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CAMARA DOS DIGNOS PARES.
SESSÃO DE 11 DE MAIO DE 1848.
Presidiu — O Em.mo e R.mo Sr. Cardeal Patriarcha, e depois o Sr. Serpa Machado (Presidente Eventual).
Secretarios, os Sr.s V. de Gouvêa.
M. de Ponte de Lima (Vice-Secretario).
ABERTA a Sessão pelas duas horas da tarde, estando presentes 31 D. Pares, leu-se e approvou-se a Acta da ultima Sessão. — Concorreu o Sr. Ministro da Justiça. Mencionou-se a seguinte
CORRESPONDENCIA.
1.º Um Officio da Camara dos Sr.s Deputados, dirigindo a esta uma Proposição de Lei, estabelecendo uma Loteria Nacional.
2.º Outro dito da mesma Camara, dirigindo a esta uma Proposição de Lei sobre o pagamento de dividas activas do Estado.
Ambas as Proposições passaram á Commissão de Fazenda.
3.° Outro dito do Ministerio do Reino, relativo ao requerimento apresentado em 29 de Março, pelo D. Par Silva Carvalho, pag. 422, col. 4.ª
4.º Outro dito do D. Par Arrochella, participando, que por motivos poderosos passava á Provincia.
5.º Outro dito do D. Par V. de Laborim, prevenindo, que por estar anojado, em consequencia do fallecimento de seu sobrinho, não concorria ás Sessões.
O Sr. SOUSA AZEVEDO — Creio que o parentesco de sobrinho não tem nojo.
O Sr. PRESIDENTE — Mas sendo herdeiro...
O Sr. SOUSA AZEVEDO — O que eu digo não obsta comtudo, a que o D. Par seja comprimentado por um outro D. Par; porque, dizendo S. Ex.ª no seu Officio, que se acha impedido de comparecer nesta Camara, é porque na verdade o está; mas ouvindo eu fallar em nojo, quiz apenas lembrar, que a Lei não dá nojo no parentesco de sobrinho.
O Sr. PRESIDENTE — Se a Camara convém, ir-se-ha fazer um cumprimento condicional, isto é, se S. Ex.ª está nas circumstancias de ser desanojado.
Assim se resolveu.
O Sr. PRESIDENTE — Parece-me que a Camara annuirá, a que se lêa a ultima redacção do Projecto de Lei n.º 11, sobre as transferencias dos Juizes, porque achando-se já revisto pela Commissão de Redacção, tem de passar á outra Camara.
O Sr. LEITÃO — Eu já aqui tinha o Projecto com a ultima redacção, assignado por todos os membros da Commissão de Legislação, e como o queria lêr, havia pedido a palavra a V. Em.ª
O Sr. PRESIDENTE — Nesse caso o Sr. Secretario vai lêr a ultima redacção do Projecto, e V. Ex.ª irá vendo pelo original se está ou não exacta.
Alterações com que ficou constituida a Proposição de Lei feita a esta Camara pela da dos Sr.s Deputados, sobre as transferencias dos Juizes, alterações com as quaes lhes foi reenviada.
Art. 1.º Os Juizes de Direito de Primeira Instancia no Continente do Reino e Ilhas adjacentes, poderão ser mudados pelo Governo de umas para outras Comarcas, quando o bem do serviço publico assim o exigir, precedendo audiencia por escripto dos Juizes, cuja transferencia se pretender effeituar, e voto affirmativo do Conselho de Estado.
§. unico. A transferencia se effeituará para Logar que esteja vago. Se não estiver Logar algum vago na occasião em que se decretar a transferencia, o Governo designará o primeiro que vagar, ficando entretanto o Juiz sem exercicio com ordenado por inteiro.
Art. 2.º Aos Juizes de Direito de Primeira e Segunda Instancia, quando pretenderem ser reciprocamente transferidos, ou quando algum requeira passar para Logar vago na classe a que pertence, poderá o Governo deferir, não havendo prejuizo do serviço publico.
Art. 3.º Os Juizes de Direito de Primeira Instancia serão transferidos de umas para outras Comarcas, logo que tenham completado quatro annos de serviço, contados da posse dos Logares que occuparem, e ainda dos anteriores, no caso de haverem sido transferidos a requerimento seu, destes Logares para aquelles em que se acharem, no momento da transferencia.
§. 1.° Os Juizes que no fim dos quatro annos não tiverem Logares para onde sejam devidamente transferidos, deverão neste caso permanecer no exercicio de suas funcções até que haja vacatura.
§. 2.° Nenhum Juiz de Direito de Primeira Instancia poderá ser transferido, ou despachado de novo, para Logar da sua naturalidade, ou domicilio, á excepção de Lisboa e Porto.
§. 3.° Verificada a transferencia, o Governo determinará que os Juizes de Direito de Primeira Instancia dêem residencia, na conformidade do Decreto de 25 de Setembro de 1844.
Art. 4.º Os Juizes transferidos deixarão de exercer jurisdicção nos Logares em que serviam, desde o momento da intimação do respectivo Decreto de transferencia; e deverão entrar no exercicio daquelles para que foram transferidos dentro do prazo de 30 dias no Reino, e de 40 nas Ilhas adjacentes, contados da intimação; podendo o Governo prorogar esse prazo, quando para isso houver causa justificada.
§. 1.º Quando o Governo, na fórma do §. unico do artigo 1.° tiver de designar para a transferencia decretada o Logar que primeiro vagar, os prazos, de que tracta este artigo, correrão desde a intimação que se fizer ao Juiz, da designação do Logar.
§. 2.° Estas intimações serão commettidas ao Presidente da respectiva Relação; e na Comarca em que o Juiz transferido servia se fará publica por Editaes a intimação do Decreto da transferencia.
Art. 5.º Serão nullos os actos, que os Juizes transferidos praticarem depois da intimação official do Decreto da transferencia.
§. 1.º Os Juizes que deixarem de tomar posse dos novos Logares, nos prazos estabelecidos pelo artigo 4.°, ficam desde logo considerados no quadro da Magistratura Judicial, sem exercicio e sem vencimento; e os ditos Logares serão reputados vagos, para que o Governo os possa prover.
§. 2.° Os Juizes que, ficando no quadro da Magistratura sem exercicio, não acceitarem outro Logar da sua classe, para que forem despachados, incorrerão na pena de exclusão do referido quadro, a qual será applicada pelo Tribunal competente.
§. 3.° Na mesma pena, que do mesmo modo será applicada pelo Tribunal competente, incorrerão os Juizes que, não estando em effectivo serviço na Magistratura Judicial, forem despachados para Logares vagos da sua classe, no Continente do Reino, ou nas Ilhas adjacentes, e não tomarem posse nos prazos estabelecidos, ou prorogados, conforme o artigo 4.º da presente Lei.
Art. 6.° Pelo Diploma da transferencia, que consistirá sómente em uma apostilla nas respectivas Cartas, não se perceberão direitos de mercê e de sêllo, nem emolumentos alguns.
Art. 7.° Os Substitutos dos Juizes de Direito de Primeira Instancia poderão ser exonerados pelo Governo quando assim o exigir o bem do serviço publico.
Art. 8.º Os Juizes de Direito de Primeira Instancia das Provincias Ultramarinas poderão ser transferidos de uns para outros Logares da Magistratura Judicial nas mesmas Provincias, salvos os direitos que houverem adquirido, em virtude de disposição especial da Lei.
§. 1.º Para estas transferencias, e para se fixar o prazo dentro do qual hajam de verificar-se, deverá preceder voto deliberativo do Conselho do Estado.
