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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

EXTRACTO DA SESSÃO DE 5 DE JUNHO.

Presidencia do Em.mo Sr. Cardeal Patriarcha.

Secretarios — os Srs.

Conde de Mello.

Conde da Louza (D. João).

(Assistiam os Srs. Ministros, do Reino e da Marinha.)

Depois das duas horas e meia da tarde, tendo-se verificado a presença de 38 dignos Pares, declarou o Em.mo Sr. Cardeal Patriarcha aberta a sessão. Leu-se a acta da antecedente contra a qual não houve reclamação.

O Sr. Secretario Conde de Mello deu conta do seguinte expediente:

Um officio do Ministerio da Guerra, satisfazendo ao requerimento da commissão de guerra desta Camara, em que sollicita os processos de certos individuos.

O Sr. Secretario Conde de Mello = Os processos de que tracta esta correspondencia acham-se na secretaria, para serem presentes á commissão quando se requisitarem.

Para a secretaria.

— da Camara dos Srs. Deputados, acompanhando uma proposição de lei, augmentando o ordenado do Escrivão do 4.° deposito do Arsenal da Marinha.

À commissão de marinha e ultramar.

- da mesma Camara, acompanhando outra proposição de lei, que fixa os ordenados dos Lentes effectivos e substitutos da escola naval.

A commissão de fazenda.

O Sr. Silva Carvalho — Por parte da commissão de legislação participo, que ella nomeou para a do orçamento os dignos Pares Barão de Chancelleiros e Sequeira Pinto.

ORDEM DO DIA.

Continúa a discussão do parecer n.° 229, sobre a Presidencia do Conselho sem pasta.

O Sr. José Maria Grande — Sr. Presidente, eu reconheço que o projecto em discussão não carece da minha defeza. Elle tem habeis defensores nos illustres membros da commissão especial, que são contados pela Camara, e pelo paiz, entre as suas mais distinctas notabilidades Fora portanto uma temeridade apresentar-me eu como campeão do projecto quando elle tem taes e tão dignos defensores. E não foi tambem com esse intuito que eu pedi a palavra — pedi-a por intender que não devia ficar silencioso, quando se tractavam com desfavor, e neste logar, collegas e amigos ausentes, que não podiam aqui defender-se — pedi-a porque julguei que não devia ficar silencioso, quando era aggredido com manifesta injustiça um estabelecimento cuja direcção me está confiada, e cuja defeza é um dos meus primeiros deveres. Foi pois para desempenhar estes deveres de lealdade que eu pedi a palavra; mas visto que entrei na arena do debate, permittam-me os nobres membros da commissão, que eu diga algumas palavras sobre o projecto. A Camara ouviu a vigorosa defeza que o illustre relator da commissão apresentou nesta Casa com relação ao parecer que se discute; ouviu os argumentos que elle empregou, argumentos que estão ainda de pé, que não foram ainda combalidos. O digno Par o Sr. Conde de Thomar (O Sr. Visconde de Fonte Arcada — Peço a palavra.) julgou que era melhor entrar no campo das generalidades, apresentar algumas asserções banaes, e estranhas ao debate, do que combater as razões dos seus adversarios. S. Ex.ª persuadiu-se que deste modo podia evadir-se á difficuldade em que estava collocado, porque os argumentos do illustre relator da commissão foram como costumam ser sempre os seus argumentos, de tanta força, e portal modo indestructiveis, que o digno Par intendeu, na sua prudencia, que combate los seria torna-los mais salientes e vigorosos.

As razões em que se funda este projecto são obvias. E admira que ellas não tenham ainda podido calar no animo daquelles que o impugnam.

Haverá no projecto alguma disposição contraria á Lei Fundamental do Estado?.... Ninguem ainda provou que a houvesse; e póde affirmar-se affoutamente que a não ha. Será elle contrario ao espirito da nossa legislação?.... Contrario aos principios constitucionaes?.... De certo que não. O projecto está em harmonia com esses principios, porque desde que se adopta o da solidariedade ministerial lembra logo como uma necessidade a presidencia do Conselho de Ministros. A presidencia do Conselho de Ministros torna-se necessaria desde que se adopta o principio da solidariedade politica no Gabinete — principio adoptado em muitos paizes constitucionaes, e que dá unidade e harmonia á administração.

E na verdade o principio da responsabilidade ministerial assim considerada suppõe, que os Ministros tem de se accordar sobre as bases da politica e da administração, bem como sobre os negocios governativos de uma certa importancia; e então é mister que o Gabinete se reuna frequentes vezes, e que nestas reuniões haja quem presida o Conselho, quem dirija os debates, e quem recolha os arestos. A sentença principal do projecto que consigna a necessidade da presidencia é por tanto necessaria. Mas não é só necessaria é tambem politica, porque as situações são muitas vezes representadas por certos homens, que são os mais proprios para as desenvolver e radicar.

Isto pelo que respeita á regra geral do projecto; e agora pelo que toca á excepção, ou antes á eventualidade de presidencia sem pasta, quem póde duvidar de que ella seja em certos casos de grande conveniencia publica? Pois não póde dar-se a hypothese de que a personagem em quem uma situação tem, por assim dizer, encarnado, não tenha a robustez para gerir os negocios e os promenores de uma pasta? Não poderá dar-se o caso de que essa personagem politica rodeada da confiança publica, amestrada pela experiencia, e pelos annos, seja amais proprio para dirigir á politica geral do Estado, para traçar o caminho dessa politica, para se elevar ás mais altas regiões dos principios governativos, e não possa, de cançada pelos annos ou pelas enfermidades, attender ás minuciosidades fatigantes de uma pasta? E deveriamos nesse caso privar o paiz dos seus serviços? E sacrificar a mesquinhas considerações de uma mesquinha economia a paz, a ordem, e a estabilidade publica? E um tal procedimento seria digno de legisladores e de homens de Estado, ou de imbeceis que não sabem avaliar o preço dos altos interesses de uma nação?

As duas disposições do projecto, quer seja a geral, quer a excepcional, devem portanto ser approvadas.

Disse-se, porém, que o projecto era desnecessario; e quem o disse accrescentou logo «que o projecto era necessario para se applicar a uma certa e determinada pessoa, ao nobre Duque de Saldanha.» Notavel contradicção! E accrescentou-se: «o projecto é pessoal, e apresentou-se por se reconhecer que a espada do Duque de Saldanha é indispensavel á sustentação da actual situação.»

O projecto, porém, não é pessoal. Não ha nenhum nome proprio no prejecto; elle não tem referencia a individuo algum; elle estabelece uma provisão, que póde ser liberrimamente applicada pelo Poder moderador. Obsta por ventura o projecto a que o Poder moderador possa nomear livremente os seus Ministros?... E se o Poder moderador póde nomear o nobre Duque de Saldanha, não poderá tambem nomear (digamos tudo) o nobre Conde de Thomar?... Livre no exercicio desta Real prerogativa, elle póde, sem o menor constrangimento, escolher os seus Ministros. E como é que se vê aqui um nome, uma pessoa?... Esse nome vê-se, porque echôa sempre, e desagradavelmente nos ouvidos de alguem — essa pessoa descobre-se no projecto, porque o seu adversario a vê constantemente em roda de si, no somno e na vigília, como um terrivel pesadello! O projecto não é pois pessoal, nem desnecessario. Eu não precisava demorar-me por longo tempo nesta demonstração, porque a demonstração em contrario não appareceu; appareceram apenas puras e singelas affirmativas da sua inutilidade e personalidade; affirmativas que eu podia combater por negação, visto que vieram desacompanhadas de provas. O unico argumento que se produziu contra o projecto foi o da despeza, o de uma insignificante despeza; isto não é porém argumento que se apresente nesta casa, nem que seja produzido por um homem de Estado.

A despeza, Sr. Presidente, é insignificantissima em relação ás vantagens politicas e administrativas que podem resultar da execução das disposições consignadas no projecto.

Collocado n'uma posição difficil, o digno Par necessariamente tinha de ser levado a um campo escabroso, mas a um campo que elle percorre ordinariamente com bastante facilidade — é o campo das invectivas, o campo das banalidades. S. Ex.ª, não podendo desfazer os argumentos do illustre relator da commissão, ousou dizer que elle não tinha apresentado senão uma serie de sophismas durante todo o seu discurso. Uma serie de sophismas!... Conhecerá o digno Par todo o valor deste termo?... Não saberá o digno Par que o sophisma é um argumento falso, e intencionalmente applicado com o fim de illudir o adversario, ou de estabelecer como verdadeira uma cousa que o não é?... O sophisma 6 uma mentira da intelligencia; é uma mentira na arte do raciocinio, e o illustre relator da commissão era incapaz de mentir assim á sua intelligencia, empregando o sophisma. E para que havia elle empregar sophismas, quando os argumentos rectos e convincentes sobejam?... Um argumento póde ser material ou intencionalmente falso; o argumento materialmente falso não é um sophisma, é um paralogismo; mas o argumento intencionalmente falso, esse sim, esse é um sophisma que falsèa a verdade, e prostitue a dialectica.

