de 1833, e de 28 de maio de 1834 invoca para corroborar a sua opinião a auctoridade de um prelado dos mais eximios que temos tido, pois ninguém negará que, em saber, probidade, e em todos os dotes e virtudes, era eximio

01 em.m0 cardeal patriarcha D. Guilherme (apoiaãos), cuja falta todos lamentam, e deve lamentar a igreja. Diz o sr. presidente do conselho no relatório, que não leio por extenso para não cançar a camará, que s. em.1 o sr. cardeal patriarcha D. Guilherme mais que todos, reconheceu a doutrina que o ministério segue, de estarem comprehendidas as irmãs da caridade no decreto de 9 de agosto de 1833, o que deduz da informação de s. em.a, de 8 de julho de 1855, na qual aconselha ao governo o modo porque se deve estabelecer no Porto o instituto de irmãs da caridade. Esse documento é trazido pára mostrar que, segundo as opiniões do em.m* cardeal patriarcha D. Guilherme em 1855, deviam as irmãs da caridade ficar distincta e exclusivamente sujeitas aos prelados diocesanos. Mas alguem pôde oppôr ao sr. presidente do conselho a auctoridade do mesmo respei-tabilissimo prelado, o sr. patriarcha D. Guilherme o qual em 1857, muito depois d'aquella sua informação e parecer, e sobre representação das irmãs da caridade lhes concedeu licença para segundo o instituto de S. Vicente de Paulo reconhecerem e estarem sujeitas ao presidente ou chefe da missão em Paris! É pois o mesmo em,™ patriarcha que apesar da sua informação em 1855 não teve duvida de conceder tal licença em 1857; e é de observar que este segundo acto é o exercicio de sua jurisdicção, e o primeiro uma informação e simples parecer, cuja responsabilidade dista bastante da que assumiu na licença que concedeu.

Aqui está a questão sustentada por ambos os lados com documentos da mesma auctoridade aliás muito respeitável (apoiaãos). Vem depois o sr. patriarcha D. Manuel, cujas virtudes distinctas em todo o sentido eu, e posso dizer que todos reconhecemos (apoiaãos), que sobre uma representação feita ao governo, contra o estabelecimento das irmãs da caridade, e qUe este ihe mandou informar, expendeu com grande desenvolvimento a doutrina sujeita, e não posso deixar de ler á camará alguns trechos da sua informação: diz s. em.a «Parece-me por tanto que a permanência das irmãs da caridade e dos padres lazaristas, seus confessores em Portugal não só não é contraria ás leis do reino, como levo expendido, mas nem ainda á disciplina ecclesiastica, pois que ellas

vivem sujeitas no espiritual á auctoridade ordinária, conservando somente aquella submissão ao seu geral, que a sua regra lhes prescreve, como se prova pelo documento junto. Nisto mesmo estão em harmonia com a disposição do artigo 3." do decreto de 9 de agosto de 1833, que sujeitou aos ordinários todas as communidades, e o mesmo milita a favor dos padres lazaristas. Concluo pois dizendo a v. ex.a que o meu parecer como portuguez é, que a vinda das novas irmãs da caridade com os padres confessores, que as acompanham, reunidas com as portuguezes, que já existiam entre nós, não só não é prejudicial ao paiz, nem contraria a nenhuma lei vigente, mas seria um desdoiro para a nação portugueza, e um passo impolitico o manda-las sair do reino. Como prelado acrescento, que muito desejo ver chegar o momento em que as irmãs da caridade nacionalisadas entre nós, sirvam como servem em França e em quasi todos os paizes christãos, de auxiliares aos parochos, de confidentes de beneficência occulta, de conso-ladoras dos desvalidos, de modelos de virtude heróica e de dedicação patriótica.» Isto dizia s. em.1 na sua informação de 27 de agosto de 1858, e não pôde duvidar-se de que em tão valiosa auctoridade se pôde fundar quem advoga a causa das irmãs da caridade; mas os contrários também podem soccorrer-se a outro argumento deduzido de facto conhecido e praticado pela mesma respeitável auctoridade.

S. em.ma o sr. patriarcha D. Manuel recebeu um aviso régio, datado de 3 de outubro de 1860, em que se lhe insinuou que retirasse a licença que o sr. patriarcha D. Guilherme tinha concedido ás irmãs da caridade para reconhecerem e prestarem sujeição ao presidente da missão em Paris. O sr. patriarcha não se pôde dizer que na execução que deu a este aviso obrara com obediência cega; s. em.ma é muito illustrado, e sabe perfeitamente que se tal insinuação encontrasse a sua consciência e a convicção de que a não devia cumprir, certamente o não faria, e pelo menos representaria ao governo com a exposição dos motivos que tivesse por conveniente. Mas s. em.ma sem hesitar cumpriu o aviso régio de 3 de outubro de 1860, e portanto não annuiu a esta insinuação, somente por obedecer ao governo, foi certamente porque na consciência de s. em.ma calou a I idéa de que as irmãs da caridade não deviam ficar sujeitas ao prelado estrangeiro residente em Paris; sendo de observar que no officio que em data de 26 de outubro de 1860 s. em.ma dirigiu á superiora das irmãs da caridade, annunciando-lhe que por virtude do aviso que recebera do governo lhes retirava a licença que haviam obtido de seu antecessor, se acha o trecho seguinte: «Mas sendo uma similhante sujeição ao prelado estrangeiro encontrada pelo decreto de 9 de agosto de 1833, que expressamente a pro-hibe, quer Sua Magestade que cesse tal illegalidade, obser-vando-se a disposição d'aquelle decreto n'este particular, e conseguintemente que as irmãs da caridade portuguezas residentes n'essa casa de Santa Martha e no hospicio de Vianna do Alemtejo fiquem como estavam, sujeitas ao patriarcha de Lisboa sem nenhuma dependência do superior geral de Paris.»