§. 2.º Não se determinarão transferencias das Comarcas da Asia para as Comarcas da Africa.
§. 3.º Os Juizes da Relação de Gôa, findo o prazo pelo qual devem servir na India, podem ser transferidos, a seu requerimento, para qualquer outra Relação, havendo nella vacatura.
Art. 9.º Fica revogada toda a Legislação em contrario.
Sala da Commissão de Legislação, em 9 de Maio de 1848.
Julgada conforme com o que se vencêra na discussão (1), mandou-se expedir para a outra Camara.
O Sr. V. DE SÁ DA BANDEIRA — Vou mandar para a Mesa um Requerimento, pedindo certos esclarecimentos.
REQUERIMENTO.
Requeiro que se peça ao Governo uma relação de todas as concessões de Prasos da Corôa situados em Rios de Sena, que tem sido feitas pelo mesmo Governo, ou pelos seus Delegados, desde o 1.º de Janeiro de 1839; na qual, por ordem chronologica, se declare — o nome de cada Praso — o seu rendimento orçado — o nome da pessoa a quem se concedeu — o logar onde essa pessoa tem o seu domicilio — por quantas vidas foi feita a concessão — e com que condições foi a mesma feita.
N. B. No caso de o Governo não possuir todos os esclarecimentos pedidos, peço satisfaça quanto lhe seja possivel. Camara dos Pares — Maio 11 de 48. = Sá da Bandeira.
E proseguiu. — Peço estes esclarecimentos, a fim de vêr se se ha de dar para o futuro um melhoramento no estado daquellas Possessões.
Visto achar-se presente o Sr. Ministro da Justiça, aproveitarei a occasião para lhe pedir, queira communicar ao Sr. Ministro da Marinha e Ultramar, que eu desejo saber quando é, que S. Ex.ª está habilitado para responder á interpellação, que eu annunciei desejar fazer-lhe sobre o trafico da escravatura. (O Sr. Presidente — O Sr. Ministro já no outro dia aqui declarou, que estava prompto para responder ao D. Par, mas V. Ex.ª não estava então na Camara.) Pois bem, quando S. Ex.ª quizer.
Agora enviarei para a Mesa um Requerimento do Bacharel José Maria Gonçalves, Juiz de Direito em uma das Provincias Ultramarinas, porque, posto ser recebido depois da discussão, e approvação do Projecto, cuja ultima redacção se acabou de lêr, comtudo elle refere-se a outros objectos.
Queixa-se da maneira pela qual se fez a sua transferencia da Cidade de Loanda para as Ilhas de S. Thomé e Principe. Por esta occasião lembrarei que teria sido muito conveniente, que no Projecto de Lei que se approvou, a Camara tivesse fixado a sorte dos Juizes de 1.ª Instancia do Ultramar, assim como já se fixou a dos de 2.ª Instancia, os quaes, servindo 9 annos em Gôa tem direito a entrar numa das Relações do Continente, e tanto mais era para desejar, que isto se houvesse feito, que na Commissão de Legislação está um D. Par, que serviu muito tempo no Ultramar, por isso está muito ao facto das circumstancias em que alli se achou. Seguramente não é justo, que um Juiz honrado, servindo longo tempo naquellas Possessões á custa de sacrificios, e com prejuiso de sua saude, venha depois para Portugal, e se veja n'uma posição inferior, quanto ao seu accesso, á dos Juizes que nunca deixaram o Continente. Este Requerimento vai acompanhado de uma Memoria, que o mesmo Juiz me enviou, e eu entrego, porque póde ser de alguma utilidade para exclarecer a Commissão.
Agora, aproveitando-me da palavra, chamarei a attenção do Sr. Ministro da Justiça sobre um objecto importante. Vejo no periodico — O Patriota, do dia 9 de Maio, uma carta assignada por José Carlos de Lara Ewrad, o qual se queixa de uma serie de actos commettidos contra elle, que, a serem exactos, são das maiores prepotencias, que uma Authoridade póde exercer, não só pelo que diz respeito á sua prisão, como a ter sido nella conservado, sem que ao menos se lhe communicasse a sua culpa!..
Espero que o Sr. Ministro indagará a veracidade do que se expõe na dita carta, e que, no caso de serem certos os factos mencionados, tomará providencias energicas na conformidade das Leis.
Mando para a Mesa o n.º do periodico, a fim de se examinar.
O Sr. C. DE THOMAR — Peço a palavra sobre a ordem. Eu desejára que senão estabelecesse a pratica, de se mandar para a Mesa numeros de periodicos, em substituição de Requerimentos; e peço que se note bem o inconveniente, que similhante pratica póde ter. Se o D. Par julga, que deve chamar a attenção do Governo sobre o facto a que allude o Periodico que enviou para a Mesa, faça um requerimento com esse objecto, esse requerimento será sem duvida approvado pela Camara; mas o artigo do Periodico não póde ser sujeito á deliberação della. (Apoiados)
O Sr. V. DE SÁ DA BANDEIRA — Eu não me referi a um artigo de jornal, mas sim a uma carta, que vinha transcripta n'um jornal, de um Estudante da Universidade de Coimbra, o qual se queixa das arbitrariedades commettidas contra elle. Nós temos o direito de pugnar, para que se faça justiça a qualquer cidadão, que se julga offendido; a ser verdade o que nessa carta se diz, eu espero que o Governo haja de dar as pro-
(1) Pag. 579, col. 2.ª, pag. 607, col. 3.ª, pag. 614, col. 3.ª, pag. 619, col. 3.ª, pag. 630, col. 3.ª, e pag. 637, col. 3.ª
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videncias, que á justiça exige, embora a carta venha n'um periodico.
A imprensa é um canal por onde se vai ao conhecimento de muitas cousas, e eu como Membro desta Camara estou no direito de tomar essa carta como dirigida a mim, e de pedir ao Sr. Ministro, que examine se os factos são verdadeiros.
O Sr. C. de Thomar— Eu não quero impedir, que se endaguem os factos; mas quizera que se endagassem em virtude de um requerimento do D. Par, e nunca pelo numero de um jornal: tal methodo não é reconhecido no Regimento.
O Sr. Ministro da Justiça — Pedi a palavra para notar ao D. Par, que o, mais regular nestes casos de queixas especiaes, é dirigir-se o cidadão offendido directamente ao Governo, ou então por qualquer Membro das duas Camaras: no entanto, eu já tomei nota do cato, porque bastava um Membro desta Camara fallar em ta), e pedir providencias, para que o Governo tomasse este negocio na maior attenção.
O Sr. V. de Sá da Bandeira — O caso está em que V. Ex.ª dê as providencias.
O primeiro requerimento ficou para segunda leitura, e o segundo foi dirigido á Commissão de Petições.
O Sr. Silva Carvalho — Pedi a palavra para fazer um Requerimento, que 6 urgente, e importante, e desejo que seja impresso no Diario do Governo tal qual o faço.
Requerimento.
Pelo artigo 26.° do Decreto de 19 de Novembro de 1846, foi creado no Banco de Portugal um Fundo especial de amortisação de Dividas do Estado, comprehendendo-se nos encargos, e obrigações, a cujo pagamento se mandou exclusivamente applicar, o da Divida proveniente de vencimentos dos Servidores, e Pensionistas do Estado, relativa ao tempo decorrido desde a penultima interrupção de pagamentos, até 30 de Junho daquelle anno. O artigo 32.*, e 34.* do mesmo Decreto determinou, que por esta divida de Servidores, e Pensionistas do Estado, se dariam Acções sobre o Fundo especial de amortisação sem juro, pagaveis a razão de 15 por cento ao anno, e que uma Commissão Especial seria encarregada de emittir as Acções, e fazer o pagamento das prestações annuaes, para cujo fim o Banco de Portugal separaria dos preditos fundos de amortisação, e entregaria á Commissão, as sommas necessarias.
