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N.º 49
SESSÃO DE 4 DE JUNHO DE 1881
Presidencia do exmo. sr. Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello
Secretarios - os dignos pares
Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros
SUMMARIO
Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. - Ponderações do sr. conde do Casal Ribeiro.- A correspondencia é enviada ao seu destino. - Leitura do decreto real pelo qual é dissolvida a camara dos senhores deputados.
Ás duas horas da tarde, sendo presentes cincoenta e seis dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.
Leu-se a acta da sessão precedente.
O sr. Conde do Casal Ribeiro: - Pediu se consignasse na acta que o sr. presidente da camara declarara, que daria conhecimento ao sr. presidente do conselho de ministros da proposta para a nomeação da commissão de reforma da camara dos dignos pares.
Que ao apresentar a referida proposta, s. exa. tivera por fim fazer exposição doutrinal, e não irrogar qualquer censura ao governo, estando disposto a não promover votação sobre ella se não se considerasse esta a occasião opportuna de o fazer.
O sr. Presidente: - Far-se-hão na acta as rectificações pedidas pelo digno par.
Foi approvada a acta.
O sr. Presidente: - Vae ler-se a correspondencia.
Leu-se na mesa a seguinte:
Correspondencia
Um officio do ministerio dos negocios estrangeiros, remettendo 100 exemplares de um volume do Livro branco.
Mandaram-se distribuir.
Outro officio da exma. sra. duqueza d'Avila e de Bolama, agradecendo a participação de que a camara dos dignos pares do reino approvara unanimemente as propostas de profundo sentimento pelo fallecimento de seu prezado esposo o sr. duque d'Avila e de Bolama, e que foram lançadas na acta.
Outro, remettendo da presidencia da camara dos senhores deputados a proposição de lei que fixa a despeza do estado para 1881-1882.
Á commissão de fazenda.
Outro do ministerio do reino, remettendo a copia authentica do decreto, datado de hoje, pelo qual Sua Magestade El Rei, usando da faculdade que lhe confere o § 4.° do artigo 74.° da carta constitucional da monarchia, houve por bem dissolver a actual camara dos senhores deputados da nação portugueza.
O sr. secretario leu o decreto da dissolução da camara.
O sr. Presidente: - Em virtude do decreto que acaba de ser lido, está levantada a sessão.
Eram duas horas e quarenta minutos da tarde.
Dignos pares presentes na sessão de 4 de junho de 1881
Exmos. srs. Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello, João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; Marquezes: de Ficalho, de Fronteira, de Penafiel, de Sabugosa, de Vallada; Condes: das Alcaçovas, de Cabral, do Casal Ribeiro, de Castro, de Fonte Nova, de Gouveia, de Porto Covo, de Valbom; Bispos: de Lamego, eleito do Algarve; Viscondes: de Alves de Sá, de Chancelleiros, da Praia Grande, da Praia, de Soares Franco, de Villa Maior; Ornellas, Augusto de Aguiar, Mello e Carvalho, Quaresma, Sousa Pinto, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Pequito de Seixas, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Xavier da Silva, Bazilio Cabral, Montufar Barreiros, Francisco Cunha, Maldonado, Moraes Pessanha, Andrade Corvo, Mendonça Cortez, Gusmão, Braamcamp, Castro, Mancos de Faria, Ponte e Horta, Mello e Gouveia, Mexia Salema, Vaz Preto, Franzini, Placido de Abreu, Calheiros, Vicente Ferrer, Seiça e Almeida.
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Discurso proferido pelo digno par conde do Casal Ribeiro, na sessão de 31 de maio, e que devia ler-se a pag. 339, col. 1.ª
O sr. Conde do Casal Ribeiro: - Sr. presidente, limito-me n'este momento a chamar a attenção de v. exa. sobre a conveniencia de serem separadamente discutidos os assumptos, para os quaes o sr. conde de Castro acaba de chamar a attenção da camara.
S. exa. começou por fazer algumas ligeiras observações ácerca da crise politica que recentemente teve logar.
Eu não desejaria agora entrar n'este assumpto. Mais tarde, em occasião opportuna, direi singelamente o meu modo de encarar aquelle acontecimento, e examinarei as influencias que, porventura, exercerá esse facto sobre a nossa futura politica.
Mas isto não me parece dever intercallar-se entre explicações que se pedem ao governo e aos homens publicos sobre assumptos de tanta ponderação, como são aquelles a que se referiu o sr. conde de Castro.
Taes considerações, por minha parte, serão apenas desempenho de um dever de consciencia perante o paiz, sem que a ninguem mais interesse esse modo de ver. Os assumptos de que se trata agora são ao contrario de immediata transcendencia e devem collocar-se fóra do campo da politica. (Apoiados.)
Ácerca de tratar-se primeiro do tratado de Lourenço Marques ou do caminho de ferro do Douro, não estabeleço preferencias de discussão. Não quero, nem apparentemente, fazer aqui tactica nem estrategica, nem a proposito de uma questão de caminho de ferro nem de qualquer outra. O que desejo apenas é que o digno presidente d'esta camara separe estes dois assumptos, para os podermos tratar convenientemente. De v. exa. a preferencia áquelle que melhor entender. Que se trate primeiro do tratado de Lourenço Marques ou do caminho de ferro do Douro. Cada uma d'estas questões tem sua especialidade. Uma liga-se com acontecimentos recentes e responsabilidades que cumpre discriminar, e é tambem uma questão grave quanto aos interesses coloniaes. Outra tambem se refere a interesses nacionaes de grandissima importancia, sem que envolvam, questão internacional.
É, porém, uma questão de grandissimo interesse, questão que n'este momento justamente preoccupa a opinião na segunda cidade do reino que, naturalmente, está anciosa por saber o que ha de verdade, ou o que póde mais ou menos esperar-se em relação a ella.