O sr. Conde de Thomar: — E em referencia á ordem do governo; são as mesmas palavras que diz o aviso do governo.

O sr. Visconãe ãe Algés: — Eu não sei o que continha o aviso régio, mas o officio do sr. patriarcha no periodo que li estabelece doutrina, que pelo menos s. em.ma virtualmente adopta, e note-se que eu não estou combatendo especialmente nenhuma das opiniões, e Deus me defenda e me affaste a necessidade de oppor-me a opiniões tão respeitáveis como as dos srs. patriarchàs, mas adduzo as rasões que me parece conduzirem ao meu fim, que, como a camará vê, é sustentar que a matéria é muito duvidosa (apoiaãos).

Portanto é evidente que mesmo com referencia a' documentos da mais alta importância pôde cada uma das parcialidades que sustenta doutrina opposta achar e a adduzir argumentos no sentido de sua opinião.

Si", presidente, passarei agora a referir-me ao argumento em que me parece que mais se firmou o sr. ministro da justiça para sustentar a sua opinião, que é a do governo, de estar comprehendida nas disposições do decreto de 9 de agosto de 1833 a corporação das irmãs da caridade. Como a camará observaria eu prestei a attenção devida ao discurso de s. ex.a, e para melhor o ouvir tomei logar junto da sua cadeira. Era a primeira vez que nesta camará ouvia um discurso do sr. ministro, que com muita satisfação e verdade posso elogiar, e que melhor poderei classificar em dissertação sobre a matéria, e assim vi confirmada a idéa que formava de s. ex.a, de quem já tive a honra de ser companheiro n'uma repartição publica n'esta capital.

Não me oceupando pois da maior parte das rasões de s. ex.a, com alguma das quaes na parte doutrinal eu concordo, tenho necessidade de me referir a um seu argumento, como acabei de dizer.

S. ex.a exhibiu um documento, a que deu tanta importância que certamente disse comsigo — inveni, inveni. Este documento é uma representação das irmãs da caridade, dirigida ao summo pontífice depois do decreto de 9 de agosto de 1833, em que pediam providencias sobre o seu estado e circumstancias, diziam ellas: «Porque não élicito agora recorrer ao superior estrangeiro.» A vista d'isto o sr. ministro da justiça diz: «Aqui estão as próprias irmãs da caridade a reconhecer a procedência do decreto de 9 de agosto de 1833, e a existência da lei que prohibe o recurso e subjeição a prelado estrangeiro.» São pois as próprias irmãs da caridade que reconhecem a sua extineção pelo decreto de 9 de agosto de 1833, diz o sr. ministro. Mas s. ex.a, como jurisconsulto ha de permittir-me o dizer-lhe, que isto pôde ser um argumento auxiliar, mas não fundamental (apoiaãos), auxilia, mas não prova, e não passa de uma asserção sem impor-

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tancia legal, nem auctoridade, e considere s. exJa o seguinte. Se s. ex.a visse levantar de qualquer dos lados da camará um membro d'ella, tirar da algibeira um documento authentico, e conhecer-se pela sua leitura e inspecção que era uma solemne declaração das irmãs da caridade no sentido de negar que o decreto de 9 de agosto de 1833 comprehendesse a sua corporação, que força attribuiria s. ex.a a este documento? Nenhuma, e com rasão, porque o testemunho, e opinião das irmãs da caridade sobre as disposições da lei, ou fosse por própria concepção ou por idéas sugeridas nada vale; pois com igual rasão se pôde responder ao argumento de s. ex.a, deduzido do referido documento (apoiados). A intelligencia das leis está sujeita a regras certas, e não depende de opiniões e arbítrios. Na sua letra se é clara está o seu verdadeiro proceito, e se ha duvida ou ambiguidade recorre-se aos meios legaes de a entender, que são em regra ou o seu preambulo, se a forma do governo é o absoluto, ou as~discus«ões no parlamento, se o systema é repre-sentativo, fora d'isto ainda lá está a regra do jurisconsulto romano, scire leges non est earum verba, sed vim ac po-testatem tenere.

Por tanto este argumento do sr. ministro não decide a questão nem tira a duvida, e eu vou agora dar conhecimento á camará de outro documento, cuja auctoridade não se pôde impugnar, e muito menos o governo, porque é uma parte do relatório do seu presidente.

No Diário ãe Lisboa de 7 de março encontra-se o relatório do sr. presidente do conselho sobre a proposta de lei para a reorganisação do instituto das irmãs da caridade, apresentada na camará dos senhores deputados, e n'elle se acham os seguintes trechos, para cada um dos quaes peço a attenção da camará:

«Era licito ás opiniões oppostas serem'ardentes e insof-fridas; ao governo incumbia proceder com circumspecção e serenidade. Invocavam-se por um lado leis e principios offendidos, e vaticinavam-se consequências graves e perigosas; allegavam-se por outra parte ps foros da consciência, sentimentos religiosos, zelo pela educação.

