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N.º 55
SESSÃO DE 1 DE MAIO DE 1878
Presidencia do exmo. sr. duque d'Avila de Bolama
Secretarios - os dignos pares
Visconde de Soares Franco
Montufar Barreiros
(Assiste o sr. ministro da fazenda e depois o sr. ministro das obras publicas.)
Pelas duas hovas e um quarto, tendo-se verificado a presença de 22 dignos pares, declarou o exmo. sr. presidente aberta a sessão.
Leu-se a acta da antecedente, que se considerou approvada.
Mencionou-se a seguinte
Correspondencia
Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a seguinte proposta de lei, tendente a legalisar despezas do ministerio dos negocios estrangeiros, em exercicios comprehendidos nos annos economicos de 1865-1866 a 1870-1876, que excedera as verbas descriptas nas respectivas tabellas.
A commissão de fazenda.
O sr. Presidente: - Devo declarar á camara que a grande deputação nomeada para comprimentar Sua Magestade El-Rei pelo anniversario da outorga da carta constitucional, se desempenhou d'essa missão, tendo eu tido a honra de dirigir a Sua Magestade o discurso que se vae ler.
O sr. Visconde de Soares Franco (secretario): - Leu É do teor seguinte:
«Senhor. - Ha cincoenta e dois annos que o augusto avô de Vossa Magestade, o glorioso Monarcha o Senhor D. Pedro IV, outorgou-a carta constitucional aos portuguezes.
«O mundo viu com assombro esse joven Principe, apenas elevado ao throno de seus maiores pelas leis fundamentaes da monarchia, e a aprazimento de toda a nação, inaugurar o seu reinado, dando ao seu povo uma constituição baseada nos verdadeiros principios, e transmittindo assim á posteridade o seu nome cercado de uma gloria immortal.
«A camara dos pares do reino, que deve a sua existencia a este acto magnanimo, cumpre n'este grande anniversario um dever de reconhecimento e lealdade para com o augusto representante do excelso libertador, indo depor aos pés do throno a homenagem do seu profundo respeito e da sua fidelidade para com a real pessoa de Vossa Magestade, e os votos que ella forma para que a Providencia Divina cubra de venturas a Vossa Magestade e a Sua Magestade a Rainha e a toda a familia real.
«Digne-se Vossa Magestade acolher com benevolencia esta sincera expressão dos sentimentos da camara dos pares.»
O sr. Presidente: - A este discurso dignou-se responder Sua Magestade pela seguinte foórma.
O sr. Visconde de Soares Franco (secretario): - Leu. É do teor seguinte:
«Não é um sentimento de mera cortezia, mas o de mais viva gratidão que me inspira o acolher benevolamente as felicitações dos representantes da nação, pelo fausto anniversario que festejâmos n'este dia.
«Esta solemnidade traz-nos á memoria não só o facto glorioso, para meu augusto avô, da outorga da carta constitucional da monarchia, mas tambem a fidelidade e patriotica dedicação com que a nação portugueza tem defendido e amparado as instituições politicas, creadas e mantidas por aquelle codigo fundamental, e todas estas recordações são mui gratas ao meu coração.
«É pois com o maior reconhecimento que agradeço á camara dos dignos pares do reino a felicitação que acaba de dirigir-me, e os votos que faz pela prosperidade da familia real.»
O sr. Presidente: - Proponho que estes dois discursos sejam inseridos na acta.
Consultada a camara resolveu affirmativamente.
O sr. Vaz Preto: - Chamo a attenção da commissão de fazenda para lhe pedir que de quanto antes o seu parecer sobre o projecto relativo aos filhos do fallecido conde do Farrobo.
Se este negocio é de justiça, resolva-o favoravelmente; se não é de justiça, declare isso mesmo á camara; mas o que, no meu entender, não está no arbitrio da commissão é demorar o seu parecer.
Aquelle projecto veiu da outra casa do parlamento ha bastante tempo; depois d'elle vieram outros que já têem tido parecer da commissão, a que me refiro; e, portanto, parece-me que não deve adiar-se mais a resolução de um negocio tão importante, mesmo porque ficando para o anno, caduca o projecto e é necessario renovar a sua iniciativa. Espero, pois, que a commissão não quererá tomar a responsabilidade d'este adiamento, e que em breve apresentará o seu parecer.
