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CAMARA DOS DIGNOS PARES.
SESSÃO DE 11 DE MAIO DE 1848.
Presidiu — O Em.mo e R.mo Sr. Cardeal Patriarcha, e depois o Sr. Serpa Machado (Presidente Eventual).
Secretarios, os Sr.s V. de Gouvêa.
M. de Ponte de Lima (Vice-Secretario).
ABERTA a Sessão pelas duas horas da tarde, estando presentes 31 D. Pares, leu-se e approvou-se a Acta da ultima Sessão. — Concorreu o Sr. Ministro da Justiça. Mencionou-se a seguinte
CORRESPONDENCIA.
1.º Um Officio da Camara dos Sr.s Deputados, dirigindo a esta uma Proposição de Lei, estabelecendo uma Loteria Nacional.
2.º Outro dito da mesma Camara, dirigindo a esta uma Proposição de Lei sobre o pagamento de dividas activas do Estado.
Ambas as Proposições passaram á Commissão de Fazenda.
3.° Outro dito do Ministerio do Reino, relativo ao requerimento apresentado em 29 de Março, pelo D. Par Silva Carvalho, pag. 422, col. 4.ª
4.º Outro dito do D. Par Arrochella, participando, que por motivos poderosos passava á Provincia.
5.º Outro dito do D. Par V. de Laborim, prevenindo, que por estar anojado, em consequencia do fallecimento de seu sobrinho, não concorria ás Sessões.
O Sr. SOUSA AZEVEDO — Creio que o parentesco de sobrinho não tem nojo.
O Sr. PRESIDENTE — Mas sendo herdeiro...
O Sr. SOUSA AZEVEDO — O que eu digo não obsta comtudo, a que o D. Par seja comprimentado por um outro D. Par; porque, dizendo S. Ex.ª no seu Officio, que se acha impedido de comparecer nesta Camara, é porque na verdade o está; mas ouvindo eu fallar em nojo, quiz apenas lembrar, que a Lei não dá nojo no parentesco de sobrinho.
O Sr. PRESIDENTE — Se a Camara convém, ir-se-ha fazer um cumprimento condicional, isto é, se S. Ex.ª está nas circumstancias de ser desanojado.
Assim se resolveu.
O Sr. PRESIDENTE — Parece-me que a Camara annuirá, a que se lêa a ultima redacção do Projecto de Lei n.º 11, sobre as transferencias dos Juizes, porque achando-se já revisto pela Commissão de Redacção, tem de passar á outra Camara.
O Sr. LEITÃO — Eu já aqui tinha o Projecto com a ultima redacção, assignado por todos os membros da Commissão de Legislação, e como o queria lêr, havia pedido a palavra a V. Em.ª
O Sr. PRESIDENTE — Nesse caso o Sr. Secretario vai lêr a ultima redacção do Projecto, e V. Ex.ª irá vendo pelo original se está ou não exacta.
Alterações com que ficou constituida a Proposição de Lei feita a esta Camara pela da dos Sr.s Deputados, sobre as transferencias dos Juizes, alterações com as quaes lhes foi reenviada.
Art. 1.º Os Juizes de Direito de Primeira Instancia no Continente do Reino e Ilhas adjacentes, poderão ser mudados pelo Governo de umas para outras Comarcas, quando o bem do serviço publico assim o exigir, precedendo audiencia por escripto dos Juizes, cuja transferencia se pretender effeituar, e voto affirmativo do Conselho de Estado.
§. unico. A transferencia se effeituará para Logar que esteja vago. Se não estiver Logar algum vago na occasião em que se decretar a transferencia, o Governo designará o primeiro que vagar, ficando entretanto o Juiz sem exercicio com ordenado por inteiro.
Art. 2.º Aos Juizes de Direito de Primeira e Segunda Instancia, quando pretenderem ser reciprocamente transferidos, ou quando algum requeira passar para Logar vago na classe a que pertence, poderá o Governo deferir, não havendo prejuizo do serviço publico.
Art. 3.º Os Juizes de Direito de Primeira Instancia serão transferidos de umas para outras Comarcas, logo que tenham completado quatro annos de serviço, contados da posse dos Logares que occuparem, e ainda dos anteriores, no caso de haverem sido transferidos a requerimento seu, destes Logares para aquelles em que se acharem, no momento da transferencia.
§. 1.° Os Juizes que no fim dos quatro annos não tiverem Logares para onde sejam devidamente transferidos, deverão neste caso permanecer no exercicio de suas funcções até que haja vacatura.