«Podia haver erradas apreciações de um lado e do ou-'tro, mas consideradas as cousas por diversas faces podia também haver justiça e verdade de ambas as partes. Leis prohibitivas contradiziam certos actos praticados; era todavia precizo meditar e ver se os principios que regem um paiz livre, e que em grande parte se acham directa oti virtualmente consignados no pacto social, não estariam até certo ponto em antinomia com essas leis.

«Devia também attender-se a que nem sempre o mais conveniente para uma nação é o mais justo, e se ella é nobre e generosa, como esta a que temos a ventura de pertencer, não pôde condemnar a preferencia dada pelos poderes públicos á justiça sobre a conveniência quando não podem concilia-las.»

Em presença de tudo que deixo ponderado não pôde im-pugnar-se que é duvidosa a questão que se suscita, e que havendo fortes rasões e argumentos por ambos os lados ninguém deve gloriar-se de ser verdadeira a sua opinião e errada a dos que pensam de outra maneira. E o que acon selha a rasão e a conveniência publica em tal conjuntura? Que haja transacção, e esta só pôde operar-se por meio de uma lei (apoiaãos). Faça-se pois a lei; reclama-o a impor tancia do objecto, que se tem tornado grave e serio pelas idimensões que lhe fizeram tomar, e a que não devera ter "chegado, mas que é hoje de máximo interesse publico.

Ê provável que os srs. ministros digam que tanto estão de accordo com esta idéa, que já fizeram uma proposta de lei para a reorganisação do instituto, porém que tem igual mente de cumprir as leis existentes; mas eu responderei a Ss. ex.a" —que as cousas que se podem fazer bem por uma só vez não é conveniente que se façam por duas. Feita a lei esclarece-se a situação, acabam as reacções, porque cessarão as acções, e o governo fica forte e sereno porque está armado dos meios de fazer-se obedecer, o qne não succe-derá com estas pequenas medidas, que'uns olham como concessões'arrancadas á fraqueza, e crescem nas exigências, como se está vendo nas próprias folhas ministeriaes; e outros tomam-nas como actos de oppressão, clamam contra ellas, e induzem as interessadas a resistirem, julgando que defendem seus direitos. Mas dirse-ha —e como se pôde fazer lei, se de uma parte quer-se o instituto de S. Vicente de'Paulo na pureza e integridade de sua regra, e de outra parte quer-se que esse instituto seja exclusivamente sujeito aos prelados diocesanos ? Pois é ahi mesmo que está a transacção. Todos aqui, sem excepção, e comprehendidos os srs. ministros pelo testemunho de seus relatórios, desejam este instituto; ainda se não levantou uma voz a pôr se quer em duvida a sua conveniência nos diversos misteres sociaes e caridosos a que se dedica; apenas se fazem reservas quanto á parte docente, mas eu entendo que essa questão do ensino deve ser tratada á parte, mesmo pela sua especialidade, e não pôde ser considerada agora por incidente. Ora como todos querem as irmãs de caridade, e só ha divergência no modo, é evidente que deve ser n'este campo qUe se effectue a transacção; e ahi 'está patente a facilidade de convir-se tia lèi.

Pois as irmãs'da caridade que estão estabelecidas em todos os paizes, que "em todos têem feito benefícios reaes, e conquistado por meio'd'elles o amor e a veneração publica; que em todos ôs jardins, para'•servir-me de uma expressão do sr. patriarcha D. Manuel, tem produzido flores viçosas e fragrantes, só no solo portuguez, onde tão bem 'se acli-mam todas as:nobres instituições, hão de produzir somente espinhos e abrolhos? É impossivel (apoiaãos).

Eu sei na evidencia que as irmãs da caridade, alem dos serviços que prestam á humanidade enferma nos hospitaes, e á infância nas escolas, ainda prestam outros não menos importantes em estabelecimentos "de outra ordem. Nas casas

penitenciarias têem sido um modelo de dedicação e de alta intelligencia para actuarem com suavidade em corações que pareciam endurecidos pelo crime. Para provar o que acabo de dizer peço licença á camará para lhe fazer uma leitura... e sen'ella a dôr do coração for superior á minha voz e aos dictames da rasão... (Aqui a voz ão orador estava entre-cortaãa ãe soluços, porque o perioão que ía ler pertencia ao relatório sobre o estuão ãaspenitenciarias estrangeiras, feito por um filho primogénito,

«Começou desde certa epocha (1854) a predominar a idéa que convinha dar ás prisões um caracter religioso, e que sem elle todos os esforços seriam baldados.

«As irmãs da caridade e as do Bom Pastor foram aproveitadas para este serviço.

«Por contratos celebrados com o governo tomaram ellas conta de algumas prisões como já anteriormente haviam tomado de estabelecimentos de educação e de beneficência.

«Esta mudança de administração constitue uma epocha saliente, e presta-se pela novidade e pelos resultados obtidos, a uma analyse mais desenvolvida.

«As irmãs de S. Vicente de Paulo em numero excedente a doze mil, acham-se hoje empalhadas pela Europa e pela America. O superior d'esta associação reside em França, onde tem logar o noviciado.

«Estas irmãs sem clausura obrigatória podem tratar de doentes em hospitaes ou nos domicílios, e administrar estabelecimentos públicos ou particulares.

«Posto que a direcção superior esteja em França, ha nos outros paizes sub-delegações, como em Gratz, d'onde a superiora dirige e se corresponde cora todos os estabelecimentos do impero, administrados por pessoas d'esta associação.