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Instou pela apresentação d'esse parecer, para que não se desse logar á suspeita de que estas commissões pretendem pôr veto á resolução do mencionado negocio.
O sr. Barros e Sá: - Não tomei a palavra em resposta ás observações feitas pelo sr. Manuel Vaz Preto, porque s. exa. apenas se limitou a chamar a attenção da commissão de fazenda sobre a necessidade de ser dado quanto antes um parecer ácerca do projecto que teca por fim conceder pensões aos filhos do sr. conde do Farrobo, e não formulou pergunta alguma a esse respeito; mas, como o sr. visconde de Chancelleiros interpellou, para assim dizer, as commissões, vou fazer uma breve resenha do que se tem passado com relação ao assumpto proposto.
O projecto, a que os dignos pares alludiram, veiu da camara dos senhores deputados e foi logo remettido á commissão de fazenda.
Depois, em virtude do que a camara deliberou, foi tambem encarregada de o examinar a commissão de legislação. Auctorisado pelo respectivo presidente, convoquei as duas commissões reunidas para tratarem especialmente d'este negocio, mas não foi possivel ainda reunir numero sufficiente de vogaes para se elaborar um parecer.
O que n'este momento posso assegurar aos dignos pares é que farei convite novamente aos vogaes da commissão para se reunirem, e do resultado informarei a camara.
O sr. Conde de Cavalleiros: - Acho muito justo pretenderem os dignos pares que se dê andamento a um negocio que está affecto a esta camara; mas devo declarar que fui involuntariamente uma das causas para a demora na sua resolução, porque tendo eu aqui apresentado um requerimento dos filhos do segundo matrimonio do sr. conde do Farrobo, em que solicitam graça igual á que é concedida
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pelo respectivo projecto aos do primeiro matrimonio, porquanto não entendo que seja de justiça contemplar uns e excluir outros, n'essa occasião pedi que, alem da commissão de fazenda, fosse ouvida sobre o assumpto a commissão de legislação, pois era a mais competente n'um caso d'estes.
Agora uma vez que um membro da commissão, respondendo ás reflexões dos dignos pares, d'isso que eila ha de apresentar o seu parecer logo que se reuna, peço-lhe que tome em attenção o requerimento que lhe enviei.
O sr. Vaz Preto: - Ouvi as explicações que acabam de dar os srs. Barros e Sá e conde de Cavalleiros; e vejo pelo que diz este digno par, que a commissão ainda não póde dar parecer, por ter de attender ao requerimento dos filhos do segundo matrimonio.
Ora, tendo o projecto de voltar á outra camara, a commissão toma sobre si uma grande responsabilidade em não apresentar com a brevidade possivel o seu parecer.
Sinto que as commissões não se tenham reunido para resolver este assumpto, quando me parece que se têem reunido todos os dias para decedir outros, porque todos os dias estão sendo mandados pareceres para a mesa.
Esta exclusão que se quer fazer do projecto a que me refiro, não se póde admittir, aliás as commissões substituiriam a camara, e fariam mais do que esta casa do parlamento, pois o adiamento n'esta occasião equivale á rejeição do projecto, quando não sabem se a camara approvará ou não.
Eu não posso concordar com esta doutrina das commissões, pela qual se substituem á camara, e por isso peço ao sr. Barros e Sá que empregue os seus esforços para que a commissão se reuna, a fim de dar o seu parecer sobre este assumpto. Se ella não tem o numero de membros sufficiente para poder funccionar, peça á camara que lhe sejam aggregados alguns dignos pares.
O que não se deve fazer é demorar por mais tempo a resolução d'este negocio.
O sr. Barros e Sá: - Estou persuadido que nenhum dos individuos da commissão tenciona fugir á responsabilidade do seu voto. Pelo menos eu não tenciono fazel-o; nunca o fiz.
As commissões não carecem de ser reforçadas, porque ainda ha poucos dias o foram, uma com dois membros a outras com tres. Ellas, porém, como já disse, não se têem podido reunir, e por isso não lhes tem sido possivel apresentar parecer sobre o assumpto a que os dignos pares se referiram.
É o que tenho a responder a s. exas.