Não digo agora cousa alguma sobre qualquer dos assumptos. Unicamente chamei a attenção de v. exa. sobre a conveniencia de os separar.
Quanto ao caminho de ferro do Douro parece-me natural que o governo de primeiro algumas explicações, querendo-as dar.
Eu, pela minha, parte, até onde posso ir não tenho duvida de dizer á camara o que sei e penso, com as reservas convenientes, sobre assumpto de tal natureza.
Discurso proferido pelo digno par conde do Casal Ribeiro, na sessão de 31 de maio, e que devia ler-se a pag. 341, col. 2.ª.
O sr. Conde do Casal Ribeiro; - Comprehende-se facilmente que n'um assumpto de tão alto interesse para a cidade do Porto, e para toda a região do Douro, a opinião se preoccupe.
É natural n'este momento proromper em vehementes queixas, mas por muita justiça que haja nas queixas ellas são quasi sempre acompanhadas do desejo de encontrar os culpados. É preciso precaver-nos contra as injustiças da dor, pois que aqui não ha culpados, e se os ha não estão, nem estiveram, nas cadeiras do governo.
Esta questão, como muito bem disse o sr. ministro dos negocios estrangeiros, deveria ser, conviria que fosse, serenamente tratada; não digo aqui, porque de certo o será, más na imprensa, pondo fóra d'ella toda a idéa partidaria. Não é questão que possa trazer complicações nem alterar, nem em um apice que seja, essas relações cordialissimas, essa lealdade que existe entre o nosso paiz e o vizinho.
Eu dou sincero e leal testemunho de que o governo actual, em tudo que diz respeito ás negociações para o prolongamento do caminho de ferro do Douro, tem seguido exactamente a mesma linha de conducta que o seu antecessor. Tenho a prova de que o governo actual, desde os primeiros dias que subiu ao poder e se occupou dos negocios publicos officialmente, examinou immediatamente esta questão e confirmou as instrucções anteriormente dadas ao representante de Portugal em Hespanha.
Em todos os factos que se passaram, em todos tenho provas que me levam á convicção de que, se foi na verdade grande o zêlo do ministerio anterior, da parte do governo actual não foi menor.
O meu illustre amigo, o sr. Braamcamp, incontestavelmente se occupou d'este assumpto com o maior empenho e com a maior perspicacia. Direi mais: fez um serviço grande que veiu em parte, e quanto possivel, remediar uma situação anteriormente creada. Posso alludir a este facto que prende de certo modo com as negociações, mas não tem caracter diplomatico. Refiro-me á lei que se votou em maio de 1880, em que se determinou que ficasse o governo auctorisado a construir uma linha de primeira ordem até á Barca de Alva, e a procurar os meios de a construir mediante, porém, a condição de se obter do governo hespanhol um traçado conveniente até Salamanca.
Repito: isto foi um serviço grande, porque foi o que trouxe a alliança solidaria, sincera e inextinguivel, que se funda na cummunidade dos interesses de Portugal com os interesses da provincia de Salamanca.
Esta provincia tem, naturalmente, desejos de ter o maior numero de linhas; se em vez de duas podesse ter tres ou quatro, mais satisfeita ficaria.
Nós é que não deviamos ter a imprevidencia, embora com as melhores intenções, de fazermos uma linha até certo ponto da fronteira sem sabermos como depois havia de continuar.
A provincia de Salamanca não nos levaria a mal que se levasse a linha até á Barca de Alva; mas como o nosso interesse é que o prolongamento até Salamanca se faça pelo traçado mais curto e melhor servir áquella condição da nossa lei, para entre si harmonisar as opiniões dos representantes de Salamanca, até ali divergentes, servindo de base aquelle nosso principio.
Aqui está como se firmou a alliança fundada na cummunidade de interesses de Portugal com a provincia de Salamanca, e como com os nossos se harmonisaram os procedimentos dos representantes salamanquinos.
A providencia a que me referi veiu pois, remediar o defeito da situação anteriormente creada; pois que se houve erro (e não quero censura por isso) foi quando, tratando-se da construcção do caminho de ferro da Beira Alta e da linha do Douro, entregando-se a primeira a uma companhia e construindo a segunda por conta do estado, não se pensou que se creava antagonismo de interesses entre o estado a companhia.
Certamente, debaixo do ponto de vista economico, o paiz lucra com as duas linhas e seus uteis prolongamentos mas tambem, evidentemente sob o ponto de vista financeiro contra o interesse por parte do estado, em proteger a linha do Douro, creou-se do lado da companhia o interesse em prejudicar o prolongamento do caminho de ferro para, na sua linha da Beira Alta, concentrar e monopolisar o trafego que deveria repartir-se por ambas.
Estes negocios de caminhos de ferro não se fazem com capitaes nacionaes, que não costumam empregar-se n'essa de especulações nem, geralmente, as entendem bem.
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Não é necessario dizer mais nada para, facilmente, se perceber que quem possue uma linha ferrea entre Salamanca e Medina, e possue igualmente a linha desde a fronteira até entroncar com a linha do norte e até á Figueira, necessita construir em boas condições a parte intermedia entre a fronteira e Salamanca; porém, não precisa igualmente e, ao contrario, póde ter prejuizo em construir o prolongamento da linha do Douro pertencente ao estado.
Esta foi a situação anteriormente creada, e que fatalmente tem pesado sobre esta questão. Erro não ha na negociação que procurou remediar tal inconveniente; falta de zêlo não houve, nem por parte do governo anterior, nem do actual.
Erro, se o ha, é do negociador. Esse não se defende; não deve defender-se por dever do officio; nem dá explicações em sua defeza, porque tambem é dever de officio não as dar.
Se na negociação tem havido erro que seja censurado o negociador sómente, e se houver mau resultado na negociação, que só ao negociador se attribua a culpa.