Outro argumento, que na verdade concluo pela rejeição do projecto, é a asserção de que o Duque de Saldanha é o primeiro revolucionario do Paiz!... O primeiro revolucionario do Paiz?... S. Ex.ª dá muito pouco valor a si mesmo. O nobre Duque de Saldanha o primeiro revolucionario deste Paiz!... O nobre Conde foi injusto para comsigo, fez-se muito pouco favor.

Sr. Presidente, neste Paiz tem havido muitas e diversas revoluções, e algumas dellas foram tão justas, e tão necessarias para a salvação do Estado, que a historia as tem, por assim dizer, consagrado. A primeira destas revoluções occorreu na inauguração do reinado do Senhor D. João 1.°, que foi um grande e digno revolucionario. Mas revolucionario para que?... Para salvar o Paiz da abjecção e do abatimento a que tinha sido reduzido (O Sr. Marquez de Vallada, entrando na sala — Apoiado). A outra revolução foi a de 1640, a que assentou no throno o Senhor D. João 4.°, que tambem foi um revolucionario feliz e benemerito da Patria. Mas para que?... Para fazer pedaços o jugo que esmagava esta Nação, para salvar a independencia deste Paiz, e para lançar para longe de nós o governo aviltante do estrangeiro. Estas duas grandes revoluções hão-de ser sempre respeitadas de todos os homens que tiverem coração portuguez, hão-de ser sempre duas das mais bellas paginas da nossa historia. Depois destas revoluções, ou antes restaurações, veio outra, que eu considero ainda como digna de ser exarada e engrandecida nos fastos deste Paiz — é a revolução do 1820. Esses revolucionarios de então, que nos livraram da mingoa a que estavamos reduzidos, são dignos de grande louvor; foram portuguezes dignos deste nome. Um delles senta-se ainda nestas cadeiras, e é por todos nós considerado como o Patriarcha das liberdades patrias. Essa revolução teve o resultado de fundar o systema representativo; teve o resultado de acabar com a influencia estrangeira, e finalmente de plantar a arvore da liberdade portugueza neste solo, que para ella é tão apropriado. Depois destas revoluções vejo ainda outra, que foi uma manifestação da justiça de Deos, e um milagre da Providencia— é a revolução que nos restaurou a Carta, que acabou com a tyrannia do usurpador, e. que fundou o throno constitucional da Senhora D. Maria 2.ª, de sempre gloriosa memoria. Foram revolucionarios neste lucta gloriosa os nobres Duques de Palmella, de Saldanha, e da Terceira, e outras personagens das primeiras notabilidades deste Paiz, como os Guerreiros, os Mousinhos, os Aguiares etc. Nestas revoluções, Sr. Presidente, se eu tivesse entrado nellas — e alguma parte tomei na ultima, posto que em mais humilde posição — gloriar-me-ia muito disso. Depois destas revoluções veio outra, que foi a que creou a situação actual, e nessa revolução torna ainda a figurar o nobre Duque de Saldanha. Bem haja elle; a Patria lh'o agradecerá, porque a situação que se creou em virtude desse movimento trouxe resultados politicos e economicos de grande valia. Esta revolução, Sr. Presidente, teve por fim acabar com aquillo que havia de acabar com o Paiz, se continuasse, pois eu tenho a crença que, se esta revolução não tivesse existido, nós teriamos percorrido as desgraçadas phases politicas que affligiram o paiz visinho, e que talvez acabassem em Portugal com as instituições representativas, que a administração transacta tractava com evidente desamor.

Eis-aqui está como é revolucionario o Duque de Saldanha: foi revolucionario, fazendo importantes e eminentes serviços á sua Patria!... Foi revolucionario creando uma situação que o Paiz ha-de abençoar.

Mas eu deixei de alludir a outras revoluções que pela maior parte não merecem que dellas nos occupemos, porque os seus motivos e os seus fins foram mui diversos dos que ficam mencionados.

Entrei nestes promenores por ver que foi taxado o nobre Duque de Saldanha de revolucionario pelo nobre Conde de Thomar, do qual, e sem eu lhe querer fazer com isto offensa, se não póde deixar de dizer que S. Ex.ª tem sido revolucionario desde os Camillos até ao Chão da Feira; do Chão da Feira até á Praça nova; da Praça-nova até que se creou a actual situação (O Sr. Marquez de Vallada — Apoiado, a Praça nova). Com relação á Praça nova algumas palavras disse eu em seu abono na Camara dos Srs. Deputados, de que então fazia parte; mas não póde destruir-se o facto de ter sido feita essa revolução por um Ministro da Corôa, e com insciencia e máo grado dos seus collegas.

O digno Par, que gosta mais de invectivar do que de raciocinar, achou desleaes os argumentos empregados pelo Sr. Ministro da Fazenda, quando o que lhe incumbia era combate-los. Esta asserção já hontem foi castigada como merecia: e eu poderia ser taxado de pouco modesto se pertendesse accrescentar agora algumas considerações ás que hontem se expenderam aqui. Trouxe ainda o nobre Conde para esta questão um sem numero de insinuações, e de asserções, todas estranhas a ella. Fallando, por exemplo, da commissão que foi mandada á exposição de Paris, asseverou que a maior parte dos individuos dessa commissão tinham sido nomeados por favoritismo. Eu não achei sómente nesta as

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Serção uma censura mal cabida, feita a S. Ex.ª o Sr. Ministro das Obras Publicas: eu vi tambem nella uma insinuação que podia manchar o caracter de alguns dos individuos nomeados: estes individuos são porém meus collegas e amigos, estão ausentes, e quando mesmo o não estivessem não podiam aqui defender-se, e então foi por isso que eu pedi a palavra para tomar a sua defeza.

O que o digno Par asseverou é destituido de todo o fundamento. Os cavalheiros que foram nomeados para a exposição de Paris, e que formam a commissão que ha-de examinar não só os productos que se apresentarem naquella exposição, mas que ha-de tambem proceder a outras investigações de que fora incumbida, não precisavam ser recommendados ao Sr. Ministro. Em primeiro logar, porque um desses individuos, que não pertence ao partido da situação actual, é uma capacidade, e uma illustração geralmente reconhecida neste paiz (apoiados); e por isso lembrava naturalmente tractando-se de um objecto desta ordem. Em segundo logar, por que os outros individuos a que se alludiu são professores de um grande merecimento, e professores de cadeiras de sciencias de applicação, que muito convém promover um desses individuos é o lente de chymica na escola polytechnica, e todos reconhecem quanto são importantes as applicações desta sciencia, e o poderoso auxilio que ella tem prestado á maior parte dos processos industriaes.

Devendo pois ser examinados os productos chymicos exhibidos na exposição, não podia deixar de occorrer a nomeação de pessoa tão competente sem ser necessario que o favoritismo a viesse indigitar.

Um dos outros individuos nomeados é igualmente professor, na escola polytechnica, na cadeira de mechanica, que tem uma importante parte industrial.

Este distincto professor não precisava tambem ser lembrado; lembrava-o a especialidade dos seus estudos, e a importancia dos melhoramentos que todos os dias se estão fazendo no machinismo que tem referencia com as artes, e que o sem questão a vida do progresso industrial.

O outro cavalheiro finalmente é lente do instituto agricola, e rege neste estabelecimento, com grande proficiencia, a cadeira de engenharia rural e de artes agricolas. É ás doutrinas expendidas nesta cadeira que se referem muitos dos mais importantes melhoramentos que ultimamente tem sido adoptados na agricultura. Era portanto indispensavel ir estudar esses melhoramentos, e os processos e as machinas indispensaveis para comprehende-los. Pois então estes individuos não se apresentavam elles a si mesmos? Não bastaria o seu talento, a sua erudição, e a especialidade dos seus estudos para recommenda-los? Não era portanto muito natural que fossem lembrados, e escolhidos, independentemente de toda e qualquer insinuação! Pois quem pode duvida-lo? Quem a não ser o digno Par?

Mas eu tenho a convicção de que os cavalheiros a que alludi hão-de corresponder completamente á confiança do Ministro que os nomeou, e que hão-de justificar a consideração de que gosam entre os seus collegas, e entre o publico illustrado. E nos seus relatorios, ou no relatorio da commissão, que ha-de certamente imprimir-se, darão testimunho desta verdade.

Referindo-se ao Instituto agricola, perguntou ainda o digno Par quaes eram os resultados que se haviam tirado da creação desta escola? A Camara deve reconhecer que na qualidade de director deste estabelecimento eu não podia deixar de responder a esta interpellação, porque o meu silencio podia ser desfavoravelmente interpretado; e até alguem poderia considera-lo como uma deslealdade da minha parte com o corpo cathedratico, a que tenho a honra de pertencer.

Sr. Presidente, aquella escola ainda não teve o tempo necessario para produzir todos os seus resultados. Confio, porém, que ha-de dá-los, e ha-de corresponder ao que della se espera. É preciso que eu entre em alguns promenores, e conto anticipadamente com a benevolencia da Camara.

Não posso deixar de lembrar que naquella escola ha tres cursos: um de abegões; outro de lavradores; e outro, finalmente, de agronomos: o curso para abegões dura de dois a tres annos; o de lavradores dura dois annos; e o de agronomos dura quatro: e então se a escola só tem anno e meio de duração, como é que o digno Par queria que ella apresentasse já abegões, agronomos, e lavradores? Como queria que se fizesse; esse milagre? Quereria que apressássemos o curso do tempo? Que acelerássemos o movimento da terra em torno do sol? Que dominássemos, a nosso sabor, as leis do universo? É muito querer.

