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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

EXTRACTO DA SESSÃO DE 5 DE JUNHO.

Presidencia do Em.mo Sr. Cardeal Patriarcha.

Secretarios — os Srs.

Conde de Mello.

Conde da Louza (D. João).

(Assistiam os Srs. Ministros, do Reino e da Marinha.)

Depois das duas horas e meia da tarde, tendo-se verificado a presença de 38 dignos Pares, declarou o Em.mo Sr. Cardeal Patriarcha aberta a sessão. Leu-se a acta da antecedente contra a qual não houve reclamação.

O Sr. Secretario Conde de Mello deu conta do seguinte expediente:

Um officio do Ministerio da Guerra, satisfazendo ao requerimento da commissão de guerra desta Camara, em que sollicita os processos de certos individuos.

O Sr. Secretario Conde de Mello = Os processos de que tracta esta correspondencia acham-se na secretaria, para serem presentes á commissão quando se requisitarem.

Para a secretaria.

— da Camara dos Srs. Deputados, acompanhando uma proposição de lei, augmentando o ordenado do Escrivão do 4.° deposito do Arsenal da Marinha.

À commissão de marinha e ultramar.

- da mesma Camara, acompanhando outra proposição de lei, que fixa os ordenados dos Lentes effectivos e substitutos da escola naval.

A commissão de fazenda.

O Sr. Silva Carvalho — Por parte da commissão de legislação participo, que ella nomeou para a do orçamento os dignos Pares Barão de Chancelleiros e Sequeira Pinto.

ORDEM DO DIA.

Continúa a discussão do parecer n.° 229, sobre a Presidencia do Conselho sem pasta.

O Sr. José Maria Grande — Sr. Presidente, eu reconheço que o projecto em discussão não carece da minha defeza. Elle tem habeis defensores nos illustres membros da commissão especial, que são contados pela Camara, e pelo paiz, entre as suas mais distinctas notabilidades Fora portanto uma temeridade apresentar-me eu como campeão do projecto quando elle tem taes e tão dignos defensores. E não foi tambem com esse intuito que eu pedi a palavra — pedi-a por intender que não devia ficar silencioso, quando se tractavam com desfavor, e neste logar, collegas e amigos ausentes, que não podiam aqui defender-se — pedi-a porque julguei que não devia ficar silencioso, quando era aggredido com manifesta injustiça um estabelecimento cuja direcção me está confiada, e cuja defeza é um dos meus primeiros deveres. Foi pois para desempenhar estes deveres de lealdade que eu pedi a palavra; mas visto que entrei na arena do debate, permittam-me os nobres membros da commissão, que eu diga algumas palavras sobre o projecto. A Camara ouviu a vigorosa defeza que o illustre relator da commissão apresentou nesta Casa com relação ao parecer que se discute; ouviu os argumentos que elle empregou, argumentos que estão ainda de pé, que não foram ainda combalidos. O digno Par o Sr. Conde de Thomar (O Sr. Visconde de Fonte Arcada — Peço a palavra.) julgou que era melhor entrar no campo das generalidades, apresentar algumas asserções banaes, e estranhas ao debate, do que combater as razões dos seus adversarios. S. Ex.ª persuadiu-se que deste modo podia evadir-se á difficuldade em que estava collocado, porque os argumentos do illustre relator da commissão foram como costumam ser sempre os seus argumentos, de tanta força, e portal modo indestructiveis, que o digno Par intendeu, na sua prudencia, que combate los seria torna-los mais salientes e vigorosos.

As razões em que se funda este projecto são obvias. E admira que ellas não tenham ainda podido calar no animo daquelles que o impugnam.

Haverá no projecto alguma disposição contraria á Lei Fundamental do Estado?.... Ninguem ainda provou que a houvesse; e póde affirmar-se affoutamente que a não ha. Será elle contrario ao espirito da nossa legislação?.... Contrario aos principios constitucionaes?.... De certo que não. O projecto está em harmonia com esses principios, porque desde que se adopta o da solidariedade ministerial lembra logo como uma necessidade a presidencia do Conselho de Ministros. A presidencia do Conselho de Ministros torna-se necessaria desde que se adopta o principio da solidariedade politica no Gabinete — principio adoptado em muitos paizes constitucionaes, e que dá unidade e harmonia á administração.

E na verdade o principio da responsabilidade ministerial assim considerada suppõe, que os Ministros tem de se accordar sobre as bases da politica e da administração, bem como sobre os negocios governativos de uma certa importancia; e então é mister que o Gabinete se reuna frequentes vezes, e que nestas reuniões haja quem presida o Conselho, quem dirija os debates, e quem recolha os arestos. A sentença principal do projecto que consigna a necessidade da presidencia é por tanto necessaria. Mas não é só necessaria é tambem politica, porque as situações são muitas vezes representadas por certos homens, que são os mais proprios para as desenvolver e radicar.