Ácerca da construcção da ponte internacional sobre o rio Minho, o sr. ministro das obras publicas procedeu bem em a mandar fazer. Não podia deixar de proceder assim.
Procedendo de outro modo commetteria erro. Quem determinou que se fizesse essa ponte foi quem fez o caminho de ferro de Valença.
Desde que este caminho estava feito, a ponte havia necessariamente fazer-se. Todos os ministros a haviam de fazer. Deu andamento ao processo o sr. Saraiva de Carvalho; poz-lhe termo o sr. Hintze Ribeiro.
Não sei se estas opiniões poderão desagradar em alguma parte. Sinto muito que não agradem á cidade do Porto, que não vê a questão d'esta maneira. Entretanto, entendo que devo exprimil-as. Como não sou opportunista digo o que penso, fallo como sinto e exprimo-me como sei.
Continuo na minha argumentação. Dos factos citados, dos antagonismos creados entre os interesses da linha da Beira Alta e do Douro, resultou necessariamente uma situação para o governo portuguez, como tutor natural dos interesses do thesouro - foi procurar obter uma resolução favoravel para o paiz na questão do prolongamento da linha do Douro, conservando-se passivo, quedo e quasi indifferente na questão do prolongamento do caminho de ferro da Beira Alta.
Porque? É porque não nos interessa aquelle prolongamento? Não. É porque desde que ha uma companhia que tem o caminho de ferro de Salamanca a Medina e no nosso territorio á fronteira, o que fica no meio ha de fazer-se de certo e o melhor possivel; far-se-ha até sem subsidio, porque a companhia não podia deixar de o fazer.
É por isso que o que recentemente foi resolvido pelo governo do paiz vizinho é um facto que temos a lastimar que não póde deixar de ser para nós extremamente doloroso e desagradavel. Mas é, porventura, esta uma questão perdida uma situação compromettida e sem remedio? Não o creio. É uma batalha menos feliz no meio de uma campanha que corria com aspecto favoravel; não ha senão a redobrar de esforços para reganhar o tempo perdido
Eu espero que com a boa vontade, que inegavelmente o governo tem, a questão ha de ser resolvida de maneira favoravel para os interesses da cidade do Porto. E espero porquê? Espero, porque nós temos, como bem o disse o sr. ministro das obras publicas, um direito adquirido quanto á fixação do traçado; e temos esperanças bem fundadas na garantia de sua execução nas declarações feitas por parte do governo de Hespanha.
E que meios temos para fazer valer aquelle direito e estas esperanças?
A nossa rasão e a lealdade dos nossos vizinhos, a maneira sempre justiceira, sempre amigavel, sempre cordial, como encaram todas as questões que lhe apresentâmos, quando lhas expomos sem vaidades que não são necessarias, sem ameaças que se não devem fazer. Recorrendo ao direito que temos, e que forte o energicamente devemos manter, estejamos certos de ser attendidos.
Parecia, por um telegramma publicado nos jornaes, que de algum modo se queria prejudicar o accordo estabelecido com relação ao traçado, porque se dizia que uma commissão tinha sido nomeada para fixar o ponto de bifurcação. Isto parecia de alguma fórma contrariar o que estava estabelecido por um accordo anterior.
Entretanto, como acaba de declarar o sr. ministro dos negocios estrangeiros, este acto official não appareceu, é possivel que exista, é preciso ver como elle está redigido, como se entende e o que quer dizer? E depois de examinar e ver o que é, e o que significa, é que o podemos avaliar, e não querermos fazer obra por um simples telegramma da agencia Havas.
Se for contrario ao que está estabelecido, invocaremos o nosso direito, quanto á questão do traçado, quanto ainda a outros pontos.
Innegavelmente é certo que foi posto em concurso um caminho de ferro que, partindo de Salamanca, vae a Villar Formoso, e ter-se feito isto sem ao mesmo tempo se pôr a concurso o que devia seguir de Salamanca até á Barca de Alva. É isso que nós não podemos deixar de lamentar. Melhor seria para nós que ambos estes caminhos de ferro tivessem sido postos simultaneamente em concurso; porque, que se havia de fazer o da Beira Alta já nós sabiamos, porque era interesse da companhia, e se ella tivesse de fazer o outro, como é obrigada a fazer aquelle, o caminho desde Barca de Alva havia de se fazer tambem. Era este o interesse que nós tinhamos em que fossem ambos postos simultaneamente em concurso.
Nós não podemos negociar com a Hespanha sobre um acto que é puramente da sua administração interna; o que podemos fazer é um accordo para que, dentro de um certo praso, a Hespanha leve a sua linha de Salamanca a Barca de Alva. Este é que é o ponto que temos de negociar, ainda que o modo mais curial de executar esse accordo parece que deveria ser pôr em concurso as duas linhas ao mesmo tempo.
No entanto não é este negocio perdido; devemos proseguir com esforço em tratar de obter a realisação do accordo que propozemos. A questão de pôr a concurso junta ou separadamente as duas linhas é questão que tem sido debatida em Hespanha, debaixo do ponto de vista da lei hespanhola de 1876, que determinou que se fizesse um caminho de ferro que, partindo de Salamanca, bifurcasse n'um ponto conveniente e seguisse a encontrar as duas linhas portuguezas. Como se entende esta lei? Não o digo por mim, nem estou auctorisado a dizel-o nem no parlamento, nem como representante de Portugal em Hespanha. Mas entretanto o facto é que a lei não obrigava positivamente a que se fizesse o concurso junto ou separado.
Esta questão foi levantada pelos deputados de Salamanca, e pelo presidente do conselho foi respondido que a interpretação regular da lei era considerar a obra no seu conjuncto.
