O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 545

N.º 54

SESSÃO DE 5 DE MAIO DE 1880

Presidencia do exmo. sr. Duque d'Avila e de Bolama

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. - A correspondencia é enviada ao seu destino. - O sr. Barros e Sá manda para a mesa o parecer ácerca do projecto de lei relativo á contabilidade publica. - Ordem do dia: Discussão na generalidade do parecer n.º 70 sobre o projecto de lei n.° 42, que approva a organisação da instrucção secundaria. - Discursos dos dignos pares Andrade Corvo e Thomás de Carvalho. - Explicações e considerações dos srs. ministro do reino e visconde de Chancelleiros.

Ás duas horas e um quarto da tarde, sendo presentes 26 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento por não haver reclamação em contrario:

Mencionou-se a seguinte

Correspondencia

Um officio do ministerio da marinha, remettendo 80 exemplares, do orçamento das provindas ultramarinas para o anno economico de 1880-1881.

Mandaram-se distribuir.

(Assistiu á sessão o sr. ministro do reino.)

OKDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Vamos entrar na ordem do dia, que é a discussão do parecer n.° 70, sobre o projecto n.° 42.

Leu-se na mesa e é o seguinte:

Parecer n.° 70

I

A proposta apresentada pelo governo e approvada pela camara dos senhores deputados ácerca da instrucção secundaria veiu dar satisfação ás reclamações da opinião, publica sobre a deploravel e accelerada decadencia em que successivamente se tem precipitado o ensino medio nos estabelecimentos do paiz.

Preoccupação constante dos homens publicos, esta reforma tem sido o pensamento inalteravel de quantos estão persuadidos não haver verdadeiro progresso nem civilisação n'um povo, onde fallecem ou se encontram esmorecidas as luzes da instrucção geral.

Passadas as grandes e gloriosas luctas da liberdade, aquelles que com as armas a tinham defendido e conquistado comprehenderam immediatamente que em fragil alicerce assentaria o edificio da restauração, se não fôra cimentado com a illustração do povo, convocado a assumir a dignidade e a exercer os direitos da sua incontestavel soberania. Conquistar o povo á superstição e a ignorancia não era menor gloria nem demandava menor esforço que levantal o á liberdade.

N'este empenho patriotico foi erguido em 1836 o grande monumento da instrucção publica, comprehendendo as varias especies em que se reparte, e imprimindo-lhe os seus auctores a feição moderna que a distanciava dos methodos escolasticos, ainda preponderantes na reforma do famoso ministro de El-Rei D. José.

De todas, porventura, foi a instrucção secundaria a que mais beneficiou com o regimen da liberdade; póde sem erro affirmar-se que foi, debaixo de todos os aspectos, uma verdadeira creação. Até o momento em que os revolucionarios pensaram n'ella, consistia apenas no estudo desconnexo de algumas disciplinas, muito superficiaes, servindo como de preparatorio para o ensino superior. Constava de um latim deficiente, de algumas regras de philosophia e de moral do grego e da rhetorica. Nem systema, nem harmonia, nem dependencia. As sciencias resentiam-se d'esta falta absoluta de preliminares essenciaes; as letras definhavam sem cultura, sem expansão, nem ideal.

É admiravel considerar como os reformadores d'esta primeira e já afastada epocha penetraram o vivo conceito do que chamâmos instrucção secundaria, definindo-a no seu objecto e nos seus fins, e resolvendo os graves problemas de que se occupa com uma sciencia e sagacidade previdente que faz o seu maior elogio. Attendendo, diziam elles, a que é de todas as partes da instrucção publica aquella que mais carece de reforma, porquanto o systema actual consta, na maior parte, de alguns ramos de erudição esteril, quasi inutil para a cultura das sciencias, e sem nenhum elemento que possa produzir o aperfeiçoamento das artes e os progressos da civilisação material do paiz; e attendendo outrosim a que não póde haver illustração geral e proveitosa sem que as grandes massas dos cidadãos, que não aspiram aos estudos superiores, possuam os elementos scientificos e technicos, indispensaveis aos usos da vida no estado actual das sociedades, etc., etc.

D'este modo se exprimiam no decreto dictatorial, e definiam claramente os destinos da instrucção que pretendiam reformar. Ha de servir para a illustração geral, para o desenvolvimento integral do espirito; como tambem de preparatorio para os estudos propriamente scientificos, e para os cursos profissionaes. N'este sentido organisaram um programma completo, em que, a par dos conhecimentos puramente litterarios e especulativos, se encontram as noções scientificas mais importantes com applicação ás artes e misteres, que constituem o ensino real e positivo.

A reforma, porém, era demasiadamente precoce para as circumstancias do paiz; não podia firmar se n'um solo agitado pelas convulsões politicas, cuja crise funesta e perigosa se estendeu e prolongou infelizmente por muitos annos. Assim como em toda a parte, onde o facho das discordias civis accendeu uma guerra fratricida, se encontram ainda hoje os vestigios indeleveis d'esses tempos calamitosos, da mesma sorte estamos padecendo as funestas consequencias da desvairada perturbação dos espiritos, que mais se deixaram arrastar pelo delirio das paixões egoistas, que dominar pelos interesses patrioticos da nação apenas regenerada.

D'ahi resultou que a reforma produziu apenas a admiração dos que chegaram a comprehendel-a, não conseguindo nunca realisar-se pela falta absoluta de todos os elementos que podiam imprimir-lhe vida e duração.

Alguns annos depois, em 1844, uma nova dictadura, debaixo de outros intuitos, e sob a influencia de um espirito profundamente centralizador remodelou toda a instrucção publica, e é ainda essa lei, com algumas modificações posteriores, a que governa o estado actual. Póde dizer-se, sem

54

Página 546

546 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

causar estranheza que não foi nem mais liberal, nem mais cientifica, do que a de 1836.

Deixava, porém, n'alguns dos seus artigos faculdades sufficientes para que os governos podessem por meio de regulamentos aperfeiçoar o plano, de instrucção em que fôra concebida, creando de uma maneira definitiva e regular a inspeção superior, sem cujo auxilio será sempre letra morta o ensino official. Alem d'isto, e sob pretexto de maior facilidade de frequencia e liberdade de instrucção, permittiu nos estabelecimentos publicos a classe de voluntarios, classe que, na opinião de todos os pedagogistas, não póde ser mais funesta á disciplina das escolas e ao prestigio dos estudos. Entre outras é uma das causas principaes da decadencia do ensino.

Não logrou tambem esta reforma sasonar fructos valiosos. Como se trouxesse no seio o verme da sua origem irregular e deleteria, definhou logo á nascença e successivamente tem arrastado uma existencia miseravel.

Embora se lhe applicaram alguns remedios que pareciam efficazes: as panaceas não fizeram senão confirmar cada vez mais a convicção de que só por novissima reforma se podiam curar as queixas de tão mal agourado serviço publico.

Aconteceu, porém, que nenhuma reorgainsação pôde ser decretada constitucionalmente, vindo a final a carta de lei de 2 de setembro de 1869 vibrar o ultimo golpe na já cachetica e moribunda instituição, prohibindo expressamente o provimento das cadeiras de instrucção secundaria, assim nos lyceus como fóra d'elles. A providencia devia ser temporaria e puramente transitoria: era por assim dizer, uma intimação permanente, feita aos governos, para se apressarem na proposta de lei, que havia de pôr termo a tão irregular, extraordinaria, como anomala situação.

Doze annos são, todavia, passados, e só agora temos occasião de applaudir os esforços e solicitude do governo superior do estado para saír do cahos informe em que veiu lançar o ensino secundario aquella impensada e deploravel prescripção. O facto não carece de largos commentarios para produzir no espirito todos os effeitos de um ensinamento illustrativo.

É de justiça declarar que um ministro escriptor, a quem a instrucção publica deve mais da um serviço importante, procurou nos limites de uma estreita e apertada legalidade cortar pelos abusos mais impudentemente ousados, robustecer a disciplina relaxadamente desprezada, avigorar o ensino com um programma illustrado e scientifico, mettendo a foice na corrupção habitual dos exames, fortalecendo as boas praticas, e animando com regulamentos novos a frequencia dos lyceus e o desenvolvimento da instrucção.

Não era, todavia, bastante; e por isso cuidou activamente da reforma que o seu feliz successor teve a ventura de apresentar ao corpo legislativo. Nem a sua necessidade nem a sua opportunidade carecem de demonstração. É interesse commum de todos, e não só do momento actual, mas principalmente do futuro. Importa ás gerações que nos hão de succeder, e a quem devemos, por encargo de consciencia, a illustração necessaria para os rudes e acerbos combates da existencia.

Assistimos, os que vivemos, aos maiores acontecimentos que a historia tem de registar nos seus annaes; pois mais portentosos e mais extraordinarios terão de presenciar os que nos sucederem. Convem, por conseguinte, que se encontrem de animo aguerrido para tantas maravilhas. Onerosi summus mundo, exclamava com pasmo inexcedivel um antigo o que diria elle, se porventura vivesse em nossos dias e fosse presente á transformação profunda e radical de todas as cousas, assim no mundo inferior e material, como no mundo espiritual?!

Portanto cuidemos de armar bons cavalleiros para a conquista do futuro. A instrucção é a terra santa dos crentes jaó progresso. A reforma do ensino secundario que a vossa commissão examinou com a solicitude que merecia, será a pedra angular do novo edificio que outras reformas virão posteriormente engrandecer e aperfeiçoar.

II

Muitas são as causas a que se tem attribuido a decadencia da instrucção media em Portugal, e o mediocre aproveitamento dos institutos respectivos; mas nem todas as que descobriu a inquirição do governo merecem igual credito ou manifestam o mesmo valor, revelando todavia a preoccupação dos que mais directamente lidam no ensino, e se interessam pelo seu desenvolvimento e progresso. Algumas demandavam a intervenção da lei, para outras bastariam as faculdades ordinarias do executivo.

Entre as principaes, já a vossa commissão apontou a lei de 2 de setembro de 1869, prohibido a nomeação de novos professores, e commettendo a direcção intecllectual dos alumnos a quem não dera provas de legitima capacidade. Acrescia que, não podendo confiar na estabilidade da sua posição, e sujeitando- se a um estipendio menos que sufficiente, seria demasiado exigir de professores em similhantes condições, grande zêlo e solicitude n'um serviço tão penoso e molesto, quanto era mal retribuido.

A reforma acaba com esta deploravel interinidade, restabelecendo o concurso para o recrutamento do professorado, e estabelecendo novos vencimentos, mais em harmonia com as circumstancias economicas da actualidade, e com a independencia requerida nos que se dedicam a tão grave como austera magistratura.

N'estas condições poderia á lei prohibir aos professores dos lyceus o ensino particular, o maior e mais ruim cancro que infesta a instrucção secundaria. É este o aviso de muitos e dos mais abalisados espiritos consultados sobre a, materia.

Os escandalos dos exames insufficientes são principalmente o processo era que se fundam.

Subiram a grau tão excessivo os abusos o desconcertos, foram tão frequentes e imperiosas as queixas e reclamações, que houve mister o governo de lhes dar satisfação.

D'ahi nasceu a idéa das commissões de exames, remedio que não podia deixar de ser provisorio e temporario, e que, se no principio revelou uma efficacia decisiva, veiu logo a descaír e degenerar da sua primitiva força e energia.

Depois na propria composição d'esses jurys extraordinarios estava muitas vezes o mal que se pretendia combater.

Não basta a imparcialidade, que é uma boa e sã virtude para examinadores; ainda a precede e excede a competencia, que nem sempre era possivel encontrar n'uma corporação adventicia, composta, e não raro, debaixo de influencias estranhas aos interesses da instrucção publica. A nova lei repõe a competencia onde as habilitações a consagraram, e quanto á imparcialidade, confia que o prestigio da instituição, a dignidade da magistratura professoral, e o augmento dos vencimentos serão sufficientes para a garantir e assegurar.

D'este modo eximiu-se a prohibir o ensino particular aos professores officiaes, não porque julgasse que similhante limitação não fosse permittido aos poderes publicos decretal-a, ou entendesse que podia ser estimada um attentado á liberdade, mas porque ajuizou mais acertado revestir desde logo da mais alta consideração os professores da reforma, afastando como improprio todo o pensamento de desconfiança, e deixando-lhes o livre arbitrio de assistirem aos exames dos seus alumnos, ou de serem nomeados para os actos dos lyceus a que não pertencessem. D'esta maneira, sem desconhecer as exigencias da opinião, acautela as suspeitas meticulosas d'aquelles que veriam na prohibição do ensino particular uma, offensa á liberdade.

Página 547

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 547

Qualquer, porém, que seja a organisação do ensino, a perfeição dos methodos, o rigor da disciplina, todas as excellencias da reforma serão inefficazes e improficuas, se os bons mestres fallecerem, ou pelo zêlo e sciencia não acertarem de corresponder aos intuitos supremos da lei. A instrucção geral está definida n'aquellas famosas palavras do grande legislador da oratoria: studio perpetuo, praestan tissimis praeceptoribus, et pluribus disciplinis: estudo successivo, gradual e continuo; professores prestantissimos; variadas e multiplicadas disciplinas. Insistimos nos mestres prestantissimos.

Os melhores, comtudo, os mais solicitos, os mais honrados, e tementes aos seus deveres, estão sujeitos a desfalecimentos, a crises, a contingencias de temperamento, de circumstancias, de occasião, em que lhes resfria o ardor pelo estudo, e a paixão pelo ensino.

O affecto é contagioso, e o mal lavra em breve tempo pela corporação. Depois os methodos estão sujeitos a correcções, os regulamentos precisam de harmonia na sua applicação; os estudos de modificações na sua ordem, precedencia e concordancia. Quando a lei estabelece a gradação do ensino, e a categoria dos institutos dependentes, desde a modesta escola municipal, passando pelos lyceus nacionaes até os academicos; repartindo finalmente as habilitações nos dois ultimos annos do exercicio escolar, estes para as letras, os outros para as sciencias, uma das bellezas incontestaveis da reforma, era de soberana e absoluta conveniencia, que uma ordenação superior e intelligente harmonizasse todos estes variados e diversos elementos, os mantivesse na sua respectiva posição, e não consentisse que inclinassem do primitivo equilibrio.

Para estes fins e com estes intuitos foi creada a inspecção. Como a palavra está exprimindo, é o proprio governo a ver o que só passa nos estabelecimentos de instrucção; a fiscalisar, a ordenar, a corrigir; a reprehender, a ensinar, e a premiar. A inspecção é tudo; sem ella é escusado pensar nos fructos da reforma. Bem organisada será a forte alavanca para o levantamento do ensino, a luz que deve allumiar as suas inevitaveis deficiencias, o élo onde devem prender todos os seus aperfeiçoamentos e progressos.

Não parece á vossa commissão que seja necessario entrar em mais largos pormenores, para vos expôr a necessidade da reforma e o pensamento d'ella. A vossa illustrada penetração e sagacidade saberá supprir o que esta succinta analyse tiver porventura esquecido como de menor, importancia, e de menos relevante apreço.

III

A economia da lei consiste essencialmente na progressão annual e graduada das doutrinas, accommodando-as á intelligencia dos alumnos, e á futura divisão dos conhecimentos nos estudos complementares de humanidades e sciencias. Aspira a robustecer a disciplina, a imprimir do novo no professorado o antigo e necessario prestigio, tão abalado pelos provimentos temporarios, e pela decadencia successiva do ensino official. Propõem-se a garantir de uma maneira mais efficaz a carreira do magisterio, levantando as suas habilitações, e subsidiando dignamente a sua independencia. Procura finalmente crear capacidades para à administração e serviços do estado; aptidões para os misteres e exercicios profissionaes; talentos para os estudos superiores e transcendentes, cujo explendor denuncia e revela a verdadeira civilisação de um povo.

Na camara dos senhores deputados a proposta do governo soffreu algumas modificações. Se exceptuarmos a que supprimm a classe dos aggregados, nenhuma das outras importa á sua economia, ou prejudica as suas disposições essenciaes. Todas podem ser approvadas, assim como deve ser approvado o projecto de lei, destinado no parecer da vossa commissão a abrir uma nova era para a instrucção secundaria, assentando-a em novas bases, e abrindo-lhe nonos horisontes de luz e prosperidade.

As alterações que a vossa commissão de instrucção publica entendeu introduzir no projecto são pela maior parte de simples interpretação, e tendem principalmente a esclarecer os artigos sobre que recaem.

Duas, todavia, se lhe affiguram de maior importancia, e ácerca das quaes dirá quanto seja preciso para as justificar. A camara dos senhores deputados supprimiu a classe dos aggregados que na proposta do governo era creada junto dos lyceus. A novidade da palavra parece haver causado estranheza, e a verba avultada a que subia á sua creação incutiu um certo terror no espirito dos membros d'aquella casa parlamentar, levados pelo fervor patriotico a votar uma aggravação do imposto, que impunha forçosamente o dever de procurar e sanccionar todas as possiveis e rascaveis economias.

Foi quasi exclusivamente em nome d'ellas, que approvou a suppressão da classe dos aggregados.

A vossa commissão de instrucção publica, sem desconhecer os louvaveis intuitos da camara dos senhores deputados, obedece a outras considerações de mais subido interesse, restabelecendo os substitutos unicamente nos tres lyceus centraes.