«Confesso que este systema foi para mim uma novidade. Não suppunhaxque mulheres podessem dirigir casas de facinorosos; e com verdade foi desagradável a primeira impressão que recebi. Mas depois que tive occasião de examinar os estabelecimentos, e de observar os resultados obtidos, convenci-me da exequibilidade do systema.

«A opinião publica tem-se pronunciado naquelle paiz a favor d'este methodo, e é provável que dentro em pouco elle se estenda a todas as prisões.

«Estas casas são um mixto de religião e de caridade. Olha-se de um lado, vêem-se altares levantados, e sobre elles as imagens dc Christo e de Nossa Senhora; olha-se de outro, e vêem-se estas mulheres tratando dos doentes, fa-zendo-lhes remédios, e prestando-lhes os maiores cuidados e dedicação.

«Os empregados e guardas mantêem a disciplina pela força que empregam; as irmãs pelo respeito que impõem. 0/ preso vê no guarda o homem estipendiado, não resiste porque não pôde; nas irmãs devisa uma vocação, e um mar-tyrio que o faz estremecer de qualquer insolência ou atrevimento. "

«Em Stein sublevaram-se Os presos uma vez, e não queriam voltar da capella para os dormitórios; a superiora apre-sentou-se no meio do tumulto, fallou aos presos a linguagem da verdade, conseguiu ser obedecida, e dentro em pouco o socego estava restabelecido.

«O que prova este e outros exemplos, éque sem duvida a atmosphera religiosa moralisa os presos, habitua-os á obediência, e dá aos directores ou directoras a força moral são indispensável n'estas casas. As directoras pelo seu caracter e ed.icaçào têem dispensado muitos castigos, e obtido sem elles a conveniente disciplina.»

Sr. presidente, se me não fascina o amor que tenho-ao âuetor d'estas reflexões, e que reflecte sobre os períodos que venho de ler, parece-me que elles provam até á evidencia a necessidade de um instituto quecapaz de produzir tão grandes resultados, e como tenho a certeza, que pôde haver nas cousas humanas, de que também haverá entre nós estabelecimentos penitenciários, e que entrem nelles as irmãs de caridade para os dirigir ou coadjuvar o respectivo serviço, conservo a lisongeira esperança de que esta questão pôde resolver-se • a contento de todos, como disse, por meio de uma transacção.

Pelo que me'diz respeito não tenho nenhum'receio da influencia'que as irmãs de caridade possam exercer pelo ensino e educação-da infância (muitos apoiaãos); seria necessário que eu me esquecesse antes de que as cousas não estão como no tempo em que effectivamente os principios religiosos podiam conduzir a graves resultados politicos. Acabou a influencia que podia ter um grande numero de conventos, com abastados bens, e altas relações. E«sa influencia é incompatível com-a liberdade da imprensa e da tribuna (apoiaãos). Mas porque não tenho estes receios, não se segue que outros deixem de os ter, e muito conscienciosamente; e com esses que são conscienciosos nos seus receios é que pôde ter -logar a transacção. Todos querem as irmãs de caridade, mas ha quem não veja sem apprehen-sões que ellas obedeçam a um prelado maior que reside em Paris; pois bem, peça-se a Roma dispensa dessa sujeição ao superior estrangeiro, e com ella instituamos as irmãs de caridade no nosso paiz (apoiaãos).

Depois de diversas considerações que desenvolveu largamente, concluiu pedindo á camará desculpado agfadecen-do-lhe a sua benevolência. (Vozes: —Muito bem, muito bem.)

(O oraãor foi cumprimentaão por muitos ãignos pares).

O sr. Costa Lobo: — Eu pedi a palavra mais para dar uma explicação do que para fazer um discurso sobre algumas expressões que ouvi, e que considerei que offendiam -

alguém que não estava aqui, e que por isso mesmo me cumpria tomar a sua defeza.

Principiarei pedindo aos dignos pares que sejam indulgentes para comigo, por isso mesmo que é a primeira vez que tenho a honra de fallar n'esta camará, e em occasião a menos própria para mim, porque n'este mesmo momento acaba de fallar um eximio orador e abalisado jurisconsulto; ó portanto claro que, alem da insufficiencia dos meus dotes, hei de ver-me agora em maiores difficuldades, porque o acanhamento me embarga a voz, o receio me afugenta as idéas, parecendo-me sempre que as minhas palavras ficam submergidas debaixo do grande peso da eloquência daquelle que me precedeu, e cujas frases tão auctorisadas ainda soam aos nossos ouvidos.

A historia do que se tem passado a respeito de irmãs da caridade é sabida e conhecida de todos, assim -como é sabido em que circumstancias nasceu o pensamento de uma subscripção para a creação de um instituto portuguez de irmãs da caridade.

Foram alguns membros da associação commercial sem ingerência alguma da corporação, que conceberam o projecto de levantar fundos pocuniarios, com os quaes se podesse fundar, ou pelo menos auxiliar um instituto portuguez de irmãs da caridade; esta corporação solicitada—a associação commercial—a que subscrevera, assim o fez, assi-gnando uma somma forte em relação dos pequenos meios de que podia dispor; a associação commercial subscrevendo e approvando, prestou a sua saneção a este valioso projecto, e eu, fazendo as vezes de presidente da assembléa geral, me considero na obrigação de sustentar o principio, e dar documento da respeitabilidade das pessoas que haviam assignado, negociantes da maior probidade commercial, cidadãos de uma reconhecida moralidade e dotados de todas as virtudes cívicas.