Seria o mesmo se depois da reforma da universidade de Coimbra pelo Marquez de Pombal, tendo apenas decorrido um ou dois annos, se censurasse este estabelecimento por não ter produzido ainda medicos, jurisconsultos, theologos, etc.?! A pretenção fora portanto ridicula, o absurdo manifesto (apoiados).

Eis-aqui está a consequencia que resulta de se fallar em objectos, de que se não está devidamente informado. Se S. Ex.ª porém sé referiu á quinta exemplar, que está annexa á escola agricola, como pretenderia então o digno Par, que cerca de 3:000 arvores que teem sido plantadas naquella quinta, dessem já os seus fructos? As arvores teem na sua vida periodos que se succedem uns aos outros, teem a sua infancia, teem a sua adolescencia, á sua velhice, a sua caducidade, e a sua morte. E aqui queria tambem o digno Par, que supprimidas as primeiras épocas da vida, as plantas dessem o fructo antes da flor! Queria já os fructos — eram os fructos o que o digno Par queria!...

Queria o nobre Conde que as arvores, e outras plantas que mandámos vir de Smyrna, e que chegaram ha poucos mezes, estivessem em fructificação completa! Queria que as plantas vindas da Belgica, que as de Genova, e as de Argel, saídas do magnifico jardim de aclimatação alli estabelecido, dessem os seus legitimos resultados! Queria, em uma palavra, que as amoreiras que se mandaram vir de Italia dessem já não só folha, mas a seda em que esta folha se ha-de um dia converter!

Isto são aspirações louvaveis, mas impossiveis. É um progresso apetecível, mas insensato! Porque tudo se faz no tempo e no espaço. Este Deos para fazer o mundo consumiu seis dias! E então o digno Par deve concordar que os seus desejos eram evidentemente revolucionarios!

Não póde ser, Sr. Presidente. — O que o nobre Conde queria era mais esta revolução! — na natureza; mas estas não se fazem tão facilmente como as politicas.

E todavia, apesar de tudo o que tenho exposto, alguns resultados se podem já ver na quinta exemplar do Instituto; e eu convidaria o digno Par ir examinar este estabelecimento, acompanhando-se de algumas pessoas intendidas para ver que effectivamente se acham alli instaurados methodos, e processos que, se eu me não engano, hão-de modificar vantajosamente algumas das nossas culturas. Alli poderia examinar o digno Par os systemas de praticultura comparada, que já lá existem — os methodos das culturas arvenses — o bom estado das culturas industriaes, das culturas exemplares, dos viveiros, e de outras cultivações que talvez lhe pareçam instructivas.

Esta visita, e algum tempo de estudo, poderiam habilitar o nobre censor do Instituto a censurar com mais competencia e fundamento.

Sr. Presidente, é preciso examinar as cousas antes de as censurar, e não é proprio de um homem que já esteve á testa dos negocios, acirrar-se contra uma instituição nascente, sem della ter a mais leve idéa; e digo isto, e com esta severidade, porque estou certo que S. Ex.ª ainda não foi ver aquelle estabelecimento: faça pois conhecimento com elle, visite-o, examine-o; e depois, se assim o intender, censure-o. Convido-o a que vá, e que censure depois, porque com a sua habilidade para a censura é provavel que censure bem, se quizer proceder desapaixonado.

Mas ainda depois disto, e creio que no seu segundo discurso, accrescentou o digno Par — mas os discipulos foi necessario que se mancassem da Casa-pia! Esta é outra inexactidão deploravel! No Instituto matricularam-se neste anno lectivo 48 ou 50 alumnos; destes não ha hoje mais que 16 da Casa-pia, os outros não vieram d'alli, tem vindo de varios pontos do reino, uns enviados pelas Juntas geraes dos districtos que, conhecedoras dos verdadeiros interesses agricolas das suas localidades, os mandaram estudar no Instituto; e outros de diversas terras do reino, que vieram voluntariamente receber uma instrucção que lhes póde ser proveitosa.

Sr. Presidente, raras são as escolas agricolas que tem desde logo apresentado tantos discipulos (apoiados); eu visitei muitas no estrangeiro, e posso por isso dizer que a maior parte dellas eram cursadas por um menor numero de alumnos do que aquelle que se vê na nossa. Isto é da natureza da cousa: o Sr. Ministro das Obras Publicas já desenvolveu as razões por que é difficil obter grande numero de discipulos para estas escolas, sendo a principal que os agricultores habituados ás praticas tradicionaes e ás culturas avoengas, não querem geralmente ouvir fallar de outras, julgando que não podem haver melhoramentos alguns, nem mesmo da ordem daquelles que se derivam da perfeição dos instrumentos; quando é sabido e evidente, que a perfeição do trabalho, e o bom resultado delle nasce principalmente da perfeição dos instrumentos nelle empregados.

Accrescentou ainda o digno Par (e eu estimei muito que elle viesse a este campo) — é verdade, eu já concordo (foi uma especie de transacção) já concordo que seja loa a escola agricola, e que possa dar bons resultados, mas para os dar é necessario que seja bem dirigida e administrada.

Sr. Presidente, eu não creio que a minha direcção seja boa, e ainda que me persuadisse disso certamente o não diria, principalmente neste logar; o que posso sim dizer é, que quando eu me convencer de que a minha direcção naquelle estabelecimento é inconveniente e intorpece o seu andamento, eu hei-de ir immediatamente depor nas mãos do Sr. Ministro das Obras Publicas a minha destituição; e desde já peço a S. Ex.ª, que quando o intender assim não hesite um só momento em demittir-me, pois que por isso não se hão-de alterar as nossas relações de amisade, nem mesmo as da politica, porque o que eu quero mais que tudo é, que o estabelecimento progrida: não me importa a direcção, importa-me o bem do meu paiz (apoiados). E depois que perdia eu em ser exonerado daquella direcção?!...;..

Creia o digno Par que não e grande» amisade que tenho áquelle logar. Não o pedi, e aqui está quem póde dar testimunho disso, e até de que quando se tractou de dar um director ao instituto agricola eu lembrei dois individuos que tive por competentes. A primeira authoridade na secretaria, depois do Sr. Ministro, póde attestar se é verdade que eu lembrei esses dois individuos, fazendo-lhe vêr que estimava muito que algum delles se quizesse encarregar de tão ardua missão. Não sei o que depois se passou, sei só que fui o nomeado, e este fardo pesadissimo começou a pesar sobre mim, alquebrando a minha saude que era robusta e forte.

Mas, Sr. Presidente, será acaso decente vir lançar em pleno Parlamento insinuações desta natureza só para menoscabar um collega, que não provocou o nobre Par, e isto sem provas, e sem outro motivo mais do que aprazer de injuriar! Será isto parlamentar? Será isto. proprio de um homem que quer passar por estadista?

Basta de Instituto agricola, e sómente farei uma observação, e vem a ser, que neste paiz é necessario uma grande dedicação para levar ao cabo qualquer empreza util. É necessario uma abnegação completa para quebrar as resistencias que por toda a parte se levantam, para despresar as censuras dictadas pela inveja ou pela injustiça— é necessaria uma grande resignação, a resignação do martyrio, deixando obrar e vociferar o odio e a malquerença que por toda a parte se manifestam lá fora, e o que é mais penoso de soffrer, aqui mesmo neste logar, dentro do Parlamento! É necessario tudo isto para levar ao cabo qualquer cousa util.

Falho de argumentos continuou ainda o digno Par no seu deploravel costume das insinuações e das invectivas; e então ainda nos repetiu que o movimento de Abril tinha sido feito por interesses particulares e para locupletar o nobre Duque de Saldanha com o proventos de enormes vencimentos!

O digno Par deveria ter sido mais explicito na sua asserção, e quando fallou de vencimentos deveria ter accrescentado que eram aquelles mesmos, de que S. Ex.ª o havia violentamente esbulhado, porque ninguem ignora que esses vencimentos haviam sido ganhos á custa de grandes serviços; e que não podia praticar-se acto mais impolitico, nem mais injusto, do que privar um tão eminente servidor do estado das recompensas, que o paiz lhe havia dado, como um tributo de gratidão e reconhecimento dado á sua dedicação e amor pela patria (muitos apoiados). Não foram interesses particulares que moveram o nobre Duque de Saldanha a entrar naquelle movimento, foi o amor que elle consagra ao seu paiz e ás instituições representativas. Não foi para se enriquecer, ou para melhorar de fortuna que elle, interpretando a vontade da nação, derribou do poder o seu implacavel adversario.