Estão-se completando seis mezes, depois que se venceu a primeira prestação, sem que a Commissão Especial do fundo de amortisação lenha cumprido o preceito da Lei, a respeito destes credores, e tanto mais notavel se torna esta falta, quanto é igualmente sabido, que as sommas arrecadadas pelo Banco pertencentes aquelle fundo, que lhe foi confiado, excedem a quantia necessaria para o pagamento da primeira prestação vencida.
Ora o artigo 30.º do já citado Decreto de 19 de Novembro de 1846 determina. «Que o Governo á vista dos Documentos ministrados pelos Empregados competentes, tomará conhecimento das sommas entregues ao Banco de Portugal pertencentes ao fundo de amortisação, e sua applicação. »
Pretendo pois que o Sr. Ministro da Fazenda declare a esta Camara:
1.º Porque motivo tem a Commissão Especial, a que me refiro, deixado de satisfazer até ao presente os 15 por cento já vencidos, a que os respectivos credores tem direito, conservando entretanto o Banco em seu poder uma consideravel somma, que lhe não pertence.
2.º Se o Governo tem todo o conhecimento das quantias entreguei ao Banco, desde a época da creação do fundo especial de amortisação, bem como da applicação que algumas dellas tenham tido.
3.º Se nas sommas em dinheiro mencionadas na Estatística do Banco, publicada mensalmente no Diario do Governo, se comprehende a existencia em cofre pertencente ao fundo de amortisação, ou qual o motivo porque senão publica igualmente essa existencia, até em harmonia com o que pratica a Junta do Credito Publico.
4.º Finalmente, que providencias tem dado o Governo, para que a Lei em vigor se cumpra sobre o objecto, a que me refiro, visto que nenhumas se tem publicado, que façam conhecer aos respectivos credores os motivos, porque se lhes não administra a justiça, a que teem direito. — José da Silva Carvalho.
E proseguiu — Este Requerimento é tendente a fazer conhecer ao publico, como as Leis mandam fazer a divisão dos dinheiros, que se devem a pessoas que estão em graves circumstancias: fallo da miserabilissima classe dos Servidores do Estado, a quem se deve uma prestação da sua divida, que ha perto de seis mezes lhe devia ser paga. Agora que estou em pé, peço licença á Camara para lêr um Projecto de Lei sobre é meio de amortisar parte da divida publica, no que o Governo interessa, tanto mais amortisar, tanto menos ha de pagar, o Projecto tende a vender fóros por Inscripções principalmente.
Desejo tambem que este Projecto, e seu Relatorio, sejam impressos no Diario do Governo, porque eu desejo ouvir todas as observações, que se possam fazer sobre elle. O meu fim é ajudar o Governo e dar-lhe meios, com que possa de algum modo entrar na organisação das nossas desgraçadas finanças; e assim como eu fui muito franco em apresentar as minhas idéas, que confiei a alguns amigos meus, entendidos na materia, e depois de ouvi-los confeccionei este Projecto de Lei; assim desejo que se use comigo a mesma lealdade, porque se algumas alterações, emendas, ou additamentos eu entender, que são necessarios, nenhuma duvida terei em os admittir, e modificar as minhas idéas.
O Projecto foi dirigia» á Commissão de Fazenda.
O Sr. Pereira pb Magalhães — Sr. Presidente, eu tambem pedi a palavra, porque o D, Par requereu, que o seu requerimento fosse publicado no Diario do Governo; e como nelle se contém algumas inexactidões, do que alguem poderia deduzir censuras á Commissão especial dos fundos de amortisação, e ao Banco de Portugal, desejo fazer algumas reflexões, que acompanhem a requerida publicação, a fim de que se suspenda qualquer opinião, que em consequencia desse requerimento se possa formar ácerca de tal objecto.
O D. Par está perfeitamente equivocado, quando affirma, que no fundo especial da amortisação, existem capitães sufficientes para fazer face aos pagamentos a cargo do referido fundo; e nota que se tenham passado quasi seis mezes sem os effectuar, o que não é exacto, nem ainda se póde conhecer a quanto importará a somma, que se fia de distribuir no primeiro pagamento pelos differentes, e não poucos, credores; porque, as acções sobre o fundo da amortisação, ainda senão acham todas emittidas, posto que grande parte já o esteja, e não provém esta falta da Commissão, cujo encargo é a emissão, a qual trabalha incessantemente, para que isso se consiga, mas sim das differentes Repartições publicas onde os creditos se liquidam; e em quanto as acções todas não fossem emittidas, a Commissão não podia, nem devia distribuir os fundos pelos credores, que já as tem, com prejuizo dos que as não tem sem culpa sua; sendo certo, que os fundos existentes não chegam para satisfazer ao pagamento mesmo dos credores, que tem já as respectivas acções; e a Commissão não tem authoridade propria para fazer rateios, porque lha não dá o Decreto de 19 de Novembro de 1846, relativamente ao outro reparo, que o D. Par faz, de se não publicarem as sommas existentes no fundo de amortisação, observarei, que esses capitães entram no Banco como em deposito, e todos os depositos são comprehendidos na conta mensal das existencias metalicas publicadas no Diario do Governo.
Mas o D. Par repara tambem, que o Governo não» tenha tido conhecimento das quantias, que entram para os fundos de amortisação, quando o Governo tem todos os mezes uma conta dos fundos entrados na caixa, alem de outras contas, que por varias vezes tem pedido extraordinariamente, e lhe são dadas. Comtudo, a Commissão e o Banco, tem por tal modo este assumpto tanto em vista, que tractam neste momento com o Governo, para que se faça um rateio dos fundos existentes, uma vez que não chegam ao completo pagamento, do que está vencido pelas acções emittidas, sem todavia prejudicar os credores, cujos creditos se acham em processo.
Eis-aqui as reflexões que eu tinha a fazer, e desejava acompanhassem esse requerimento, para que o publico conheça, que tanto a Commissão encarregada dos fundos da amortisação, como o Banco, tem tido os maiores desejos, de que os pagamentos se façam em toda a sua exactidão, e conforma o que a lei determina, sendo certo que o Banco é o mais interessado, porque é o maior dos credores, tanto por acções que vencem juro, como por as que o não vencem; e é tambem certo, que ss circumstancias porque este paiz passou o anno pastado, fizeram com que pequenas quantias entrassem no fundo de amortisação, e só depois que essas circumstancias cessaram, é que foram mais avultadas, sem que comtudo ainda hoje sejam sufficientes para satisfazer por inteiro os encargos vencidos, podendo apenas fazer-se um rateio equitativo, que é do que actualmente se tracta.
Sendo esta a verdade dos factos, é certo que a doutrina expendida pelo D. Par no preambulo do seu requerimento, não é toda exacta, e mostra que o D. Par, cujas boas intenções me comprazo de reconhecer, não foi bem informado relativamente aos pontos, que acabo de rectificar.
Não impugno pois, que o requerimento seja approvado, e publicado, sendo acompanhado com estas observações.