Se, porventura, a existencia d'esses funccionarios nos institutos de ensino médio fosse requerida simplesmente para exercerem as funcções a que pelos regulamentos actuaes são obrigados, do melhor grado a vossa commissão se associaria á idéa da eliminação economica a que alludimos. Outras, porém, mais essenciaes e realmente superiores lhes devem ser reservadas, sem as quaes toda a boa economia d'este projecto será apenas uma belleza de harmonia para admirar, antes que uma lei para estabelecer de um modo incontestavel a illustração geral.

O substituto é toda a instrucção secundaria, e não sómente a instrucção, senão a educação. Não consistirá o seu exercicio na simples substituição cathedratica, tarefa de menor importancia, mas no difficil e altamente proveitoso trabalho de acompanhar os aluirmos nas salas de estudo, repetindo as lições, tirando duvidas, esclarecendo obscuridades, facilitando os exercicios de memoria, dirigindo a intelligencia, corrigindo as versões, explicando os themas, demonstrando nos livros, nos mappas, nos apparelhos, nas excursões geographicas, de geologia, de botanica, de zoologia.

Durante essas horas de estudo representam o preceptor e ao mesmo tempo a familia. Ao mesmo passo ensinam e educam.

Se os paes muitas vezes preferem os collegios aos lyceus é porque encontram ahi, não melhor nem mais adequada instrucção, mas o que falta nos estabelecimentos publicos, a disciplina moral que a vossa commissão lhes propõe dar com a creação d'aquelles professores.

Consideradas n'esta grande altura e transcendencia as funcções dos substitutos, seria impossivel prescindir da sua existencia, pelo menos nos lyceus centraes, onde todos os alumnos terão de vir completar e aperfeiçoar a sua instrucção secundaria.

Julgou entretanto a vossa commissão que devia associar-se ao pensamento economico que sobretudo influiu para a suppressão dos aggregados.

Elimina no artigo 63.° as despezas de jornadas concedidas aos professores, pelo serviço de exame fóra dos lyceus a que pertencerem.

Esta suppressão justifica-se. Desde que o governo deixe ao livre arbitrio dos professores a abstenção do ensino particular, eu a obrigação do serviço de exames nos lyceus estranhos á circumscripção academica a que pertencerem, cuida a commissão que poz termo á benevolencia que se lhe podia exigir.

D'este modo realisa um grande melhoramento na instrucção publica, cujo maximo alcance é attestado por todos os pedagogistas; realisa uma notavel economia, e fere

Página 548

548 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

ainda mais profundamente a corrupção que pretender introduzir-se nos estabelecimentos da reforma.

As outras modificações são, umas apenas de redacção, outras de tão manifesta e tão evidente necessidade, que a commissão se abstem de as justificar. A esclarecida apreciação da camara supprirá facilmente o que seria ocioso e quasi inutil mencionar n'este relatorio.

A vossa commissão é, por conseguinte, de parecer que o projecto de lei sobre a reforma da instrucção secundaria, com as modificações abaixo referidas, a que o governo deu o seu assentimento, está nas circumstancias de ser approvado.

MODIFICAÇÕES

1.ª

No artigo 16.° á palavra «Vizeu» acrescentar «Evora, Angra do Heroismo e Funchal.»

2.ª

No artigo 18.° eliminar «e 7.°».

3.ª

No artigo 20.°, ás palavras do principio «Lyceus nacionaes» acrescentar «que não forem os designados no artigo 16.°», e no fim á palavra «matricula» acrescentar «respectivas ao curso complementar, e sendo os professores e empregados excedentes nomeados pelo governo, e segundo as prescripções d'esta lei».

4.ª

Artigo 23.° Acrescentar á palavra «certidão» as seguintes «de haver completado dez turnos de idade.).

5.ª

Artigo 41.° Substituir a, palavra «compostos» pela de «nomeados».

6.ª

Artigo 42.° Acrescentar a palavra «superior) posta, em lista triplice, das faculdades ou escolas da respectiva circumscripção».

7.ª

Artigo 43.° Eliminar a palavra «diarios».

8.ª

Artigo 61.º Eliminadas as palavras «nos ter os das leis».

9.ª

Artigo 65.° Acrescentar á palavra «vaga» «emquanto não for preenchida.»

Este artigo deve ter o seguinte:

«§ unico. O concurso será aberto dentro de trinta dias, contados da data em que vagar a cadeira.»

10.ª

Artigo 63.° in fine, eliminar as palavras «excepto as de jornadas».

11.ª

Ao artigo 18.° acrescentar o seguinte:

«§ unico. Alem dos professores proprietarios haverá em cada um dos lyceus centraes tres professores substitutos, pertencendo um ao primeiro grupo, outro ao segundo, e outro ao terceiro, conforme o disposto no artigo 17.°»

12.ª

Eliminado o artigo 78.°

Modificações na tabella

Acrescentar:

«9 Professores substitutos nos lyceus centraes, a 400$000 réis cada um - 3:600$000 réis »

Camara dos dignos pares, em 27 de abril de 1880. = Visconde de Villa Maior = Ayres de Gouveia = Antonio Egypcio Quaresma Lopes de Vasconcellos = José Pereira da Costa Cardoso = J. J. de Mendonça Cortez = Thomás de Carvalho.

Projecto de lei n.° 42

Artigo 1.° É approvada a organisação da instrucção secundaria que faz parte d'esta lei.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario

Palacio das côrtes, em 9 de abril de 1880. = Antonio José da Rocha, deputado vice-presidente = Thomás Frederico Pereira Bastos, deputado secretario = Antonio José d'Avila, deputado secretario.

CAPITULO I

Fins na instrucção secundaria e classificação dos institutos

Artigo 1.° A instrucção secundaria terá por fim:

1.° Diffundir os conhecimentos geraes indispensaveis para todas as carreiras e situações sociaes:

2.º Preparar para a admissão nos estabelecimentos de instrucção superior e nos cursos technicos.

Art. 2.° A instrucção secundaria official será ministrada em institutos de tres classes: lyceus nacionaes centraes, lyceus nacionaes, e escolas municipaes secundarias.

Art. 3.° O continente do reino será dividido em tres circumscripções academicas, cujas sédes serão: Lisboa, Coimbra e Porto; que se desigrarão respectivamente primeira, segunda e terceira.

§ 1.° A primeira circumscripção comprehenderá os districtos de Lisboa, Santarem, Portalegre, Evora, Beja, Faro; a segunda, os de Coimbra, Aveiro, Leiria, Castello Branco, Guarda e Vizeu; a terceira, os do Porto, Braga, Vianna do Castello, Bragança e Villa Real.

§ 2.° As ilhas adjacentes ficarão annexas á primeira circumscripção.

Art. 4.° Em cada capital do circumscripção haverá um lyceu nacional central e em cada capital de districto um lyceu nacional. Estes lyceus serão sustentados unicamente pelo estado.

§ unico. O governo elevará á categoria de lyceu nacional as aulas secundarias de Lamego, creando as cadeiras que lhes faltam para o curso geral, e ficando a cargo da camara municipal as despesas que esta e o seminario actualmente fazem com aquellas aulas.

Art. 5.° Haverá uma escola municipal secundaria nas terras mais importantes, fóra das sedes dos districtos, onde o governo entender creal-as, a pedido de qualquer corporação, associação ou individuo.

§ 1.° Estas escolas serão sustentadas conjuntamente pelo estado e pelo individuo ou corporação que as requerer, dando aquelle sómente um terço da despeza com o pessoal docente, e estes o resto das despezas com o pessoal e material da escola.

§ 2.° As aulas de instrucção secundaria, actualmente em exercicio nas terras onde se estabelecer uma escola municipal secundaria, ficarão annexas a esta.

CAPITCLO II

Disciplinas e cursos dos institutos secundarios

Art. 6.° O ensino dos lyceus centraes comprehenderá seguintes disciplinas:

1.ª Lingua portugueza;

2.ª Lingua franceza;

3.ª Lingua latina;

4.ª Geographia e cosmographia, historia universal e patria;

5.ª Arithmetica, geometria plana, principios de algebra e escripturação;

6.ª Elementos de physica, de chimica e de historia natural;

7.ª Elementos de legislação civil, de direito publico e administrativo portuguez, e de economia politica;

8.ª Desenho;

9.ª Litteratura nacional;

Página 549

548 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

10.ª Philosophia racional e moral e principios do direito natural;

11.º Algebra, geometria no espaço e trigonometria;

12.ª Physica e chimica;

13.ª Latinidade;

14.ª Lingua grega;

l5.ª Lingua ingleza;

16.ª Lingua allemã.

Art. 7.° O ensino dos lyceus nacionaes comprehende as oito primeiras disciplinas do artigo antecedente.

§ unico. Junto dos lyceus centraes e nacionaes poderá o governo crear cadeiras de ensino profissional em harmonia com as necessidades especiaes das localidades.

Art. 8.° O ensino das escolas municipaes secundarias comprehende:

1.ª Lingua portugueza;

2.ª Lingua franceza;

3.ª Arithmetica, geometria e escripturação;

4.ª Desenho.

§ unico. Nas escolas municipaes secundarias poderá o governo estabelecer uma ou mais cadeiras de ensino profissional em harmonia com as necessidades locaes, nos termos do § 1.° do artigo 5.°

Art. 9.° Nos lyceus centraes haverá dois cursos - geral e complementar.

Art. 10.° Nos lyceus nacionaes haverá sómente o curso geral.

§ unico. Nos lyceus de Braga, Vizeu, Evora e Angra do Heroismo, alem do curso geral, haverá um curso complementar de letras em tudo igual ao dos lyceus centraes, e no lyceu do Funchal um curso complementar de sciencias.

Art. 11.° O curso geral é commum a todos os lyceus e dura quatro annos.

Art. 12.° O curso complementar dividir-se-ha em duas secções: uma de letras ou humanidades e outra de sciencias.

§ unico. O estudo em cada uma d'estas secções durará dois annos.

Art. 13.° Nas escolas municipaes secundarias haverá um curso de dois annos organisado como os dois primeiros do curso geral.

Art. 14.° O governo, ouvidas as estações competentes, determinará nos regulamentos a distribuição das disciplinas dos lyceus e escolas municipaes secundarias pelos diversos annos dos cursos, e publicará os programmas de ensino e a relação dos compendios.

Art. 15.° Haverá dezeseis professores nos lyceus centraes, sendo oito para o curso geral e oito para os dois cursos complementares de letras e sciencias.

Art. 16.° A doutrina do artigo antecedente, na parte relativa ao curso geral, é applicavel aos lyceus nacionaes, nos quaes haverá sómente oito professores, menos nos lyceus de Braga e Vizeu, onde alem dos professores do curso geral haverá mais cinco para o curso complementar.

Art. 17.° Com as disciplinas dos lyceus formar-se-hão tres grupos; a saber:

Nos cursos geraes e complementares:

1.° Latim, latinidade, portuguez e litteratura nacional;

2.° Mathematica e sciencias naturaes;

3.° Greographia e historia, legislação e philosophia.

Nos cursos simplesmente geraes:

a) Latim, portuguez e francez;

b) Mathematicas e sciencias naturaes;

c) Geographia e historia e legislação.

§ unico. As restantes disciplinas ficarão isoladas.

Art. 18.° Haverá um professor proprietario para cada uma das cadeiras mencionadas nos artigos 6.° e 7.°

Art. 19.° Nas escolas municipaes secundarias haverá dois ou tres professores, segundo o governo determinar em harmonia com as requisições da localidade.

Art. 20.° Nos lyceus nacionaes poderá o governo estabelecer o curso complementar de letras ou de sciencias, quando as juntas geraes do districto se obrigarem a concorrer com todo o augmento da despeza, correspondente ao pessoal e material do curso pedido, revertendo para o cofre da junta a importancia das propinas de matricula.

Art. 21.° As escolas municipaes secundarias poderão ser elevadas pelo governo á categoria de lyceus nacionaes, se as juntas geraes, camaras municipaes, associações ou individuos assim o requererem, responsabilisando-se pelo excesso da despeza com o pessoal e material do lyceu.

CAPITULO III

Admissão, frequencia e exames dos alumnos dos institutos secundarios

Art. 22.° Nos institutos de instrucção secundaria haverá um só classe de alumnos. A matricula e frequencia serão por annos dos cursos.

Art. 23.º Para a matricula no primeiro anno de qualquer dos institutos secundarios o alumno apresentará certidão de idade e documento por onde prove ter sido approvado no exame de admissão de que trata o artigo 28.°

Art. 24.° A certidão de approvação nas materias de um anno, de qualquer dos cursos, é habilitação indispensavel para a matricula no anno immediatamente seguinte do mesmo curso.

Art. 25.º A approvação nas disciplinas do quarto anno do curso geral de qualquer lyceu, habilita para a matrino quinto anno do curso de letras ou no quinto anno do curso de sciencias.

Art. 26.° Nos lyceus haverá tres especies de exames: de admissão, de passagem ou annuaes, e de saída ou finaes.

§ unico. É permittido o exame singular de qualquer disciplina, mas este exame não é valido para o curso regular dos lyceus.

Art. 27.° Nas escolas municipaes haverá sómente exame de admissão e de passagem. Estes exames só depois de repetidos nos lyceus podem servir para o curso geral.

Art. 28.° O exame de admissão será feito nos institutos secundarios, nas epochas e pela fórma que o regulamento determinar.

Esto exame é dispensado ao alumno que mostrar haver sido approvado no exame de instrucção primaria complementar, nos termos do § unico do artigo 44.° da lei de 2 de maio de 1878.

Art. 29.° Os exames de passagem far-se-hão por annos do curso em todos os institutos secundarios, e no fim de cada um dos annos, incluindo o sexto.

Art. 30.° Os exames de saída só poderão fazer-se depois dos de passagem do quarto anno do curso geral, ou do sexto de qualquer dos cursos complementares.

Art. 31.° O exame de saída do sexto anno só póde ser feito nas sédes de circumscripção.

Art. 32.° O governo estabelecerá no regulamento a fórma e processo dos exames de passagem e de saída, de fórma que o exame verse sobre as materias do anno ou annos do curso e a votação recáia sobre cada uma das disciplinas, podendo o alumno reprovado n'uma repetir o exame d'essa disciplina em outubro proximo.

Art. 33.° O alumno que for approvado no exame de saída do quarto ou sexto anno tem direito respectivamente á carta do curso geral, ou á de bacharel em letras ou em sciencias.

Art. 34.° O alumno approvado no exame de saída do sexto anno de ambos os cursos complementares tem direito á carta de bacharel em letras e sciencias.

Ar. 35.° As cartas de curso geral e de bacharel habilitarão para os empregos publicos que as leis e regulamentos determinarem.

Art. 36.° A carta da bacharel em letras é habilitação indispensavel para a matricula nas faculdades de theologia e direito, no curso administrativo da universidade de Coimbra, e no curso superior de letras.

Página 550

550 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Art. 37.° A carta de bacharel em sciencias é habilitação necessaria para a matricula nas faculdades de sciencias naturaes, nas escolas medico-cirurgicas e nos cursos superiores da escola e academia polytechnicas.

CAPITULO IV

Dos alumnos estranhos

Art. 38.° Os alumnos que não frequentam os lyceus são admittidos ás tres especies de exames de que trata o artigo 26.°

§ 1.° Os exames de passagem e de saída serão identicos aos dos alumnos dos lyceus, sendo todavia maior a duração das provas.

§ 2.° Ao alumno estranho é permittido fazer na mesma epocha de exames mais de um exame de passagem; mas não poderá ser examinado n'um anno de curso sem ter approvação nas disciplinas do anno anterior do mesmo curso.

Art. 39.° As disposições da artigos 33.° e 34.° são applicaveis aos alumnos estranhos.

CAPITULO V

Dos jurys e das epochas dos exames

Art. 40.° Os jurys dos exames de passagem serão organisados pelo conselho escolar de cada lyceu, com os professores das disciplinas correspondentes.

Art. 41.° Os jurys dos exames de saída do 4.° anno do curso geral serão compostos pelo conselho escolar e presididos pelo reitor do lyceu, ou por outro individuo commissionado pelo governo.

Art. 42.° Os jurys dos exames de saída dos cursos complementares serão nomeados pelo governo, precedendo proposta dos conselhos escolares.

Estes jurys serão sempre presididos por professores de instrucção superior.

Art. 43.° Os professores nomeados pelo governo para os jurys dos exames, não pertencendo ao lyceu da localidade, vencerão a gratificação de 3$000 réis por cada dia util de serviço, incluindo as jornadas.

§ unico. Exceptuam-se os professores de que trata o artigo 63.°

Art. 44.° Em cada anno lectivo haverá uma só epocha de exames.

§ unico. Aos alumnos a que se refere o artigo 32.° será permittida a repetição em outubro do exame da disciplina em que ficaram reprovados na epocha ordinaria.

CAPITULO VI

Do provimento das cadeiras

Art. 45.° As cadeiras vagas dos institutos secundarios serão providas em concurso mediante provas documentaes e publicas, dadas no lyceu central da respectiva circumscripção.

§ unico. Se a cadeira vaga pertencer a alguns dos grupos de que trata o artigo 17.°, o concurso será aberto para todas as disciplinas do respectivo grupo.

Art. 46. O jury para o concurso das cadeiras das disciplinas agrupadas, será constituido por todos os professores proprietarios do respectivo grupo e mais um presidente nomeado pelo governo.