Isto pelo que respeita á regra geral do projecto; e agora pelo que toca á excepção, ou antes á eventualidade de presidencia sem pasta, quem póde duvidar de que ella seja em certos casos de grande conveniencia publica? Pois não póde dar-se a hypothese de que a personagem em quem uma situação tem, por assim dizer, encarnado, não tenha a robustez para gerir os negocios e os promenores de uma pasta? Não poderá dar-se o caso de que essa personagem politica rodeada da confiança publica, amestrada pela experiencia, e pelos annos, seja amais proprio para dirigir á politica geral do Estado, para traçar o caminho dessa politica, para se elevar ás mais altas regiões dos principios governativos, e não possa, de cançada pelos annos ou pelas enfermidades, attender ás minuciosidades fatigantes de uma pasta? E deveriamos nesse caso privar o paiz dos seus serviços? E sacrificar a mesquinhas considerações de uma mesquinha economia a paz, a ordem, e a estabilidade publica? E um tal procedimento seria digno de legisladores e de homens de Estado, ou de imbeceis que não sabem avaliar o preço dos altos interesses de uma nação?

As duas disposições do projecto, quer seja a geral, quer a excepcional, devem portanto ser approvadas.

Disse-se, porém, que o projecto era desnecessario; e quem o disse accrescentou logo «que o projecto era necessario para se applicar a uma certa e determinada pessoa, ao nobre Duque de Saldanha.» Notavel contradicção! E accrescentou-se: «o projecto é pessoal, e apresentou-se por se reconhecer que a espada do Duque de Saldanha é indispensavel á sustentação da actual situação.»

O projecto, porém, não é pessoal. Não ha nenhum nome proprio no prejecto; elle não tem referencia a individuo algum; elle estabelece uma provisão, que póde ser liberrimamente applicada pelo Poder moderador. Obsta por ventura o projecto a que o Poder moderador possa nomear livremente os seus Ministros?... E se o Poder moderador póde nomear o nobre Duque de Saldanha, não poderá tambem nomear (digamos tudo) o nobre Conde de Thomar?... Livre no exercicio desta Real prerogativa, elle póde, sem o menor constrangimento, escolher os seus Ministros. E como é que se vê aqui um nome, uma pessoa?... Esse nome vê-se, porque echôa sempre, e desagradavelmente nos ouvidos de alguem — essa pessoa descobre-se no projecto, porque o seu adversario a vê constantemente em roda de si, no somno e na vigília, como um terrivel pesadello! O projecto não é pois pessoal, nem desnecessario. Eu não precisava demorar-me por longo tempo nesta demonstração, porque a demonstração em contrario não appareceu; appareceram apenas puras e singelas affirmativas da sua inutilidade e personalidade; affirmativas que eu podia combater por negação, visto que vieram desacompanhadas de provas. O unico argumento que se produziu contra o projecto foi o da despeza, o de uma insignificante despeza; isto não é porém argumento que se apresente nesta casa, nem que seja produzido por um homem de Estado.

A despeza, Sr. Presidente, é insignificantissima em relação ás vantagens politicas e administrativas que podem resultar da execução das disposições consignadas no projecto.

Collocado n'uma posição difficil, o digno Par necessariamente tinha de ser levado a um campo escabroso, mas a um campo que elle percorre ordinariamente com bastante facilidade — é o campo das invectivas, o campo das banalidades. S. Ex.ª, não podendo desfazer os argumentos do illustre relator da commissão, ousou dizer que elle não tinha apresentado senão uma serie de sophismas durante todo o seu discurso. Uma serie de sophismas!... Conhecerá o digno Par todo o valor deste termo?... Não saberá o digno Par que o sophisma é um argumento falso, e intencionalmente applicado com o fim de illudir o adversario, ou de estabelecer como verdadeira uma cousa que o não é?... O sophisma 6 uma mentira da intelligencia; é uma mentira na arte do raciocinio, e o illustre relator da commissão era incapaz de mentir assim á sua intelligencia, empregando o sophisma. E para que havia elle empregar sophismas, quando os argumentos rectos e convincentes sobejam?... Um argumento póde ser material ou intencionalmente falso; o argumento materialmente falso não é um sophisma, é um paralogismo; mas o argumento intencionalmente falso, esse sim, esse é um sophisma que falsèa a verdade, e prostitue a dialectica.

Outro argumento, que na verdade concluo pela rejeição do projecto, é a asserção de que o Duque de Saldanha é o primeiro revolucionario do Paiz!... O primeiro revolucionario do Paiz?... S. Ex.ª dá muito pouco valor a si mesmo. O nobre Duque de Saldanha o primeiro revolucionario deste Paiz!... O nobre Conde foi injusto para comsigo, fez-se muito pouco favor.