O Sr. Silva Carvalho — Eu não fiz, nem faço censura nenhuma á Commissão do fundo de amortisação, nem a minha intenção era essa (Apoiados); eu respeito muito os seus Membros, e não era capaz disso; porque ainda que não sei se tem dirigido bem este negocio, com tudo supponho que sim. O que eu procuro é informações a respeito do negocio, de que tracta o meu requerimento, e com tanta lealdade o faço, que depois de pedir a V. Em.ª, que o mandasse publicar no Diario, agora peço que o não faça integralmente sem virem as informações do Governo. (O Sr. Ministro da Justiça — Apoiado.) Agora diz o D. Par (que de certo está mais bem informado do que eu, porque pertence aquella Commissão) que ha duas idéas muito distinctas — ha acções que vencem juro, e outras não; as que vencem juro hão de ter uma fórma de pagamento differente daquellas, que o não vencem, e por isso se determinou, que 15 por cento se pagariam annualmente. O que eu quero saber é, se no Banco, visto que é depositario, ha sufficiente quantia para pagar o fundo da amortisação das acções, que não vencem juro: aqui é que bale o ponto, e é dessa quantia que eu queria saber para fazer essa distribuição equitativa, que o D, Par quer, mas que a Lei manda fazer differentemente do que elle pensa. Os que não vencem juro, devem ser primeiro pagos da sua prestação, como a Lei manda; e os que vencem juro devem ser pagos segundo o dinheiro que houver para pagar; e é este o sentido, e espirito da Lei, que se procura sofismar com grave prejuizo daquelles a quem respeita.
Eu não queria fallar no Banco, não passo daqui... e não desejo ser levado fóra deste campo, porque então hei de fallar a verdade, que por ora calo.
O Sr. P. de Magalhães — Pois falle.
O Sr. Ministro da Justiça — Eu pedia a V. Em.ª e á Camara, que não se publicasse o requerimento do D. Par no Diario, sem vir a resposta do Governo. O author do requerimento já reconheceu isto; o Governo não póde ser indifferente a este objecto; e S. Ex.ª já concordou nisto mesmo.
O Sr. B. de Chancelleiros—Sr. Presidente, pedi a palavra para fazer uma breve observação. Se o D. Par o Sr. José da Silva Carvalho tem sómente por objecto, no seu requerimento, promover a effectividade do pagamento, de que se tracta, posso, por informação confidencial, assegurar a S. Ex.ª, de que a Commissão tem a final tomado definitiva resolução sobre o modo de o levar a effeito, quanto antes, a qual vai em breve ser affecta ao Governo.
O Sr. V. de F. Arcada — Peço a palavra sobre a ordem.
O Sr. Presidente — Tem o D. Par a palavra sobre a ordem.
O Sr. V. de Fonte Arcada — Sr. Presidente, offereço á Camara uma consideração, que julgo importante.
Apresentou-se um requerimento, e o mesmo seu auctor deseja, que elle não seja publicado no Diario, sem que venha a resposta do Governo; mas póde dar-se a circumstancia, de que seja necessario publicar antes dessa resposta, a Sessão desta Camara, e então necessariamente esse requerimento deve ser publicado (apoiados.) Eu não quero que de modo nenhum se entenda, que quanto se passa aqui não se publique nas nossas Sessões, e seja dependente de qualquer outra consideração (apoiados.) Se a Camara decidisse que não se imprimisse este requerimento sem a resposta do Governo, era possivel, ou que ficasse demorada a Sessão desta Camara, ou não fosse publicada: feita esta explicação, concluo, que se deve ficar entendendo, que no caso de não se imprimir o requerimento no Diario, não se deve deixar de o publicar na Sessão, (apoiados repetidos).
O Sr. Sousa Azevedo — Sr. Presidente, eu tenho só a dizer, que approvo o requerimento do Sr. José da Silva Carvalho, para se remetter ao Sr. Ministro da Fazenda, e elle responder pessoalmente, ou por escripto, como entender mais conveniente."
Sr. Presidente, esta materia é grave e muito importante, e não se presuma que ella se discutirá em pouco espaço de tempo. Esta questão é gravissima, eu sei que o Governo está tractando actualmente de resolver este negocio, e tambem sei que tem recebido algumas consultas, ou pareceres, que. lhe teem suscitado embaraços; e quem mais deve agradecer este requerimento é o Governo; porque trazendo este negocio ao Parlamento, talvez possa resolve-lo sem maior difficuldade e inconvenientes. Ha questões graves e importantes sobre o fundo de amortisação: se se tivesse dividido era tempo competente o que havia em cofre, fosse muito ou pouco, os credores do Estado, se não recebessem quanto deviam receber, ao menos recebiam alguma cousa para acudir ás suas necessidades, e estado de penuria em que se teem achado. (Apoiado.) Ha tambem quem entenda, que a quantia no fundo de amortisação deve ser distribuida exclusivamente pelos possuidores, que não vencem juro, em attenção á sua origem, e circumstancias dos credores, e porque é uma amortisação do capital. Ha outros que entendem dever-se ratear o que ha, em devida proporção, pelos portadores das Acções com juro, e sem juro. Tudo isto são questões muito importantes; o. ainda resta outra igualmente ponderosa, que é resolver a fórma de pagamento, pois que os pagamentos que se fizerem ao Banco pelas Acções, com vencimento de juro, parece que devem ser em conformidade com o disposto no Decreto de 19 de Novembro, um terço em metal, e dous em Notas; porém segundo os Decretos de 9 e 14 de Dezembro de 1847, os pagamentos pelas Acções sem vencimento de juro feito aos particulares, deverão ser nos termos do referido Decreto. Portanto, pareço-me que o Governo ha de dar as explicações convenientes, e é depois disso que deve ter logar a discussão; e agora pedia que o requerimento do D. Par fosse remettido com urgencia ao Governo; e quanto a não ser publicado ámanhã no Diario do Governo, mas quando se publicar a Sessão de hoje, não ha duvida que o deve ser então; porque só senão publica o que se passa em Sessão secreta: tudo o mais deve publicar-se, está nas notas tachygraphicas, e é do publico. (Apoiados.)
O Sr. V. de Fonte Arcada — É para que não haja duvida.
O Sr. Presidente — Os Srs. que são da opinião, de que o requerimento do D. Par seja remettido com urgencia ao Sr. Ministro da Fazenda, tenham a bondade de se levantar. Approvou-se.
O Sr. Presidente — Está approvado. Agora hei de pôr á Votação o outro pedido da D. Par — para que seja impresso no Diario do Governo o projecto, que apresentou. Os Srs. que são desta opinião queiram levantar-se.
Approvada a impressão do projecto (1).
O Sr. Presidente — Está approvado. Tem a palavra o Sr. Conde de Thomar.
O Sr. C. de Thomar — É para mandar para a Mesa uma representação dos habitantes da Freguezia de Santa Izabel, sobre um Projecto vindo da outra Camara, que diz respeito ás transgressões das posturas das Camaras Municipios, e peço que seja remettida á Commissão competente...
O Sr. Presidente — A de Administração Publica.
O Sr. C. de Thomar — Os habitantes da Comarca de Salsete, tambem me remetteram uma representação, acompanhada de muitos documentos, para mostrarem a nullidade das eleições, a que se procedeu naquella Comarca. Esta representação vem dirigida a Sua Magestade; mas eu peço que seja remettida ao Governo, para que lhe de o destino competente. Todos sabem que o debate sobre este objecto pertence á outra Camara: tendo-me sido remettida directamente, é este o meio que tenho de provar aquelles povos, que
(1) Vid. Diar. do Gov. pag. 593, col. 4.ª (dei conta da commissão, de que me encarregaram, e que sube corresponder á confiança que em mim depositaram.
O Sr. Presidente — A primeira vai remettida á Commissão competente.