§. 2.° Nenhum Juiz de Direito de Primeira Instancia poderá ser transferido, ou despachado de novo, para Logar da sua naturalidade, ou domicilio, á excepção de Lisboa e Porto.
§. 3.° Verificada a transferencia, o Governo determinará que os Juizes de Direito de Primeira Instancia dêem residencia, na conformidade do Decreto de 25 de Setembro de 1844.
Art. 4.º Os Juizes transferidos deixarão de exercer jurisdicção nos Logares em que serviam, desde o momento da intimação do respectivo Decreto de transferencia; e deverão entrar no exercicio daquelles para que foram transferidos dentro do prazo de 30 dias no Reino, e de 40 nas Ilhas adjacentes, contados da intimação; podendo o Governo prorogar esse prazo, quando para isso houver causa justificada.
§. 1.º Quando o Governo, na fórma do §. unico do artigo 1.° tiver de designar para a transferencia decretada o Logar que primeiro vagar, os prazos, de que tracta este artigo, correrão desde a intimação que se fizer ao Juiz, da designação do Logar.
§. 2.° Estas intimações serão commettidas ao Presidente da respectiva Relação; e na Comarca em que o Juiz transferido servia se fará publica por Editaes a intimação do Decreto da transferencia.
Art. 5.º Serão nullos os actos, que os Juizes transferidos praticarem depois da intimação official do Decreto da transferencia.
§. 1.º Os Juizes que deixarem de tomar posse dos novos Logares, nos prazos estabelecidos pelo artigo 4.°, ficam desde logo considerados no quadro da Magistratura Judicial, sem exercicio e sem vencimento; e os ditos Logares serão reputados vagos, para que o Governo os possa prover.
§. 2.° Os Juizes que, ficando no quadro da Magistratura sem exercicio, não acceitarem outro Logar da sua classe, para que forem despachados, incorrerão na pena de exclusão do referido quadro, a qual será applicada pelo Tribunal competente.
§. 3.° Na mesma pena, que do mesmo modo será applicada pelo Tribunal competente, incorrerão os Juizes que, não estando em effectivo serviço na Magistratura Judicial, forem despachados para Logares vagos da sua classe, no Continente do Reino, ou nas Ilhas adjacentes, e não tomarem posse nos prazos estabelecidos, ou prorogados, conforme o artigo 4.º da presente Lei.
Art. 6.° Pelo Diploma da transferencia, que consistirá sómente em uma apostilla nas respectivas Cartas, não se perceberão direitos de mercê e de sêllo, nem emolumentos alguns.
Art. 7.° Os Substitutos dos Juizes de Direito de Primeira Instancia poderão ser exonerados pelo Governo quando assim o exigir o bem do serviço publico.
Art. 8.º Os Juizes de Direito de Primeira Instancia das Provincias Ultramarinas poderão ser transferidos de uns para outros Logares da Magistratura Judicial nas mesmas Provincias, salvos os direitos que houverem adquirido, em virtude de disposição especial da Lei.
§. 1.º Para estas transferencias, e para se fixar o prazo dentro do qual hajam de verificar-se, deverá preceder voto deliberativo do Conselho do Estado.
§. 2.º Não se determinarão transferencias das Comarcas da Asia para as Comarcas da Africa.
§. 3.º Os Juizes da Relação de Gôa, findo o prazo pelo qual devem servir na India, podem ser transferidos, a seu requerimento, para qualquer outra Relação, havendo nella vacatura.
Art. 9.º Fica revogada toda a Legislação em contrario.
Sala da Commissão de Legislação, em 9 de Maio de 1848.
Julgada conforme com o que se vencêra na discussão (1), mandou-se expedir para a outra Camara.
O Sr. V. DE SÁ DA BANDEIRA — Vou mandar para a Mesa um Requerimento, pedindo certos esclarecimentos.
REQUERIMENTO.
Requeiro que se peça ao Governo uma relação de todas as concessões de Prasos da Corôa situados em Rios de Sena, que tem sido feitas pelo mesmo Governo, ou pelos seus Delegados, desde o 1.º de Janeiro de 1839; na qual, por ordem chronologica, se declare — o nome de cada Praso — o seu rendimento orçado — o nome da pessoa a quem se concedeu — o logar onde essa pessoa tem o seu domicilio — por quantas vidas foi feita a concessão — e com que condições foi a mesma feita.