Ora, se isto não constitue para nós positivamente um direito adquirido, como constitue um accordo, é pelo menos uma rasão que indica a maneira por que devem ser conduzidas as negociações em via de conclusão.
Eu acredito no sincero desejo do governo actual de levar esta questão a bom resultado, e assim como tenho confiança maxima na lealdade e sentimentos de justiça do governo da nação junto da qual eu tenho estado acreditado, por isso que nos homens que o compõem não tenho encontrado senão uma verdadeira vontade de manter com Portugal boas relações.
Sobre este assumpto não podia haver ligações ou compromettimentos de politica partidaria; o que não devia deixar de haver da parte de qualquer partido que estivesse á frente dos negocios do paiz era o sincero desejo e o maior empe-
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nho. e diligencias de conduzir este negocio a um resultado satisfactorio para os interesses do paiz, e tudo isto tenho eu encontrado no governo transacto e no actual. Mas n'estes casos ha tambem que attender ás exigencias da opinião publica, e esta ha de ser attendida não só cá como no paiz vizinho; porque em Hespanha tambem já se reclama, e tambem lá como no Porto desagradou a ultima resolução do governo hespanhol, e a prova está aqui.
(Leu.)
Por consequencia lá tambem se reclama.
Quanto á boa vontade e intelligencia, isso ha no actual governo, como tambem houve no governo anterior. Esperemos, pois; esperemos activando e redobrando esforços em vez de consumirmos tempo e sentimento em vãos lamentos.
Discurso proferido pelo digno par conde do Casal Ribeiro, na sessão de 31 de maio, e que devia ler-se a pag. 346, col. 1.ª
O sr. Conde do Casal Ribeiro: - N'este momento chamo apenas a attenção do sr. ministro dos negocios estrangeiros para um assumpto sobre o qual desejo ouvir a opinião do governo, sem intuito algum politico, tanto que não desejo dar-lhe fórma de interpellação. Só peço ao illustre ministro, que na occasião em que julgar mais opportuna, venha responder ás observações que vou fazer.
O tratado de commercio com a França foi prorogado pelo praso de seis mezes, a contar desde que se votou a nova pauta franceza. Como esta foi votada em 8 de maio ultimo, o nosso tratado caduca em novembro d'este anno. Por isso desejaria saber:
Primo. Se o governo tenciona negociar com a França a prorogação do tratado ou pretende modifical-o de qualquer modo.
Secundo. Dado o caso de não entender conveniente fazel-o, ou se o não poder fazer dentro d'esse praso, entende que deve ficar em vigor a tabella de importação annexa ao tratado ou á pauta de 1842.
No caso de caducar o actual tratado, e voltarmos á pauta de 1842, senão julga o governo haver grave inconveniente em fazer uma verdadeira reforma da pauta, para mudar o systema que nos rege ha tanto tempo, trocando por outro obsoleto e absurdo.
São estes os pontos sobre que desejo ouvir o governo. Estou prompto, se, porventura, o sr. ministro dos negocios estrangeiros quizer responder-me desde já, a entrar no assumpto.
Discurso proferido pelo digno par Conde do Casal Ribeiro na sessão de 31 de maio, e que devia ler-se a pag. 346, col. 1.ª
O sr. Conde do Casal Ribeiro: - Agradeço ao sr. ministro as explicações que acaba de me dar em relação ao tratado com a França. Talvez por falta de clareza de expressão eu não tornei bem frisante a minha idéa, que não era impellir o governo em favor ou contra da negociação com a França; mas sim fixar claras idéas sobre o regimen aduaneiro em que ficaremos quando venha a caducar o tratado.
Convenho que é necessario estudar para acertar e chegar a conclusões seguras; mas ás vezes é mau quando, a proposito de estudos, se adia indefinidamente a solução dos negocios. Todavia, é certo que para este existem já estudos desde longa data.
Quando o tratado de commercio se fez, havia no ministerio da fazenda, sendo ministro d'aquella repartição o nosso actual presidente, uma commissão composta de altos funccionarios das alfandegas, de industriaes conhecidos, de illustrados economistas, e de outros homens competentes na materia, commissão que trabalhou durante largo tempo; e para quê?
Para organisar uma pauta geral em substituição da pauta de 1842, que todos já reconheciam como absurda. Estes trabalhos sofreram uma, duas, tres, quatro revisões, e então o negociador do tratado foi ilucidar-se em muitas sessões com os illustrados membros d'aquella commissão sobre o alcance e motivos das reformas propostas.
Uma parte, uma diminuta parte do que se entendia que se devia fazer, pura e simplesmente pelo interesse nacional, foi o que se aproveitou para o tratado da França, como elemento de negociação. Esses papeis devem existir no ministerio competente, e em vista d'elles se póde verificar que se aproveitou uma muito pequena parte, aproveitou-so o que foi indispensavel aproveitar.
Então dominava a idéa dos tratados, e é difficil caminhar contra as idéas dominantes na politica commercial das nações, embora muitas vezes ellas possam ser sujeitas a fundados reparos e objecções.
É difficil que, proseguindo ellas na Europa, nós nos possamos manter.
Póde-se discutir em theoria se é melhor a liberdade de acção economica ou a ligação a tratados; póde inclinar-se a opinião, segundo a opportunidade, ao proteccionismo ou ao livre cambio. Tanto uma como outra escola póde defender os seus principios com boas rasões; mas quando as nações grandes productoras desejam contratar, e entre si contratam, não podemos eximir-nos a contratar tambem, ou teriamos a luctar no terreno commercial com a generalidade das nações e achar-nos isolados.
Suppõe-se que o tratado foi feito com o desejo de alcançar um mercado para os nossos vinhos, não foi assim; a vantagem que para elles obtivemos não foi mais do que a que então concedia a pauta geral franceza, 30 centimos por hectolitro, e n'aquelle momento nem sequer se pensava que aquelle direito seria augmentado. Para o que não se obteve muito foi para as fructas seccas e generos coloniaes.