O sr. Vaz Preto: - Das declarações do sr. Barros o Sá deprehende-se que as commissões estão na firme resolução de não se reunirem para tratar d'este assumpto, apesar de o fazerem para tratar de outros negocios, como se vê pelos pareceres que todos os dias são mandados para a mesa por essas commissões; portanto, a questão Farrobo, que está n'esta casa ha mais de quinze dias, não poderá obter o beneplacito da commissão, e ficará adiada, o que equivale a uma rejeição. Isto não póde ser; não póde admittir-se que a commissão se substitua á camara. Espero, pois, que as commissões considerarão este negocio devidamente.
O sr. Presidente: - Os membros das commissões de fazenda e legislação ouviram o pedido dos dignos pares que acabam de fallar, e de certo o tomarão na consideração devida.
O sr. Barros e Sá: - Eu desejo que as minhas palavras não sejam interpretadas de modo que se pense que as duas commissões têem intenção reservada de não darem parecer sobre o projecto a que se referiu o digno par. Eu não disse isso; nem desejo que das minhas palavras se deprehenda similhante cousa.
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Fez ainda algumas observações sobre a necessidade de se apresentar um parecer sobre este negocio.
O sr. Presidente: - Peço licença ao digno par e á camara para declarar que a minha opinião é que se não póde marcar a nenhuma commissão um praso fatal para dar conta dos trabalhos que lhe são commettidos. Alem d'isso, estou convencido de que todos os membros das commissões que têem de examinar a pretensão a que alludiu o digno par, estão igualmente compenetrados da importancia da sua missão e hão de dar sempre o devido andamento aos seus trabalhos.
Agora vamos entrar na
ORDEM DO DIA
Leu-se na mesa o parecer n.° 361.
É o seguinte:
Parecer n.° 361
Senhores. - As vossas commissões de fazenda e de instrucção publica examinaram o projecto de lei n.° 352, vindo da camara dos senhores deputados, pelo qual são creadas junto do curso superior de letras duas cadeiras, sendo uma de lingua e litteratura sãoskrita vedica e classica, e outra de philologia comparada ou sciencia de linguagem; e
Considerando que deve ser confirmado o decreto de 15 de setembro de 1877 que estabeleceu provisoriamente a primeira;
Considerando tambem que a creação da cadeira de philologia comparada favorece e completa a de lingua sãoskrita, e que a despeza originada pelo estabelecimento d'estas duas cadeiras pouco significa perante a utilidade real que d'ellas resulta;
São de parecer que deve ser approvado o seguinte:
PROJECTO DE LEI
Artigo 1.° É approvado o decreto de 15 de setembro de 1877, pelo qual foi provisoriamente estabelecido junto do curso superior de letras um curso de lingua e litteratura sãoskrita vedica e classica, e é relevado o governo da responsabilidade em que incorreu pela promulgação do citado decreto.
Art. 2.° É creada no mesmo instituto uma cadeira de philologia comparada ou sciencia da linguagem.
§ l.° O primeiro provimento d'esta cadeira será feito por nomeação do governo, sob proposta do conselho do curso superior de letras, em individuo de reconhecida aptidão n'esta sciencia.
§ 2.° Os professores d'esta cadeira e da do sãoskrito terão os mesmos vencimentos, honras e prerogativas dos outros lentes do curso.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala da commissão, em 25 de abril de 1878 . = Visconde de Alves de Sá = Visconde da Praia Grande = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens = Jayme Larcher = Barros e Sá = Augusto Xavier Palmeirim.
Projecto de lei n.° 352
Artigo 1.° É relevado o governo da responsabilidade em que incorreu pela promulgação do decreto de 15 de setembro de 1877, que estabeleceu provisoriamente, junto do curso superior de letras, uma cadeira de lingua e litteratura sãoskrita vedica e classica.
Art. 2.° É creada no mesmo instituto outra cadeira de philologia comparada ou sciencia da linguagem.
§ 1.° O primeiro provimento d'esta cadeira será feito por nomeação do governo, sob proposta do conselho do curso superior de letras, em individuo de reconhecida aptidão n'esta sciencia.
§ 2.° Os professores d'esta cadeira e da de sãoskrito terão os mesmos vencimentos, honras e prerogativas dos outros lentes do curso.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 23 de abril de 1878. = Francisco Joaquim da Costa e Silva, vice-presidente = Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos, deputado secre-
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tario = Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto, deputado secretario.