A situação particular do Duque é a mesma que era antes da revolução. Os que frequentam a sua casa podem dar disto testimunho. Na modestia do seu viver, na parcimonia e na frugalidade que alli se observar está a sua justificação. Tudo o que o cerca tem o cunho da singeleza, tudo apresenta alli um admiravel contraste, com o ar cavalheiroso e ameno do Duque. As suas maneiras nobres, e quasi soberanas (sussurro); para que à expressão não seja mal interpretada eu a retiro. (O Sr. Conde de Thomar — Está retirada.) Retiro-a, posto que ella se empregasse muitas vezes no sentido figurado em que eu a empreguei— escusam portanto de fazer obra por ella. (Vozes — Não, não. = O Sr. Visconde de Laborim — Como poz a questão em quasi.) Façam e digam pois o que quizerem,

Sr. Presidente, ha na vida publica, e mesmo na particular, do nobre Duque demonstrações de generosidade e abnegação nada communs; e isso é conhecido mesmo fora do paiz. Estando n'um paiz estrangeiro, e podendo enlaçar um filho seu, cuja prematura morte foi geralmente sentida, com uma senhora allemã, illustre e opulenta, renunciou a este enlace apenas se exigio que o Conde de Almoster se naturalisasse allemão. E é notavel a resposta que por essa occasião déra a seu filho. «Interroga, lhe disse, a tua consciencia, e faz o que ella e a prudencia dictarem. Mas lembrar-te-hei que eu tambem fui, em outro tempo, convidado a renunciar á nossa patria. — que me offereceram os maiores interesses, honras e dignidades, mas que a minha resposta foi Volto para a minha patria, não renuncio a ella, quero primeiro que tudo ser português, porque este nome vale para mim mais do que todas as grandezas da terra» (apoiados). O casamento desfez-se. E o amor da patria supplantou o amor do coração! =Ha muitos factos destes na vida do Duque. Elle serve ha muitos annos o seu paiz, e nem por isso a sua fortuna tem prosperado, como a de alguns que o censuram; não tem palacios, não tem castellos, não tem jardins, não tem opulentos trens, não dá bailes, nem opíparos jantares; n'uma palavra, vive naquella philosophica mediania, que ha pouco expuz, e que o poeta latino tanto exalta.

A regeneração tem pois outros fins, porque teve por consequencia dar-nos esta paz, esta tranquillidade em que vivemos ha quatro annos; ella teve ainda por fim promover a instrucção, particularmente a instrucção technologica, que era aquella de que principalmente carecíamos, teve por fim melhorar consideravelmente a viação publica; melhorar a administração do Ultramar, porque a esse respeito tem apparecido providencias que hão-de dar infallivelmente excellentes resultados; teve por fim desarmar os partidos, por meio de uma bem intendida tolerancia; e posto que eu já visse nesta Casa censurar essa tolerancia, nem por isso deixarei de louva-la, e de pedir ao Governo que continue nesse bello caminho; finalmente a regeneração teve por fim ou por consequencia, o desenvolvimento do espirito de associação, uma ampla liberdade de imprensa; um grande desenvolvimento de trabalho, que foi animado a ponto tal, que chegou a attenuar consideravelmente os effeitos da fome, que aliás seria duramente sentida nestes annos de escassez, particularmente nas provincias do norte!

Estas é que são as consequencias da regeneração; e não creia comtudo a Camara que eu acredite que se tenha feito tudo quanto eu desejara; não julguem que eu estou completamente satisfeito, desejara muito mais, mas tambem não se póde querer tudo, e muito menos querer-se de repente.

Não posso tambem deixar de referir-me a uma outra insinuação, do digno Par, da qual se inferia que se pertendia impôr ao novo reinado o Duque de Saldanha, na qualidade de Presidente do Conselho de Ministros. Sr. Presidente, esta insinuação não é sómente injuriosa ao Ministerio, é ao mesmo tempo menos respeitosa para com a Pessoa do joven Rei, em quem o paiz depõem as mais altas esperanças; nem o Ministério era capaz de tal fazer, nem o futuro Soberano de o consentir; Elle ha-de exercer liberrimamente a prorogativa de nomear livremente os seus Ministros, e não se póde admittir, sem uma grave injuria feita aos cavalheiros que se sentam nos bancos ministeriaes, que elle concebessem até o pensamento de impôr ao joven Rei um Presidente do Conselho de Ministros.

Tudo isto, Sr. Presidente, é estranho ao objecto que se discute, mas eu não faço senão responder a observações que foram trazidas muito impertinentemente á discussão.

E quanto ás eleições, já que o digno Par assentou que este objecto tinha uma estreita relação com o projecto que se debate, direi ainda duas palavras. As eleições de que sahiu a actual Camara dos Srs. Deputados, não foram, como pertende o digno Par, das mais viciadas que tem havido no paiz, foram sim das mais livres, e das mais pacificas a que temos assistido.

Como! Pois já se esqueceu o digno Par, do que se passou nas eleições do seu tempo? Parece que se esqueceu, roas eu não quero agora lembrar á Camara as violencias e as atrocidades então commettidas, quero só dizer que estas eleições estão puras dessas violencias, e dessas atrocidades.

Como S. Ex.ª não devia soltar no seu ultimo discurso uma só proposição que fosse exacta, fallando-nos do theatro de D. Maria, disse que se dispendia agora em cada um anno com este theatro 29 contos; o facto é, que o que se despendeu no anno passado foram apenas 13:400$ réis, nem podia despender-se mais, porque o Governo dá a mesma prestação que se dava no tempo de S. Ex.ª e o que accresce, é unicamente o producto das loterias que poderá chegar a oito contos de réis. — São, portanto, 14 contos de réis o mais que se póde despender, e vê-se que do Thesouro sahem apenas os 6 contos que sahiam em outro tempo.

Sr. Presidente, eu vou concluir, e vou concluir, declarando ao digno Par que ouvi com indisivel satisfação a declaração solemne que S. Ex.ª nos fez, do que não daria jamais aos seus inimigos o gosto de o combaterem nas cadeiras ministeriaes. Esta declaração feita com tanta convicção, e espontaneidade demonstra claramente que S. Ex.ª renunciara á sua antiga ambição de governo, á vida ministerial. Sem desejar ao digno Par o menor mal, porque lho não desejo I realmente, applaudo a sua resolução que acho prudente e louvavel. É uma abnegação, que o paiz ha-de avaliar como ella merece. Os acontecimentos desastrosos que caracterisam a administração do digno Par, não só justificam plenamente o seu proposito, mas fazem conhecer, que nada instrue tanto como a analyso reflexiva do passado.

O Sr. Presidente — O digno Par, o Sr. Conde de Thomar, pediu a palavra; vou consultar a Camara se permitte que S. Ex.ª falle, porque é a terceira vez.

A Camara conveiu.

O Sr. Conde de Thomar — Ainda bem que em uma das sessões passadas eu soltei algumas expressões, que deram logar á excellente peça de eloquencia, que ouvimos recitar hoje nesta Camara; ainda bem que proferi algumas frases, que decidiram o digno Par a levantar a sua meliflua voz, para fazer o seu elogio, e o do Instituto agricola; ainda bem que eu disse algumas palavras, que authorisaram a S. Ex.ª para me dirigir uma grande censura, não reconhecendo que no modo de expressar, e nos fundamentos com que a pertendia justificar, se encontrava o digno Par réo da, falta que accusava! Accusava-me S. Ex.ª de combater no campo das personalidades, sem se lembrar de que tudo quanto eu havia dito foi para rebater provocações e personalidades! E quando S. Ex.ª me accusava por tal fundamento, e por tal motivo, nada mais fazia do que combater com personalidades, soccorrendo-se ás banalidades, e generalidades tantas vezes explicadas, e destruidas!

É muito facil censurar o adversario de certas faltas, mesmo quando ellas não tem existido, mas é mais difficil justificar accusação, e aggredir sem motivo um collega nesta Casa. O digno Par marchando de precipicio em precipicio tornou-se réo da falta que imaginou ter existido, e não viu que errava nos meios que empregou para o fim a que se propôz.

Começou o digno Par o seu eloquente discurso demonstrando, que ninguem se havia feito cargo de provar, que o projecto em discussão em contrario á Carta Constitucional, e aos bons principios, o que seria aliás mister para combater regularmente o mesmo projecto. Disse bem o, digno Par, em quanto sustentou que ninguem combatera o projecto por ser contrario á Carta, e aos bons principios: eu mesmo quando fallei a primeira vez, declarei muito claramente, que o não combatia por taes fundamentos, porque por esse lado, na minha fraca opinião, não era a medida vulneravel: a que proposito pois recorrer a essa falta de demonstração, como argumento tendente a convencer de imprudente a opposição feita ao projecto?

Ainda hontem quando fallei na materia, expliquei parte dos fundamentos, pelos quaes eu julgava a medida insustentavel, e não esperava que á refutação dos meus argumentos fosse substituida a argumentação das provocações, e das personalidades. Havia eu dito, que, examinando o projecto me convencera, de que o seu pensamento fundamental era a creação do cargo de Presidente sem pasta — e mostrei como pude que esta nova creação nem era indispensavel, nem mesmo exigida por conveniencia alguma do serviço publico, e que além disto tendia á creação de uma despeza sem vantagem, e era percursora de outra talvez maior, o que tudo devia tomar-se em consideração para se rejeitar a medida, pois é minha opinião, que no estado da fazenda publica, e depois das espoliações decretadas contra os credores do Estado sómente se devem fa-

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zer as despezas indispensaveis, e reclamadas pelas necessidades do serviço publico. Estas rasões deviam ter fornecido ao digno Par motivo para combater em campo differente daquelle que escolheu. Se o meu embaraço era já grande, porque tinha de responder a um orador que ás armas do raciocino havia juntado tambem as personalidades; o meu embaraço cresceu ainda, quando ouvi o digno Par. Seja como fôr, nem por isso deixarei de seguir os meus adversarios em todos os pontos que tocaram.