§ unico. Na falta de algum professor proprietario do grupo, o governo, sob, proposta do conselho escolar, nomeará pessoa competente de entre os professores do mesmo ou de outro qualquer lyceu ou escola superior.

Da mesma sorte se procederá na falta de professor do lyceu central, habilitado para examinar na disciplina isolada sobre que versar o concurso.

Art. 47.° O governo determinará no regulamento os documentos indispensaveis para a admissão ao concurso das cadeiras, o numero e qualidade das provas escriptas e oraes a que são obrigados os candidatos, e o processo do julgamento d'essas provas.

Art. 48.° Os professores poderão ser transferidos de um para outro lyceu, ou de uma para, outra escola municipal secundaria, quando assim o requeiram ao governo por via do lyceu central da respectiva circumscripção, antes de aborto o concurso.

§ 1.° A transferencia do lyceu nacional para lyceu central só poderá ser concedida depois de cinco annos de bom e effectivo serviço, devidamente comprovado perante o lyceu central, e precedendo informações do inspector e voto affirmativo do conselho superior de instrucção publica.

§ 2.º A transferencia só póde ter logar para cadeiras identicas, ou para alguma do grupo a que pertencer a cadeira, do requerente.

CAPITULO VII

Do pessoal e seus vencimentos e das propinas

Art. 49.° Haverá em cada lyceu, alem dos professores um reitor e um secretario de nomeação regia; e um porteiro continuo e dois guardas, um para o gabinete de physica e chimica e outro para a bibliotheca, quando estes estabelecimentos existam ou venham a existir.

§ 1.° O reitor será nomeado de entre os professores do ensino secundario ou superior, ou de entre individuos estranhos ao professorado que tenham um curso de instrucção secundaria, ou superior.

§ 2.° O secretario dos lyceus centraes será sempre pessoa estranha ao magisterio e habilitada com um curso de instrucção secundaria pelo menos. Nos lyceus nacionaes a nomeação do secretario poderá recaír em individuos pertinentes ao professorado em exercicio. O secretario não irem ordenado fixo e recebe os emolumentos constantes da tabella annexa n.° III.

§ 3.° Noa lyceus centraes poderá o governo augmentar o numero dos guardas, segundo as necessidades do serviço, não excedendo a tres, podendo estes empregados servir de amanuenses da secretaria do lyceu.

§ 4.° Os empregados subalternos dos lyceus são nomeados pelo ministro, sob proposta do conselho escolar.

Art. 50.° Em cada uma das tres circumscripções academicas haverá um inspector de instrucção secundaria, nomeado pelo governo.

§ unico. Nas ilhas adjacentes haverá fim sub-inspector subordinado ao inspector da primeira circumscripção.

Art. 51.°, Os inspectores serão nomeados de entre pessoas habeis do magisterio secundario ou superior, ou de entre individuos que possuam meritos notoriamente distinctos.

§ l.° A nomeação das inspectores será sempre temporaria e por tres annos.

§ 2.° O inspector não poderá accumular as suas funcções com qualquer outro emprego remunerado pelo estado.

Art. 52.° Os ordenados, gratificações e emolumentos do inspector, reitor, professores, secretario e mais empregados dos institutos secundarios, serão os que vão incluidos na tabella n.° I, que faz parte da presente lei.

§ unico. Se o professor, nomeado inspector, tiver ordenado superior ao que n'esta qualidade lhe pertence, ser-lhe-ha conservado o ordenado superior, e receberá, como inspector, apenas a gratificação de 150$000 réis.

Art. 53.° Os alumnos dos lyceus, os alumnos estranhos, e os candidatos ao magisterio secundario pagarão as propinas de matricula, exames, e cartas constantes da tabella n.° II.

Art. 54.° Os alumnos das escolas municipaes pagarão as propinas de matricula e exames que forem estabelecidas pelo governo, ouvidas as corporações ou individuos, a cujo cargo estiver a sustentação total ou parcial d'aquellas escolas. O producto das propinas reverterá em beneficio das mesmas escolas.

Página 551

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 551

CAPITULO VIII

Do governo, administração e inspecção dos institutos secundarios

Art. 55.° O governo e administração de cada lyceu e das escolas municipaes secundarias existentes no districto respectivo, pertence ao reitor e ao conselho escolar por elle presidido.

Art. 56.° A superintendencia e inspecção de todos os institutos secundarios pertencentes a uma circumscripção academica, compete ao inspector d'essa circumscripção, como representante do poder central.

Art. 57.° Ao inspector incumbe:

1.° Velar pela execução das leis e regulamentos de instrucção secundaria;

2.º Visitar animal e regularmente, duas vezes pelo menos, os institutos secundarios publicos e particulares da sua circumscripção;

3.° Assistir, quando o julgar conveniente, ás aulas ou a quaesquer actos academicos dos institutos publicos ou particulares;

4.° Reunir, quando for preciso, o conselho escolar e presidir ás sessões;

5.° Providenciar sobre quaesquer irregularidades ou occorrencias não previstas na lei, dando logo parte ao governo;

6.° Propor ao governo, em casos graves, a suspensão dos professores ou empregados subalternos dos institutos officiaes, expondo os motivos da sua proposta;

7.° Propor ao governo, depois de instaurar o conveniente processo, a punição dos directores e professores dos institutos e escolas particulares nos termos do artigo 62.°;

8.° Mandar lavrar autos de noticia contra os directores e professores dos institutos e escolas particulares que se tornarem indignos da educação da mocidade ensinando doutrinas offensivas da moral, da religião e da constituição do estado, e remetter esses autos ao ministerio publico para os delinquentes serem accusados e punidos judicialmente;

9.° Enviar todos os annos no governo um relatorio sobre o estado da instrucção secundaria, publica e particular na sua circumscripção acompanhada da estatistica respectiva.

Art. 58.° O governo fixará nos regulamentos as funcções e deveres dos inspectores, reitores, conselhos escolares, professores, e mais empregados dos institutos secundarios officiaes.

CAPITULO IX

Dos institutos particulares de instrucção secundaria

Art. 59.° Nenhum professor ou director de escola ou collegio particular poderá abrir o seu estabelecimento, sem previamente o participar ao inspector da circumscripção.

Art. 60.° Os professores ou directores dos institutos particulares são obrigados a dar parte da abertura effectiva das aulas, e a remetter ao inspector os programmas de ensino e regulamentos, com a nota dos compendios e methodos de ensino adoptados, e dos nomes dos professores e alumnos matriculados.

São tambem obrigados no fim de cada anno lectivo a enviar ao inspector a estatistica escolar.

Art. 61.° Os. seminarios episcopaes, quando habilitem alumnos para cursos diversos do curso preparatorio ás sciencias ecclesiasticas, ficam sujeitos ás mesmas obrigações que os institutos particulares, nos termos das leis.

Art. 62.° Os directores e professores dos institutos particulares, que não satisfizerem ás obrigações que lhes são impostas n'este capitulo, pagarão para o estado uma multa de 20$000 a 50$000 réis.

No caso de reincidencia pagarão a multa de 50$000 a 100$000 réis, e soffrerão a pena de suspensão do exercicio do seu ministerio pelo espaço de seis mezes a um anno.

CAPITULO X

Disposições geraes

Art. 63.° Os professores publicos que exercerem cumulativamente o ensino particular, não poderão fazer parte dos jurys dos exames finaes nos lyceus a que pertencem, e serão obrigados a servir nos jurys de exames de outro lyceu, ou de outra circumscripção, para que forem designados pelo governo, sem gratificação alguma, excepto a de jornadas.

Art. 64.° As jubilações, aposentações e melhoria de vencimentos por diuturnidade de serviço dos professores officiaes de instrucção secundaria, regular-se-hão pela lei vigente e em harmonia com o disposto no artigo 79.°

Art. 65.° Os professores dos lyceus, centraes ou nacionaes poderão, com voto do conselho escolar e approvação do inspector, accumular á regencia das disciplinas que lhes pertencerem, conforme a lei e os regulamentos, a de qualquer outra cadeira vaga, e vencerão n'este caso mais dois terços do ordenado.

Art. 66.° As infracções e delictos commettidos pelos professores, e mais empregados, no exercicio das suas, funcções, serão punidos com as penas estabelecidas no artigo 181.° do decreto de 20 de setembro de 1844.

§ unico. A demissão, porém, dos professores só poderá ser decretada precedendo informação do inspector, consulta affirmativa do conselho superior de instrucção publica e audiencia do interessado.

Art. 67.° As penas disciplinares dos alumnos dos lyceus e escolas municipaes secundarias são:

1.° Admoestação pelo professor;

2.° Reprehensão pelo reitor;

3.° Reprehensão em conselho;

4.° Expulsão.

§ unico. Estas penas serão applicadas segundo a gravidade das circumstancias, e conforme as determinações regulamentares.

Art. 68.° No caso de vacatura de qualquer cadeira dos lyceus ou escolas municipaes secundarias, que não possa preencher-se de prompto pelos meios ordinarios, aos reitores, ouvido o conselho escolar, compete prover á regencia provisoria, dando logo parte ao governo.

Art. 69.° Aos conselhos escolares pertence organisar os gabinetes de trabalho e salas de estudo.

Art. 70.° Das resoluções dos conselhos escolares, e dos inspectores, haverá recurso para o governo.

Art. 71.° A policia dos lyceus será feita regularmente pelos empregados respectivos. Nos casos extraordinarios as auctoridades administrativas prestarão o auxilio reclamado pelo inspector, reitor ou qualquer outra auctoridade academica.

Art. 72.° As alumnas que pretenderem cursar os institutos officiaes, ou fazer n'elles exames, ficarão sujeitas ás disposições da presente lei, salvas as determinações especiaes dos regulamentos internos.

Art. 73.° No orçamento geral do estado serão incluidas verbas destinadas á despeza com a acquisição de instrumentos e material para ensino pratico e demonstrações; premios aos alumnos dos lyceus; premios aos auctores dos melhores compendios; e subsidios aos alumnos pobres e aos estabelecimentos de instrucção secundaria nos locaes onde não haja lyceus ou escolas municipaes secundarias.

CAPITULO XI

Disposições transitorias

Art. 74.° Os actuaes substitutos que tiverem sido providos em concurso, serão promovidos, sem novo exame, á propriedade das cadeiras a que concorreram, ou na falta d'estas, ás que tiverem regido, precedendo proposta do conselho escolar, e voto affirmativo do conselho superior de instrucção publica.

§ unico. São comprehendidos nas disposições d'este artigo:

Página 552

552 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

1.° Os professores actuaes, que foram em concurso providos temporariamente nas cadeiras dos lyceus, e não poderam dar novas provas em virtude da lei de 2 de setembro de 1869;

2.° Os professores addidos ao lyceu de Lisboa que pertenceram á escola normal de Marvilla e têem continuado no serviço effectivo do mesmo lyceu;

3.° Os professores das escolas annexas, que por ordem do governo se acham em serviço dos lyceus, ficando supprimidas as cadeiras que antes regiam.

Art. 75.° Os actuaes professores provisorios sómente poderão ser nomeados proprietarios, sem exame, se tiverem mais de seis annos de bom e não interrompido serviço, e se mostrarem habilitados com a carta de algum curto superior, analogo á cadeira que tiverem regido nos seis annos ultimos; ou se tiverem mais de quinze annos de bom e não interrompido serviço, embora careçam de habilitação especial superior.

Em qualquer dos casos a nomeação não póde ser feita sem proposta do conselho escolar, approvação pelo governo, e voto affirmativo do conselho superior de instrucção publica.

Art. 76.º Os actuaes professores proprietarios, que pela nova organisação do ensino ficarem sem a cadeira em que foram providos por nomeação regia, serão providos n'outra do mesmo lyceu, para a qual se julguem idoneos, e na falta d'esta serão conservados como addidos até nova collocação, vencendo n'este intervallo o ordenado actual.

Art. 77.° Os professores e empregados dos lyceus que recebem actualmente ordenado superior ao que por esta lei lhes pertence, continuarão a vencer o antigo.

Art. 78.° Os actuaes secretarios, tanto dos lyceus centraes como nacionaes, poderão ser conservados com gratificação que recebem e os emolumentos que por esta lei lhes pertencem, emquanto convier ao serviço.

Art. 79.° O augmento de ordenado a que, tiverem direito os actuaes professores de instrucção secundario em virtude da presente lei, não será computado para a jubilação ou aposentação, senão pasmados dez annos de effectivo serviço com esse augmento.

§ 1.° Os professores que estiverem gosando o acrescimo do terço do ordenado, receberão a differença com relação aos novos ordenados, e mais a melhoria de vencimento que estiverem gosando por diuturnidade de serviço.

§ 2.° Os professores que completarem o tempo necessario para o acrescimo do terço, será terem decorrido dez, annos com os novos vencimentos, receberão o terço com relação aos antigos ordenados até completarem dez annos de serviço com os novos vencimentos.

Art. 80.° A cadeira de hebreu, existente no lyceu de Coimbra, ficará annexa á faculdade de theologia, sendo regida por um lente da mesma faculdade, nomeado pelo conselho, com a gratificação de 200$000 réis.

Art. 81.° A cadeira de musica actualmente annexa ao lyceu de Coimbra, será collocada junto da capella da universidade, com o ordenado de 800$000 réis.

Art. 82.° As disposições da presente lei começarão a vigorar no anno lectivo immediato ao da publicação dos regulamentos de que tratam os artigos 14.°, 28.° e 32.° No primeiro anno applicar-se-hão rigorosamente á matricula, frequencia e exames do primeiro anno dos lyceus, e nos cinco annos seguintes ir-se-hão tornando extensivas successivamente a mais um anno até ao sexto.

Art. 83.° Só passados quatro annos para os lyceus nacionaes e seis para os centraes, será posto em pleno vigor o novo plano dos estudos. Entretanto levar-se-hão em conta aos alumnos nas matriculas na frequencia e nos exames, as disciplinas em que tiverem sido singularmente approvados.

Art. 84.º O governo determinará em instrucções especiaes o processo pratico a seguir durante o estado provisorio.

Art. 85° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 9 de abril de 1880. = Antonio José da Rocha, deputado vice-presidente = Thomás Frederico Pereira Bastos, deputado secretario = Antonio José d'Avila, deputado secretario.

I

Tabella dos ordenados, vencimentos e mais despezas

48 Professores dos lyceus centraes, a 600$000 réis cada um..... 28:800$000
169 Professores dos lyceus nacionaes, a 500$000 réis cada um... 84:500$000
3 Porteiros nos lyceus centraes, a 200$000 réis cada um........ 600$000
3 Continuos nos lyceus centraes, a 200$000 réis cad um........... 600$000
9 Guardas nos lyceus centraes, a 200$000 réis cada um........... 1:800$000
18 Porteiros nos lyceus nacionaes, a 150$000 réis cada um....... 2:700$000
18 Continuos nos lyceus nacionaes, a 150$000 réis cada um............ 2:700$000
36 Guardas nos lyceus nacionaes, a l50$000 réis cada um.... .... 5:400$000
3 Inspectores e 1 sub-inspector, a 600$000 réis cada um......... 2:400$000
3 Reitores dos lyceus centraes, gratificações a réis 200$000 cada uma 600$000
18 Reitores dos lyceus nacionaes, gratificações a réis 150$000 cada uma...... 2:700$000
20 Escolas municipaes secundarias, subsidio de réis 200$000 a cada uma. 4:000$000
Gratificação a professores pelo serviço de exames fóra dos lyceus a que pertencerem............... 3:000$000
Gratificação a cada um dos inspectores, por 100 dias da visita, a 3$000 réis cada dia................. 1:200$000
Expediente e secretaria dos 3 inspectores e 1 sub-inspector a 300$000 réis e cada um............ l:200$000
Expediente dos 3 lyceus centraes, a 200$000 réis cada um..... 600$000
Expediente de 18 lyceus nacionaes, a 150$000 réis cada um .. 2:700$000
Despezas com as escolas de instrucção secundaria actualmente existentes fóra dos lyceus........... 7:000$000

Somma......... 151:500$000

Para acquisição de instrumentos, premios, subsidios, etc. (artigo 73.°)........... 6:000$000

Despeza futura........................... 157:500$000

II

Tabella das propinas para o estado

Propina de matricula, por anno, dos alumnos dos lyceus, paga em duas prestações, uma no principio e outra no fim do anno lectivo..................... 9$000

Propina dos alumnos estranhos que pretenderem fazer exame nos lyceus, por cada anno do curso, paga no acto de requerer a matricula................ 13$500

Propina de cada exame de saída................... 6$000

Propina pelas cartas:

Do curso geral...............................5$000
De cada um dos cursos complementares ...... 10$000
De ambos os cursos complementares.......... 15$000
Propina de exame singular de qualquer disciplina....9$000
Propina de matricula do candidato ao magisterio de instrucção secundaria........................... 9$000

III

Tabella dos emolumentos dos secretarios dos lyceus

Pela matricula dos alumnos dos lyceus:

No principio do anno lectivo.................. $150
No fim do anno lectivo........................ $150
Por cada matricula dos alumnos estranhos...... $300
Cada certidão de exame ou de frequencia........ $200
Cada certidão que não seja de exame nem de frequencia (por lauda)..... $300

Palacio das côrtes, em 9 de abril de 1880. = Antonio José da Rocha, deputado, vice-presidente = Thomás Frederico Pereira Bastos, deputado secretario = Antonio José de Avila, deputado secretario.