O Sr. V. de Fonte Arcada — Peço a palavra, se V. Em.ª m'a concede. (O Sr. Presidente — Tem a palavra.) Parece-me que até agora não tem sido costume, vir á Camara uma representação dirigida a Sua Magestade, e tomar-se conhecimento della. Eu em precedentes. Regimento, como em tudo, sou muito fraco; mas parece-me que não é esse o costume: se o é não faço disso questão, e a Mesa é que o deve saber.
O Sr. C. de Thomar — É uma queixa de cidadãos, e ainda hoje se praticou o mesmo daquelle lado. (Apoiados.) Eu peço que seja remettida ao Governo.
O Sr. V. de Forte Arcada — Se esta está em ordem...
O Sr. Duarte Leitão — Parece-me que a Camara mandou, que fosse remettida á Commissão de Administração Publica uma Representação, que o Sr. C. de Thomar apresentou (Vozes — Não), Informaram-me agora, que ia á Commissão de Administração Publica, e para isso é que pedia palavra a V. Em.ª Este objecto pertence á Commissão de Legislação, e lá está o Projecto (Vozes — É á competente). Então informaram-me mal.
O Sr. Secretario V. de Gouvêa — Eu já tinha perguntado, e o Sr. Presidente mandou procurar aonde estava o Projecto.
O Sr. Presidente — Os Sr.s que approvam que essa Representação seja remettida á Commissão competente, aquella que está encarregada de dar o seu Parecer sobre o Projecto de Lei, tenham a bondade de se levantar.
A Representação dos Habitantes da Freguezia de Santa Isabel passou á Commissão de Legislação.
O Sr. Presidente — Agora em quanto á outra, ha um requerimento que fez o D. Par,.para que seja remettida ao Governo, e creio que não ha nisso duvida.
Resolveu-se, que a Representação de Salsete se enviasse ao Governo.
O Sr. Presidente — Vai entrar-se na Ordem do dia, e eu, como é sobre materia ecclesiastica, em que já na Sessão de 1846 tomei parto na discussão, convidava o D. Par o Sr. Manoel de Serpa Machado a tomar a' Presidencia,
O Sr. Patriarcha desceu da cadeira da Presidencia, substituindo-o o Sr. Serpa Machado, como Presidente Eventual.
ordem do dia.
parecer n.º 22 sobre a proposição n.º 6, authorisando o Governo á extincção, suppressão, e organisação das Collegiadas do Reino. A Commissão dos Negocios Ecclesiasticos e do Instrucção Publica examinou o Projecto N.º 6, vindo da Camara dos Sr.s Deputados, sobre ser o Governe authorisado a proceder, com o concurso da Authoridade Ecclesiastica, á extincção, suppressão, e organisação das Collegiadas do Reino. E considerando attentamente as razões que já foram produzidas na Sessão desta Casa, em 30 de Abril de 1846, sobre o mesmo Projecto, e as recentes Representações da Camara Municipal, e do Cabido da Real e Insigne Collegiada de Guimarães; tendo ouvido todos os mais Prelados Diocesanos presentes na Camara; é de parecer que o dito Projecto seja approvado com as alterações seguintes:
O Sr. Patriarcha — Pedia a V. Ex.ª a palavra sobre a ordem.
O Sr. Presidente — Tem V. Em.ª a palavra. O Sr. Cardeal Patriarcha — Este Projecto já foi examinado por esta Camara em 1846, e já então ella conheceu a necessidade de algumas providencias, e que os principios geraes que se consignam nas provisões deste Projecto, eram de uma necessidade, e d'uma justiça, e d'uma utilidade reconhecidas (Apoiados): portanto parece-me, que póde ter logar o dispensar-se a discussão na generalidade, e pedia a V. Ex.ª que em virtude disso consultasse a Camara se approva o Projecto na generalidade; porque, no que póde haver alguma discrepancia de opiniões, é na especialidade.
De que o máo estado das Collegiadas precisa de remedio, não póde haver duvida; porque ellas quasi todas estão sem servir ao Culto Divino, e com os seus bens, uns occupados individamente, e outros de tal sorte abandonados, ou mal administrados, que se estão perdendo sem utilidade da igreja, nem do Estado. (Apoiados.) É portanto indisputavel a necessidade de tomar providencias sobre este objecto. Ora, este é o principio geral do Projecto, cuja necessidade em geral manifesta assim o seu theor, como a votação e consenso desta Camara na Sessão de 1846.
O Sr. Fonseca Magalhães — Pedi a palavra (O Sr. Presidente — Sobre a ordem?) Sim, Senhor. (O Sr. Presidente—Tem a palavra.) Eu não me opporei a que se dispense a discussão na generalidade; mas pedindo venia a S. Em.ª, cujas opiniões por mim são altamente respeitadas, não me parece que contemplar a necessidade de acudir ao estado de ruina em que se acham as Collegiadas seja o mesmo que approvar a generalidade do Projecto. Eu, considerando do mesmo modo queS. Em.ª esse estado, e convindo em que elle carece de remedio, não lh'o applicaria como se faz neste Projecto. O pensamento geral de um Projecto não me parece que só consista em reconhecer a conveniencia de legislar sobre um assumpto; o tambem na propriedade de legislar como se propõe. Ora, eu no caso presente, reconhecendo, como digo, a conveniencia e a necessidade, diria que o meio de prover a tudo não me parece este. E poder-se-ha affirmar que approvo o Projecto na sua generalidade? Parece-me que não. Poder-se-ha remediar por emendas e additamentos o mal que julgo consistir no systema do Projecto? Eu quizera, por exemplo, que se erigisse um certo numero de Collegiadas, com determinado numero de Beneficios, em designa
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das povoações do Reino, e com um rendimento certo e definido para todos; e que feitas estas despezas dos bens chamados das Collegiadas, e as das fabricas das respectivas igrejas, fosse o resto desses bens, sabida a sua importancia, applicado mui distincta e convenientemente para a educação e instrucção ecclesiastica de que tanto se carece. (Apoiados.) Aqui está reconhecido o mal, como no Projecto; mas o modo de o remediar é differente. No Projecto não se designa o numero das Collegiadas, não se limita o numero dos Beneficios, nem se fixa o maximo do seu rendimento; não se mostra qual economia se faz neste serviço, nem qual o valor dos bens que se destinam aos Seminarios, que segundo me parece, virá a ser quasi nada; e eu quizera que fosse o mais possivel. (Apoiados.)
Estas observações que eu offereço tem por fim expor, que para approvar a generalidade de um Projecto e preciso mais do que reconhecer a sua necessidade; é preciso convir que esse que se propõe contem os meios de satisfazer a essa necessidade. Eis aqui como eu penso no presente caso; mas talvez seja eu só, principalmente agora. (Tinham saído os D. Pares do lado esquerdo — Riso.) Já se entende que eu considero inutil quanto tenho exposto; porém não fique por declarar que considero insufficiente, e improprio o meio que no Projecto se offerece de prover ao máo estado das Collegiadas, e de acudir á sustentação dos estabelecimentos de instrucção para o clero.
O Sr. Cardeal Patriarcha— O meio de remediar o mal deve ser o mais justo, o mais efficaz, e o mais prompto; e ainda que eu entendo que se poderiam por outro modo, sem mesmo necessidade de Lei, tirar alguns dos resultados, que se desejam alcançar por este Projecto; comtudo, não prefiro o meio indicado pelo D. Par, o Sr. Fonseca Magalhães, porque elle tarde, ou nunca poderia produzir com igual justiça, e igual vantagem, os resultados que pelo Projecto em discussão se podem alcançar.