O sr. Larcher: - Na qualidade de signatario d'este parecer, desejo declarar a v. exa. e á camara, que o autographo d'elle estava tambem assignado pelo sr. conde do Casal Ribeiro, e que se agora, depois de impresso, não se encontra o nome de s. exa. entre os dos outros individuos das commissões, só por erro da imprensa é que se póde explicar. Certamente se omittiu ali esta tão importante assignatura.
O sr. Presidente: - A camara ficou sciente da declaração do digno par.
Está o parecer em discussão na generalidade.
O sr. Costa Lobo: - Eu, sr. presidente, não approvo este projecto de lei. Elle tem por fim crear no curso superior de letras uma cadeira de sãoskrito e outra de linguistica.
Em Napoles é frequente encontrar um lazarone esfarrapado, mas com um magnifico collete de velludo ricamente bordado. Assim, e a esta imagem, pretende este projecto de lei vestir o nosso paiz.
Nós temos necessidades de instrucção superior muito mais urgentes que a do sãoskrito, embora o conhecimento d'essa lingua seja de utilidade.
Assim, é uma cousa vergonhosa que em Portugal não haja um curso de litteratura, como preparatorio obrigado para os estudos superiores.
Não se póde dar esse nome ao curso de latim e rhetorica que se estuda nos lyceus. O estudo do latim é um mero estudo de traducção. Quanto á rhetorica, como é notorio, consiste essa instrucção em saber de cór o respectivo compendio; mas, se perguntarem aos estudantes o que aquillo quer dizer, não o sabem. A maior parte dos nossos bachareis ficam sem estudar nem mesmo conhecer o Camões, Barros, Lucena, Vieira, e os demais, porque a lingua portugueza e a litteratura são cousas que se não ensinam, e se alguem quer conhecer os classicos, ha de estudal-os particularmente.
Ora, em logar de estabelecer e dotar convenientemente cadeiras de litteratura nacional, vamos crear cadeiras de sãoskrito e de philologia!
Estes estudos são de certo valiosos; mas quem sentir em si vocação para elles póde recorrer ás obras que os mestres têem publicado em Allemanha, Franca e Inglaterra. Essas obras não foram escriptas só para aquelles paizes, mas para o mundo inteiro. Quem pretende dedicar-se ao sãoskrito e ao estudo das linguas comparadas, naturalmente conhece o inglez, francez e allemão. Na republica das letras o trabalho não enriquece sómente a região na qual elle se exerce. Não é como uma fabrica de algodão ou uma mina de hulha. Tanta utilidade se póde tirar dos escriptos de Max Muller em Lisboa como em Oxford.
Mas, sr. presidente, se nós queremos dar á Europa eao mundo culto um contingente para o a diantamento dos altos estudos, devemos, n'esse caso, applicarmo-nos aquelles trabalhos intellectuaes que especialmente nos incumbem, e em que poderemos dar alguma novidade. D'esta maneira beneficiaremos as letras em geral, e, directamente, as do nosso paiz.
O sãoskrito é uma lingua morta ha milhares de annos, e que está para as linguas aryanas como o grego actualmente para as linguas de filiação latina. A elle, portanto, nenhuma obrigação nos liga, que nos seja directa e particular. Quanto mais importante, pois, não seria entre nós o estudo do arabe? O estudo d'esta lingua serviria a esclarecer as origens immediatas da nossa historia e as da lingua portugueza. É, alem d'isto, indispensavel para o conhecimento, da historia do imperio portuguez no oriente. Ora, n'este estudo, é tal a nossa pobreza que, se não me engano, os nossos dois unicos arabistas são os frades João de Sousa e Santo Antonio Moura. E creio que o seu conhecimento do arabe era muito superficial. Em todo o caso deixaram pouco.
Quanto mais importante ainda não seria para a nossa historia oriental o conhecimento da lingua persica, que é a lingua internacional e de geral uso na India, pela fórma do francez na Europa? Digo mais, ser-nos-ía muito mais proveitoso para esta especie de investigações historicas o conhecimento da lingua tamil, malabar, malaya, etc., porque estas são as linguas que fallavam os homens com quem trataram Vasco da Grama, Albuquerque e seus successores. E da ignorancia d'estas linguas resulta em parte que a nossa historia da India é uma completa phantasmagoria.