Página 553

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 553

Proposta de lei n.º 81-F

CAPITULO I

Fins da instrucção secundaria e classificação dos institutos

Artigo 1.° A instrucção secundaria tem por fim:

1.° Diffundir os conhecimentos geraes indispensaveis para todas as carreiras e situações sociaes;

2.° Preparar para a admissão nos estabelecimentos de instrucção superior e nos cursos technicos.

Art. 2.° A instrucção secundaria official será ministrada em institutos de tres classes: lyceus centraes, lyceus districtaes e escolas municipaes secundarias.

Art. 3.° O continente do reino será dividido em tres circumscripções academicas, cujas sédes serão: Lisboa, Coimbra e Porto; que se designarão respectivamente 1.ª, 2.ª e 3.ª

§ 1.° A 1.ª circumscripção comprehenderá os districtos de Lisboa, Santarem, Portalegre, Evora, Beja e Faro; a 2.ª as de Coimbra, Aveiro, Leiria, Castello Branco, Guarda e Vizeu; a 3.ª as do Porto, Braga, Vianna do Castello, Bragança e Villa Real.

§ 2.° As ilhas adjacentes ficarão annexas á 1.ª circumscripção.

Art. 4.° Em cada capital de circumscripção haverá um Lyceu central, e em cada capital de districto um Lyceu districtal.

§ unico. Estes lyceus serão sustentados unicamente pelo estado.

Art. 5.° Haverá uma Escola municipal secundaria nas terras mais importantes, fóra das sédes dos districtos, onde o governo entender creal-as a pedido de qualquer corporação, associação ou individuo.

§ 1.° Estas escolas serão sustentadas conjunctamente pelo estado e pelo individuo ou corporação que as requerer, dando aquelle sómente um terço da despeza com o pessoal docente, e estes o resto das despezas com o pessoal e materia da escola.

§ 2.° As aulas de instrucção secundaria, actualmente em exercicio nas terras onde se estabelecer uma escola municipal secundaria, ficarão annexas a esta.

CAPITULO II

Disciplinas e cursos dos institutos secundarios

Art. 6.° O ensino dos lyceus centraes comprehenderá as disciplinas seguintes:

1.ª Lingua portugueza e analyse dos principaes auctores;

2.ª Lingua latina e principios de litteratura latina;

3.ª Lingua grega e principios de litteratura grega;

4.ª Lingua franceza e principios de litteratura franceza;

5.ª Lingua ingleza e principios de litteratura ingleza;

6.ª Lingua allemã e principios de litteratura allemã;

7.º Historia universal e patria;

8.ª Geographia e cosmographia;

9.ª Arithmetica, geometria plana e principios de algebra e escripturação;

10.ª Elementos de physica e chimica;

11.ª Elementos de historia natural;

12.ª Eloquencia e litteratura nacional;

13.ª Philosophia racional e moral e principios de direito natural;

14.ª Algebra geometria no espaço e trigonometria;

15.ª Elementos de legislação civil, administração e economia politica;

16.ª Desenho.

Art. 7.° O ensino dos lyceus districtaes comprehende:

1.° Lingua portugueza e analyse dos principaes auctores;

2.° Lingua franceza e principios de litteratura franceza;

3.° Lingua latina;

4.° Historia universal e patria;

5.° Geographia e cosmographia;

6.° Arithmetica, geometria plana e principios de algebra e escripturação;

7.° Elementos de physica e chimica;

8.° Elementos de historia natural;

9.° Elementos de legislação civil, administração e economia politica;

10.° Desenho.

Art. 8.° O ensino das escolas municipaes secundarias comprehende:

l.° Lingua portugueza;

2.° Lingua franceza;

3.° Arithmetica, geometria e escripturação;

4.° Desenho.

Art. 9.° Nos lyceus centraes haverá dois cursos - geral e complementar.

Art. 10.° Nos lyceus districtaes haverá sómente o curso geral.

Art. 11.° O curso geral é commum a todos os lyceus e dura quatro annos.

Art. 12.° O curso complementar dividir-se ha em duas secções: uma de letras ou humanidades, e outra de sciencias.

O estudo em cada uma d'estas secções durará dois annos.

Art. 13.° Nas escolas municipaes secundarias haverá um curso de dois annos organisado como os dois primeiros do curso geral.

Art. 14.° O governo, ouvidas as estações competentes, determinará nos regulamentos a distribuição das disciplinas dos lyceus e escolas municipaes secundarias pelos diversos annos dos cursos, e publicará os programmas de ensino, o horario das aulas e a relação dos compendios.

Art. 15 A Haverá dezeseis professores nos lyceus centraes, sendo oito para o curso geral, e oito para os dois cursos complementares de letras e sciencias, reunindo-se para a respectiva regencia a geographia á historia, e a physica e chimica á historia natural.

Art. 16.° A doutrina do artigo antecedente, na parte relativa ao curso geral, é applicavel aos lyceus districtaes, nos quaes haverá sómente oito professores, reunindo se para o ensino as disciplinas no mesmo artigo indicadas.

Art. 17.° Com as disciplinas dos lyceus formar-se-hão tres grupos, a saber:

Nos lyceus centraes

1.° Latim, latinidade, portuguez e litteratura nacional;

2.° Mathematicas e sciencias naturaes;

3.° Geographia historia, legislação e philosophia;

Nos lyceus districtaes

1.° Latim, portuguez e francez;

2.° Mathematicas e sciencias naturaes;

3.° Geographia, historia e legislação.

§ unico. As restantes disciplinas ficarão isoladas.

Art. 18.° Haverá em regra um professor proprietario para cada uma das cadeiras mencionadas nos artigos 6.° e 7.°, excepto para as que se reunem para o ensino nos termos dos artigos 15.° e 16.°, que serão regidas por um só professor em dois cursos.

Art. 19.° Alem dos professores proprietarios, haverá em todos os lyceus mais tres aggregados, pertencendo um ao primeiro grupo, outro ao segundo grupo e outro ao terceiro grupo, conforme o disposto no artigo 17.°

Art. 20.° Quando as aulas dos lyceus forem frequentadas por mais de sessenta alumnos, poderá o conselho escolar desdobral-as, ficando parte do curso a cargo de outro professor.

§ unico. Se o desdobramento envolver augmento de despeza, só poderá fazer-se com a approvação do governo.

Art. 21.° Nas escolas municipaes secundarias haverá dois ou tres professores, segundo o governo determinar em harmonia com as requisições da localidade.

Art. 22.° Nos lyceus districtaes poderá o governo estabelecer o curso complementar de letras ou de sciencias,

54 *

Página 554

554 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

quando as juntas geraes de districto se obrigarem a concorrer com todo o augmento da despeza correspondente ao pessoal e material do curso.

Art. 23.° As escolas municipaes secundarias poderão ser elevadas pelo governo á categoria de lyceus districtaes, se as juntas geraes, camaras municipaes, associações ou individuos assim o requererem, responsabilizando se pelo excesso da despeza com o pessoal e material do lyceu.

CAPITULO III

Admissão, frequencia e exames dos alumnos dos institutos secundarios

Art. 24.° Nos institutos de instrucção secundaria haverá uma só classe de alumnos. A matricula e frequencia serão por annos dos cursos.

Art. 25.° Para a matricula no primeiro anno do qualquer dos institutos secundarios o alumno apresentará certidão de idade, e documento por onde prove ter sido approvado no exame de admissão de que trata o artigo 29.°

Art. 26.° A certidão de approvação nas materias de um anno de qualquer dos cursos é habilitação indispensavel para a matricula no anno immediatamente seguinte do mesmo curso.

Art. 27.° A approvação nas disciplinas do quarto anno do curso geral de qualquer lyceu habilita para a matricula no quinto anno do curso de letras, ou no quinto anno do curso de sciencias.

Art. 28.° Nos lyceus haverá tres especies de exame - de admissão - de passagem ou annuaes - e de saída ou finaes.

§ unico. Nas escolas municipaes haverá sómente exame de admissão e de passagem. Estes exames só depois de repetidos nos lyceus podem servir para o curso geral.

Art. 29.° O exame de admissão será feito nos institutos secundarios nas epochas e pela fórma que o regulamento determinar.

Este exame é dispensado ao alumno que mostrar haver sido approvado no exame de instrucção primaria complementar, nos termos do § unico do artigo 44.° da lei de 2 de maio de 1878.

Art. 30.° Os exames de passagem far-se-hão por annos de curso em todos os institutos secundarios e no fim de cada um dos annos, incluindo o sexto.

Art. 31.° Os exames de saída só poderão fazer-se depois dos de passagem do quarto anno do curso geral, ou do sexto de qualquer dos cursos complementares.

Art. 32.° O governo estabelecerá no regulamento a fórma e processo dos exames de passagem e de saída.

Art. 33.° O alumno que for approvado no exame de saída do quarto anno ou no do sexto anno, tem direito respectivamente á carta do curso geral, ou á do bacharel em letras, ou em sciencias.

Art. 34.° O alumno approvado no exame de saída do sexto anno da ambos os cursos complementares tem direito á carta de bacharel em letras e sciencias.

Art. 35.° As cartas do curso geral e de bacharel habilitarão para os empregos publicos que as leis e regulamentos determinarem.

Art. 36.° A carta de bacharel em letras é habilitação indispensavel para a matricula nas faculdades de theologia e direito e no curso superior de letras.

Art. 37.° A carta de bacharel em sciencias e habilitação necessaria para a matricula nas faculdades de sciencias naturaes, nas escolas medico-cirurgicas e nos cursos superiores da escola e academia polytechnicas.

CAPITULO IV

Dos alumnos estranhos

Art. 38.º Os alumnos que não frequentam os lyceus são admittidos ás tres especies de exames de que trata o artigo 28.°

§ 1.° Os exames de passagem e de saída serão identicos aos dos alumnos dos lyceus, sendo todavia maior a duração das provas.

§ 2.° Ao alumno estranho é permittido fazer em qualquer epocha mais de um exame de passagem; mas não poderá ser examinado n'um anno do curso sem ter approvação nas disciplinas do anno anterior do mesmo curso.

Art. 39.° As disposições dos artigos 33.° e 34.° são applicaveis aos alumnos estranhos.

CAPITULO V

Dos jurys e das epochas dos exames

Art. 40.° Os jurys dos exames de passagem serão organisados pelo conselho escolar de cada lyceu com os professores das disciplinas correspondentes.

Art. 41.° Os jurys dos exames de saída do 4.° anno do curso geral serão compostos pelo conselho escolar, e presididos pelo reitor do lyceu, ou por outro individuo commissionado pelo governo.

Art. 42.° Os jurys dos exames de saída dos cursos completos serão nomeados pelo governo, precedendo proposta do conselho escolar.

Estes jurys serão sempre presididos por professores de instrucção superior.

Art. 43.° Os professores nomeados pelo governo para os jurys dos exames, não pertencendo ao lyceu da localidade, vencerão a gratificação de 3$000 réis por dia util de serviço, incluindo as jornadas.

§ unico. Exceptuam-se os professores de que trata o artigo 64.°

Art. 44.° Em cada anno lectivo haverá uma só epocha de exames.

CAPITULO VI

Do provimento das cadeiras

Art. 45.° As cadeiras vagas dos institutos secundarios serão providas em concurso mediante provas documentaes e publicas, dadas no lyceu central da respectiva circumscripção.

§ unico. Se a cadeira vaga pertencer a algum dos grupos, de que trata o artigo 17.°, o concurso será aberto para todas as disciplinas do respectivo grupo.

Art. 46.° O jury para o concurso das cadeiras das disciplinas agrupadas, será constituido por todos os professores, proprietarios do respectivo grupo, e mais um presidente; e o das disciplinas não agrupadas por dois professores e um presidente.

§ unico. Na falta de algum professor, proprietario do grupo, o governo, sob proposta do conselho escolar, nomeará pessoa competente de entre os professores do mesmo ou de outro qualquer lyceu ou escola superior.

Da mesma sorte se procederá na falta de professor do lyceu central, habilitado para examinar na disciplina isolada sobre que versar o concurso.

Art. 47.° O governo determinará no regulamento os documentos indispensaveis para a admissão ao concurso das cadeiras, o numero e qualidade das provas escriptas e oraes a que são obrigados os candidatos, e o processo do julgamento d'essas provas.

Art. 48.° Os professores poderão ser transferidos de um para outro lyceu, ou de uma para outra escola municipal secundaria, quando assim o requeiram ao governo por via do lyceu central da respectiva circumscripção, antes de aberto o concurso.

§ unico. A transferencia de lyceu districtal para lyceu central só poderá ser concedida depois de dez annos de bom e effectivo serviço, devidamente comprovado perante o lyceu central, e precedendo informação do inspector e voto affirmativo do conselho superior do instrucção publica.

Art. 49.° Os professores aggregados têem direito a ser promovidos á propriedade das cadeiras vagas que pertencerem ao respectivo grupo sem novo exame.

Página 555

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 555

N'este caso o concurso abrir-se-ha para o logar de aggregado.

CAPITULO VII

Do pessoal e seus vencimentos e das propinas

Art. 50.° Haverá em cada lyceu, alem dos professores, um reitor e um secretario de nomeação regia; e um continuo, fim porteiro e um ou dois guardas, nomeados pelo ministro, sob proposta do conselho escolar.

§ 1.° O reitor será nomeado de entre os professores de ensino secundario ou superior, ou de entre individuos estranhos ao professorado, que tenham um curso de instrucção secundaria ou superior.

§ 2.° O secretario dos lyceus centraes será sempre pessoa estranha ao magisterio e habilitada com um curso de instrucção secundaria pelo menos. Nos lyceus districtaes a nomeação de secretario poderá recaír em individuo pertencente ao professorado em exercicio. O secretario não tem ordenado fixo e recebe os emolumentos constantes da tabella annexa n.° III.

§ 3.° Nos lyceus centraes poderá o governo augmentar o numero dos guardas, segundo as necessidades do serviço, não excedendo a quatro.

§ 4.° Os guardas servirão tambem de amanuenses da secretaria do lyceu.

Art. 51.° Em cada uma das tres circumscripções academicas haverá um inspector de instrucção secundaria, nomeado pelo governo.

§ unico. Nas ilhas dos Açores haverá um sub-inspector subordinado ao inspector da 1.ª circumscripção.

Art. 52.° Os inspectores serão nomeados de entre pessoas habeis que tenham um curso de instrucção superior ou secundaria, e exerçam ou hajam exercido o magisterio official.

§ 1.° A primeira nomeação dos inspectores será sempre temporaria e por tres annos.

§ 2.° O inspector não poderá accumular as suas funcções com outras quaesquer remuneradas pelo estado.

Art. 53.° Os ordenados, gratificações e emolumentos do inspector, reitor, professores, secretario e mais empregados dos institutos secundarios serão os que vão incluidos na tabella n.° I, que faz parte da presente lei.

§ unico. Se o professor, nomeado inspector, tiver ordenado superior ao que n'esta qualidade lhe pertence, ser-lhe-ha conservado o ordenado anterior, e receberá como inspector apenas a gratificação de 200$000 réis.

Art. 54.° Os alumnos dos lyceus, os alumnos estranhos, e os candidatos ao magisterio secundario pagarão as propinas de matricula, exames e cartas constantes da tabella n.° II.

Art. 55.° Os alumnos das escolas municipaes pagarão as propinas de matricula e exames que forem estabelecidas pelo governo, ouvidas as corporações ou individuos, a cujo cargo estiver a sustentação total ou parcial d'aquellas escolas.

O producto das propinas reverterá em beneficio das mesmas escolas.

CAPITULO VIII

Do governo, administração e inspecção dos institutos secundarios

Art. 56.° O governo e administração de cada lyceu e das escolas municipaes secundarias existentes no districto respectivo, pertence ao reitor e ao conselho escolar por elle presidido.

Art. 57.° A superintendencia e inspecção de todos os institutos secundarios pertencentes a uma circumscripção academica, compete ao inspector d'essa circumscripção, como representante do poder central.

Art. 58.° Ao inspector incumbe:

1.° Velar pela execução das leis e regulamentos de instrucção secundaria;

2.° Visitar annual e regularmente, duas vezes pelo menos, os institutos secundarios publicos e particulares da sua circumscripção;

3.° Assistir, quando o julgar conveniente, ás aulas ou a quaesquer actos academicos dos institutos publicos ou particulares;

4.° Reunir, quando for preciso, o conselho escolar e presidir ás sessões;

5.° Providenciar sobre quaesquer irregularidades ou occorrencias não previstas na lei, dando logo parte ao governo;

6.° Impor, em casos graves, aos professores ou empregados subalternos dos institutos officiaes a pena de suspensão por oito dias, quando muito, expondo immediatamente ao governo os motivos do seu procedimento;

7.° Propor ao governo, depois de instaurar o conveniente processo, a punição dos directores o professores dos institutos e escolas particulares nos termos do artigo 63.°;

8.° Mandar lavrar autos de noticia contra os directores e professores dos institutos e escolas particulares, que se tornarem indignos da educação da mocidade, ensinando doutrinas offensivas da moral, da religião e da constituição do estado, e remetter esses autos ao ministerio publico para os delinquentes serem accusados e punidos judicialmente;

9.° Enviar todos os annos ao governo um relatorio sobre o estado da instrucção secundaria publica e particular, na sua circumscripção, acompanhado da estatistica respectiva.