Sr. Presidente, discute-se o projecto do Governo tendente a regular o serviço dos Ministerios: estabelece o projecto que em todos os Ministerios haja um Presidente do Conselho de Ministros, gerindo uma das pastas. Não é isto novidade, porque em regra sempre assim se tem verificado. Estabelece mais o projecto, que possa haver um Presidente sem pasta, quando o bem do Estado assim o exigir, e que neste caso vencerá o mesmo ordenado que os outros Ministros.

Ex.ªminei os differentes documentos parlamentares sobre este objecto, e começando pelo relatorio que procede o projecto do Governo na outra casa, vi que o pensamento fundamental do projecto, era a creação deste novo cargo — examinei os fundamentos do relatorio, e achei que o Governo allegava motivos que antes haviam mostrado a necessidade da medida, e outros que a podiam ainda tornar necessaria. Examinei o parecer da commissão da outra Casa, e vi que se approvava a medida, porque da sua falta haviam resultado já embaraços á administração publica. Julguei-me em vista disto authorisado a entrar na discussão do projecto, perguntando quaes eram os motivos que antes haviam mostrado a necessidade desta medida? Quaes eram esses outros que a podiam tornar necessaria? E finalmente quaes os embaraços que da sua falta tinham já sobrevindo á administração publica? Não se me tendo dado resposta não seria para estranhar que insistisse em combater a medida por não ser exigida pelas necessidades do serviço publico, por ser, quanto a mim, uma medida inteiramente pessoal, segundo as proprias declarações dos Srs. Ministros, deduzidas das circumstancias em que, pela sua molestia, se achava o Sr. Duque de Saldanha, e finalmente porque se vai crear uma despeza nova, sendo certo que de tal nos devemos abster, visto que ainda á pouco com o fundamento das necessidades publicas adoptamos medidas espoliadoras, e attentatorias dos interesses legitimos dos credores internos e externos.

Quem combate neste campo, combato em um campo logico, e não devia ser combatido com personalidades. Em justificação de tudo o que tenho dito eu vou ler nos documentos a que me referi o que prova a exactidão das minhas asserções.

(O orador leu varias passagens do relatorio do projecto do Governo, e do parecer da commissão da Camara dos Senhores Deputados].

(Continuando): Sr. Presidente, tudo o que acabo de expôr é já resposta, no meu intender, satisfatoria, á censura que me dirigiu o Sr. Ministro da Fazenda, e após elle o digno Par, de que eu não tinha apresentado rasões algumas contra a medida em discussão. Competia a SS. Ex.ªs antes de fazer uma tal censura responder ás perguntas, que fiz; competia sair da generalidade dos motivos com que pertendem justificar o projecto, explicando os motivos que fizeram antes sentir a necessidade da medida, os outros que a podem tornar necessaria, e emfim os embaraços que a sua falta causou já á administração publica! Não vêem SS. Ex.ªs que a falta de demonstração nesta parte mostra mais evidentemente que o projecto é só pessoal, e não uma medida geral, como querem inculcar? Não vêem SS. Ex.ªs que propondo o Governo uma alteração na legislação existente, é ao Governo a quem compete justificar a necessidade dessa alteração, e que não basta vir dizer que a medida é importante, é geral para todos os partidos, e que é uma medida de administração publica, e não do interesse do Presidente do Conselho, ou da situação?

Ha motivos que mostraram a sua necessidade! O Governo deve informar ás Côrtes quaes foram esses motivos. Existem outros que a podem tornar necessaria! O Governo tem obrigação de os especificar. Existiram já embaraços á Administração publica provenientes da falta da medida! O Governo é obrigado a declarar quaes foram esses embaraços. Se o Governo e o digno Par se teem recusado a entrar no desenvolvimento deste objecto hão-de reconhecer que a censura que me dirigiram lhe é devolvida com justiça, porque S. Ex.ª tendo-se conservado no campo da generalidade só com banalidades e personalidades me tem respondido.

Tambem eu disse que, se é exacto o fundamento com que pertendem justificar a creação deste novo cargo; isto é, se é exacto que o Presidente do Conselho, representando o systema administrativo e politico do Ministerio, precisa estar desembaraçado de todo o expediente, e negocios de uma pasta para melhor desenvolver aquelle systema já no Gabinete, já na Tribuna, ou nas Camaras legislativas; então, disse eu, convertei a regra em excepção, e fazei desta a regra. Effectivamente ha-de ser mais facil encontrar homens que possam mais cabalmente desenvolver o systema governativo no Gabinete, e sustenta-lo nas Camaras, estando livres dos trabalhos e expediente de uma pasta, do que desempenhando conjunctamente tão importantes funcções. Olhai que os homens abalisados, os homens que hão-de, segundo o vosso systema, desenvolver o systema administrativo e politico no Gabinete, e sustenta-lo nas Camaras legislativas, serão poucos; mas achareis com mais facilidade quem possa desempenhar, e bem, essas funcções separadamente: se tendes, portanto, em vista as conveniencias do serviço, convertei a regra em excepção, e a excepção em regra. Mas se o fundamento do projecta é a necessidade, que existe de estar o Presidente do Conselho desembaraçado de todos os negocios, e expediente das Secretarias, como ainda agora disse o digno Par;, e se em virtude das declarações feitas pelos Srs. Ministros, a molestia do Sr. Duque de Saldanha o inhibe de ser Presidente do Conselho, e ao mesmo tempo de gerir uma pasta, como pretendeis que elle seja Presidente do Conselho, e ao mesmo tempo Commandante em Chefe do Exercito? Não podíeis responder a esta pergunta; era forçoso dizer que quem assim argumenta discute a pessoa do Sr. Duque de Saldanha! Não: aqui não se discutem as qualidades pessoaes do nobre Duque; aqui argumenta-se logicamente, porque se diz que, se o nobre Duque não póde pelas suas molestias ser Presidente do Conselho, e gerir uma pasta, com mais razão não póde ser Presidente do Conselho, e Commandante em Chefe do Exercito: pondo mesmo de parte a inconveniencia de ser Commandante em Chefe um Presidente do Conselho, bastará attender a que este cargo é uma commissão activa, que demanda muito trabalho, muita actividade, muita energia emfim, a qual não póde exercer, quem se declara doente, e incapaz de gerir uma pasta (O Sr. Visconde de Fonte Arcada — Apoiado).

E vem a proposito responder ao Sr. Ministro da Fazenda quando pertendeu achar-me em contradição: o Sr. Ministro disse que eu sustentára que quem podia o menos, devia poder o mais! Não: eu não sustentei essa doutrina, eu estou pelo contrario coherente com a minha argumentação. Eu sustento que se o Duque de Saldanha não póde ser Presidente do Conselho, e gerir a pasta da Guerra, com mais razão não póde ser Presidente do Conselho, e Commandante em Chefe, porque este cargo é mui trabalhoso, e demanda mais actividade que aquelle; mas o Sr. Ministro sustentando, que o Sr. Duque não podendo ser Presidente do Conselho e Ministro da Guerra, póde comtudo ser Presidente do Conselho e Commandante em Chefe, cáe justamente na contradicção em que pertendeu achar-me.

Eu não queria entrar na questão de teres, e haveres do nobre Duque de Saldanha, e acho demasiado imprudente que os seus defensores me chamem a um campo em que só podem apparecer cousas desagradaveis, mas exactas, contra o Sr. Duque. Eu serei mais prudente que S. Ex.ªs, e limitar-me-hei a dizer, que a fórma de argumentação, que acabo de analysar, só tem em vista conservar o Sr. Duque de Saldanha Commandante em Chefe: primeiro, porque querem que a força publica esteja debaixo das ordens de quem criou a situação revolucionaria de 1851; segundo, porque lhe querem conservar a mesma gratificação de 4:800$000 réis afora outros proventos. Não se venha fallar em abnegação, porque me será facil provar que se colhem todos quantos interesses se podem colher, e que para se colher mais alguma cousa, não obstante essa enorme gratificação de Commandante em Chefe lá se vê ceder no orçamento do soldo de Marechal do Exercito para se receber o ordenado de Ministro, e isto não desempenhando as funcções inherentes a este cargo, como estamos presenciando! Faliam em abnegação, mas fazem-se estas opções só pela differença de réis 400$000! Nem isto eu diria se não se tivesse fallado em abnegação para fazer comparações, e lançar o odioso contra quem combate o projecto.