Consta-me que fora em seguida nomeada uma commissão na designação da qual não teve parte a associação commercial, que não era mais que um subscriptor, e que são membros d'esta commissão cavalheiros da maior respeitabilidade, e alguns dos quaes são membros desta casa, e que esta commissão continua no louvável encargo de procurar obter novas subscripções.

Eu nào faço parte da commissão, mas sei que ella tem trabalhado, e que a subscripção continua, sendo certo que se porventura não -existe já subscripta uma somma muito avultada, comtudo a que ha já realisada é assim mesmo muito interessante para qualquer estabelecimento que se possa crear.

Faço esta declaração em consequência do que se tem aqui passado e do que me pareceu ouvir, que me obrigou a pedir a palavra para fallar em nome daquelles honrados cidadãos,, a fim de que os seus nomes não deixem de se considerar illibados. (O sr. Conãe ãa Taipa:—-O digno par refere se de certo a mim, e eu peço-lhe que me diga quaes são as palavras de que se queixa para eu saber o que hei de explicar.) Talvez o meu ouvido fosse infiel, mas pelas informações que tomei com alguns dos meus collegas n'esta casa, e até na mesa dos tachygraphos, convenci-me de que não tinha interpretado muito mal as palavras do digno par quando se referiu sobre este ponto á subscripção de alguns negociantes com o fim de fundar um instituto portuguez de caridade.

Assim assentei do meu dever dar estas explicaçõesique me parecem que hão de satisfazer as pessoas que porventura se possam julgar alludidas.

Agora a segunda parte ou motivo pelo qual também pedi a 'palavra foi que o sr. ministro da justiça na sua argumentação alludiu á commissão nomeada em 3 de setembro de 1858 que deu o seu parecer em 10 de novembro sobre esta diffioil questão. Eu que entro n'esta difficil questão mortificado, constrangido e forçado pela circumstancia de ter sido membro d'essa mesma commissão, e me ver assim em a necessidade de assentar bem os fundamentos do meu voto n'aquella commissão,

Quererei eu irmãs da caridade, sr. presidente? Oh se quero: ainda ha pouco eu li o que ellas fizeram na Criméa tratando dos doentes feridos e daquelles que eram atacados pela epidemia.

• Mas ha uma differença e é a irmã da caridade contemplada a ir auxiliar o enfermo e a ir á localidade da peste, ou a viver em congregação sem prestar obediência ao bispo, recebendo os preceitos de um prelado estrangeiro com of-fensa das leis do reino. Isto é que é a questão. Se se quer que as irmãs da caridade continuem a viver em communidade com obediência ao superior em Paris: se se quer isto assim, faça se então uma lei. Mas em presença do decreto de 9 de agosto de 1833, é forçoso reconhecer que ellas não podem viver da maneira que as leis não permittem. Uma ^vez poiém que as irmãs da caridade dizem que não querem obedecer ao prelado diocesano, então não ha remédio senão dizer-se-lhes—>vós nào podeis viver em congregação (apoiaãos).

Ouvi, que um digno par a quem muito respeito e a quem desejo chamar amigo, exclamara quando fez o seu discurso, que eu ouvi com toda a attenção, dizendo — quem fez o decreto de 9 de.agosto de 1833? O imperador. Esse grande homem cuja memoria será eterna, pelos benefícios'e liberdade que deu a esta terra. E eu, acrescentou o digno par, que fui seu ajudante de ordens, seu discinulo e camarada, vi, que quando passava uma irmã da caridade, elle curvava a cabeça. Agoro digo eu ao digno par que esse grande homem que tanto respeitava as irmãs da caridade, queria por certo, nem podia deixar de querer, que ellas obedecessem ao prelado diocesano: que príncipe temporal encarregado de manter a disciplina da igreja Luzitana e a fa-

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zer cumprir as leis, não poderia querer e não queria que as lei» se offendessem.

Os dignos pares sabem melhor do que eu, que Jesus Christo formando a sua igreja, instituiu a pedra angular d'ella—tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja: Pedro instituiu' os apóstolos mandando-os pregar o Evangelho, levar a a luz da verdade a todos os povos. Estes, deram missão aos parochos; que iastituiram para que os, auxiliassem na missão divina.

Passados séculos, homens santos.e: virtuosos associaram, a si outros, que- entregando-se á pratica das virtudes, na vida contemplativa, ou auxiliando! os bispos e parochos, nos misteres religiosos, servindo nos hospitaes, ensinando, auxiliando os miseráveis, formaram as ordens religiosas.

Estas ordens religiosas estendendo-se de um paiz a outro, obedecendo ao seu instituidor, com a permissão da sé romana, e assenso dos bispos, fizeram grandes serviços á igreja, ás letras, á civilisação dos povos; mas pouco a pouco os principes temporaes, a independência dos povos, foram trazendo estas ordens religiosas ao estabelecimento de diversos prelados seus, mas cada um nacional ao paiz onde essas ordens estavam estabelecidas. E acrescentarei, sr. presidente, que todos os concílios, como é sabido, quizeram sustentar em quanto á obediência, os direitos dos bispos, e procuravam sempre manter a disciplina da igreja, mostrando que era necessário não tocar em direitos tão delicados, porque isso poderia offender a unidade da igreja. Por direito divino e>ta é gerai chia da igreja; as instituições religiosas existindo pela permissão da sé romana contra o direito dos bispos, foi pelo respeito á santa sé, pelo bem da unidade da igreja, que nos concílios, sustentando sempre a auctoridade dos bispos, se reconheceu a existência das ordens religiosas e da sua disciplina; é este o espirito do concilio Tridentino; são estes os principios que estudámos em a universidade.