Portanto, voto contra o projecto de crear cadeiras de sãoskrito e de linguistica, das quaes nenhum proveito se póde esperar.
Dir-me-hão que este projecto tem por fim proteger dois homens de letras que se dedicaram aquelles estudos.
A isso não me opponho eu. Pelo contrario, acho isso muito bem entendido. A fórma é que eu julgo que deveria ser differente. Deveriam ser commissionados, por exemplo, para estudar as linguas vivas do norte da India, as quaes são transformações do sãoskrito, com applicação á nossa historia oriental, ou de estudar as origens da lingua portugueza, ou de algum trabalho similhante, e de escreverem sobre esse assumpto. Isso serviria á nossa historia patria, que labora em tão mesquinha penuria. Mas o que me parece fóra de proposito, é fazer do sãoskrito e da philologia elementos de instrucção superior, quando na instrucção superior ha deficiencias que importaria preencher sem mais demora, e que se não preenchem por falta de meios pecuniarios.
São estas as observações que n'este momento me occorrem sobre o projecto em discussão, o qual só agora me foi distribuido. Estou convencido que, se tivesse tido tempo para fixar n'elle mais demoradamente a minha attenção, poderia ainda corroborar tudo quanto acabo de expender.
O sr. Ministro da Fazenda (Serpa Pimentel): - O digno par, que acaba de fallar, combateu este projecto considerando-o como um objecto de luxo, em relação a outras necessidades da instrucção publica a que lhe parece deveriamos de preferencia occorrer. Peço licença para dizer que este modo de combater um projecto de lei podia-nos levar muito longe. Se tivessemos de examinar, quando se trata de discutir uma proposta de lei, se uma ou outra medida deveria ter a preferencia, isso havia de trazer certamente um grave embaraço para a marcha dos negocios publicos e ao andamento das discussões parlamentares.
Quando se trata de desenvolver a instrucção, que tanto carece de ser melhorada entre nós, quando se quer dar um passo mais n'esse caminho em que se não tem progredido demasiado, parece-me que uma despeza pequena como é esta, não póde ser motivo para a camara recusar a sua approvação a um projecto que tende ao progresso do ensino publico.
Disse tambem o digno par que não conhecia o professor que dirigia a cadeira de sãoskrito, mas que lhe constava ser um principiante, que se não póde comparar aos orientalistas de primeira força; mas assim é que quasi sempre se começa.
S. exa. sabe muito bem que a escola de pontes e calçadas de París é hoje talvez a primeira escola do mundo no seu genero. Pois os primeiros professores que teve eram fracos constructores, e a maior parte d'elles nem mesmo podia ter este nome, porque nenhuma pratica tinham da sua arte.
Esta escola havia, de começar por alguma cousa; começâmos pelo unico homem que temos habilitado para dar principio a estes trabalhos.
Acrescentou ainda o digno par que quem quer saber o resultado dos trabalhos e estudos feitos sobre a materia que constitue esta disciplina e para que se creou a cadeira de que falla o projecto, tem as obras escriptas na Allemanha,
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França e outros paizes, pelos homens mais illustres na sciencias das linguas, ou póde ir estudar fóra do reino.
Ora, esta indicação tem contra si ser impraticavel para aquelles que não têem meios de aprender como s. exa. aconselha. Só os homens de fortuna podem ir estudar fóra do paiz, sem subsidio do governo.
Em conclusão direi que, quando se trata do progresso das letras, não me parece que tudo quanto se faz no intuito de auxiliar esse progresso se póde chamar inutil. Entendo que a creacão d'estas cadeiras se acha n'esse caso, e por consequencia, a camara fará um bom serviço ás letras approvando este projecto, que contribue para o adiantamento da instrucção.
O sr. Presidente: - Não ha mais ninguem inscripto, vae votar-se o projecto que se acha em discussão.
Posto á votação foi o projecto approvado na sua generalidade e especialidade.
O sr. Presidente: - Passâmos á discussão do parecer n.º 365.
Leu-se na mesa este parecer, que é do teor seguinte:
Parecer n.° 365
Senhores. - Em requerimento apresentado em 21 de abril do corrente anno pede o duque de Saldanha, João Carlos de Saldanha de Oliveira e Daun, para tomar assento na camara dos pares por direito hereditario.