Observo que no projecto se faz dependente a nomeação de Presidente sem pasta—se assim o exigir o bem do Estado? — Que significam estas expressões? Na actualidade tenho já intendido o que ellas significam, porque segundo as explicações dadas pelo Sr. Ministro — bem do Estado — quer dizer sustentação da situação! Por outra a continuação da revolução operada pelo actual Presidente do Conselho em 1851! Os Srs. Ministros carecem da espada do Duque de Saldanha para continuarem a conservar as suas cadeiras! Acho isso muito commodo para S. Ex.ªs, mas não me parece politico, que nas vesperas do novo reinado se venha apresentar um projecto desta ordem, com o unico fim de mostrar, que o Corpo legislativo reclama a presidencia do Duque de Saldanha á frente dos negocios! Quem duvida que em todo este negocio, por parte dos Srs. Ministros, anda este pensamento reservado? Seja muito embora a espada do Sr. Duque uma espada nobre, façam-lhe todos quantos elogios quizerem, e façamos mesmo aquelles que já a denegriram bastante, mas não venham dizer que a Nação reclama essa espada para sustentar uma fracção, ou uma facção politica. As leis votam-se tendo-se em vista os interesses da Nação, mas nunca tendo em vista os interesses de um partido politico! (apoiados) E que partido é este que para se sustentar precisa da espada de um homem, de um bravo, em fim de um Commandante em Chefe da força publica?! A força publica não é paga pela Nação para sustentar os interesses de um homem, ou mesmo de um partido. Não venham já pedir a a approvação de medidas que hão-de fazer-se sentir na occasião das eleições, em logar dellas seria melhor que tivessem prestado attenção ás judiciosas observações do Sr. Visconde de Sá para se melhorar a lei eleitoral, e para se proceder a uma eleição, que dê em resultado a verdadeira representação nacional! Tanto está o digno Par (que aliás não é suspeito) convencido do que aqui existe não é a verdadeira representação nacional! Os Srs. Ministros guardaram completo silencio nesta parte, não ha a puchar-lhes uma declaração que os comprometia no interesse das cousas publicas. Vem a proposito tomar em consideração o que o Sr. Ministro da Fazenda disse para provar que um dos titulos que este Governo tem para merecer a gratidão publica, é a ultima eleição de Deputados, sem duvida (disse S. Ex.ª) a mais livre que tem existido!

Em opposição a esta asserção do Sr. Ministro começarei notando a opinião de todos os partidos políticos — em todos os seus orgãos, as ultimas eleições teem -sido proclamadas como as mais escandalosas, e como aquellas em que a corrupção foi exercida em maior grau: a não serem os jornaes estipendiados pelo Governo, qual é o jornal que em suas columnas não tenha publicado um sem numero de escandalos, de violencias, e de actos de corrupção? Os Srs. Ministros tomam por opinião publica o que dizem esses jornaes convencionados, enganam-se, a opinião publica demonstra-se por outros meios.

O Sr. Ministro da Fazenda, na sessão passada, disse, que tendo de responder a muitos factos e argumentos, adduzidos por mim contra o projecto e contra o Governo, não podia fazer um discurso alinhado, porque se via na necessidade de ir respondendo pela ordem das notas que havia tomado. Eis o que me acontece hoje a mim, e a minha «posição é muito mais difficil, quanto tenho de responder a dous oradores, que tractando a questão no mesmo terreno, seguem uma ordem bem differente na exposição dos seus argumentos: irei respondendo como poder.

Encontro agora uma nota sobre a mesquinhes que eu mostrei combatendo o projecto pela despeza resultante para o thesouro: neste argumento estão de accôrdo o Sr. Ministro da Fazenda, e o digno Par que ultimamente fallou. Logo me occuparei deste objecto, porque julgo importante dizer já alguma cousa sobre as observações feitas pelo Sr. Ministro da Fazenda, aliás em contradição com as que fizera o Sr. Relator da commissão para sustentar o projecto. Tinha o digno Relator da commissão apresentado entre outros fundamentos para defender o projecto, o meio, ou a possibilidade de ameaças ao Governo; o Sr. Ministro mostrou-se irado contra este argumento, e pertendeu mostrar, que nem se quer receio havia de tal ameaça; as iras de S. Ex.ª deviam voltar-se contra o illustre Relator da commissão, e não contra a opposição, que nada mais fez, que discorrer sobre o argumento que lhe fôra apresentado.

(Entrou o Sr. Ministro da Justiça).

Eu nada mais fiz do que perguntar aos Srs. Ministros, se o projecto era apresentado em consequencia de alguma ameaça feita, ou de alguma ameaça que se receava. Fiz mais: tendo o illustre Relator fallado em receios de guerra, perguntei igualmente se estavamos nesse caso? E neste ponto, como na pergunta que fiz sobre o outro motivo dado pelo illustre Relator da commissão, isto é, o receio de reclamações estrangeiras, julgou o Sr. Ministro que devia ficar silencioso! E com tudo não são isto pontos em que o Governo, desde que elles são trazidos á Camara, para defensores do projecto, devesse guardar silencio; cumpria ao Governo ser explicito, e declarar o que existe a tal respeito; eu não posso conceder que o illustre Relator da commissão fallasse em ameaça, guerra, reclamações estrangeiras, sem que para isto exista algum motivo. E se o dito, ou asserção do illustre Relator da commissão, tiver já fundamento em um notavel artigo do orgão mais importante da situação, ainda maior obrigação tem o Governo de explicar-se; e se tal explicação tiyer sido pedida, o silencio do Governo é injustificavel.

Se esse orgão da politica ministerial, o seu primeiro sustentaculo tiver dito «que a machina do Estado joga com desusada perfeição, e que qualquer commettimento para a aperfeiçoar será taxado de imprudente. Se tiver accrescentado, que qualquer mudança que se faça será praguejada, e que por ella serão responsaveis os seus auctores! E se finalmente tiver dito, que o partido, que tem apoiado o Ministerio sabe ser opposição, e variar as suas hostilidades segundo a indole dos Governos. Se tudo isto existir como existe, o digno Relator da commissão tinha fundamento para se referir a ameaças, e eu tinha razão para pedir explicações, e os Srs. Ministros tinham obrigação de se explicar, e de nos dizer se estão de accôrdo com taes doutrinas, ou antes com taes ameaças, para que no novo reinado, nem se quer se possa pensar em aperfeiçoar a machina governativa! Eu julgava que era do interesse dos Srs. Ministros o fazerem e darem explicações cathegoricas a tal respeito, mas em logar disso guardaram silencio! Observo que o Sr. Ministro do Reino está tomando nota do que acabo de dizer, muito folgo, porque devemos já contar com a resposta do Governo a estas minhas observações.

Quanto á mesquinhez da despeza resultante para o thesouro pela creação deste novo cargo — não me envergonharia de a combater, mesmo quando eu visse que se limitava á somma de 3:200$000 réis, que é o ordenado legal dos Ministros de Estado, mas eu já disse e repito, que estou descobrindo atrás dessa despeza, outra que ha de fazer-se com os empregados que hão de formar uma secretariasinha do Presidente do Conselho; o tempo ha de justificar-me a este respeito.

O que admira porém é que o argumento da mesquinhes venha da parte daquelles que neutras épocas se levantavam contra todo o augmento de despeza por insignificante que fosse (apoiados). O que admira é que o Sr. Ministro se mostre sempre disposto para a creação de novas despezas, tendo aliás uma receita, que não chega para as despezas já votadas no orçamento. O nobre Ministro disse, que nunca se opporá a novas despezas, quando as vantagens compensem, ou forem superiores a essas despezas. Estou de accôrdo, mas esperava que applicando esta doutrina á creação do novo cargo de Presidente sem pasta, mostrasse que as vantagens compensam a despeza. Ainda estou á espera da demonstração, e em quanto não chega direi, que o dito do Sr. Ministro não passa de uma banalidade.

(Entrou o Sr. Ministro da Marinha.)

Não tenho saudades do tempo, em que o Sr. Ministro, e os seus amigos, levavam oito dias a discutir o ordenado do porteiro do Thesouro; se lembrei esse facto, foi unicamente para mostrar mais uma contradicção dos meus adversarios politicos: em quanto opposição combatem todo o augmento de despeza, e levam oito dias a discutir uma verba, porque a julgam grande, ou superior ao que deve ser em alguns mil réis: quando Governo approvam tudo, e taxam de mesquinhes combater um ordenado de Ministro, quando se não mostra que a utilidade publica exige este sacrificio? E o par desta contradicção poderia ainda notar, que o partido dominante, em quanto opposição, adoptou, como bandeira para a revolução, o imposto das estradas; e hoje Governo adopta, como artigo do seu programma, o que condemnou nos outros, e que aliás adoptou, como bandeira de guerra. O mesmo direi quanto á decima, de repartição, como todos sabem, na bandeira revolucionaria estava inscripto — abaixo a decima de repartição; — no programma governativo está — viva a decima de repartição! — (Apoiados.)

Quer S. Ex.ª que o não se discutir hoje o orçamento, como se discutia antigamente, é uma prova de progresso, seja; mas tambem será prova de progresso illudir os povos, proclamando contra o imposto das estradas, e contra a decima de repartição, e vir depois, sendo Governo, adoptar essas medidas? E a par destas palpaveis contradicções, ainda está que os homens que hoje governam gritavam contra o excessivo numero de empregados, e depois da regeneração tem-se augmentado consideravelmente o seu numero! E não só o numero dos empregados, mas até o numero dos estabelecimentos, alias dispensaveis! E note-se que o estado do Thesouro agora não é melhor! (Apoiados.)