Sr. presidente, agora como membro que fui d'essa commissão encarregada de dar o seu parecer sobre este impor-tonte assumpto das irmãs da caridade, parecer es=e aonde o meu nome se acha lançado, direi que ali so diz que conviria muito que se criasse pelos meios legaes a congregação da missão, ao superior da qual ficaria sujeito o instituto das irmãs da caridade, sem dependência nem sujeição a prelado estrangeiro.

Uma epocha, sr. presidente, houve em que se considerou que era um era um grande mal politico e social para Portugal, a existência dos conventos: extinguiram-se pois não só por aquella rasão, mas também porque se via que monopolisada ali a propriedade por tal forma, e contra as idéas da liberdade da terra, era impossivel era presença d'isso, que a agricultura tivesse progresso. Via-se também que áquellas- instituições embaraçariam o progresso moral e material do paiz, e que se não casavam ou ajustavam ás idéas do século. >

Ainda ha pouco eu li, sr. presidente, em um canonista, que hoje a sociedade não offerecia ao homem mais do que uma exposição universal, onde' cada um mostrava o seu talento e a sua aptidão, ou um laboratório, onde cada um por effeito das suas lucubrações e trabalho, apresentava o resultado das suas vigilias e dos seus cuidados não é dado ao homem viver sem o trabalho. Creio que estas palavras são a propósito muito bem trazidas para aqui por mim n'esta occasião.

Continuando direi, sr» presidente, que foi em victa do estado em que se achava Portugal, cheio de conventos, com uma grande porção do propriedade rural, servindo ás instituições temporaes, offerecendo collocação aos filhos segundos, n'este intuito temporal, sem que comtudo eu queira negar os grandes serviços que pi estavam, que homens notáveis filiados n'estas idéas do progresso foram levados a propor e a apresentar os decretos de 1833 e de 1834, cm virtude dos quaes foram supprimidas as ordens religiosas fapoiados).

Mas agora diz-se, que é por isso que se sente na actualidade grande falta na educação. Eu devo observar que essa falta que ha não é de certo na instrucção superior, mas sim na inferior (apoiados). E preciso haver quem-eduque a mocidade, e quem faça d'el!a, na primeira infância, pessoas que tenham religião e bons costumes para um dia e mais tarde poderem vir a'ser bons chefes de família (apoiados). Todos nós queremos irmãs de caridade, e queremos também a ordem da missão que tantos serviços fez, e ainda ha de fazer n'essas nossas extensas colónias, onde a falta das ordens religiosas tanto se tem feito sentir, na propagação da fé, mas que sejam ordens religiosas para a educação e para a civilisação religiosa e não para fins temporaes. Se o exercito francez levantou em Pekin a cruz de ferro, não foram os portuguezes quem primeiro a collocou, gloria que se nos quer roubar? Mas o meu voto é que isto se estabeleça por meios legaes, e quero também que as irmãs da caridade prestem obediência á auctoridade superior ecclesiastica (apoiaãos). E não teremos nós um homem digno de exercer o encargo de superior das irmãs da caridade? De certo temos (apoiaãos).

Estas foram as rasões do meu voto, que estou satisfeito de as ter dado, e que eu mantenho ainda. Mas pergunto: ha motivo de aceusar o governo pelo decreto de 22 de junho? Confesso que o não posso descobrir. Pois pergunto: as irmãs da caridade não reconheceram as disposições do decreto de 1833, não reconheceram o sr. patriarcha Guilherme como seu prelado sem relação com prelado estrangeiro até 1857? Não deram com isso documento que estavam comprehendidas no decreto de 9 de agosto ? E não reconheceu o sr. patriarcha D. Manuel a legislação que cito; quando este virtuoso e eminente prelado assignou o parecer da commissão a que me refiro?

Nesta commissão onde tanto discutimos, e onde cada um

deu provas do seu talento, com exclusão da minha pessoa, viemos a um accordo, e n'esta parte de todos, se a minha memoria bem se- recorda, vinha a ser que não podia fun-dar-se unii instituto religioso, como o das irmãs da caridade, sem uma disposição legal doi poder temporal, e o consentimento de sua santidade.

Agora, em quanto á instituição era si, não ha menor duvida o quanto ella é interessante, todos concordam em que o é, todos.querem as irmãs da caridade; mas, a questão é se contra a lei se pôde considerar existente e legal este estabelecimento, e fará alguma offensa quem pensar que não está conforme- á lei? Parece-me que não. Eu sou catholico, ainda que reconheço que não tenho as virtudes que tem o digno par quo tocou esta corda sensivel (O sr. Marquez ãe Ficalho: — Peço a palavra); mas sou catholico pelo baptismo e pelas minhas convicções; tenho sido catholico, graças a Deus, toda a minha vida, catholico por convicção, mas não na pratica das virtudes, mas não nas boas obras; não tenho a mesma virtude de s. ex.a Mas o que podemos querer n'esta situação é que se proponha uma lei, que permitta a creação de uni instituto das irmãs da caridade; é o que o governo fez pela sua proposta na sessão passada, o que espero que a renove na camará dos senhores deputados; mas se a não fizer temos a nossa iniciativa, e por isso é que nós governamos sem ser ministros, porque temos o direito da iniciativa e do nosso voto (apoiaãos). Nestas circumstancias entendo que não ha motivo para censurar o governo, e espero que elle vá por diante n'aquella proposta, renovando-a, porque eu também quero as irmãs da caridade, e mais ainda que se pense em alcançar os meios de levar a effeito a fundação dc alguma instituição que preencha a lamentável falta que eu sinto na igreja, i porque não é só da educação superior que se deve tratar, é da educação da familia e das prendas domesticas, e da instrucção moral e religiosa (apoiaãos). E quem me pôde prohibir se a caridade me leva a ensinar o Padre-nosso a uma creança nos primeiros rudimentos da moral e da religião? A lei estabelece as habilitações para o ensino e o modo de alcançar a auctorisação necessária; mas eu não creio que a lei contemple esta primeira educação, este primeiro ensino, filho da caridade; e n'esta parte eu não concordo com o que eu vejo a cada passo escripto sobre este objecto.