Art. 59.° O governo fixará nos regulamentos as funcções e deveres dos inspectores, reitores, conselhos escolares, professores, aggregados e mais empregados dos institutos secundarios officiaes.

CAPITULO IX

Dos institutos particulares de instrucção secundaria

Art. 60.° Nenhum professor ou director de escola ou collegio particular, poderá abrir o seu estabelecimento, sem previamente o participar ao inspector da circumscripção.

§ unico. Se as qualidades individuaes do professor ou director e a organisação ou local do estabelecimento não satisfizerem ás condições de moralidade, instrucção e salubridade, o inspector não permittirá a abertura da escola ou collegio.

Art. 61.° Os professores ou directores dos institutos particulares são obrigados a dar parte da abertura effectiva das aulas, e a remetter ao inspector os programmas de ensino e regulamentos, com a nota dos compendios e methodos de ensino adoptados e dos nomes dos professores e alumnos matriculados.

São tambem obrigados no fim de cada anno lectivo a enviar ao inspector a estatistica escolar.

Art. 62.° Os seminarios episcopaes, quando habilitem alumnos para cursos diversos do curso preparatorio ás sciencias ecclesiasticas, ficam sujeitos ás mesmas obrigações que os institutos particulares.

Art. 63.° Os directores e professores dos institutos particulares, que não satisfizerem ás obrigações que lhes são impostas n'este capitulo, pagarão para o estado uma multa de réis 20$000 a 50$000.

No caso de reincidencia pagarão a multa de réis 50$000 a 100$000, e soffrerão a pena de suspensão do exercicio do seu ministerio pelo espaço de seis mezes a um anno.

CAPITULO X

Disposições geraes

Art. 64.° Os professores publicos que exercerem cumulativamente o ensino particular, não poderão fazer parte dos jurys dos exames finaes nos lyceus a que pertencem, e serão obrigados a servir nos jurys de exames de outro lyceu, ou de outra circumscripção para que forem designados pelo governo, sem gratificação alguma, excepto a de jornadas.

Art. 65.° As jubilações aposentações e melhoria de vencimentos por diuturnidade de serviço dos professores offi-

Página 556

556 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

ciaes de instrucção secundaria, regular-se-hão pela lei vigente, e em harmonia com o disposto no artigo 79.°

Art. 66.° Os professores dos lyceus centraes ou districtaes poderão, com voto do conselho escolar e approvação do inspector, accumular á regencia das disciplinas que lhes pertencerem, conforme a lei e os regulamentos, a de qualquer outra cadeira vaga; e vencerão n'este caso mais dois terços do ordenado.

Art. 67.° As infracções e delictos commettidos pelos professores e mais empregados no exercicio das suas funcções, serão punidos com as penas estabelecidas no artigo 181.° do decreto de 20 de setembro de 1844.

§ unico. A demissão, porém, dos professores só poderá ser decretada precedendo informação do inspector e consulta affirmativa do conselho superior de instrucção publica.

Art. 68.° As penas disciplinares dos alumnos dos lyceus e escolas municipaes secundarias são:

1.° Admoestação pelo professor;

2.° Reprehensão pelo reitor;

3.° Reprehensão em conselho;

4.° Expulsão.

§ unico. Estas penas serão applicadas segundo a gravidade das circumstancias, e conforme as determinações regulamentares.

Art. 69.° No caso de vacatura de qualquer cadeira dos lyceus ou escolas municipaes secundarias que não possa preencher-se de prompto pelos meios ordinarios, aos reitores, ouvido o conselho escolar, compete prover a regencia provisoria, dando logo parte ao governo.

Art. 70.° É permittido a qualquer individuo fazer exame singular de uma disciplina pagando a propina estabelecida na tabella n.° II.

§ unico. Este exame não poderá servir para o curso regular dos lyceus.

Art. 71.° Aos conselhos escolares pertence organisar os gabinetes de trabalho e salas de estudo.

Art. 72.° Das resoluções dos conselhos escolares e dos inspectores haverá recurso para o governo.

Art. 73.° A policia dos lyceus será feita regularmente pelos empregados respectivos. Nos casos extraordinarios as auctoridades administrativas prestarão o auxilio reclamado pelo inspector, reitor ou qualquer outra auctoridade academica.

Art. 74.° As alumnas que pretenderem cursar os institutos officiaes, ou fazer n'elles exames, ficarão sujeitas ás disposições da presente lei, salvas as determinações especiaes dos regulamentos internos

Art. 75.° No orçamento geral do estado serão incluidas verbas destinadas á despeza com acquisição de instrumentos e material para ensino pratico e demonstrações; premios aos alumnos dos lyceus; premios aos auctores dos melhores compendios; e subsidios aos estabelecimentos de instrucção secundaria nos locaes onda não haja lyceus ou escolas municipaes secundarias.

CAPITULO XI

Disposições transitorias

Art. 76.° Os actuaes substitutos que tiverem sido providos em concurso, serão promovidos, sem novo exame, á propriedade das cadeiras a que concorreram, ou, na falta d'estas, ás que tiverem regido, precedendo proposta do conselho escolar e voto affirmativo do conselho superior de instrucção publica.

§ unico. São comprehendidos nas disposições d'este artigo: 1.° os professores actuaes que foram em concurso providos temporariamente nas cadeiras dos lyceus, e não poderam dar novas provas em virtude da lei de 2 de setembro de 1869; 2.°, os professores addidos ao lyceu de Lisboa que pertenceram á escola normal de Marvilla, e têem continuado no serviço effectivo do mesmo lyceu; 3.°, os professores das escolas annexas que por ordem do governo se acham em serviço dos lyceus, ficando supprimidas as cadeiras que antes regiam.

Art. 77.° Os professores actuaes que foram providos em cadeiras de menor ordenado, continuarão a vencer o antigo.

Art. 78.° Os actuaes professores provisorios sómente poderão ser nomeados proprietarios ou aggregados sem novo exame, quando tiverem mais de quinze annos de bom e effectivo serviço e forem propostos pelo conselho escolar e approvados pelo governo, precedendo voto affirmativo do conselho superior de instrucção publica.

Art. 79.° O augmento de ordenado, a que tiverem direito os actuaes professores de instrucção secundaria, em virtude da presente lei, não será computado para a jubilação ou aposentação, senão passados dez annos de effectivo serviço com esse augmento.

Os professores que estiverem gosando o acrescimo do terço do ordenado por diuturnidade de serviço, receberão a differença com relação aos novos ordenados; mas não poderão jubilar-se com essa differença sem terem completado os dez annos de serviço, a que se refere este artigo.

Art. 80.° A cadeira de hebreu, existente no lyceu de Coimbra, ficará annexa á faculdade de theologia, sendo regida por um lente da mesma faculdade, nomeado pelo conselho, com a gratificação de 200$000 réis.

§ unico. O actual professor d'esta cadeira será collocado na de philosophia que ultimamente tem regido.

Art. 81.° A cadeira de musica, actualmente annexa ao lyceu de Coimbra, será collocada junto da capella da universidade com o ordenado de 300$000 réis.

Art. 82.° As disposições da presente lei começarão a vigorar no anno lectivo immediato ao da publicação dos regulamentos de que tratam os artigos 14.°, 29.° e 32.° No primeiro anno applicar-se-hão rigorosamente á matricula, frequencia e exames do primeiro anno dos lyceus, e nos cinco annos seguintes ir-se-hão tornando extensivas successivamente a mais um anno, até ao sexto.

Art. 83.° Só passados quatro annos para os lyceus districtaes, e seis para os centraes, será posto em pleno vigor o novo plano de estudos. Entretanto levar-se-hão em conta aos alumnos, nas matriculas, na frequencia e nos exames, as disciplinas em que tiverem sido singularmente approvados.

Art. 84.° O governo determinará em instrucções especiaes o processo pratico a seguir durante o estado provisorio.

Art. 85.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

I

Tabella dos ordenados, vencimentos e mais despezas

48 Professores dos lyceus centraes, a 600$000 réis cada um....... 28:800$000
9 Professores addidos dos lyceus centraes, a 450$000 réis cada um..4:000$000
144 Professores dos lyceus districtaes, a 500$000 réis cada um... 72:000$000
54 Professores addidos dos lyceus districtaes, a réis 300$000 cada um...18:900$000
3 Porteiros nos lyceus centraes, a 250$000 réis cada um.......... 750$000
3 Continuos nos lyceus centraes, a 250$000 réis cada um.......... 750$000
12 Guardas nos lyceus centraes, a 240$000 réis cada um.......... 2:880$000
18 Porteiros nos lyceus districtaes, a 200$000 réis cada um...... 3:000$000
36 Guardas nos lyceus districtaes, a 180$000 réis cada um ...... 6:480$000
18 Continuos nos lyceus districtaes, a 200$000 réis cada um ..... 3:600$000
3 Inspectores do circumscripção, a 1:000$000 réis cada um ....... 3:000$000
1 Sub-inspector nos Açores, a 600$000 réis ...................................... 600$000
3 Reitores dos lyceus centraes - gratificações, a réis 200$000 cada um............................. 600$000
18 Reitores dos lyceus districtaes - gratificações, a réis 150$000 cada um.............................. 2:700$000

Página 557

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 557

20 Escolas municipaes secundarias - subsidio de réis 200$000 cada uma. 4:000$000
Gratificação a professores pelo serviço de exames fóra dos lyceus a que pertencerem.................... 3:000$000
Gratificações nos inspectores por 100 dias de visita, a 4$000 réis cada dia......... 1:600$000
Expediente e secretaria dos 3 inspectores, a 800$000 réis cada um.......2:400$000
Expediente e secretaria do sub inspector, 600$000 réis ................... 600$000
Expediente dos lyceus (3), a 200$000 reis.................... 600$000
Expediente dos lyceus districtaes (18), a 150$000 réis ....... 2:7003000
Despeza com as escolas de instrução secundaria actualmente existentes fóra dos lyceus.......... 7:000$000
170:610$000

Para acquisição de instrumentos, premios, subsidios, etc., (artigo 74.º).............................. 9:390$000
Despesa futura....................180:0000$000

II

Tabella das propinas para o estado

Propina de matricula por anno dos alumnos dos lyceus, pagas em duas prestações, uma no principio e outra no fim do anno lectivo............. 9$000
Propina dos alumnos estranhos que pretenderem fazer exames nos lyceus, por cada anno do curso, e pago no acto de requerer a matricula....... 15$000
Propina de exame de saída............................ 6$000

Propina pelas cartas:

Do curso geral............................ 5$000
De cada um dos cursos complementares......10$000
De ambos os cursos complementares........ 15$000
Propina de exame singular de qualquer disciplina.....9$000
Propina de matricula do candidato ao magisterio de instrucção secundaria............................. 9$000

III

Tabella dos emolumentos dos secretarios dos lyceus Pela matricula dos alumnos dos lyceus:

No principio do anno lectivo....................... $150
No fim do anno lectivo............................ $150
Por cada matricula dos alumnos estranhos........... $300
Cada certidão de exames............................ $200
Cada certidão que não seja de exame (por lauda) ....$300

Mappa comparativo da despeza

Orçamento de 1879-1880:

Despeza auctorisada com os lyceus................................... 69:321$946
Despeza auctorisada com as escolas annexas.... 11:713$325
Despeza auctorisada com substitutos extraordinarios... 6:000$000
Despeza auctorisada com os exames finaes............. 15:000$000
102:038$270

Descontando receita provavel de 8:500 matriculas pela quantia media de réis 3$600............................. 30:600$000

Encargo actual para o thesouro ......... 71:438$270
Despeza futura segundo a reforma proposta........... 180:000$000

Descontando:

Receita de 8:500 matriculas, sendo 3:000 de alumnos dos lyceus, a 9$000 réis. 27:000$000 e 5:500 de alumnos estranhos, a 15$000 reis... 82:500$000

Receita de 42 cartas do curso geral, a 5$000 réis... 210$000
Receita de 300 cartas do curso complementar, a 10$000 reis..... 3:000$000
Receita de 6 cartas de ambos os cursos complementares, a 15$000 réis..... 90$000
Receita de 342 propinas de exames de latinidade a 6$000 réis.......... 2:052$000
Receita de 20 propinas de candidatos ao magisterio secundario, a 9$000 réis 180$000 115:032$000

Encargo futuro para o thesouro.... 64:960$000

Differença para menos............ 6:470$270

Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 31 de janeiro de 1880. = José Luciano de Castro.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Corvo.

O sr. Andrade Corvo: - Sr. presidente, eu não pedi a palavra, mas visto que v. exa. m'a concedeu, usarei d'ella, agradecendo sinceramente a benevolencia de v. exa.

Sr. presidente, o projecto que entra em discussão é, de certo, um d'aquelles que mais interessam a camara e o paiz, porque trata de organisar a instrucção secundaria. Todos sabem bem o estado cahotico, desordenado, incompleto e retrogrado em que hoje se acha esta parte essencial da instrucção publica; o que é um grande mal que ameaça o futuro do paiz.

Este projecto é precedido de um conceituoso relatorio, que faz honra á camara e ao illustre relator da commissão de instrucção publica.

É uma apreciação perfeita e justa de tudo quanto ha de importante n'este assumpto; é a demonstração mais completa da necessidade de regular a nossa instrucção secundaria.

Desnecessario, de certo, é demonstrar quanto é importante esta reforma. A instrucção secundaria influe, não só no desenvolvimento intellectual do paiz, mas até nas suas, tendencias politicas.

Uma instrucção secundaria incompleta, onde os alumnos recebem noções que não satisfazem a nenhuma das necessidades sociaes, onde não se recebe a habilitação necessaria para se poder entrar com segurança e larga base na instrucção superior, e onde não se adquire tambem a necessaria instrucção para os usos da vida, é uma organisação defeituosa da instrucção secundaria, que não deve existir em Portugal, e que não existe hoje em todo o mundo civilisado.

É este o nosso estado, porquanto temos uma lei velha, em condições diversas das actuaes, onde as opiniões variam das de hoje, apesar das differentes reformas da instrucção secundaria que tem havido em toda a parte. Essa lei, apesar de ser bem pensada para a epocha em que foi feita, não e a conveniente para as necessidades de hoje, não satisfaz a ellas. E ainda assim, essa lei não se cumpro.

Todos sabem que o ensino classico parece querer dominar n'aquella organisação, mas a verdade é que na lei de 1844 o que dominava era um ensino incompleto, era só preparar para exames e mais nada. Exames de passagem nos lyceus, porque havia d'isso necessidade para se entrar na instrucção superior, que, para a maior parte dos alumnos, era o curso de direito ou de theologia, e algum outro, por excepção.

É por todos sabido que o estudo classico é necessario á vida intellectual e litteraria de hoje.

Actualmente, o homem de trabalho, o que estuda a industria moderna, precisa conhecer as leis naturaes e sabel-as pôr ao seu serviço. Ora isto não se faz senão estudando as sciencias naturaes, pelo menos no que ellas têem de essencial ás applicações technicas.

As sciencias naturaes, estando quasi excluidas da instrucção secundaria, dão a este ramo da instrucção um caracter diverso d'aquelle que deve ter n'um paiz progressista e democratico, e que pretende pôr-se ao nivel dos paizes mais adiantados nos progressos materiaes.

A lei de 1844 sobre instrucção secundaria, sendo excellentemente pensada para a sua epocha, não era sufficiente para agora; mas quando por vezes se fizeram tentativas para ao menos regulamentar essa instrucção, encontraram-se resistencias da parte dos institutos, e houve uma verdadeira lucta para conseguir introduzir nos lyceus o ensino das mathematicas, que são absolutamente indispensaveis para todos os homens que carecem de uma educação, sufficiente para entrarem nos estudos superiores. Venceram-se essas difficuldades, mas logo sobreveiu outra não menos grave, não menos inconveniente, e foi a que resultou da intenção não realisada de fazer uma reforma completa na instrucção secundaria.

Página 558

558 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Começou isto por tornar difficil o ensino, porque o suspendeu a nomeação de novos professores.

Em um parecer em separado, que deu o sr. conde do Casal Ribeiro, presidente de uma commissão nomeada pelo governo transacto para propor a reforma da instrucção secundaria, mostra-se, á vista dos documentos officiaes, que havia cincoenta e nove cadeiras providas provisoriamente; que o ensino se fazia com uma ligeireza extraordinaria; e que eram immensos os inconvenientes que resultavam do ensino particular, que os professores, com rarissimas excepções, se julgavam auctorisados a exercer em differentes collegios.

Eu não faço accusações a ninguem. Estes defeitos eram a consequencia do modo por que estava organizada, a instrucção, e o principal d'elles era o professor não ter os meios necessarios para viver, nem uma nomeação definitiva; o que fazia com que se aproveitassem do seu saber para adquirirem os meios que lhes faltavam.

N'estas circumstancias, sr. presidente, e fóra de duvida que a reforma da instrucção secundaria é uma necessidade.

Vou agora dar a rasão porque acceitei com gosto a palavra, que v. exa. me concedeu sem eu a pedir, apresentando breves considerações ácerca do projecto.

Tambem fiz parte da commissão encarregada de formular um projecto de reforma da instrucção secundaria, e apresentei opiniões que não estão aqui consignadas, assim como não estão as que apresentou o sr. conde do Casal Ribeiro no seu parecer em separado.