O extinguir todas as Collegiadas existentes; decretar o numero, e cathegoria das que haviam de crear-se de novo, e formar-lhes uma dotação competente dos bens das que existiam, e se extinguiam em todo o Reino, era por certo uma operação injusta, e difficilima. Seria injustiça, que causaria grande escandalo aos povos extinguir aquellas Collegiadas, que nos termos do Projecto existem com meios proprios para se conservarem, manterem o esplendor do Culto Divino, e cumprirem as vontades legitimas de seus Instituidores. Deve tambem considerar-se a difficuldade, que haveria em conhecer quaes eram os bens dessas Collegiadas, quando se decretasse a sua extincção; porque os seus Beneficiados, interessados na sua conservação, haviam de por taes embaraços á Administração, que ella por fim mal os poderia conhecer, e liquidar.
Mas por este Projecto digo eu, que ao menos se tiram logo os seguintes resultados. Em primeiro logar, aquellas Collegiadas, que ainda teem meios subsistentes, e estão em circumstancias de se poderem conservar, conservam-se, e por esta fórma se colhem as vantagens da sua permanencia, e regularidade, e da continuação nellas, do exercicio do Culto Divino. (Apoiados.) Em segundo logar vai-se já applicando em beneficio da instrucção do clero, para dotação dos Seminarios, os rendimentos que sobejarem da dotação competente dessas mesmas Collegiadas; e bem assim os rendimentos de todas as mais, que se acham abandonadas, extinctas de facto, ou que se podem, e devem supprimir como inuteis, e incapazes de poderem continuar o exercicio do Culto Divino, com o devido esplendor, e regularidade, ficando com tudo os Beneficiados, durante sua vida, com o rendimento para sua sustentação, que corresponder ao seu Beneficio. Assim aproveita-se o bem que ainda ha, e procura-se sem violencia, nem injustiça, tirar daquillo que não produz bem nenhum, utilidade para a instrucção publica do clero.
Eu bem sei, Sr. Presidente, que se poderia tirar quasi igual resultado, sem necessidade de Lei; porquanto, pelo Concilio de Trento, pelo Alvará de 1805, e pela novissima Lei dos Seminarios, os Prelados teem direito, e até obrigação de applicar para os Seminarios, todos os Beneficios simples que lhes forem necessarios, uma vez que não haja diminuição do Culto Divino, cem prejuizo de terceiro. Ora, a maior parte das Collegiadas estão abandonadas, e não ha nellas exercicio do Culto Divino; acham-se vagos a maior parte dos Beneficios destes, e um grande numero dos beneficios das outras, que ainda mantem o Culto Divino com regularidade; e portanto os Prelados, com o simples accordo do Governo, em virtude da disposição dos Canones, e de nossas leis, podiam applicar para dotação dos Seminarios o rendimento desses Beneficios vagos; por que não resultava, nem diminuição do Culto actual, nem prejuizo de terceiro. Esta mesma medida eu propuz, e pedi ao Governo, que se adoptasse, antes de apparecer em 1846 este Projecto de Lei; mas respondeu-se me, que se apresentaria um Projecto de Lei sobre esta materia, e que nelle se tractaria disto mais amplamente.
Concluo pois dizendo, que me parece dever-se approvar o Projecto na sua generalidade, e se durante a discussão da especialidade, qualquer D, Par apresentar alguma Substituição, que contenha melhores provisões, então meditar-se-ha sobre isso.
O Sr. Sousa Azevedo — O D. Par o Sr. Fonseca Magalhães combateu a generalidade do Projecto, e fez uma proposição, que só sendo escripta, e mandada para a Mesa, é que poderá entrar em discussão, porque é assim que teremos um thema, sobre que recaiam as observações, que quizerem fazer as D. Pares.
Eu pedia pois a S. Ex.ª, que quizesse ter a bondade de reduzir a escripto a sua substituição ao Projecto, e manda-la para a Mesa.
O Sr. Fonseca Magalhães — À minha resistencia, se assim se póde chamar, não é á generalidade do Projecto. S. Em.ª, o nosso digno Presidente, propôz que se dispensasse a discussão na generalidade, e se passasse á da especialidade: a isto é que eu me oppuz; e trouxe por hypothese, que podia na discussão da generalidade approvar-se sim o pensamento do Projecto, isto é, a necessidade que ha de remediar o mal em que se acham actualmente as Collegiadas; mas não se approvar o meio alli proposto: e então accrescentei eu, que a dispensação da generalidade significava mais do que o reconhecimento do mal, significava tambem a approvação do methodo. Ora, eu queria que se não dispensasse a discussão da generalidade, porque nella se podem apresentar outros meios; e a mim já me lembrou algum, e aos D. Pares podem lembrar outros; e por isso ainda insisto na conveniencia que ha de se discutir o Projecto na generalidade.
O Sr. Sousa Azevedo — Pela explicação que acaba de dar o D. Par vejo eu, que S. Ex.ª pretendeu só combater a Proposta, de que fosse dispensada a discussão deste Projecto na generalidade, porque S. Ex.ª entende, que ella é conveniente. Eu tambem concordo nisso, porque julgo contar, que o Projecto seja discutido na generalidade, attenta a importancia do seu objecto.
O Sr. Cardial Patriarcha — Quando eu propuz, que fosse dispensada a discussão da generalidade deste Projecto, foi por julgar, que essa seria a opinião da Camara, visto ter já discutido esta materia em 1846; mas não insisto na minha proposta, antes pelo contrario desisto do requerimento, que tinha feito, a fim de se passar á discussão da generalidade. (Apoiados.)
O Sr. Presidente—Muito bem, como V. Em.ª desiste do seu requerimento, continúa então a discussão sobre a generalidade do Projecto.
O Sr. Fonseca Magalhães—Eu creio que todos os Membros da Camara, que me ouvem, votam pelo Projecto, logo as minhas observações ficam singularissimas; paciencia. Declaro que me fizeram muito peso as observações apresentadas pelo nosso digno Presidente, mas permitta-se-me observar que ha aqui uma falta extraordinaria, falta que quasi sempre acompanha as nossas discussões, e é a de uma estatistica ou resenha dos bens dessas Collegiadas: não ha isto, e então é forçoso confessar que marchamos ás cegas.
O Projecto tem um intuito muito santo, e até muito governativo; o seu fim em primeiro logar, é fazer com que haja o maior explendor no Culto Divino em todo o Reino, aonde possam existir estas Collegiadas: — e em segundo logar quer-se que se de o remanescente dos bens das Collegia das extinctas, depois de providas de sustentação as novas, aos Seminarios ecclesiasticos para ser applicado á instrucção do clero: isto é muito bom; porém está no vago o numero das Collegiadas, que ha de ficar-lhe a mesma incerteza em quanto ao numero dos individuos, á somma dos rendimentos, e a outras partes; nem se sabe, nem se presume qual a importancia dos bens que virão a ser applicados aos Seminarios. Ora, Sr. Presidente, eu sou muito zeloso, como todos, pelo explendor do Culto Divino, e quero que elle se exercite aonde possa ser: mas pergunto, qual será mais util para o serviço religioso, que haja maior numero de Collegiadas, com maior numero de membros dellas, ou que o Clero receba a instrucção que lhe é devida nos seus Seminarios, donde elle deve saír para servir as Paroehias? Eu quizera que pudéssemos ter Collegiadas com decente congrua sustentação aos Clerigos que as servissem; mas pois que é impossivel sustenta-las— digo sustentar grande numero dellas, fiquem poucas porque mais ganha, não só o Culto, mas o Clero, o povo, e sobre tudo a religião, com os estabelecimentos de instrucção religiosa do que com um grande numero de Collegiadas.