Entrei, sr. presidente, como obrigado n'esta discussão; é um direito, por consequência, que eu peço a v. ex.a e á camará me relevem, se no modo ou na expressão andei de maneira que desagradasse, o que de certo eu não queria (apoiaãos).

O sr. Conãe ãa Taipa: — Sr. presidente, eu tinha pedido a palavra...

O sr. Presiãente:—V. ex.a tinha a palavra, mas permitta-me que lhe diga que a perdeu, porque não. estava presente quando lh'a dei, e o mesmo succedeu ao sr. marquez de Vallada.

Os dignos pares poderão, se quizerem, pedir outra vez a "palavra. Agora tem-na o sr. Ferrão.

O sr. Conãe ãa Taipa: — Eu queria dar algumas explicações...

O sr. Ferrão: — Eu cedo ao digno par, mesmo porque falta um quarto de hora para acabar a sessão, e não posso dizer n'este curto espaço de tempo tudo quanto desejo dizer á camará.

O sr. Conãe ãa Taipa:—Pois então, sr. presidente, usarei d'estc quarto de hora, e creio que terei bastante tempo.

A que=tão, entende o orador que tem ganho muito, mui-tis-imo. Estão todos de accordo emquanto ao principio; todos querem as irmãs da caridade (apoiaãos): as dissidências só apparecem na questão da applicação pratica; e ahi ver-se-ha de que parte e-tá a sinceridade.

Explicando as palavras que provocaram as explicações do digno par que acaba de sentar-se, disse que não se lembra bem das expressões de que se serviu, mas que, fossem quaes fossem, não tinham a extensão, nem auctorisavam a tirar-se d'ellas a proposição que tirou o digno par. Em todo o caso, como é altamente sincero, sem querer dar ao que vae dizer maior latitude do que a que deva rasoavelmente dar-se-lhe, não duvida dizer que de si para comsigo aquella subscripção não procedeu de um sentimento caritativo ou philantropico, usando da phrase que se costuma agora empregar: quem promoveu aquella subscripção foi de certo um quiãam politico; foi esse que teve artes para influir nas pessoas que concorreram para ella, muitas das quaes têem por certo que subscreveram de boa fé. Não sabe de certo, mas affirma-o; e esta convicção quo. o impelle a proferir estas palavras, tem um famoso precedente em certa occasião solemne.

Tornando á questão, todos estão de accordo, pois todos, era principio, querem as irmãs da caridade, como se vê de todos lhe terem feito os maiores elogios e justiça imparcial, o orador passou a considera-la na applicação pratica, tanto para se conhecer quem é sincero, como se a maneira proposta de leva-la a effeito é exequivel.

Concorda com o digno par que o precedeu, em que a educação da mocidade é a primeira necessidade; mas parece-lhe que s. ex.a confundiu os conventos antigos com os modernos, os conventos feudaes (toma esta palavra na sua accepção própria) com os conventos democráticos, importantes pela sua instrucção, morigeração e educação, quando entre elles ha uma differença como do dia á noite. O orador não pede os monges de S. Bento, nem os*de Alcobaça, tudo isto é estranho ás necessidades do nosso tempo. São estas necessidades que recommendam altamente o estabelecimento das irmãs da caridade, e da ordem ainda mais necessária em Portugal do que em parte nenhuma, do instituto de S. Vicente de Paula.

Eeferindo-se ao relatório de uma lei franceza, que leu,

regulando este estabelecimento, onde se dizia—que educar-a mocidade do século feminino é crear uma escola dentro década familia—-observou que havia grande philosophia n'esta phrase, porque educar uma rapariga ó crear uma escola no seio de cada familia (apoiaãos). Isto é uma verdade, e por isso é que- é uma necessidade urgente, em Portugal mais -do que em parte alguma. Para o provar citará ao digno par a auctoridade de uma pessoa com quem tem, tido relações, e de quem pôde fazer mais conceito ainda do que elle orador; refere-se ao digno par o sr. José Maria Eugénio de Almeida, que diz no seu muito bem elaborado relatório sobre a casa pia—que quando ha dois annos procurou duas senhoras para reger aquelle pensionado, não as achou.— Isto não é dizer que em Portugal não ha muitas senhoras que sejam capazes dc reger aquelle estabelecimento, mas que as não ha em numero sufficiente, e é com isto que responderá ao sr. Joaquim Filippe de Soure.

Lembrou que aquelle digno par lhe contara, que quando chegou á casa pia perguntou quem ensinava ali doutrina; e responderam-lhe que isso era cousa que não se ensinava cá. Eis o estado em que estão as cousas e que é mUter remediar; mas qual ha de ser este remédio e como applicar-lh'o?