Augmentou muito a nossa exportação; e as proporções em nosso favor tem crescido consideravelmente (Apoiados.)
Isto não é morrer de amores pelo tratado de commercio, nem dizer que se siga na mesma politica. Temos de marchar a par dos outros. Assim se, por exemplo, a Hespanha fizer um tratado com a França, se a Italia o fizer, nós temos que o fazer. Se o não fizerem, creio bem que tanto vinho se ha de importar em França com o direito dos cinco francos como com o anterior. (Apoiados.) Mas se o fizerem, e nós nos recusarmos, ficaremos então em situação desvantajosa, e arriscar-nos-hemos a perder um dos melhores mercados dos nossos productos agricolas.
Isto não é recommendar uma ou outra politica. Creio que se faz bem em colher informações, para se chegar a um resultado proficuo.
Sabemos já que o governo se propõe, sem desprezar a idéa de negociar, a fazer um inquerito; mas d'aqui a 8 de novembro não está assignado o tratado e menos está ratificado, pois que é preciso para que elle esteja em vigor que seja auctorisada a ratificação pelo parlamento. Ora em 8 de novembro caduca o estado actual das cousas; o que desejo saber, o que o publico, o que o industrial e o agricultor precisa saber, é em que situação ficâmos - com a pauta B ou com a pauta de 1842?
A pauta B é hoje o regimen geral da nossa importação.
O que em principio se applicou á França applica-se hoje á Allemanha, á Italia, á Belgica e outras nações que têem o tratamento de nações mais favorecidas; e applica-se tambem por uma lei geral áquellas com quem não temos tratados similhantes, e mesmo como a Inglaterra longe de favorecer desfavoreceu injustamente os nossos vinhos.
Não sei se com isto fizemos bem, se fizemos mal. O certo é que o principio se tornou extensivo a muitas nações, e que pela lei de 1870 ou de 1871 auctorisámos o governo a conceder indistinctamente a outras nações o tratamento de nações mais favorecidas, mesmo áquellas com quem
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não tinhamos tratado. Assim foi que applicámos á Inglaterra o mesmo principio.
Mas qual é o estado juridico desde o momento que caduque o tratado?
Fica em vigor a tarifa B?
É sobre este ponto que eu desejaria ouvir a opinião do governo. Isto é uma questão juridica, e eu tremo de emittir opinião sobre ella, porque não sou jurisconsulto. Estudei direito ha já bastante tempo, e hoje apenas sei pouco do que aprendi.
Parecia-me que n'uma questão de jurisprudencia como esta, em que póde haver duvidas, deviam ser consultadas as estações competentes como, por exemplo, a procuradoria geral da corôa. É necessario que claramente saibamos o que fica depois de acabar a prorogação do praso - se fica a pauta B ou se voltâmos á pauta de 1842. A mim afigura-se-me que o que fica é a pauta de 1842, que é absurda, e que voltando a ella se vae fazer uma reforma no sentido retrogrado sem estudos e ás cegas. Portanto, tenho duvidas a este respeito. Não desejaria que voltassemos para trás o que seria de consequencias muito lamentaveis. Creio que o remedio é facil, e está nas mãos do governo prevenir que cheguemos a essa situação absurda da pauta de 1842.
Esse remedio seria o governo munir-se de uma auctorisação, que ninguem por certo lhe negaria, nem n'esta nem na outra casa do parlamento, para continuar em vigor, independentemente de qualquer tratado, a pauta B, até que o governo possa trazer á camara uma medida que regule o assumpto de maneira conveniente.
D'este modo entrar-se-ía na legalidade e na conveniencia.
Discurso proferido pelo digno par conde do Casal Ribeiro, na sessão de 31 de maio, e que devia ler-se a pag. 845, col. 2.ª
O sr. Conde do Casal Ribeiro: - Eu não faço entrar n'esta questão interesse algum politico ou partidario; mas ao meu espirito afiguram-se muitas duvidas sobre a auctorisação para ficar em vigor, independentemente do regulamento convencional, a tarifa B. Tenho muitas apprehensões n'este ponto.
A lei auctorisa o governo a prorogar, mas é no regimen convencional; porém a nossa hypothese é a cessação do regimen convencional.
(Interrupção que não se ouviu.)
De 8 de novembro por diante não ha regimen convencional, e por consequencia temos de voltar ao antigo estado. Em todo o caso o meu fim principal está satisfeito; não quero insistir mais n'este ponto. Os jurisconsultos que examinem e decidam. O que precisãmos saber é em que lei ficamos vivendo depois de 8 de novembro - se voltâmos ao regimen de 1842, porque acabada a prorogação finda o regimen convencional.
Se o governo entende que está sufficientemente auctorisado para manter a tarifa B, se assim o considera eu fico tranquillo.
Póde haver uma ou outra opinião juridica sobre este ponto, mas eu como par do reino fico tranquillo. Não sou jurisconsulto, e é aos jurisconsultos que compete decidir a questão juridica. Porém, se o governo não declara precisamente que nós não voltâmos para trás, então não poderei ficar socegado.
É preciso sabermos e dizer-nos que se não volta ao estado anterior. Desejava conhecer precisamente este ponto.
Não desejo fazer perguntas de surpreza; não peço resposta immediata. Como o assumpto é de grande importancia, e como póde ser que alguns dignos pares desejem tomar parte na discussão, talvez seja melhor guardar para outra occasião o tratar-se d'este assumpto, que é de interesse geral, e do qual todos devem tomar conhecimento.