Contradicção ainda com relação ao projecto em discussão, e quanto á pessoa que é destinada para o novo cargo. Em outra época era o Sr. Presidente do Conselho aggredido atrozmente, e reputado como um tigre, por aquelles que hoje o julgam indispensavel á frente da situação! Variedade dos homens! Quereis saber as razões? Elle, nessa época, tinha opiniões differentes das vossas, e ainda vos não tinha sentado á mesa do orçamento (muitos apoiados). O maior homem deste paiz é, sem duvida, o Sr. Ministro do Reino! S. Ex.ª achou o meio de unir a si os que combatera, e que o combateram, e com isso evitou a continuação das revoluções!

(O Sr. Ministro do Reino — Estão melhores). (Riso.)

O orador — Elles lá sabem a razão por que estão melhores: o que acabo de dizer é um facto; S. Ex.ª conseguiu que esses individuos não continuassem a fazer revoluções, mas isto prova que a guerra não era feita ás medidas, porque as adoptaram, sendo Governo, era feita aos lagares, por que socegaram quando os possuíram (apoiados).

O Sr. Ministro da Fazenda ainda achou outra razão, para comprovar a mesquinhez da opposição feita ao projecto; disse S. Ex.ª, que quasi sempre, ou sempre, o cargo de Presidente do Conselho, sem pasta, teria de ser occupado por quem tivesse outro ordenado, e que, portanto, a despeza seria nulla, porque a accumulação dos ordenados não e permittida pela Lei. Peço licença a S. Ex.ª para lhe observar, que, pelo menos, a sua idéa não é muito progressiva, e eu que o não sou tanto, como S. Ex.ª, não admitto que se possa sustentar, que o cargo de Presidente do Conselho ha de ser occupado sempre por quem pertença á nobre classe dos empregados publicos, porque fora della existem altas capacidades, muito aptas para similhante cargo; e não digo isto para desconsiderar a classe dos empregados publicos, pois não quero seguir o exemplo que me deram os meus adversarios politicos, quando pertenderam lançar grande desfavor sobre a ultima Camara dos Deputados, porque nella existia um certo numero de servidores do Estado; e a proposito poderia até notar, que na Camara actual, apresentada pelos Srs. Ministros como uma Camara excellente, contém em si para mais de setenta e tres empregados publicos!

Observo que o Sr. Ministro do Reino toma nota, encarando um dos hospedes presentes nesta sessão; naturalmente ha de S. Ex.ª responder-me que no numero desses setenta e tres empregados, se conta o que mais forte opposição faz ao Governo: responderei, desde já, a S. Ex.ª, que se esse facto prova a excellencia da Camara, poderia, em logar de um, apontar muitos. Estimei ver que o Sr. Ministro da Fazenda rectificou um dos seus argumentos, tendente a inverter o que eu havia dito; S. Ex.ª fez justiça á minha pequena intelligencia: eu não podia ter dito que o Governo devia inteiramente abster-se de promover os interesses do paiz, em quanto se não pagasse a enorme divida que pesa sobre nós; sei perfeitamente que é impossivel pagar essa enorme divida, e que o paiz não deve estar estacionario, até que possa realisar-se esse pagamento, mas tambem sei que ha um meio termo, isto é, que devem promover-se os melhoramentos, e crear até as despezas reclamadas pela necessidade do serviço, devendo, comtudo, evitar-se as despezas, que não estiverem neste caso, e que tenderem a crear despezas de luxo, e ainda mesmo as dispensaveis. Collocado eu na posição dos Srs. Ministros, quando tractasse de crear despezas novas, havia ter sempre presente a espoliação decretada contra os legitimos interesses dos credores nacionaes e estrangeiros. É possivel, Sr. Presidente que eu esteja em erro, mas ainda não ouvi razão -alguma que me convença, de que uma nação obra bem, quando, acabando de fazer uma banca-rota parcial, decreta repartições, e cargos publicos, que não são exigidos pela necessidade do serviço. Ainda é a minha opinião, que essas medidas espoliadoras são as que teem embaraçado o> Governo, para desenvolver em maior escala as obras do caminho de ferro; estou persuadido que sem essas medidas serias teriam affluido de differentes partes os capitães necessarios para essas emprezas.

Como o Sr. Ministro da Fazenda entre os titulos do Ministerio á gratidão nacional contou o caminho de ferro de leste, perguntei eu a S. Ex.ª, aonde estava esse caminho de ferro? O

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nobre Ministro convidou-me a ir viajar por elle, e como eu não conheço a estação, em que deva tomar logar, pediria a S. Ex.ª tivesse a bondade de me dizer em que parte está aberta ao menos uma milha ao publico, e com effeito devendo o caminho de ferro de Lisboa a Santarem estar concluido em Outubro proximo, admira que nem uma só milha esteja aberta nesta data ao publico.

E a par dos titulos, que já enumerei, tambem S. Ex.ª collocou as estradas, que, segundo S. Ex.ª nos affirmou, teem nestes ultimos tempos tido maior desenvolvimento que em nenhuma outra época. Há-de S. Ex.ª permittir-me, que lhe diga, que nenhuma gloria lhe resulta desse desenvolvimento, e que pelo contrario lhe resulta censura por não ser esse desenvolvimento tão grande como dizia ser. É sabido que nenhuma das administrações anteriores poude dispôr dos meios de que S. Ex.ª hoje dispõe: o imposto para as estradas foi proposto e decretado pela administração transacta, a qual saiu dos negocios antes de começar a perceber esse mesmo imposto.

Além disto o Sr. Ministro acha-se hoje habilitado com mais alguns meios não só resultantes das medidas adoptadas por essa odiosa administração, mas das que S. Ex.ª adoptou, expoliando os credores do Estado, e pelo que respeita a estas não invejo a gloria que S. Ex.ª se quer arrogar, porque foi em virtude dellas que o Governo foi banido do Stock Exchange, como governo fraudulento e de má fé, sendo ainda quanto a mim este facto o que faz com que os capitães inglezes não venham em nosso soccorro para se levarem a effeito os caminhos de ferro.

A mesma explicação dou quanto aos pagamentos em dia, se bem que não me parece que o Sr. Ministro possa affirmar, com verdade, que os pagamentos se acham regulares e em dia em todas as provincias e nas mesmas classes segundo hoje noto em uma correspondencia datada de Vizeu, tanto o regimento 9 como o 14 se acham com o atraso de nove quinzenas!

Como eu fallei em estabelecimentos creados em grande, que fazem avultadas despezas, devo mencionar o Conselho ultramarino, para o qual se pedem no orçamento dezesete contos, e o Ministerio dás Obras Publicas, para o qual se pedem trinta e nove contos! É um Ministerio superior talvez ao que teem nações de vinte cinco a trinta milhões de habitantes.

(O Sr. Ministro da Fazenda — Peço-lhe que examine o orçamento desse Ministerio na Belgica, França, e outros paizes).

O orador — Não é porque eu julgue que senão carecia de organisar a repartição de obras publicas separando-a do Ministerio do Reino, é porque eu julgo que esta repartição se podia ter organisado mais economicamente, devendo ter-se feito o que o Sr. Ministro disse se fizera, mas que realmente se não fez, deviam ter-se ido buscar os empregados as repartições aonde existiam demais, e não ter-se despachado como se despacharam muitos empregados novos. Devo agora dar uma explicação sobre o que disse o Sr. Ministro da Fazenda, com referencia ás minhas observações a respeito do meu amigo o Sr. Ávila; S. Ex.ª não me intendeu ou não me quiz intender, bem longe de eu querer fazer injuria ao meu amigo, eu quiz destruir e effectivamente destrui com a propria declaração do Sr. Ministro a malevola insinuação, que se fazia espalhar, de que não por conveniencia do serviço publico, mas dos Srs. Ministros, o meu amigo havia acceitado a commissão de que fora encarregado; referi n'um dos meus discursos antecedentes o modo, como se fazia correr essa insinuação, agora só me resta agradecer ao Sr. Ministro a declaração, que destruiu completamente os effeitos dessa insinuação.

Tambem S. Ex.ª não me intendeu ou não quiz intender no que eu disse a respeito dos vogaes da commissão da exposição, eu não discuti as suas qualidades pessoaes, nem as de sciencia, que cada um possue, eu encarei a questão unicamente pelo numero e pela despeza; a que preposito pois deduzir desta argumentação offensa feita áquelles cavalheiros? Não póde S. Ex.ª negar que pelo menos quanto ás ultimas nomeações houve patronato, pois é sabido que alguem foi nomeado por exigencia de uma influencia da situação, e mesmo quanto ao geral houve parcialidade, porque o Sr. Ministro só nomeou de entre os amigos politicos, que lhe prestam o seu apoio, e até com menoscabo do primeiro estabelecimento litterario do paiz, foi procurar os sabios aos estabelecimentos litterario de Lisboa e Porto, desprezando a Universidade de Coimbra.