Sr. presidente, a instrucção secundaria, como ha pouco disse, é destinada, a dar a um certo numero de individuos uma instrucção geral que possa servir aos usos da vida. Alem d'isso, é destinada tambem a habilitar individuos para entrarem nos estudos superiores.

Pelo que se refere á habilitação para os estudos superiores, este projecto satisfaz-me em parte; pelo que respeita aos estudos geraes, não me satisfaz cabalmente.

Vamos a examinar estes dois pontos. Tratando da habilitação, vejo que o projecto cria uma instrucção secundaria, que se divido em duas ramificações na sua parte complementar; ramificações que preparam para alcançar titulos de bacharel em letras ou de bacharel em sciencias.

Quando ainda ha pouco se discutia lá fóra o bacharelato em letras e em sciencias, vimos nós apresentar argumentos de grande peso, que deviam ser tomados em conta, e nos deviam levar a não crear um titulo que muitos homens competentes reprovam e que felizmente não temos tido até agora.

Parece-me que o bacharelato tem grandes inconvenientes.

Mas, seja como for, temos duas ramificações complementares, uma de letras e outra de sciencias.

Mas seja como hoje está dirigido em toda a parte o impulso intellectual da humanidade, parece-me que todo o homem, mesmo aquelle que se dedica á carreira literaria, precisa ter conhecimento das sciencias naturaes e mathematicas.

Eu poderia citar alguns exemplos, em que por vezes, homens illustrados e mesmo professores distinctos nas sciencias do direito, sentem deficiencia dos conhecimentos das sciencias naturaes.

Todos sabem que a theologia procura a cada instante o fundamento de muitas das suas doutrinas no estudo e conhecimento das sciencias naturaes.

Por conseguinte, os individuos que se dedicar á theologia, ganham muito em ter este curso complementar, que no programma que vem descripto no projecto, constitue o bacharelato em sciencias.

Eu acho vantagem em que seja obrigatorio, e não vejo conveniencia em que seja dispensado este estudo individuos que se dedicam á instrucção superior, de qualquer natureza que seja.

Aqui a apparente symetria, a apparente concordancia de estudos e um erro, é uma desharmonia.

Não estou de accordo com a lei n'este ponto. A lei estabelece, na ordem de institutos de instrucção secundaria, os lyceus nacionaes centraes, os lyceus chamados puramente nacionaes, e as escolas municipaes, que se hão de organisar em populações importantes, que não sejam cabeça do districto.

Todos elles são nacionaes. Porque se hão de chamar assim os que existem nas cabeças de districto? Pois não era melhor chamar-lhes lyceus districtaes?

Mas, emfim, o nome não importa; o que importa e a natureza do ensino.

Todos sabem que no paiz ha tendencia para a aristocracia local, aristocracia mal entendida. Todos os districtos querem ter lyceus centraes. E porque? Porque julgam que, não os tendo, perdem importancia.

Mas este sentimento nasce de um preconceito; e a lei não se deve dobrar a preconceitos, deve cuidar desveladamente do bem de todos e das conveniencias geraes do estado.

O que é necessario é que a instrucção secundaria satisfaça ao maximo numero de individuos, que se dedicam não a serem doutores, mas a serem homens uteis á industria e á agricultura, homens de trabalho.

Debaixo d'esse ponto de vista não me parece bem estabelecida a organisação que se propõe; porque se os lyceus centraes têem desenvolvimento consideravel na parte de sciencias naturaes e physicas, os lyceus de segunda ordem não vem a constituir senão uma preparação para entrar n'esses lyceus centraes.

Não têem uma vida propria, uma organisação que lhes seja peculiar, e os caracterise como organisações distinctas.

E não me parecia que devesse ser isto. Este ensino... Eu naturalmente hei de commetter n'esta discussão algumas faltas por causa da infidelidade da minha memoria. O projecto é para se estudar a fundo; mas eu estudei largamente estas questões quando estava na commissão a que me referi ha pouco, e depois d'isso nunca mais demorei sobre ellas a minha attenção. Portanto, é provavel ter esquecido algumas particularidades, sobretudo de nomenclatura, mas as idéas geraes com relação ao assumpto ainda as conservo, e bem firmes.

Ia eu dizendo: os alumnos d'estes lyceus nacionaes estudam ahi os quatro annos necessarios para poderem continuar os seus cursos nos lyceus centraes; mas ao completarem n'elles os seus estudos, ficam com instrucção incompletissima, uma instrucção truncada em todos os seus ramos.

Todos sabem que o estudo profundo do latim entrou largamente na educação da Europa, no periodo que precedeu a Renascença, mas este attrahiu aos estudos classicos todas as intelligencias de élite na Europa. O conhecimento dos auctores antigos tornou-se familiar nas escolas; e esses auctores absorveram, por assim dizer, todas as potencias da intelligencia humana.

Na Italia, onde primeiro teve a sua evolução a Renascença, influiu ella nas idéas politicas, na litteratura, na arte, em tudo. Os seus effeitos politicos não foram, porém, de louvar; e mais de uma catastrophe foi provocada, mais de um crime perpetrado em memoria dos heroes celebrados pelos historiadores romanos. Ainda no nosso seculo essa influencia nefasta se tem feito sentir, e tem desviado do seu caminho natural a liberdade moderna, que tanto se deferencia, e tanto acima se eleva da liberdade dos antigos romanos.

O que a maior parte dos cidadãos portuguezes precisam, sr. presidente, é conhecer a fundo a natureza, e conhecer a historia, mas não a que se ensina nos lyceus, que é a historia mechanisada pela rotina; exposição do certo numero de factos sem ligação uns com outros, ensinada por livros

Página 559

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 559

que não satisfazem a necessidade absolutamente nenhuma da sciencia, onde mesmo se repetem muitas cousas que está demonstrado serem verdadeiros erros.

Temos cadeiras de historia para ensinar erros ás novas gerações, o que é um grande perigo. Com todas essas idéas falsas, no estudo da historia, os alumnos em logar de desenvolverem o seu estado intellectual, têem a luctar com os erros que estudam, para aprenderem alguma cousa.

Parecia-me que n'estes lyceus nacionaes ou districtaes, como eu lhes chamaria, se devia ensinar bem o portuguez, bem a historia, em fim, tudo o que é necessario para se poder organisar convenientemente este machinismo complexo que se chama ensino geral secundario.

O uso das linguas vivas, sobretudo aquellas que são communs em toda a Europa, pela fórma que se ensinam nos nossos estabelecimentos de instrucção, de nada servem. O latim do primeiro anno que ali se ensina, não é latim; e quem acaba o curso, aprende apenas grammatica, o que poderia aprender tambem estudando a grammatica portugueza; mas não sabe latim. Não póde conhecer as bellezas litterarias d'esta lingua, nem os seus auctores. Não fica sendo homem de letras, nem latinista. Perde a melhor parte dos primeiros annos da vida, um tempo precioso, sem nenhuma vantagem. Mas o defeito, é maior ainda nas escolas municipaes. Essas então é que deviam ser puramente de sciencias applicadas, de sciencias praticas para fazer conhecer a toda a gente quaes as relações do homem com a natureza, e saber quaes os resultados que devem tirar-se do conhecimento da natureza para os usos da vida.

Lembra-me agora um facto recente.

Nós votámos hontem uma lei que deve ser o aperfeiçoamento da instrucção primaria, lei que reputo mais necessaria que a da instrucção secundaria, comquanto repute esta tambem necessaria; mas n'essa lei vemos nós na instrucção primaria elementar uma cadeira que faz parte do curso, e que se intitula - Estudo dos direitos e deveres do cidadão. Isto diz-se ás creanças de sete annos.

Mas vamos ás escolas primarias do segundo grau, e já se não diz uma palavra a este respeito. Vamos ás escolas municipaes, nem palavra. Vamos aos lyceus, nem uma syllaba.

Nos lyceus ensina-se historia romana, mas os direitos do cidadão, na idade em que podem ser comprehendidos e apreciados, não se ensinam.

Ensinam-se os direitos do cidadão aos sete annos, quando se não comprehende o que é ser cidadão. Parece que não se julga necessario este ensino.

Esta organisação da instrucção secundaria devia ter condições para desenvolver a intelligencia dos alumnos, mas não as tem no grau em que as devia ter.

Este ensino tem exactamente um caracter contrario. Cuida de sobrecarregar a memoria dos alumnos, e não de lhe abrir as faculdades intellectuaes á apreciação scientifica da natureza e da sociedade.

É muito pouco, é insufficientemente scientifico.

Sr. presidente, n'este projecto falla-se por mais de uma vez na creação junto aos lyceus de cadeiras de ensino profissional.

Não creio muito na escola profissional aggregada ao lyceu, que tem uma outra indole e outra ordem de conhecimentos a ministrar.

Parece-me indispensavel crear institutos profissionaes de preferencia ao estabelecimento de cadeiras para este ensino junto dos lyceus.

O fim a que estes se dedicam é inteiramente differente do fim a que é destinado o ensino profissional, cuja natureza e modo por que deve ser dirigido o torna muito distincto do ensino que aos lyceus compete diffundir.

A proposito d'isto acrescentarei que pessoas que têem estudado, mais a fundo a escola profissional estão convencidos que ella deve occupar-se mais do ensino das noções, praticas das sciencias, do que do ensino propriamente de officina, porque este deve ser na propria officina que se receba.

O ensino, pois, dos conhecimentos scientificos na sua applicação ás industrias e artes é o que deve proporcionar-se mais na escola profissional.

Se é n'este sentido que se entendem estas escolas profissionaes aggregadas aos lyceus ou aos estabelecimentos de ensino locaes, n'esse caso não faço objecção. Por grande que seja a consideração que eu tenha á aristocracia das localidades, comtudo creio que era muito mais conveniente que todas estas escolas municipaes se convertessem em escolas profissionaes com applicação ás industrias que em especial dominassem nas diversas localidades do paiz. Assim poderiamos chegar mais rapidamente a ter o ensino profissional; se, porém, o que se quer é que essas escolas e estabelecimentos de ensino locaes sirvam para habilitar os alumnos a frequentarem os cursos superiores no intuito de preparar doutores, não teremos nunca escolas profissionaes. E Deus queira que este meu vaticinio se não realise.

A lei que se discute tem cousas boas, muito boas. A primeira cousa util que se encontra n'ella é a inspecção. É incontestavel a necessidade de crear a inspecção. É dar vida ao pensamento da lei, e por consequencia á instrucção secundaria - é uma das suas condições de progresso. Portanto dou o meu pleno assentimento a esta disposição da lei, e acrescentarei que me parece será de grandissima utilidade uma modificação que no projecto foi introduzida pela commissão d'esta camara.

Fallo na creação dos substitutos. Quareria que mais claramente se dissesse na lei quaes as obrigações extra-escolares d'esta entidade, e tanto mais que parece ter sido essa a idéa da commissão a que me referi, quando as menciona no seu excellente relatorio. O substituto, como muito bem diz a commissão, não deve servir unicamente para substituir na sua cadeira o lente proprietario; mas ser ao mesmo tempo um educador, um explicador que acompanhe e dirija os alumnos nas salas do estudo, explicando as lições, auxiliando-os e dando-lhes a disciplina moral.

Era bom que a lei impozesse explicitamente estas condições aos substitutos.

Direi mais, quereria que nos districtos onde elles não existissem, a lei recommendasse alguma cousa que tendesse ao mesmo fim para que os substitutos são creados; por exemplo, que os professores que estivessem em melhores condições para exercer as, funcções que competirão aquelles, fossem encarregados de dar explicações aos alumnos, nas horas em que não dão aula; e de dirigil-os, dando-lhes educação moral, exercendo n'uma palavra essa especie de protectorado de que falla a commissão com relação aos substitutos.

Diz o relatorio que precede o projecto de que nos occupâmos, que uma das rasões por que o ensino particular é preferido pelos chefes de familia é a disciplina moral que, mais ou menos, encontram os alumnos nos collegios particulares; infelizmente, porém, no ensino publico não temos essa lacuna preenchida.

O facto é que os alumnos, sendo acompanhados por quem possa explicar-lhes as lições, é muito melhor, muito mais conveniente.

Tambem a commissão propõe que haja professores substitutos nos lyceus centraes, com o fim de servirem nas aulas na falta dos professores proprietarios; mas tambem me parece que nos outros lyceus podiam os proprios professores dar-se ao trabalho de auxiliar os alumnos durante as horas de estudo, mediante um pequeno acrescimo de ordenado.

Um outro ponto essencial e importante da lei é substituir este estado desordenado em que se acha o provimento das cadeiras de instrucção secundaria, por um estado regular, em que os professores sejam nomeados mediante concurso feito perante os concelhos dos lyceus.

Página 560

560 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Ainda ha pouco um collega nosso me lembrou um facto que eu já conhecia. Ha um estabelecimento na capital, destinado ao ensino de um ramo de instrucção que é muito estimado em toda a parte, mas não o tem sido infelizmente entre nós. É o ensino das bellas artes. Com este decreto, que poz termo aos concursos e estabelece só as nomeações de professores temporarios, acontece que a academia das bellas artes não tem quasi professores regularmente nomeados, mediante concurso. E os artistas que ensinam temporariamente são muito mal remunerados.

Como se póde ter sciencia, como se póde desenvolver a arte sem ter escolas, e sem pagar convenientemente a individuos que possam dirigir esse ensino? É melhor não o ter, do que tel-o d'esta fórma. Ter instituições fingidas e professores pintados, não serve para nada; nem para as instituições, nem para os professores, nem para os alumnos. É necessario que estes estabelecimentos saibam que influem na vida da nação, e que têem n'isso uma grande responsabilidade. Isto, porém, não se resolve senão por meio de uma organisação completa e séria.

Ha um ponto que o parecer não resolve senão indirectamente; e é o que se refere ao ensino particular pelos professores publicos dos lyceus. A esse respeito dá o illustre relator da commissão uma explicação, a qual confesso que me compraz, debaixo do ponto de vista moral.

Diz-se que os professores podem continuar a ensinar particularmente; mas que quando, esse facto se dê, a sua consciencia deve leval-os a fazer officialmente d'esse facto uma declaração, para não irem examinar nos lyceus da circumscripção a que pertencem, mas sim a outros.

Ora, eu acredito muito na consciencia dos professores, mas não acredito menos nos defeitos da humanidade. Parece-me que ha pouca differença entre a probidade dos professores, que é muita, e os defeitos da humanidade. Esses defeitos de certo hão de prejudicar muito o cumprimento do preceito da lei, porque o professor que declare que não póde ir assistir aos exames porque ensina particularmente na circumscripção em que está estabelecido o lyceu a que pertence, tem de ir a outro lyceu. Mas á sua custa. Não se lhe dá nada para a viagem. Isto em principio é justo, mas na pratica póde ser fallivel.

A camara não se assusta pelo que vou dizer. Eu não aspiro á popularidade; não a quero para nada, se para a alcançar é preciso faltar á verdade, ou mesmo calar a verdade, quando a consciencia ordena que se diga.

É profunda a corrupção que existe nos exames de instrucção secundaria. O peior não é dar diplomas a alumnos que não estão habilitados; o peior é persuadir-lhes, logo no principio da vida, que tudo se compra por dinheiro.

É preciso acabar com estas lições, onde as creanças vão aprender a corrupção e não a moral. Isto é um mal muito grande.

O professor de instrucção secundaria não deve ser admittido a fazer parte do jury dos exames no sitio onde é á sua circumscripção. A lei deve impor-lhe esta obrigação; mas não lhe deve impor um sacrificio com que elle não póde, mas que o póde tentar a faltar á lei.

Parece-me ainda que estes exames de passagem, de que falla a lei, e que devem abranger todas as disciplinas ensinadas durante o anno, não satisfazem, ou podem não satisfazer, nem dar os resultados que se deve ter em vista alcançar por estes exames, isto é, que os alumnos fiquem sabendo todas as disciplinas; porque, naturalmente, não tendo a fazer senão um exame, se encontram professores um pouco indulgentes, podem fazer exame de uma parte em que estejam mais fortes, e tratar ligeiramente as outras todas, emquanto que nos exames feitos parcialmente são obrigados os professores a entrarem mais na apreciação de saber dos alumnos em cada parte; e desde que elles sabem que têem um exame obrigatorio em cada uma das disciplinas, e que têem o de passagem, são forçados a applicar-se, e os examinadores não podem deixar de lhe prestar a devida attenção.

Qual é a vantagem que ha em sujeitar os alumnos a um unico exame n'umas poucas de disciplinas, em vez de exames parciaes em cada uma? O exame unico no fim do anno não é senão a confusão inutil na cabeça da creança, e nós todos que fomos estudantes conhecemos isto perfeitamente.

O exame parcial das disciplinas, como apreciação scientifica, é muito mais rigoroso do que o exame de passagem de que falla a lei, o qual, como apreciação scientifica, não serve de nada.

O exame de passagem é preciso para que o alumno, depois do ter feito o exame separado de cada disciplina, se veja forçado a recordar todos os estudos até ao fim do seu curso.

Em resumo, eu approvo a idéa de reformar a instrucção secundaria. Prefiro esta lei á que existia, que é deficientissima. (Apoiados.) Mas desejava tambem que no projecto que estamos discutindo se introduzissem as modificações que acabo de indicar.

No emtanto, o sr. ministro e a camara farão o que entenderem, porque eu não insisto.

O sr. Barros e Sá: - Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda sobre o projecto de lei de contabilidade.