Discurso proferido pelo digno par conde do Casal Ribeiro, na sessão de 31 de maio, e que devia ler-se a pag. 346, col. 2.ª
O sr, Conde do Casal Ribeiro: - Já enunciei que me parecia mais conveniente que este assumpto continuasse era outra sessão. Isto não á questão de negociações pendentes. Não comprehendamos a diplomacia d'essa maneira!... Vivemos no seculo XIX, senhores! E até mesmo questões pendentes se têem discutido nos parlamentos com a devida prudencia. Onde não devem ser discutidas é nos meetings. Mas em um paiz em que nos meetings se discutem questões internacionaes, e em que a falta de bom senso chega a usar e abusar d'aquelle direito; em um paiz onde isto se faz, é conveniente ao contrario que os negocios diplomaticos possam ser discutidos no parlamento, diante do publico como util e indispensavel correctivo. E por isso voto com enthusiasmo o projecto que a este respeito foi apresentado pelo meu digno collega o sr. Carlos Bento.
Estamos no seculo XIX! Não se trata agora de negociações pendentes. E se ha pouco discutimos uma, d'ahi não resultou mal para o paiz.
Não. É preciso que se seja aqui explicito e claro nos assumptos internacionaes. É preciso que se tratem aqui, e não deixal-os exclusivamente no dominio da malquerença ignorante e da especulação partidaria sordida para á traição se derribarem governos por actos que nem seus eram e herdaram dos tardios censores.
O sr. Corvo é um homem distincto, com grande dignidade, com grande talento. Elle podaria errar, mas não renega a responsabilidade das suas idéas; é coherente comsigo mesmo. Não digo que o tratado de Lourenço Marques é bom nem que é mau. Eu votava-o.
Não sei se o votariam os antigos collegas do sr. Corvo, solidarios com elle nas responsabilidades, e depois divorciados d'ellas para assaltar o poder.
Mas não se trata d'isto agora.
Não ha inconveniente nenhum em que estes assumptos se discutam em publico; nem tambem ha inconveniente em que se diga á França e que a França saiba o que nós queremos fazer. Pois quando aquella nação veiu tratar comnosco em 1888 não sabia qual era o regimen vigente entre nós? E quando ella venha negociar agora imaginam que lhe escondem a legalidade, que ficará vigente se a negociação não chegar a bom termo?
Não é puerilidade o querermos saber se volta a vigorar a pauta de 1842, ou se mantemos o statu quo. No que ha inconveniente é na duvida, é em ignorar a lei em que viveremos ámanhã. Não ter nenhuma lei é peior do que ter uma lei má, porque dá logar ao arbitrio do governo.
Politicamente não tenho confiança alguma no governo; mas confio muito nas luzes, na boa vontade dos srs. ministros. N'elles reconheço homens de talento que desejava ver n'uma posição em que melhor podessem aproveitar as suas faculdades a favor do paiz. Sympathiso com as suas pessoas. E, comtudo, não posso comprehender a sua duvida, a sua hesitação sobre o ponto a que me refiro. A hesitação leva ao arbitrio.
Pois o governo póde dizer-nos: "eu quero reservar-me o arbitrio de interpretar uma lei no sentido do branco ou do preto?"
De modo nenhum.
Qual é, na opinião dos srs. ministros, o estado legal? É a, pauta B, annexa ao tratado do commercio? Respondam claro. Têem obrigação de responder.
O resultado será talvez executar-se a pauta B; será, porventura, voltarmos ao regimen de 1842; e isto é voltarmos & um regimen absurdo. Ficâmos completamente ás escuras, quando o commercio precisa prevenir-se, o consumidor precisa prevenir-se e a nação precisa elucidar-se. Isto não era uma questão politica; não póde tambem ser uma questão de commodidade dos nobres ministros. Se elles trouxessem ao parlamento uma lei que os habilitasse a regular o as-
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sumpto, removendo as difficuldades que podem sobrevir, essa lei seria votada; porque estas opposições em assumptos de interesse nacional não se tornam facciosas; facciosas foram outras que ha pouco presenciámos; e quando são facciosas então é que tem logar a dictadura. A dictadura assume-se quando ha força para a assumir por parte dos governos, e espirito faccioso por parte das opposições.
Por minha parte tenho dito quanto tinha a dizer. A camara resolva que ella deve ficar ainda para outra sessão, uma vez que parece que alguns dignos pares desejam ainda tomar, parte n'ella, ou a camara a de por terminada n'esta sessão, para mim é indifferente.
Direi apenas em conclusão que quando vier a dictadura em nome da duvida insurgir-me-hei contra a dictadura, porque o governo podia agora prevenir-se por meio de uma auctorisação, e não tinha necessidade de se collocar fóra da lei.
Discurso proferido pelo digno par conde do Casal Ribeiro, na sessão de 3 de junho, e que devia ler-se a pag. 363, col. 2.ª
O sr. Conde do Casal Ribeiro: - Desejaria que estivesse presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros, mas poderei mesmo na sua ausencia expor o que desejo. Não tenho a dirigir ao governo uma pergunta, porque antecipadamente sei a resposta.
A questão de que ha poucos dias nos occupámos, a da bifurcação do caminho de ferro de Salamanca, está resolvida; o concurso será aberto para ambas as linhas, conforme nós desejavamos, conforme desejavam tambem e reclamavam os interesses d'aquella provincia, conforme aos compromissos anteriormente contrahidos, conforme á justiça, conforme á rasão, conforme á lealdade.
Não tenho a dirigir uma pergunta ao governo, porque sei que a questão está no essencial resolvida, mas unicamente a felicitar-me com o paiz e particularmente com a cidade do Porto por tal resultado. Não fui propheta, annunciando-o. Sómente manifestei a fundada esperança de que a questão se resolveria de uma maneira agradavel e favoravel. Não dei certezas, porque não as podia dar, porque se não devem dar, porque é imprudente dal-as quando ha negociações pendentes. Mas a expressão da minha esperança ficava áquem da minha propria convicção.