Convenho em que a commissão nomeada não tem por fim mostrar os objectos por nós enviados á exposição de Paris, mas visto que tem de estudar-se a grande questão economica da protecção e liberdade, não seria melhor mandar quem verdadeiramente a podesse estudar em logar de dois chimicos, que formam parte da commissão? Eu intendo que um chimico póde adiantar muito os seus conhecimentos, não frequentando a exposição de Paris, mas os laboratorios; é nestes que são manipulados os productos chimicos, e que se podem conhecer os progressos da sciencia; sinto que o Sr. Ministro para mandar dois chimicos deixasse de mandar pessoa, que representasse devidamente as bellas-artes do nosso paiz, e sinto-o tanto mais quanto tendo S. Ex.ª pedido a pessoa competente o individuo devidamente habilitado, não só o não mandou, fazendo parte da commissão, mas até deixou ficar em Lisboa os objectos das bellas-artes? Desejo que S. Ex.ª me responda sobre este ponto, assim como do motivo porque mandou de preferencia todos os objectos constantes de uma lista, apresentada por um estrangeiro, que não perde a occasião de censurar as cousas portuguezas. Consta-me que nessa lista se contém um fogareiro de barro, um molho de carqueija, uma acha de pinho, uma candeia ordinaria, e um arado dos que se usavam á trezentos annos no

Minho friso). Perguntarei ao Sr. Ministro, se depois de tudo isto não houve parcialidade e patronato muito censuravel, porque é contrario aos verdadeiros interesses nacionaes. Entre os titulos do Ministerio á gratidão nacional apresentou tambem o Sr. Ministro da Fazenda a paz e a tolerancia! Eu apresentei já por muitas vezes os motivos, porque tem reinado esta paz, e hoje mesmo expendi já, os meios porque o Sr. Ministro do Reino a tem conseguido; reporto-me, pois, ao que já disse. Quanto á tolerancia a Camara observou que o Sr. Ministro a pertendeu provar pelo facto de ter o Governo ido buscar ao lado da opposição a pessoa distincta, que nomeou presidente da commissão mandada a Paris; se este facto prova a tolerancia da Administração actual, hão de permittir que eu reclame o titulo de tolerantíssima para a Administração transacta, e nesta Camara, e fora della, poderia apresentar muitos exemplos dessa tolerancia; eis-ahi estão entre outros o Sr. Sequeira Pinto, o Sr. Visconde da Luz, o Sr. Visconde de Balsemão, etc, etc, dos quaes uns sempre estiveram em opposição á Administração transacta, e outros a honraram com o seu apoio, apoiando hoje a Administração actual sem que eu por fórma alguma queira dizer, que os dignos Pares a quem me referi, que n'um e n'outro caso, deixam de obrar conforme as suas convicções.

O digno Par o Sr. José Maria Grande, ainda veio repetir ipsis verbis a resposta, que me havia dado o Sr. Ministro da Fazenda, attribuindo-me uma opinião que eu havia sustentado, isto é, que o Commandante em Chefe do Exercito devia ser sempre um Principe. Tractando eu da despeza, que actualmente faz o Commando em Chefe do Exercito, com a que anteriormente se fazia, disse, que esta era muito inferior á de agora, porque antes se achava á frente daquelle cargo um Principe, que pelo seu desinteresse, pela sua alta posição, e outros motivos, era na minha opinião, uma garantia para servir de fiel de balança contra os que pertendessem promover a indisciplina do Exercito; sem ligações com alguma fracção politica, era a pessoa mais competente para manter a disciplina do Exercito, sendo esta a razão principal, que eu adduzi para justificar o meu procedimento, quanto á conservação do cargo de Commandante em Chefe durante a Administração de 18 de Junho (apoiados); mas o Sr. Ministro da Fazenda invertendo o que eu dissera, attribuiu-me uma opinião, que eu não sustentei, e esforçou-se por demonstrar, que dessa minha supposta opinião é que podiam resultar perigos para a liberdade, e inconvenientes para o serviço publico! E por esta occasião perguntou-me S. Ex.ª = quem servia o cargo de Commandante em Chefe nesse momento de revolução? —S. Ex.ª não quiz dar a resposta á sua pergunta, mas dou-a eu. Servia e estava á frente do Commando em Chefe do Exercito um Principe, que soube manter sempre a disciplina até que um Marechal do Exercito, descendo ao campo da revolta, promoveu a indisciplina de parte do mesmo Exercito (apoiados). Estava um Principe, até que um subdito, Marechal do Exercito, lhe arrancou dos hombros as dragonas de Commandante em Chefe para as collocar nos seus proprios hombros (muitos apoiados).

Teria sido melhor, teria sido mais prudente evitar esta discussão: os que pretendem adular o Marechal, compromettem-o com tal defeza; o mesmo havia já acontecido em uma das sessões passadas, quando um outro digno Par referiu a nomeação do Sr. Duque da Terceira para Presidente sem pasta no anno de 1851, porque deu isso logar a trazer á memoria da Camara esse boletim famoso, pelo qual o Duque de Saldanha intimou ao Chefe do Estado o circulo dentro do qual devia escolher os seus Ministros (apoiados),

E depois de todos estes factos ainda nos vêem dizer que a elevação do Duque de Saldanha á Presidencia do Conselho sem pasta, ou a sua conservação á frente da situação, é uma garantia da paz e da liberdade? Não reconhecem os que produzem taes argumentos que dão armas contra si (muitos apoiados).

Na opinião do Sr. José Maria Grande o titulo de primeiro revolucionario não pertence ao Sr. Duque de Saldanha pertence antes a mim (riso). O digno Par fez a resenha de todas as revoluções porque teem passado este paiz desde o reinado do Senhor D. João I até agora, chegando a revolução de 1820 não se attreveu a nomear a de 1836, contentando-se sómente em dizer que existira uma que fora causa de todas que se sucederam. Tambem passou S. Ex.ª em silencio a de 1842 que deu em resultado a restauração da Carta. S. Ex.ª teve razão, sendo essa Carta o padrão das glorias e liberdades patrias, como ainda ha pouco reconheceram os Presidentes das Camaras legislativas no discurso dirigido ao Chefe do Estado, não podia S. Ex.ª mencionar aquelle feito em que eu tive uma grande parte, sem que me importe tudo quanto se teem dito para me apresentar como criminoso por tal motivo, S. Ex.ª tinha além disto sido extremo defensor dessa revolução? E se eu o fora como podeis desculpar o Marechal do Exercito que abandonou os debates parlamentares para se promover a revolução de 1851, notai que o Duque de Saldanha pela sua posição de militar é mais responsavel pela disciplina do Exercito do que um paisano (apoiados).

Parece-me deslocada a defeza do Sr. Duarte Leitão, feita pelo Sr. José Maria Grande, guarde S. Ex.ª para si toda essa prelecção sobre sophismas, só propria das escolas, e deixe aos oradores parlamentares empregar essa phrase que não tem nada de injuriosa. Observo que até o Sr. Ministro do Reino se está rindo das definições escolasticas do Sr. José Maria Grande! São ainda immensas as notas sobre que teria de responder nesta sessão, deixando porém a maior parte dellas, limito-me a fazer breves considerações sobre o que hontem disse o Sr. Ministro da Fazenda, em defeza da ordem do dia, pela qual o

Sr. Presidente do Conselho declara que se póde appellar para o coração do soldado, com o fim de estabelecer o equilibrio dos poderes politicos, quando S. Ex.ª julgar que este não existe: eu folgo muito de que os Srs. Ministros estejam de accôrdo em que a força publica não deve intervir nos negocios do Estado, mas peço a SS. Ex.ªs que harmonisem os factos com as suas doutrinas, e que peçam ao Sr. Presidente do Conselho, que revogue aquella ordem do dia, porque contém doutrinas altamente revolucionarias, e nesta parte limito a isto as minhas observações porque já não tenho forças para continuar.

Vozes — Muito bem, muito bem.

O Sr. Presidente — A hora já deu: portanto, continúa ámanhã a mesma ordem do dia, e ficam com a palavra os dignos Pares os Srs. Visconde de Fonte Arcada, Ministro do Reino, e Ferrão. — Está fechada a sessão.

Tinham dado cinco horas.

Relação dos dignos Pares presentes na sessão de 5 do Corrente.

Os Srs. Cardeal Patriarcha; Silva Carvalho; Marquezes de Fronteira, das Minas, e de Vallada; Arcebispo Bispo Conde; Condes das Alcaçovas, de Arrochella, do Bomfim, do Farrobo, de Fonte Nova, da Louzã (D, João), de Mello, da Ponte, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, e de Thomar; Bispos de Bragança, e de Vizeu; Viscondes de Algés, de Athoguia, de Balsemão, de Benagazil, de Castro, de Fonte Arcada, de Fornos de Algodres, de Francos, de Laborim, de Nossa Senhora da Luz, de Ovar, e de Sá da Bandeira; Barões de Chancelleiros, de Pernes, de Porto de Moz, e da Vargem da Ordem; Mello e Saldanha, Pereira Coutinho, D. Carlos Mascarenhas, Sequeira Pinto, Pereira de Magalhães, Ferrão, Aguiar, Larcher, Silva Costa, Guedes, Eugenio de Almeida, José Maria Grande, Duarte Leitão, Brito do Rio, Fonseca Magalhães, e Aquino de Carvalho.

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