Leu-se na meça e mandou-se imprimir.

O sr. Thomás de Carvalho: - É costume, sr. presidente, nos parlamentos, quando algum orador pronuncia um tão interessante e erudito discurso como aquelle que acabamos de ouvir lamentar-se da sua má estrella o que tem de responder-lhe, cabendo-lhe a palavra em tão pessima conjunctura.

Não seguirei o uso dos parlamentos, porque, como a camara vae ver, serei apenas o echo das palavras que acabo de applaudir e de admirar.

Declaro desde já que me conformo, quasi em absoluto, com todas as opiniões proferidas pelo digno par que me precedeu. E não se devem admirar os meus collegas d'esta minha conformidade, porque parecendo que o digno par combatia o projecto, de facto elogiou muitas das suas prescripções; dando alguns conselhos rascaveis e fazendo apenas algumas observações sujeitas á contestação, como a tiveram quando pela primeira vez foram apresentadas no seio da commissão, de que ambos fazemos parte.

No decurso d'esta discussão, eu talvez tenha opportunidade de mostrar á camara que o projecto representa exactamente o pensamento do nosso collega, os seus intuitos, as suas vistas ácerca da instrucção secundaria. Não me ha de ser isso muito difficil. Por agora seguirei passo a passo a argumentação de s. exa.

Mas, em primeiro logar, desejo pôr immediatamente uma questão principalissima, a que o digno par deu grande consideração, e que é já sua preoccupação antiga. É a questão da instrucção utilitaria, instrucção a que geralmente se deu o nome de profissional; e que nascida na Allemanha tem pretendido passar para todos os paizes latinos onde ainda não pôde crear raizes.

Ahi mesmo, como me observa um collega, nosso, mesmo na Allemanha, tem já padecido taes transformações, que não representa actualmente o que era no principio.

Houve uma epocha, epocha já longiqua, em que se levantou uma grande tempestade contra os estudos classicos. D'ella data a questão do ensino profissional. Em 1865, porém, já um professor notavel em França dava por acabado o conflicto.

Finalmente, dizia- elle, terminou, a cruzada contra os antigos. Já se não discute sobre a excellencia de uma litteratura que tão bellas obras produziu, e tantas inspirou aos modernos; nem igualmente sobre os fructos que se podem, colher da familiaridade com os genios da antiguidade. D'esses combates e d'essas luctas a que se refere o pro-

Página 561

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 561

fessor francez é ainda reflexo o discurso do digno par a quem tenho a honra de responder.

Disse que não havia quem quizesse mal ao latim e ao grego; mas parece effectivamente que ha porque o latim e o grego, não sei verdadeiramente a rasão, fazem ainda medo aos homens da sciencia; e entretanto elles bem sabem quanto lhes é necessario, quasi direi indispensavel.

Se bem me recordo, ha pouco tempo, um professor da universidade de Berlim, um dos homens mais distinctos da epocha actual, fez uma conferencia para mostrar quanto eram indispensaveis aos homens de sciencia todos os estudos classicos. Respondia aos que punham em duvida a sua grande utilidade.

Como elle, eu julgo tambem, tão essenciaes os estudos litterarios como os scientificos para a illustração geral; e nem podemos fazer exclusão de uns relativamente aos outros no ensino propriamente medio.

É preciso definir bem o que é o ensino medio.

Disse um mestre da antiguidade que a palavra fôra dada ao homem para exprimir o seu pensamento, porque era sómente por elle que o homem se distinguia do resto da animalidade.

Assim como a ave nasceu para voar e o cavallo para correr, nasceu o homem para pensar.

Desenvolver a intelligencia é o fim da instrucção, principalmente da secundaria.

Esse é o seu principal officio; preparar para os cursos superiores, é obrigação subsidiaria.

Repito, sr. presidente, o principal fim da instrucção secundaria é fornecer a illustração geral, e essa só póde vir do conjuncto das letras e das sciencias.

Se, porventura, se definiu na lei o que era instrucção secundaria, foi para todos verem que as prescripções d'ella correspondiam áquella definição, ao pensamento que dirigiu o legislador.

A instrucção secundaria tem sido considerada debaixo de diversos aspectos e por isso se chamou igualmente instrucção media, áquella que existe, principalmente, na Allemanha, com o nome do profissional, e que toma o titulo de especial em França.

Seguindo as tendencias da sociedade moderna, convem dar na instrucção secundaria aquelles elementos das sciencias que possam preparar para os misteres e usos da vida, e que ao mesmo tempo são preliminares dos estudos superiores.

Pareceu-me que o digno par que me procedeu não tinha dado ao trabalho dos legisladores de 1836 e 1844 todo o valor que realmente merecem.

Elles pensaram n'essa educação profissional, e não só pensaram, mas incluiram nas leis d'aquellas epochas as prescripções necessarias para que podesse ser posta em execução.

Assim, por exemplo, na lei de 7 de novembro de 1836, no artigo 38.°, §§ 6.°, 7.° e 8.°, mandava se ensinar em todos os lyceus os principios de physica chimica, mechanica applicada ás artes e officios, principios de historia natural dos tres reinos, tambem com applicação ás artes e officios, e, finalmente, principios de economia politica, commercio e administração publica.

É certo que não foram orçadas as cadeiras respectivas nos lyceus; mas d'isso não cabe a culpa ao legislador, mas a quem teve posteriormente de executar a lei.

E não era de admirar que n'aquelle tempo, quando não havia ainda elementos para se instituirem lyceus em todas as capitaes de districtos, faltassem tambem professores para essas cadeiras que se creavam.

Portanto, a idéa a que se referiu o digno par não é moderna, não é de hoje, é já antiga em Portugal.

Em 1844 houve, segundo eu mesmo escrevi no relatorio que precede este projecto, uma tendencia que se poderia considerar retrograda; houve, talvez, o intuito de dar a preferencia aos estudos litterarios; collocando em ordem secundaria as sciencias physico-naturaes.

Estabeleciam-se verdadeiramente os lyceus classicos; entretanto deixava-se ao governo a faculdade de crear, conforme as necessidades locaes - note-se bem, é importante isto - conforme as necessidades locaes, aquellas cadeiras de applicação pratica que o governo entendesse conveniente e que ao mesmo tempo podessem servir ás industrias e aos misteres a que eram destinadas.

Assim se dizia, que se poderiam crear cadeiras de introducção á historia natural com as suas mais usuaes applicações á industria e á agricultura, cadeiras de economia industrial e rural, de mechanica industrial, etc.

Por aqui se vê, pois, que na lei de 1844 o ensino profissional era attendido e estava; por assim dizer, decretado; se, porventura, se não experimentou, foi provavelmente pelas mesmas rasões que fizeram com que não fosse posta em pratica toda a reforma do ensino feita pelos legisladores de 1836.

Ainda assim é necessario proclamar bem alto que se fizeram reformas notaveis, reformas em conformidade com o pensamento sobre instrucção secundaria, que ha pouco a camara ouviu ao nosso illustrado collega.

S. exa. entende que ha de ser difficil, com as disposições da lei, obviar áquella especie de immoralidade que se terá introduzido nos exames da instrucção secundaria: á corrupção, digamos a palavra, porque outra não póde ter. Pois direi a s. exa., que um ministro que geriu a pasta dos negocios do reino com grande proficiencia e illustração, procurou occorrer a este mal, a esta enfermidade da instrucção secundaria, por meio das commissões de exame, e prohibindo aos professores que ensinassem particularmente, o poderem examinar nas localidades onde exercessem o ensino particular.

O que se fez então por meio dos regulamentos, está exarado na lei. Esta era igualmente a idéa do nosso collega.

Mas, voltando a questão do ensino, o meu digno collega vê que não sómente temos uma idéa clara do que é o ensino profissional, mas que o temos decretado nas leis do 1836 e 1844.

Não é exactamente o que se observa na Allemanha, nos seus collegios scientificos, bem o sei; tende, porém, a satisfazer ao mesmo destino

As escolas reaes ou positivas ensinam profundamente a sciencia, mas não excluem, reparemos n'isto, os estudos severamente classicos.

Ha duas especies de instituições na Allemanha: os gymnasios, que correspondem aos nossos lyceus e aos de todo o resto da Europa, e as escolas reaes, a que podemos chamar gymnasios profissionaes ou scientificos.

N'estes o desenvolvimento notavel no estudo da sciencia sobreleva ao estudo das letras. Notemos, todavia, que n'elles foram ultimamente introduzidos dois annos de latim.

Os tres primeiros annos dos gymnasios e os tres primeiros annos dos institutos scientificos são exactamente os mesmos; têem a mesma intensidade no estudo, têem exactamente os mesmos programmas. Separam-se depois, da modo que ha uma differença radical entre uns e outros institutos, porque n'uns com mais intensidade se ensinam os estudos classicos, as humanidades; nos outros, com maior profundidade as sciencias.

Estas são as suas funcções diversas.

Muitos desejariam que imitassemos esta organisação do ensino secundario, tão acabada e tão perfeita, não se lembrando que os nossos estabelecimentos obedecem a outras tradições, e os estudos a outras correspondencias com a instrucção superior, que seriam um grande obstaculo á adopção de similhante plano de ensino.

Acresce que os gymnasios scientificos habilitam immediatamente para as escolas de pontes e calçadas, para as

Página 562

562 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

escolas florestaes, para as de artes e officios, para as de minas, etc.

Com este curso são dispensados os alumnos que se destinam á carreira militar, do exame que devem fazer de aspirantes.

Tudo isto é differente entre nós.

Note-se ainda que estes institutos constam de oito classes, de um anno de estudo cada uma, quer dizer, que o ensino integral leva oito annos a completar-se; ha, porém, diversos diplomas, uns para os alumnos que seguem unicamente até o quarto anno, outros para o que seguem até o sexto, e, finalmente, diplomas para os que seguem até o oitavo; servindo estas differentes habilitações para diversos misteres ou empregos. Assim como sem o complemento de todos os estudos dos lyceus ou gymnasios na Allemanha, e sem o exame de saída, que corresponde ao bacharelato na França e na Belgica, se não póde ser inscripto ou matriculado nas universidades, da mesma sorte este ultimo grau, este oitavo anno dos institutos de que fallo, serve de preparatorio para as escolas de applicação, e de entrada para os logares superiores; emquanto os outros certificados (não são já diplomas) de exame de passagem dão entrada em diversas administrações do estado, para diversos empregos de differentes categorias.

No projecto de lei que discutimos actualmente, quiz-se occorrer ás necessidades que fizeram crear na Allemanha aquellas duas especies de institutos.

A quem ler superficialmente a lei, não se apresentarão á primeira vista as disposições referentes aquellas necessidades. Lá estão todavia!

Assim, por exemplo, nas escolas municipaes, ensina-se o portuguez, o francez, a arithmetica, geometira, escripturação e desenho, e logo em seguida se diz:

«Nas escolas municipaes secundarias poderá o governo estabelecer uma ou mais cadeiras de ensino profissional, em harmonia com as necessidades locaes.»

O governo não podia, nem devia estabelecer desde já estas cadeiras, não sabendo ainda, e nem tendo havido até agora um inquerito, para saber quaes são essas necessidades locaes.

Eu não acredito que se queira dizer, por exemplo, que nas Caldas deve haver uma cadeira de ceramica, e que a mesma cadeira, deve existir em Aveiro, porque ali ha fabricas notaveis de louça; que a chimica applicada ás artes devia ser objecto de um curso profissional na Covilhã, ou em outra qualquer povoação, onde existisse a mesma industria que ali se exerce.

E assim por diante, não é de certo isto que se quer nem tão pouco o que o nosso collega deseja.

A sciencia hoje é toda pratica, a sciencia das escolas deve aprender-se praticamente; a technica porém pertence aos institutos especiaes; que é preciso estabelecer nas localidades onde os póde haver. Para isso temos na lei faculdades sufficiente.

Da mesma sorte que nas escolas municipaes, diz a reforma que nos lyceus centraes, como nos districtaes se podem crear as cadeiras de ensino profissional que o governo entender, ou que sejam reclamadas pelas industrias locaes. N'estes institutos profissionaes ensinar-se-hão as sciencias com maior intensidade que nos propriamente classicos, e relativamente a esses seja-me licito não acceitar as idéas expostas pelo meu illustre collega, ácerca da influencia das linguas antigas na educação das novas gerações. O latim e o grego são duas linguas que não podem deixar de existir e serem ensinadas nos institutos secundarios, e eu escuso de dizer a rasão, porque fallo diante de uma assembléa tão esclarecida, que certamente me dispensa os argumentos que eu poderia adduzir em favor de tão clara these.

Entretanto sempre quero dizer á camara onde começou esta viva guerra aquellas duas linguas da antiguidade. Em 1850; Bastiat n'um pamphleto notavel pediu a suppressão do bacharelado. A antiguidade classica era uma má escola para a mocidade; dizia elle, o povo latino é um povo de salteadores. Os estudos classicos, acrescentava, não fazem senão pedantes, rhetorios, e espiritos turbulentos e facciosos.

Bastiat era um economista de primeira plana, mas não consta que adquirisse um grande nome como homem de letras. Como auctoridade na materia não tem nenhum valor. Não é com duas regras engraçadas e espirituosas que se abala o edificio tradicional de instrucção secundaria.

Da contestação levantada por Bastiat apenas se sentem hoje os echos longiquos, e já por assim dizer extinctos e apagados.

Entretanto fez tal impressão nos animos, que alguns homens de letras notabilissimos saíram a combate em defeza da antiguidade.

Victor de Laprade, por exemplo, o academico distincto, e preclarissimo poeta, diz cheio de indignação: «Não ha educação liberal sem grego e sem latim: é mister, antes de tudo, deixar intactos os estudos gregos e latinos; embora para os salvar, tenhamos de lançar ás ondas todo o resto do ensino».

Tal é o amor d'este homem de letras por a civilisação antiga de que nós todos procedemos, e aonde vamos encontrar os maiores exemplos de todas as virtudes civicas e domesticas.

Ha tempo, na Belgica, notou-se que havia uma certa disparidade entre a illustração dos alumnos que aprendiam nos lyceus do paiz, e aquelles que vinham da Allemanha. Sabia-se mais latim na Allemanha do que na Belgica. Qual era a rasão d'isto?... Mandaram-se expressamente dois commissarios á Allemanha para estudarem a organisação dos lyceus, e muito principalmente a organisação do ensino da lingua latina, e vieram annos a dizer que a inferioridade da Belgica procedia de que na Allemanha havia oito annos de latim e na Belgica sómente sete, e que; portanto, era necessario equiparar o ensino.

Já se vê que, pedindo nós o latim para as sciencias o para as letras, o nosso parco latim de quatro ou cinco annos, ficâmos ainda muito atrazados relativamente áquillo que se sabe d'esta lingua em todos os lyceus estrangeiros.

Julio Simon diz no seu nobilissimo livro sobre o ensino secundario: «É mister educar os nossos filhos para o nosso tempo e para o nosso paiz».

Parecia que estava exactamente a exprimir o pensamento do nosso collega.

N'estas palavras está resumido todo o seu discurso. Mas elle acrescenta: «É todavia mister igualmente não separar o nosso tempo e o nosso paiz da tradição humana. Torna-se tanto mais necessario conservar o grego e o latim no bacharelado, quanto é talvez o unico meio de os conservar nos lyceus. Poucas pessoas aprenderiam latim sem o bacharelado ».

Este é que é o complemento.

A mim custa-me ouvir dizer mal d'esta lingua, e creio que não sou o unico que tem similhante susceptibilidade, (Apoiados.) porque, como foi já dito, a lingua latina parece representar ainda a magestade do grande povo que a fallou.

É a lingua dos conquistadores e dos missionarios; dos conquistadores da terra e dos conquistadores; do céu. As medalhas, as moedas, os epitaphios, as inscripções, as leis, os canones e os annaes todos fallam latim. Foi tambem o latim da alta sciencia. Copernico, Kepler e Newton e muitos outros escreveram em latim.

Respondendo ao áparte do meu illustrado collega, concordo em que certamente os sabios de hoje prefeririam escrever em francez; não duvido d'isso: isto, porém, não impede que seja uma verdade o que digo. O latim era o francez d'aquella epocha. Porque não havemos pois de estudar estas linguas, não para as fallar, não para as escrever,

Página 563

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 563

mas para nos pôrmos em contacto com as duas grandissimas civilisações que ellas representam?

As linguas, tanto as antigas como as modernas, são meros instrumentos, e por consequencia quanto esses instrumentos forem mais aperfeiçoados, mais prompta e mais efficazmente poderão servir a intelligencia.

Se acaso me perguntarem os meus collegas se é necessario nos nossos lyceus como em França que se façam composições latinas, se escrevam versos em latim, haja themas de tanta difficuldade que possam vir a ser objecto de concurso publico, direi que não certamente que não. Esta é a opinião dos pedagogos mais acreditados de França, onde tem havido realmente abuso no ensino do latim.

Creio que foi Duray, não afianço a citação, quem disse n'uma circular que as linguas mortas são para ser traduzidas, e que as linguas vivas são para serem falladas. Por conseguinte devemos na nossa organisação fazer que as linguas vivas, o portuguez, o francez, o inglez, o allemão, que são linguas para fallar e escrever, se não separem das linguas que são unicamente para traduzir, e para o estudo das grandes civilisações e dos monumentos da antiguidade.