N'este momento felicito-me por que um tal resultado se obtivesse.
Não preciso nem careço repetir testemunhos. Já os dei. Não tenho a retiral-os nem a augmental-os. O empenho do actual governo foi igual ao do governo anterior em resolver favoravelmente a questão. Tenho d'isto a certeza, a convicção, os documentos.
Se temos com os interesses da provincia de Salamanca uma alliança constante, permanente, efficaz, importantissima, porque se baseia e consolida na communidade de interesses, foi principalmente devida á approvação da previdente lei votada em 1880 durante o ministerio do sr. Braamcamp. Foi n'essa lei que, assegurando-se o empenho do governo portuguez na conclusão da linha do Douro até Barca de Alva, se tornou essa conclusão dependente de um accordo com o governo de Hespanha, não sómente sobre o ponto de junção na fronteira, unica questão que anteriormente havia sido lembrada e decidida por uma commissão mixta, mas tambem sobre o traçado até Salamanca, questão essa que anteriormente havia sido com menos previdencia descurada.
Valeu de muito a alliança dos nossos interesses com os da provincia de Salamanca, firmada e consolidada por virtude d'essa lei. Mas sobretudo, mais que tudo foi devido o resultado áquella cordialidade de relações, áquella lealdade de procedimentos de que o governo hespanhol com este gabinete, com o gabinete anterior, nos está dando manifestas e constantes provas.
N'este principio dominante da nossa politica para com Hespanha eu sei que o governo actual segue a mesma linha de conducta que seguiu o governo anterior, como o governo anterior seguiu a mesma linha que havia seguido o seu antecessor, no qual os assumptos diplomaticos eram prudente e sabiamente dirigidos por um dos nossos mais distinctos homens de estado, o sr. Andrade Corvo. N'uma epocha extremamente difficil o sr. Andrade Corvo soube não sómente fazer-nos viver em relações regulares com os governos de Hespanha, afastando o perigo da revolução que ameaçava parte da fronteira; mas soube mesmo tornar perante a Europa e o mundo mais evidente, que antes, o vigor da nossa individualidade nacional. Em presença da revolução hespanhola isolada na fronteira, a Europa prestou com rasão mais fé á autonomia portugueza.
Foi um resultado util para o paiz, glorioso para elle pela sua cordura, para o sr. Corvo pelo seu fino tacto de diplomata e estadista.
Manter a cordialidade de relações sinceras entre a Hespanha e Portugal quando, tanto cá como lá, existe um governo baseado sobre o mesmo principio constitucional monarchico é facil, é natural. Não é devido a um governo, nem a um homem. Pratica-se com o representante actual, com o que foi, com o que ha de vir a ser. Não demonstra grande merito. Basta a boa vontade, a prudencia, o que se chama saber viver no mundo. Manter, porém, relações com áquella nação, como ellas se mantiveram, quando ali se hasteava a bandeira da revolução republicana chegando aos excessos de federalismo, e aos horrores de Cartagena e Alcoy; não só manter relações, mas fazer mais conseguir que Portugal n'essa occasião se apresentasse perante a Europa assegurando, mais do que nunca, a sua independencia, isto é obra de verdadeiro homem de estado. Isso é difficil; muito mais difficil que encaminhar a questão da linha de Salamanca.
Presidir aos negocios estrangeiros como o sr. Corvo n'aquella occasião soube fazer, mantendo boas relações com á Hespanha sem esquecer a Inglaterra, porque a cordialidade que deve existir com Hespanha não se oppõe ás nossas antigas e tradicionaes allianças, antes se completa com ellas, isso é ser verdadeiro diplomata.
Mostrar perante a Europa a cordura do nosso procedimento, conquistar o seu bom juizo sem ostentações de vaidade e patriotismos palavrosos que cousa alguma provam e a nada conduzem, isso revela o talento do verdadeiro estadista; são esses os que deixam de si nome assignalado na historia. (Apoiados.)
Sr. presidente, eu fiz opposição durante o seu ultimo periodo ao gabinete presidido pelo meu illustre amigo o sr. Fontes, opposicão vigorosa, da qual não me arrependo, nem renego, embora talvez fosse excessiva considerando o logar em que fallava. Se estivesse na imprensa ou na camara dos senhores deputados poderia tel-a feito mais forte ainda, e ainda com sobra de rasão. Mas quando fiz essa opposição reservei sempre os negocios externos, não só por áquella simples prudencia e bom juizo que deve levar a não fazermos nas nossas dissidencias caseiras arma de guerra de questões internacionaes, mas tambem por ser justo reconhecer que os negocios externos eram bem dirigidos.
Isto sem excepção da questão das pescarias.
E a proposito de pescarias, creio que v. exas. estarão lembrados de que na primeira vez que me levantei n'esta casa para fazer um discurso de opposição ao gabinete que precedeu a administração transacta, logo declarei que resalvava os negocios externos, e expressamente que entendia que o sr. ministro dos negocios estrangeiros tinha andado bem nas soluções dadas á questão levantada com a Hespanha ácerca de factos relativos á pesca nas costas do sul, e em geral gerindo, por maneira correcta, os assumptos que pertenciam ao seu ministerio, e conduzindo habilmente as questões internacionaes.
Foi então meu parecer que o sr. Corvo andou correcta-
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mente na questão das pescarias; e o mesmo penso e digo do sr. conde de Valbom.
Houve posteriormente outra questão da mesma ordem que foi resolvida, creio, por maneira plenamente satisfactoria; os documentos o mostrarão em tempo.
Não me alongarei mais.
Folgo de ver em grande parte desvanecidos os receios da cidade do Porto. Não era menos de esperar da Hespanha? onde tambem havia muitos descontentes, por uma solução precipitada e incompleta da Hespanha fidalga, generosa, nossa amiga e irmã, a quem sempre convem tratar como tal. Pois que Hespanha tem tambem seus orgulhos, e tem rasão para os ter. Não é em tom pedagogico, mas em tom moderado, fraternal e sincero que nos cumpre tratar com a vizinha Hespanha.