Sr. Presidente, neste Paiz tem havido muitas e diversas revoluções, e algumas dellas foram tão justas, e tão necessarias para a salvação do Estado, que a historia as tem, por assim dizer, consagrado. A primeira destas revoluções occorreu na inauguração do reinado do Senhor D. João 1.°, que foi um grande e digno revolucionario. Mas revolucionario para que?... Para salvar o Paiz da abjecção e do abatimento a que tinha sido reduzido (O Sr. Marquez de Vallada, entrando na sala — Apoiado). A outra revolução foi a de 1640, a que assentou no throno o Senhor D. João 4.°, que tambem foi um revolucionario feliz e benemerito da Patria. Mas para que?... Para fazer pedaços o jugo que esmagava esta Nação, para salvar a independencia deste Paiz, e para lançar para longe de nós o governo aviltante do estrangeiro. Estas duas grandes revoluções hão-de ser sempre respeitadas de todos os homens que tiverem coração portuguez, hão-de ser sempre duas das mais bellas paginas da nossa historia. Depois destas revoluções, ou antes restaurações, veio outra, que eu considero ainda como digna de ser exarada e engrandecida nos fastos deste Paiz — é a revolução do 1820. Esses revolucionarios de então, que nos livraram da mingoa a que estavamos reduzidos, são dignos de grande louvor; foram portuguezes dignos deste nome. Um delles senta-se ainda nestas cadeiras, e é por todos nós considerado como o Patriarcha das liberdades patrias. Essa revolução teve o resultado de fundar o systema representativo; teve o resultado de acabar com a influencia estrangeira, e finalmente de plantar a arvore da liberdade portugueza neste solo, que para ella é tão apropriado. Depois destas revoluções vejo ainda outra, que foi uma manifestação da justiça de Deos, e um milagre da Providencia— é a revolução que nos restaurou a Carta, que acabou com a tyrannia do usurpador, e. que fundou o throno constitucional da Senhora D. Maria 2.ª, de sempre gloriosa memoria. Foram revolucionarios neste lucta gloriosa os nobres Duques de Palmella, de Saldanha, e da Terceira, e outras personagens das primeiras notabilidades deste Paiz, como os Guerreiros, os Mousinhos, os Aguiares etc. Nestas revoluções, Sr. Presidente, se eu tivesse entrado nellas — e alguma parte tomei na ultima, posto que em mais humilde posição — gloriar-me-ia muito disso. Depois destas revoluções veio outra, que foi a que creou a situação actual, e nessa revolução torna ainda a figurar o nobre Duque de Saldanha. Bem haja elle; a Patria lh'o agradecerá, porque a situação que se creou em virtude desse movimento trouxe resultados politicos e economicos de grande valia. Esta revolução, Sr. Presidente, teve por fim acabar com aquillo que havia de acabar com o Paiz, se continuasse, pois eu tenho a crença que, se esta revolução não tivesse existido, nós teriamos percorrido as desgraçadas phases politicas que affligiram o paiz visinho, e que talvez acabassem em Portugal com as instituições representativas, que a administração transacta tractava com evidente desamor.

Eis-aqui está como é revolucionario o Duque de Saldanha: foi revolucionario, fazendo importantes e eminentes serviços á sua Patria!... Foi revolucionario creando uma situação que o Paiz ha-de abençoar.

Mas eu deixei de alludir a outras revoluções que pela maior parte não merecem que dellas nos occupemos, porque os seus motivos e os seus fins foram mui diversos dos que ficam mencionados.

Entrei nestes promenores por ver que foi taxado o nobre Duque de Saldanha de revolucionario pelo nobre Conde de Thomar, do qual, e sem eu lhe querer fazer com isto offensa, se não póde deixar de dizer que S. Ex.ª tem sido revolucionario desde os Camillos até ao Chão da Feira; do Chão da Feira até á Praça nova; da Praça-nova até que se creou a actual situação (O Sr. Marquez de Vallada — Apoiado, a Praça nova). Com relação á Praça nova algumas palavras disse eu em seu abono na Camara dos Srs. Deputados, de que então fazia parte; mas não póde destruir-se o facto de ter sido feita essa revolução por um Ministro da Corôa, e com insciencia e máo grado dos seus collegas.

O digno Par, que gosta mais de invectivar do que de raciocinar, achou desleaes os argumentos empregados pelo Sr. Ministro da Fazenda, quando o que lhe incumbia era combate-los. Esta asserção já hontem foi castigada como merecia: e eu poderia ser taxado de pouco modesto se pertendesse accrescentar agora algumas considerações ás que hontem se expenderam aqui. Trouxe ainda o nobre Conde para esta questão um sem numero de insinuações, e de asserções, todas estranhas a ella. Fallando, por exemplo, da commissão que foi mandada á exposição de Paris, asseverou que a maior parte dos individuos dessa commissão tinham sido nomeados por favoritismo. Eu não achei sómente nesta as