Isto quanto ao latim. A respeito do grego digo a mesma cousa, e escuso de o demonstrar ao collega a quem respondo, e que é mais erudito n'esta materia do que eu o podia ser.

Elle que é um verdadeiro litterato, como o tem mostrado por mais de uma vez, (Apoiados.) elle que se póde dizer uma encyclopedia viva, que trata e conhece as letras como poeta e como romancista; que é ao mesmo tempo homem de sciencia, e de tudo tem dado brilhantes demonstrações, (Apoiados.) deve saber quantos subsidios fornece á sciencia e ás letras aquella lingua grega, que muitos preferem pelas suas bellezas, pela sua harmonia e composição á propria lingua latina.

Agora fallarei, se v. exa. me permitte, de alguns pontos em que me pareceu não ter o meu illustre collega comprehendido perfeitamente a economia da lei que discutimos.

Julgo ter dito s. exa. que não se estabelecia n'ella o estudo dos direitas do cidadão, que nas suas prescripções se não encontrava cousa alguma a tal respeito.

Foi este um dos pontos que tocou, e eu encontro logo na organisação uma cadeira onde esses direitos são ensinados.

E note v. exa. que não é sómente nos lyceus centraes, é nos lyceus de segunda ordem, nos proprios lyceus nacionaes.

No artigo 6.° da reforma encontra-se sob o n.° 7, a cadeira intitulada: «Elementos de legislação civil, de direito publico e administrativo portuguez, e de economia politica.»

Sobre o assumpto já se vê que não houve omissão.

Quanto aos exames de passagem, parece-me que estas palavras produziram no espirito do meu collega a impressão que n'outros fez a palavra de aggregados.

Foi talvez um erro pôr na lei a denominação de exames de passagem; mas elles são assim chamados em França e na Allemanha. Aquella nação considera hoje um grandissimo progresso a instituição dos exames de passagem nos lyceus, que d'antes não existiam. Passava-se de classe para classe unicamente pela informação do professor; não havia exame publico, não havia o exame a que presidisse um inspector do governo, como acontece na Allemanha.

Por consequencia, não innovámos cousa alguma, senão na palavra, que ainda assim não era nova para Portugal, porque no regulamento de 1872 estão já mencionados os exames de passagem. A final os exames de passagem são apenas os nossos bem conhecidos exames de fim do anno. Tambem o digno par perguntou porque se não faziam os exames por disciplinas e se haviam de fazer por annos de curso?

Respondo a s. exa. que se fazem por disciplinas. Ahi está o que diz o artigo 32.° da lei:

«O governo estabelecerá no regulamento a fórma e processo dos exames de passagem e de saída, de fórma que o exame verse sobre as materias do curso ou annos do curso, e a votação recáia sobre cada uma das disciplinas, podendo o alumno reprovado n'uma repetir o exame d'essa disciplina em outubro proximo.»

Posso dizer e afiançar á camara que n'este pequeno artigo está toda a economia da lei, todo o progresso, todo o desenvolvimento de instrucção secundaria. Não parece. Pois todos os males, todos os inconvenientes que sé notam na actual organisação da nossa instrucção secundaria, provém exactamente de não se achar este principio estabelecido na organisação que actualmente entendemos reformar.

Julgo haver satisfeito o meu collega com estas explicações.

Eu estou persuadido que este projecto apresentado pelo sr. ministro do reino, é actualmente a expressão mais feliz de tudo que se tem dito sobre instrucção secundaria, é a organisação mais perfeita que existe actualmente. Basta comparal-a com a de todos os outros paizes. Aproveitaram-se todas as experiencias; admittiram-se as que melhor applicação poderiam ter ás nossas condições.

Na camara dos senhores deputados supprimiram a classe dos substitutos, talvez com rasão, porque na maior parte das vezes é uma sinecura; eu já fui substituto, e por isso posso fallar de cadeira; e se o professor proprietario é assiduo e tem saude, a substituição é perfeitamente uma sinecura, uma inutilidade. Mas se o substituto reger a cadeira na falta do professor effectivo, e tiver outras obrigações, que bem patentes estão no relatorio, a sua instituição julgo-a utilissima, e talvez devesse ser incluida na lei.

Entretanto, não me parece que o governo esteja inhibido de a decretar nos regulamentos. Não me opponho, todavia, a qualquer additamento que se queira fazer n'este sentido.

Creio ter respondido ás observações extremamente benevolas que o nosso collega, o sr. Corvo, fez ao projecto que se discute. Elle desejaria melhoral-o, e sobretudo inclinal-o para as idéas que não só agora, mas já n'outro tempo expoz ácerca da instrucção secundaria.

Não nos foi possivel conformar-nos completamente com todas essas idéas; algumas d'ellas, todavia, como a camara acaba de ver, estão exaradas em differentes artigos do projecto, de modo que se s. exa. tivesse feito um estudo mais aturado e completo da reforma, veria que muitas das suas disposições obedecem exactamente ao pensamento que manifestou no seu discurso, e no debate que precedeu a formação d'esta proposta de lei.

Termino, sr. presidente, e agora peço licença para seguir os costumes parlamentares, pedindo á camara que me releve os erros que possa ter commettido, e lhe agradeça do coração a benevola e indulgente attenção com que se dignou ouvir-me.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos dignos pares.)

O sr. Andrade Corvo: - Sr. presidente, ácerca do projecto já eu disse o que me parecia essencial, apreciando as suas principaes disposições, e por consequencia nada mais direi a este respeito.

O sr. relator da commissão, respondendo ás observações que eu tive a honra de apresentar, accusou-me de inimigo do latim e do grego. Alguem poderia ter esse peccado, eu não.

A rasão pela qual me parecia que na organisação geral dos lyceus, não nos centraes, mas nos secundarios ou districtaes, o latim era demasiado, é porque o latim, que se ensina nos lyceus centraes, é insufficientissimo, como todos conhecem, e o que se ensinar nos districtaes não será latim, será apenas grammatica latina; a qual só póde, talvez,

Página 564

564 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS DO REINO

servir para auxiliar o conhecimento e o estudo, da grammatica portugueza. Na realidade, esse ensino dos rudimentos do latim só servirá para satisfazer a necessidade de transitar dos lyceus districtaes para os centraes, e d'ahi para a universidade.

Mas, como esta lei tem dois fins, e elles estão bem expressos n'ella; para os tornar realisaveis, e para estar de accordo com o pensamento da lei, é que eu fiz este reparo.

A instrucção secundaria deve servir para diffundir os conhecimentos geraes, e para preparar, para os estudos superiores.

Por consequencia, vendo que a primeira clausula da lei é diffundir os conhecimentos geraes indispensaveis para todas as carreiras, não me parece que o illustre relator da commissão, cuja sciencia todos conhecem, e cujas habilitações especiaes nos estudos classicos e litterarios são geralmente reconhecidas, me possa dizer, que seja uma necessidade da instrucção geral, destinada a diffundir os conhecimentos indispensaveis para todas as carreiras, o saber latim.

Nós somos todos cidadãos portuguezes, mas o numero dos que sabem latim é pequeno, e comtudo todos vivem e são uteis á patria.

Por consequencia, a meu ver, não se póde justificar o latim nos lyceus districtaes.

Todos sabemos que para ser homem de letras é preciso saber latim; mas o paiz não precisa ser composto de litteratos, precisa ser composto de trabalhadores, que se occupem nos misteres industriaes. Mas, o que vejo é que o periodo da vida em que o homem aprende é limitado e nem todos podem gastar uma parte d'esse tempo dedicando-se ao estudo das letras.

Dado esse limite, é preciso calcular exactamente o que se lhe póde ensinar de mais proprio para satisfazer ás necessidades da vida social e ter conhecimentos geraes, que são uteis a todos.

Digo, pois, que olhando á questão por este aspecto, o demasiado ensino de latim nos lyceus districtaes tem graves inconvenientes.

O illustre relator e meu velho amigo (perdão, de lhe chamar velho), pareceu accusar-me de que eu detestava o latim; mas pelo que tenho exposto demonstra-se que não o detesto nem combato.

Sustenta, s. exa. que o estudo do latim é um meio de poder elevar as faculdades intellectuaes pelos grandes, pelos esplendidos exemplos da civilisação romana. Permitta-me, comtudo, observar-lhe: é incontestavel que à litteratura latina, e não só ella mas tambem a litteratura grega nos ministra modelos quasi inimitaveis de perfeição no dizer; mas passar d'ahi a querer demonstrar que a maneira de fazer bons cidadãos para a vida da sociedade moderna é ensinar-lhes como procediam os cidadãos romanos - não me parece rasoavel.

Eu não comprehendo que se vá buscar para modelo de cidadãos um povo que, embora muito illustrado, era dos mais barbaros nos actos da vida publica. Uma organisação social como era a dos romanos, baseada na escravidão e na conquista, repugna á civilisação moderna. Portanto, d'ahi as unicas lições que se podem adquirir são para os litteratos modernos, para os litteratos de todas as epochas. Não confundamos o homem de letras com o cidadão.

O homem de letras deve ser bom cidadão; mas o bom cidadão póde muito bem não ser homem de letras.

É, pois, assim, que eu entendo que os lyceus, quando ensinam latim como preparatorio para as carreiras litterarias, dão insufficientes conhecimentos da litteratura romana.

Mas, deixando isto, direi em referencia á comparação feita pelo illustre relator, que effectivamente a lei actual comparada com a de 1836 apresenta uma differença notavel. Aquella lei tinha muitas disposições inexequiveis, mas era inspirada por um grande sentimento - fazer d'esta nação de frades uma nação de trabalhadores; ensinar o povo a empenhar os seus esforços para colher o maximo proveito do seu trabalho.

A lei de 1844 tem um caracter diverso; tem uma feição mais classica, mais litteraria, mas muito menos scientifica.

A respeito de sciencias naturaes quasi que não diz uma palavra. Temos aqui muita cousa excellente para fazer negociantes e para fazer cidadãos que se entreguem a outros misteres, porém para fazer industriaes e lavradores não creio que sirva.

Ensina-se n'estas escolas, é certo, o desenho. O desenho é a escripta da fórma, e toda a gente precisa saber desenhar, mais ou menos; para este conhecimento vulgar do desenho, bastaria o que se ensina nas escolas de que estou fallando; mas esse não é o sufficiente, quando se trate de ensino profissional.

A lei que discutimos tambem se occupa do ensino do desenho. Mas nas escolas municipaes este ensino é muito incompleto; e alem d'isso será difficil crear cursos profissionaes propriamente ditos.

Nas povoações que não são muito abundantes de meios em Portugal, onde se crearam escolas municipaes, a creação de uma cadeira de ensino profissional, cuja despeza fica só n'uma terça parte a cargo do governo, trará um encargo com que os municipios não hão de poder, e por consequencia esse ensino profissional nunca virá a ser uma realidade; porque a sua sustentação traz grandes despezas, não só com o pessoal, mas ainda com os apparelhos precisos para as demonstrações physicas e de historia natural. A lei de 1886 creava as escolas profissionaes, ficando a cargo do estado; pelo projecto que se discute ficam a cargo das localidades, e portanto ha de ser difficil que se estabeleçam. N'esta parte, este projecto é restricto de mais, e creio que não chegará a dar nenhum resultado pratico.

Mas, sr. presidente, quando eu pedi a palavra não foi senão para agradecer ao illustre relator da commissão a benevolencia, que não mereço, com que se referiu a mim, e que é toda filha da bondade de s. exa. Comtudo, não me sentarei sem dizer á camara que julgo faltar na lei uma cousa que reputo essencialissima. É minha opinião, a qual já exprimi no seio da commissão que elaborou o projecto, e exprimo agora aqui de novo, que é indispensavel crear escolas normaes de ensino secundario, porque sem ellas o aperfeiçoamento d'esse ensino torna-se problematico.

E não é preciso para isso que o estado faça grande despezas, porque tem meio de o fazer economicamente. Bem sei que vou levantar contra mim opposição do professorado com o que estou dizendo e vou dizer; eu, porém, não quero ter popularidade em parte alguma, e só pretendo dizer a verdade toda ao paiz. Entendo que o curso superior de letras devia constituir tambem um curso normal secundario, o que seria verdadeiramente util - que util é o curto de letras como alta instituição de ensino superior. Os professores do curso superior de letras são homens muito illustrados, e por conseguinte o acrescentamento de duas cadeiras n'aquelle curso, sem alterar o pensamento que presidiu á sua creação, podia dar o pessoal necessario para constituir simultaneamente uma escola normal de ensino secundario, a fim de crear professores que saibam ensinar, que tenham pratica do ensino, porque o maior defeito da nossa instrucção em geral é a falta de conhecimentos pedagogicos dos professores. A maior parte d'elles são homens muito esclarecidos, mas não sabem como se ensina, por não terem todos os estudos especiaes precisos para se dirigirem no seu mister, de maneira que busquem no conhecimento e no exame das disposições intellectuaes dos alumnos a quem têem de ministrar o ensino o modo de lhes incutir com facilidade e segurança as idéas que tem de lhes fazer entrar no espirito. É preciso pois que os professores aprendam a ensinar, e para isso é indispensavel que hajam as escolas normaes a que me referi. De outra fórma

Página 565

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 565

nada adiantaremos nem o ensino secundario se poderá melhorar.

O corpo dos professores do curso superior de letras de certo abraçará esta idéa, e se prestará a realisal-a, em condições rascaveis.

Outro defeito do nosso ensino secundario, que exige uma reforma radical, é a multiplicidade dos livros, entre os quaes, mesmo dos melhores, poucos ha que prestem para o estudo dos alumnos.

Aqui perco eu toda a popularidade, levantam-se todos os auctores de livros contra mim.

Eu estou convencido que a maior parte dos auctores dos livros de ensino não sabem o que escrevem, ou para melhor me explicar, sabem bem aquillo sobre que escrevem, mas não para quem escrevem, isto é, não escrevem para creanças. (Apoiados repetidos.)

Eu entendo a liberdade de ensino na instrucção superior, mas a instrucção primaria e secundaria não podem deixarão se ensinar por livros, (Apoiados) mas livros onde as idéas sejam bem expostas e que abranjam todas as doutrinas e escriptos á altura das intelligencias das creanças que d'elles têem que fazer uso (Apoiado.)

É tambem indispensavel a boa escolha dos livros de ensino, o que se conseguirá pelo concurso dos auctores de tres em tres annos. Não antes. Mas tambem não deve exceder a tres annos, porque, n'este espaço de tempo, a sciencia vae progredindo, e os livros no fim d'este termo são já velhos.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Ministro do Reino (Luciano de Castro): - Explica as rasões que o levaram a apresentar o projecto que se discute, e declara que está de accordo com a opinião do digno par, sr. Andrade Corvo, quanto á necessidade do estabelecimento de escolas normaes secundarias, e á conveniencia do concurso para a adopção dos compendios.

(O discurso do orador será publicado na integra quando s. exa. devolver as notas.)

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Apresentou varias considerações com referencia ás opiniões sustentada pelos dignos pares que o precederam, e á doutrina de alguns dos artigos da proposta em discussão.

(O discurso do digno par será publicado quando s. ex. o devolver.)

O sr. Vaz Preto: - Mando para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos ao governo pelo ministerio das obras publicas.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Requerimento

Requeiro, pelo ministerio das obras publicas, os seguintes documentos:

1.° Copia de todas as propostas do actual administrador geral das matas, entradas na repartição competente desde 1 de novembro de 1879 até 31 de março ultimo, para a nomeação, transferencia ou substituição de empregados, e concessão de gratificações por serviços extraordinarios.

2.° Copia dos despachos ministeriaes que recaíram sobre essas propostas.

3.° Nota extrahida das folhas existentes na repartição de contabilidade, de todas as gratificações, ajudas de custo, forragens e despezas de transporte abonadas por qualquer motivo desde 1 de novembro de 1879 até 31 de março ultimo, com declaração dos despachos que auctorisam taes abonos.

4.° Copia das requisições para despezas extraordinarias no mez de março. = Vaz Preto.

O sr. Presidente: - Deu a hora.

A primeira sessão terá logar na proxima sexta feira 7 do corrente, sendo a ordem do dia a que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 5 de maio de 1880

Exmos. srs.: Duque d'Avila e de Bolama; João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Monfalim, de Sabugosa, de Vallada; Condes, de Avilez, de Bomfim, de Cabral, de Castro, de Linhares, de Rio Maior, de Samodães, da Torre, de Valbom, de Gouveia, do Casal Ribeiro; Bispo eleito do Algarve; Viscondes, de Alves de Sá, da Asseca, de Bivar, de Borges de Castro, de S. Januario, de Soares Franco, da Praia, de Villa Maior, de Chancelleiros, de Algés; Barão de Ancede; Mello e Carvalho, Quaresma, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Rodrigues Sampaio, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Coutinho de Macedo, Barjona de Freitas, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Margiochi, Andrade Corvo, Mendonça Cortez, Braamcamp, Baptista de Andrade, Castro, Lourenço da Luz, Manços de Faria, Mello Gouveia, Sequeira Pinto, Pereira Cardoso, Mexia Salema, Mattoso, Luiz de Campos, Camara Leme, Daun e Lorena, Seixas, Vaz Preto, Franzini, Mathias de Carvalho, Placido de Abreu, Calheiros, Thomás de Carvalho, Vicente Ferrer, Seiça e Almeida, Cau da Costa, Eugenio de Almeida.

Página 566

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×