Eu quizera que pudéssemos ter a relação dos bens dessas Collegiadas para podermos decidir com verdadeiro conhecimento de causa; mas pois que o não temos, inclinemo-nos antes a diminuir o numero dellas, e a limitar o rendimento dos beneficios ao que for necessario, para acudirmos efficazmente aquella grande necessidade da instituição dos Seminarios; porque quaesquer applicações que a elles se façam, nunca serão demasiadas. Temos de costear os edificios, pagar aos Professores, e até admittir gratuitamente O maior numero que for possivel de estudantes pobres — bem moderados, e inspirados com verdadeira vocação.
Este é o principal fina que a Camara tem, se me não engano, na adopção do Projecto, e ornais religioso intuito delle. Bem vejo que, assim mesmo como elle se apresenta, algum bem se faça; mas confessemos que é mui defeituoso, e que se occupa mais do objecto secundario do que do principal. Não culpo os seus authores, não desconheço o bom pensamento que tiveram; mas elles persuadiram-se que poderiam conservar, e erigir muitas Collegiadas, e dotar muitos Seminarios: devem desenganar-se que não podem. A falta de conhecimentos estatisticos fez mal ao seu bom zêlo; e corremos todos muito risco — de certo corre-o o Clero, de ficar sendo approvado o projecto como está, destituido de estabelecimentos de instrucção. Eis-aqui quaes são as minhas idéas, ou antes as minhas apprehensões, sobre esta materia. Não posso dizer que a estudei como ella requer; porém não creio que muito pudesse adiantar, carecendo dos conhecimentos que devem administrativamente servir-lhe de base.
Vejo que se pretende dar uma consideração excepcional á insigne Collegiada de Guimarães, respeitavel estabelecimento, e por muitas razões digna de conservar-se: convenho, mas desejo tambem que os D. Pares convenham em que, para a sua conservação ser solida, e veneranda, não se carece de uma dotação até certo ponto abusiva; quando as demais Collegiadas do Reino hão de soffrer limitação em seus beneficios, e rendimentos. Conserve-se a instituição tal qual a pudermos sustentar, e não á custa de despeza desproporcionadas aos nossos meios, e até desproporcionadas á vista dos pobres e cerceados ordenados de todos os servidores do Estado. Conservar em Guimarães uma Collegiada com explendor, quando todas as demais hão de ser summamente modestas em meios, não é para desejar, nem se deve permittir. Eu não creio que a ostentação no culto seja a melhor parte delle, posto que o quizera sempre vêr com a apparato proprio; mas o maior rendimento dos beneficios não traz em resultado maior grandeza nas festas religiosas, nem maior numero dellas. Eu tremo de proferir certas proposições: desculpem-me se errar; mas creio que ao Creador são summamente aceitas sinceras e fervorosas preces, e não ostentosas exterioridades, em que o coração não toma parte, magnificas orchestras, coros numerosos, etc.... não os reprovo; mas infunde-me o maior respeito e uncção o cantochão singelo, e a antiga musica vocal, que differe muito da das operas nos theatros. Os sentidos receberão menos encanto, mas o espirito se humilha mais reverente ante os altares. Se nada disto presta, ao menos consideremos as nossas circumstancias: e vejamos que não ha remedio senão dar pouco para que chegue a muitos, isso que ainda se póde dar; e padeça tambem essa instituição antiga para podermos applicar uma parte do seu, e de outras Collegiadas, para os indispensaveis Seminarios. Considero que devemos contentar-nos com poucas Collegiadas, e com poucos beneficios para poderem ser pagos os beneficiados; e apressemo-nos a fazer abrir os Seminarios que se acham fechados, e o Clero de cada vez menos instruido. Talvez nenhum paiz da Europa tivesse um Corpo Ecclesiastico secular, tão esclarecido como nós: hoje é o contrario; e não succede isto, porque elle deixe de suspirar por instrucção. Quando a tiver servirá bem a Igreja e o Estado; e poderão doutrinar os povos, principalmente com o seu exemplo.
O Sr. V. de Fonte Arcada — Sr. Presidente, apesar de não termos esses esclarecimentos, como eu estou bem persuadido, de que o Sr. Ministro da Justiça ha de estar presente neste negocio, desejava que S. Ex.ª informasse a Camara, de quanto importam os bens das Collegiadas, tanto daquellas que actualmente tem é numero dos Beneficiados competentes, como daquellas que não teem esse numero.
O Sr. Ministro da Justiça - Sr. Presidente, não tenho duvida em declarar ao D. Par, que não estou habilitado, nem me é facil responder. S. Ex.ª ha de reconhecer as grandes difficuldades, que ha sobre isso: estes bens estão pela maior parte abandonados, e mal administrados os que ainda o não estão; os Beneficiados, desde certa época, abandonaram os beneficios; hão de ser precisas grandes averiguações para se descobrir onde param alguns bens; outros estão administrados arbitrariamente; e posso tambem dizer que algumas Portarias ha do Governo, pelas quaes se teem feito, entender, que taes administrações ficam provisoriamente até á apparição da nova Lei; porém para se conhecer quaes são esses bens, e onde parara, isso demanda um trabalho muito, grande, e muitas informações estatisticas, e se bem que parte dellas estão na Secretaria respectiva, com tudo faltam ainda muitas, e até é difficil saber, porque meios, e com que promptidão se devem conseguir esses esclarecimentos. Essas averiguações hão de ser feitas pelos Prelados Diocesanos, e pelos Governadores Civis; mas não é possivel apresentar de prompto um quadro estatistico de tudo; e no entanto, segundo me parece, não deve isso obstar á approvação da Lei, a qual deve ser prompta.
O Sr. V. de Fonte Arcada — Eu desejo saber se esta Lei foi proposta pelo Governo.
O Sr. Ministro da Justiça — Não, Senhor, foi por uma Commissão da Camara dos Srs. Deputados,
O Sr. V. de Fonte Arcada — Então o Governo acceita uma cousa sem ter dados nenhuns para dar as precisas informações, e fazer obra por ella?!.
O Sr. Ministro da Justiça — O Governo reconheceu, primeiro que tudo, a necessidade urgente de prover de algum modo a este desarranjo; e entendeu tambem, que o meio mais prompto de obter certos esclarecimentos, está na execução da Lei.
O Sr. Sousa Azevedo — Sr. Presidente, é certo que nem o Governo póde governar bem, nem as Camaras podem bem legislar, sem terem conhecimentos estatisticos do que se tracta: isto é um principio geral, que ninguem contesta, e que ha muito tempo vai progressivamente augmentando, e valendo como axioma; mas tambem é certo, que objectos ha de tal natureza, e em certas circumstancias, que não convem abandona-los, e deixar de estabelecer regras, e prescripções a seu respeito, só porque fallam esses conhecimentos estatisticos.