N. B. No caso de o Governo não possuir todos os esclarecimentos pedidos, peço satisfaça quanto lhe seja possivel. Camara dos Pares — Maio 11 de 48. = Sá da Bandeira.
E proseguiu. — Peço estes esclarecimentos, a fim de vêr se se ha de dar para o futuro um melhoramento no estado daquellas Possessões.
Visto achar-se presente o Sr. Ministro da Justiça, aproveitarei a occasião para lhe pedir, queira communicar ao Sr. Ministro da Marinha e Ultramar, que eu desejo saber quando é, que S. Ex.ª está habilitado para responder á interpellação, que eu annunciei desejar fazer-lhe sobre o trafico da escravatura. (O Sr. Presidente — O Sr. Ministro já no outro dia aqui declarou, que estava prompto para responder ao D. Par, mas V. Ex.ª não estava então na Camara.) Pois bem, quando S. Ex.ª quizer.
Agora enviarei para a Mesa um Requerimento do Bacharel José Maria Gonçalves, Juiz de Direito em uma das Provincias Ultramarinas, porque, posto ser recebido depois da discussão, e approvação do Projecto, cuja ultima redacção se acabou de lêr, comtudo elle refere-se a outros objectos.
Queixa-se da maneira pela qual se fez a sua transferencia da Cidade de Loanda para as Ilhas de S. Thomé e Principe. Por esta occasião lembrarei que teria sido muito conveniente, que no Projecto de Lei que se approvou, a Camara tivesse fixado a sorte dos Juizes de 1.ª Instancia do Ultramar, assim como já se fixou a dos de 2.ª Instancia, os quaes, servindo 9 annos em Gôa tem direito a entrar numa das Relações do Continente, e tanto mais era para desejar, que isto se houvesse feito, que na Commissão de Legislação está um D. Par, que serviu muito tempo no Ultramar, por isso está muito ao facto das circumstancias em que alli se achou. Seguramente não é justo, que um Juiz honrado, servindo longo tempo naquellas Possessões á custa de sacrificios, e com prejuiso de sua saude, venha depois para Portugal, e se veja n'uma posição inferior, quanto ao seu accesso, á dos Juizes que nunca deixaram o Continente. Este Requerimento vai acompanhado de uma Memoria, que o mesmo Juiz me enviou, e eu entrego, porque póde ser de alguma utilidade para exclarecer a Commissão.
Agora, aproveitando-me da palavra, chamarei a attenção do Sr. Ministro da Justiça sobre um objecto importante. Vejo no periodico — O Patriota, do dia 9 de Maio, uma carta assignada por José Carlos de Lara Ewrad, o qual se queixa de uma serie de actos commettidos contra elle, que, a serem exactos, são das maiores prepotencias, que uma Authoridade póde exercer, não só pelo que diz respeito á sua prisão, como a ter sido nella conservado, sem que ao menos se lhe communicasse a sua culpa!..
Espero que o Sr. Ministro indagará a veracidade do que se expõe na dita carta, e que, no caso de serem certos os factos mencionados, tomará providencias energicas na conformidade das Leis.
Mando para a Mesa o n.º do periodico, a fim de se examinar.
O Sr. C. DE THOMAR — Peço a palavra sobre a ordem. Eu desejára que senão estabelecesse a pratica, de se mandar para a Mesa numeros de periodicos, em substituição de Requerimentos; e peço que se note bem o inconveniente, que similhante pratica póde ter. Se o D. Par julga, que deve chamar a attenção do Governo sobre o facto a que allude o Periodico que enviou para a Mesa, faça um requerimento com esse objecto, esse requerimento será sem duvida approvado pela Camara; mas o artigo do Periodico não póde ser sujeito á deliberação della. (Apoiados)
O Sr. V. DE SÁ DA BANDEIRA — Eu não me referi a um artigo de jornal, mas sim a uma carta, que vinha transcripta n'um jornal, de um Estudante da Universidade de Coimbra, o qual se queixa das arbitrariedades commettidas contra elle. Nós temos o direito de pugnar, para que se faça justiça a qualquer cidadão, que se julga offendido; a ser verdade o que nessa carta se diz, eu espero que o Governo haja de dar as pro-
(1) Pag. 579, col. 2.ª, pag. 607, col. 3.ª, pag. 614, col. 3.ª, pag. 619, col. 3.ª, pag. 630, col. 3.ª, e pag. 637, col. 3.ª