E necessário para formar um instituto, que não tenha por principal incentivo a retribuição, pois está provado que vale mais do que tudo o zelo religioso, assim o ouviu o orador mesmo a um celebre cirurgião francez, que dizia: «não ha tratamento nos hospitaes que seja igual ao das irmãs da caridade, porque aquillo que se obtém pela religião não ha remuneração pecuniária que seja bastante a consegui lo». Dirigindo-se ao sr. Joaquim Filippe de Soure, disse s. ex.a que quando era pequeno, aprendeu n'um livro a explicação da missa, e quizera que todos a aprendessem; porque ir á missa, ver fazer as ceremonias da missa, e não saber o que ellas significam, isso pôde levar á idolatria. E preciso seguir osrpreceitos da religião, mas com conhecimento de causa. È preciso ensinar principalmente aquelles que não estão em circumstancias de poder aprender em suas casas.

Applaudese o orador, porque nunca viu em questão alguma ganhar-se tanto como se tem ganho com esta. Está tudo vencido: estão todos concorde? no principio, falta só a concordância na applicação: se as irmãs da caridade ' hão de reconhecer um prelado estrangeiro ou não. Esta é que é a questão. Se ellas aqui se estabelecerem de qualquer forma que seja ha de dormir descançadissimo em sua casa, e ellas no seu hospicio. Sabe de certo que não hão de ensinar se não muito bem, porque quando uma nação civilisada como é a França, que cuida tanto no ensino publico, que despende n'elle tantos milhões, e fiscalisa os professores, para que não possam ensinar sem um certificado de capacidade, e ao mesmo tempo dá um voto de confiança ás irmãs da caridade, despensando-lhes esse certificado de capacidade; quando essa nação tão civilisada entrega assim a educação da mocidade a esta gente, demonstrada fica a utilidade da instituição. E não é só do ensino pelas irmãs da caridade que o paiz necessita: temos igualmente uma necessidade urgente de missionários nas nossas colónias. Está provado que nos paizes bárbaros só os missionários é que podem ter influencia; e as nossas colónias estão sendo invadidas por missionários protestantes! Quanto seja grande o seu poder mostra-o o que escreveu o dr. Liwingston.

O orador, como já aqui disse, não tinha idéa nenhuma das nossas colónias, era a esse respeito um ignorante da primeira ordem, nem sabia onde havia de ir estuda las por falta de recursos para isso. Lá, esses missionários, têem todos os meios que lhes ministra largamente o governo inglez, e nós nada faremos a bem das nossas colónias, por que tudo são receios; o resultado é que o Zambeze está cortado por barcos a vapor inglezes, explorando aquelle paiz selvagem. Só os selvagens da civilisação é que desconhecem as vantagens que se podem tirar dos missionários de S. Vicente de Paulo, e por isso o governo que o for deve estar em guarda contra esses selvagens, que são inimigos do trabalho profícuo, e invejosos do bem estar de cada um, e por consequência contrários ao bem das classes laboriosas. O que elles querem é viver sem trabalhar, atacando todo3 os elementos de disciplina e ordem social, e estabelecendo, as idéas de socialismo e communismo, que atacam o principio da propriedade, e todos os elementos de ordem e governo individual: o que elles querem é civilisar á força para seu proveito, e para isso vão atacar primeiro a religião, depois a auctoridade civil; esses é que se oppõem á doutrina em que todos nós estamos aqui concordes, e em que só o não podem estar os homens que só tratara de si hoje, sem ao menos olharem para o dia de amanhã. Nós queremos a liberdade civil e religiosa, que elles atacam brutal e insensatamente. E pois necessário empregar todos os meios que estiverem ao nosso alcance para ver estabelecida em Portugal a liberdade, a ordem publica, e a auctoridade, que são a garantia de todas as liberdades indi-viduaes: para as ter em um paiz livre é necessária mais auctoridade do que n'um paiz absoluto.

O sr. Presiãente:—Deu a hora, e acham-se ainda ins-criptos os srs. Ferrão, ministro da justiça, marquez de Ficalho e marquez de Loulé, e devia agora dar a palavra ao sr. marquez de Vallada, que a pediu para explicação.,i

O sr. Marquez ãe Vallaãa:—Eu observo a v. ex.a que não posso usar d'ella na ausência dos srs. ministros.

O sr. Presiãente:—Teremos sessão na sexta-feira, o será a ordem do dia a continuação da mesma matéria de que se tem tratado. Está levantada a sessão. Eram quasi cinco horas e meia ãa tarde

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão

do dia 3 de julho de 1861 Os srs. Visconde de Laborim: Marquezes de Ficalho, das

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mo

Minas, de Niza, de Vallada; Condes das Alcáçovas, do Bomfim, de Mello, de Mesquitella, de Penamacor, da Ponte, da Ponte de Santa Maria, do Rio Maior, do Sobral, da Taipa, de Thomar; Viscondes de Algés, de Balsemão, de Benagazil, de Castellões, de Castro, de Fonte Arcada, de Fornos de Algodres, de Sá da Bandeira; Barões das Larangeiras, de Pernes, da Vargem da Ordem, de Foscoa; Mello e Carvalho, Avila, Mello e Saldanha, Sequeira Pinto, F. P. de Magalhães, Ferrão, Costa Lobo, Margiochi, Moraes Pessanha, Aguiar, Soure, Larcher, Braamcamp, Pinto Bastos, Silva Costa, Reis e Vasconcellos, Izidoro Gfuedes, Baldy, Castello Branco, Franzini, Brito do Rio.

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