Em primeiro logar eu sempre pediria ao Sr. Ministro da Justiça, que mandasse examinar bem o estado em que estão estes trabalhos com relação ás Collegiadas, porque se não ha já todos os esclarecimentos, devem com tudo haver muitos, pois estou certo de que os meus successores na Pasta da Justiça muito sollicitos, e cuidadosos no cumprimento das suas obrigações, haviam de continuar a dar as mesmas ordens que eu expedi ás Authoridades competentes para que viessem esses esclarecimentos; mas o não os ter o Governo ainda apresentado no Parlamento, não deve isso servir para addiar o Projecto; porque, com quanto estejam adiantados esses esclarecimentos, não estarão talvez ainda completos (O Sr. Ministro da Justiça — É verdade), e então é como se os não houvesse, porque a querer-se fazer obra pelo que ha, arriscava-se á fazermos um calculo muito fallivel; alem disto é tambem certo, que quando houvesse essa base, aliás muito importante, não podiamos, em relação á generalidade deste Projecto, praticar como propõe o D. Par o Sr. Fonseca
Magalhães, porque a nossa missão como Legisladores, é estabelecer as regras que hão de servir na execução da Lei sobre o modo por que as Collegiadas devem ficar existindo; porém entendo, que não podemos aqui descer ao detalhe de designar quaes as Collegiadas que ficassem extinctas, e quaes as que devessem subsistir em determinados termos, e sítios, porque existindo as Collegiadas confirmadas por Bullas pontificias, e sendo necessario para as extinguir, ou modificar sua existencia, proceder nos termos que os principios de direito exigem, é por isso indispensavel o concurso dos poderes, que este Projecto estabelece no artigo 1.º — É por tanto necessario o concurso das Authoridades temporal, e ecclesiastica, para extinguir, alterar, e dar nova fórma ás Collegiadas que existem canonicamente, isto é, que teem Bullas pontificias de confirmação, e Estatutos dados pelos respectivos Prelados Diocesanos; e disto se deduz claramente que a missão na parte executiva não póde competir ao Corpo Legislativo, mas sim ao Governo que deve cumprir as regras que, como mais proprias e convenientes, forem estabelecidas na Lei.
Repito que conviria muito estabelecer os principios sobre o exacto conhecimento estatistico de todas as Collegiadas; mas porque não lemos esses dados, nem é possivel obte-los promptamente, segundo me parece, deveremos abandonar este negocio, que é urgentissimo? Não, Sr. Presidente, estou firmemente persuadido de que é mister prover sobre este grave assumpto, cujas peculiares circumstancias devem chamar a nossa attenção, e é necessario que se saiba, que a fazenda das Collegiadas anda o mais mal administrada que é possivel; e esta Instituição como está nem é util ao serviço ecclesiastico, nem ao temporal. E se esta Lei não ficar com suas prescripções tão perfeita, como era para desejar, com tudo sempre será melhor do que a irregularidade que ora existe. Por consequencia eu voto pela generalidade deste Projecto.
O Sr. Cardeal Patriarcha — Eu pouco tenho a accrescentar, ao que acaba de dizer o D. Par. Era muito para desejar em todos os objectos, sobre que se legisla, uma estatistica exacta e perfeita, mas se o Governo mandasse a que tem actualmente das Collegiadas, era peor do que não, mandar nenhuma; porque, fundando-nos nella, não podiamos senão fazer cousas desacertadas; por quanto, o Governo exigiu dos Prelados Diocesanos uma informação a mais miuda, e minuciosa que podia desejar-se, a respeito das Collegiadas, dos seus bens, dos titulos delles, e do estado da sua administração; mas a resposta e cumprimento destas ordens assim expedidas, foi pela maior parte, ou negativa, ou insufficiente, ou inexacta, dizendo-se que não existiam nos cartorios taes titulos, e noticias, por onde se podesse satisfazer aos quesitos ordenados, ou dando-se uma informação confusa e incerta dos rendimentos actualmente subsistentes, e tão diminuta, que segundo o parecer de algumas pessoas, que particularmente me informaram, eu me inclinava a crer, que ficavam sonegados muitos bens das Collegiadas. Reformaram-se as ordens, mas o resultado tem sido sempre o mesmo, de maneira que eu entendo, que só o Governo depois de se ter definitivamente designado a sorte, e condição destas Collegiadas, fazendo empregar pela authoridade administrativa todo o cuidado na fiscalisação da existencia dos bens, de titulos, e de quaesquer esclarecimentos ácerca dos bens das Collegiadas, é que poderá formar com alguma exactidão, um cadastro dos bens das Collegiadas: por tanto, entendia eu que era conveniente este projecto para decidir definitivamente a sorte das Collegiadas, incumbindo depois ao mesmo Governo o providenciar na parte executiva desta lei, -relativa ao apuramento, e liquidação dos bens das Collegiadas, que lhes são conservados, ou devem passar para os Seminarios pelas suas Authoridades Administrativas; porque os Prelados hoje, a dizer a verdade, não são sufficientes para desempenhar esta missão e diligencia, que o Governo lhes confiou. Elles não tem meios alguns para o serviço temporal das Dioceses; não tem officiaes para as diligencias, e escripturação que, exige negocio tão amplo e difficil; os seus Vigarios Geraes, ou da Vara, não tem ordenado algum, nem podem esperar beneficios pingues, com que seja premiado seu zêlo, trabalho, e despeza; seus escrivães não tem ordenado, nem emolumentos, que compensem seu trabalho, quasi todo officioso: de sorte, que eu dou muitas graças a Deos pelo zêlo, o boa vontade, com que muitos destes meus Delegados ainda se esmeram em bem cumprir as Ordens do serviço Ecclesiastico, sem proveito temporal, e com grande trabalho, despeza, e compromettimento pessoal (apoiados); mas não se lhes póde exigir uma responsabilidade pelo cumprimento de Ordens, para que elles' dizem, que não teem absolutamente meios nenhuns (apoiados): por consequencia, não ha remedio senão accommodar com o que se póde obter (apoiados), e portanto entendo, que depois de passar esta lei, ao Governo é que cumpre, pelas Authoridades Administrativas, fiscalisar a sua execução, para formar então uma estatistica exacta como se pretende. Ora agora em quanto ao que diz o D. Par o Sr. Fonseca Magalhães, estou perfeitamente d'accordo: hoje a maior necessidade da Igreja Portugueza, é a instrucção do Clero, e a instrucção era Seminarios, que possam ter alumnos gratuitos, porque hoje o Estado Ecclesiastico não offerece vantagens temporaes, e quasi ninguem, que tenha bom patrimonio concorre a habilitar-se com os estudos, e qualidades necessarias para elle. Ha de ser necessario, que os Prelados, examinando pelos Parochos seu» Coadjutores quaes são os moços de suas Freguezias, que ainda que pobres, tem boa educação, e a sufficiente instrucção primaria, dão signaes de vocação Ecclesiastica, tem uma conducta religiosa, moral, e civil exemplar, procurem attrahi-los aos estudos dos Seminarios, e habilita
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los assim gratuitamente para o serviço da Igreja, e das Paroehias mais pobres; porque d'outra Sorte não ha quem concorra.
Nestes annos passados tive eu, assim como os meus antecessores tiveram, em S. Vicente, uma Aula aberta com um Professor dignissimo de Theologia dogmatica, e moral, o qual lá se tem sustentado; mas quantos discipulos teem alli concorrido de toda esta Capital? Dois! E desses mesmos um era da Familia dos Patriarchas. Este anno está fechada a Aula, porque adoeceu, e se inhabilitou o Professor; e ninguem appareceu a requerer ouvir as lições; e por isso não tractei de nomear outro Professor, e de fazer com elle despeza totalmente inutil. Deste estado de cousas resulta, que muitas Paroehias já não teem Parochos, e algumas mesmo mui proximas á capital acham-se sem um unico Clerigo! Não direi eu que esta Lei seja um meio seguro, e prompto de chegarmos ao nosso fim; não direi mesmo que por ella se consiga fundar, e dotar todos os Seminarios com a regularidade, que se estabelecia pela ultima Lei; mas ao menos é melhor haver alguma cousa, do que cousa nenhuma: eis aqui o espirito pelo qual eu voto pela generalidade do Projecto.
O Sr. PRESIDENTE — Como não ha numero na Camara, deferiremos para a Sessão de ámanhã tractarmos deste assumpto, que será o objecto da ordem do dia. — Está fechada a Sessão.
Eram quatro horas da tarde.