Peço a v. exa. que me reserve a palavra para outro assumpto.
Discurso proferido pelo digno par conde do Casal Ribeiro, na sessão de 3 de junho, e que devia ler-se a pag. 365, col. 1.ª
O sr. Conde do Casal Ribeiro: - Vou mandar para a mesa uma proposta, cuja urgencia requeiro.
É analoga a outra que foi apresentada na camara electiva por um brilhante talento e um excellente coração, dois elementos sem os quaes creio não ha homem de superior valia.
A proposta é a seguinte:
"A camara dos pares espera que o governo applicará parte da somma destinada a diversas obras no correspondente capitulo do orçamento do despeza do ministerio das obras publicas para auxiliar a construcção do monumento dedicado a memoria de Alexandre Herculano."
Creio que todos acceitarão esta proposta.
Sr. presidente, se v. exa. permitte, direi duas palavras apenas.
Seria acto de indelicadeza para com os meus collegas julgar precisa extensa apologia d'esta proposta. Seria tambem acto vaidoso de ostentação, e inutil esforço era desharmonia com a estreiteza do tempo e com a mingua dos meus recursos.
Não venho perante a camara dos pares desenhar ou esboçar mesmo a phisionomia de Alexandre Herculano. Para isso seria preciso um livro, e esse não poderia fazel-o nunca igual ou comparavel áquelle primoroso trabalho litterario que ha pouco publicou o meu amigo e collega o sr. Antonio de Serpa.
Em Herculano não se sabe o que admirar mais - se o esplendor do talento, se o lavor improbo, se a nobre rigidez de caracter.
Eu creio que convem sempre, e cada vez convem mais, lembrar Herculano, commemorar Herculano. Não que ninguem espere que se reproduzam por centenas ou dezenas as copias de tão sublime modelo; mas por que nos tempos em que vivemos é bom e necessario mirar algumas vezes o ideal, não para nos approximarmos d'elle. que é impossivel, mas para levantarmos por algum tempo a alma acima do nivel em que nos agitâmos.
Mando a proposta para a mesa, e peço a v. exa. que me reserve ainda a palavra para outro assumpto.
Discurso proferido pelo digno par conde do Casal Ribeiro, na sessão de 3 de junho, e que devia ler-se a pag. 367, col. 2.ª
O sr. Conde do Casal Ribeiro: - Vou mandar para a mesa uma proposta, que passo a ler.
(Leu.)
Mando para a mesa esta proposta, de que não requeiro a urgencia. Peço a v. exa. que ella fique sobre a mesa, e que seja convidado o sr. presidente do conselho a vir aqui ámanhã assistir á sua discussão.
Como a camara vê, esta proposta tem um caracter eminentemente politico; e não digo partidario. Nem apoio nem guerreio o governo; não seu tactico nem estrategico; não gosto de surprezas; não as faço, não as farei.
Tambem não venho fazer o que em linguagem politica moderna, tomada da Inglaterra, se chama obstruccionismo.
Se a camara me conceder a sua benevolencia costumada tomar-lhe-hei apenas um quarto de hora ou meia hora, o tempo preciso para expor o pensamento da minha proposta. Desejo que este favor me seja concedido, e declaro desde já que se o governo entender, por qualquer circumstancia, inopportuna a votação da proposta, ou porque a camara vae fechar-se e a eleição de uma commissão seria inutil n'este momento, por não funccionar no intervallo das sessões, ou por qualquer outro motivo, não insistirei em submetter a proposta á votação.
Não posso dar maior demonstração de que não pretendo fazer d'isto arma politica.
Pretendo simplesmente explicar á camara e ao paiz a evolução que se fórma no meu espirito, em vista de acontecimentos que todos temos presenciado.
Discurso proferido pelo digno par conde do Casal Ribeiro, na sessão de 4 de junho, e que devia ler-se a pag. 375, col. l.ª
O sr. Conde do Casal Ribeiro (sobre a acta): - Não tema v. exa., nem a camara, que eu intente agora com as minhas palavras, sempre insignificantes, fazer perigar o bem do estado, nem pretendo intercalar na acta um discurso qualquer que tivesse preparado. Desejo apenas uma rectificação.
Na acta allude-se a uma proposta que eu tive hontem a honra de fazer n'esta casa, e parece-me que se não exprime com sufficiente clareza que v. exa., sobre meu pedido, disse que convidaria o sr. presidente do conselho de ministros para assistir hoje á discussão d'aquella proposta.
Desejava que este facto ficasse consignado na acta. Desejava tambem que n'esse mesmo documento ficasse consignado outro facto. É que eu declarei que apresentava uma moção de doutrina, e não uma moção de censura, nem tão pouco de confiança no governo.
Tanto dei prova da sinceridade d'estas intenções, que declarei estar resolvido, se algum membro do governo não julgasse opportuna a occasião de se discutir, ou votar, aquella proposta, a servir-me d'ella apenas como thema para uma exposição, e a não pedir votação.
Desejo que na acta fiquem consignados estes dois factos. Nada mais.
Se as circumstancias permittirem que eu explane a mi" nhã proposta, fal-o-hei no exercicio do meu direito e no cumprimento do meu dever. Se não o permittirem tomo solemnemente com o meu paiz o compromisso de vir aqui na sessão seguinte, ou na primeira occasião que se me offerecer, e se tiver saude para isso, explicar o meu pensamento.
Porém, não desejando que d'este pensamento se tirem illações que não estão na minha mente, antes de o vir explicar no parlamento, tomo tambem com o meu paiz o compromisso expor por escripto, assignando com o meu nome.