Pelos documentos juntos ao requerimento prova-se:
1.° Que o duque de Saldanha tem mais de vinte e cinco annos, e tinha completado os dezoito antes da publicação da lei de 11 de abril de 1845;
2.° Que é filho legitimo do duque de Saldanha, João Carlos de Saldanha de Oliveira e Daun, fallecido em 21 de novembro de 1876, o qual prestára juramento e tomára posse em sessão de 5 de janeiro de 1836;
3.° Que possue mais de um 1:600$000 réis de rendimento como se mostra da carta de lei de 7 de abril de 1877;
4.° Que é dotado de moralidade e boa conducta como se comprova por attestado de tres pares;
O que tudo visto, e em presença do que dispõe a carta constitucional no artigo 39.°, a lei de 11 de abril nos artigos 1.°, 2.° e 4.° e o decreto de 23 de maio de 1851, no artigo 3.°, é a commissão de parecer que o duque de Saldanha tem direito ao pariato, devendo ser admittido a prestar juramento e tomar assento n'esta camara.
Sala da commissão, em 27 de abril de 1878. = Marquez de Fronteira = D. Antonio José de Mello e Saldanha = Antonio de Serpa Pimentel = Augusto Cesar Xavier da Silva.
O sr. D. Antonio José de Mello e Saldanha: - Peço a v. exa., por parte da commissão que deu o parecer que está em discussão, para serem eliminadas do mesmo parecer as palavras: «decreto de 23 de maio de 1851, no artigo 3.°», que por equivoco aqui se acham estampadas.
O sr. Presidente: - O sr. D. Antonio José de Mello e Saldanha pede para que do parecer em discussão sejam eliminadas as palavras «decreto de 23 de maio de 1851, no artigo 3.°», que por equivoco foram inseridas no parecer que está em discussão.
Este pedido é feito em nome da commissão.
O sr. Xavier da Silva: - Não desejo nem defender nem impugnar o parecer em discussão; mas vindo eu n'elle assignado em ultimo logar, e sendo em geral os relatores das commissões que costumam assignar depois de o terem feito todos os outros membros da commissão, julgo necessario declarar que não fui eu o relator d'este negocio.
A commissão que deu este parecer é composta de sete membros, porém só quatro vem assignados, e a rasão d'isso foi que considerando a mesma commissão a urgencia de tratar do requerimento do sr. duque de Saldanha, e de dar sem demora o seu parecer, quando elle se assignou não estavam presentes senão quatro membros.
Aqui tem v. exa. e a camara a explicação do facto de virem, assignados apenas quatro membros da commissão e eu estar no ultimo logar.
O sr. Presidente: - Vae-se fazer a distribuição das espheras para se proceder á votação do parecer que foi posto á discussão.
Procedeu-se á votação.
O sr. Presidente: - Convido os dignos pares os srs. conde de Cabral e Franzini para servirem de escrutinadores.
Verificada a votação encontraram-se na uma da approvação trinta espheras brancas e uma preta, e na urna da contraprova trinta espheras pretas e uma branca.
O sr. Presidente: - Está approvado o parecer n.° 365 por trinta espheras brancas contra uma preta.
Consta-me que o sr. duque de Saldanha se acha nos corredores da sala; portanto nomeio os dignos pares os srs. marquez de Sabugosa e conde de Rio Maior para introduzirem s. exa. na sala.
O novo digno par foi introduzido na sala, prestou juramento e tomou assento.
O sr. Presidente: - Continua a ordem do dia.
O sr. Vaz Preto (sobre a ordem): - Peço a v. exa. que dos projectos que estão dados para ordem do dia sejam preferidos para se discutirem em primeiro logar os da iniciativa do governo.
Ha aqui uma grande quantidade de projectos de iniciativa particular, e o costume é a camara occupar-se em primeiro logar dos projectos que os srs. ministros julgam necessarios para governar.
Parece-me que depois de tantas prorogações e de nos obrigarem a estar aqui constantemente a discutir á pressa differentes projectos do governo, havendo ainda muitos a votar, entendo conveniente este meu pedido, que aliás devia ter sido feito por parte do governo.
Portanto, peço a v. exa. que consulte a camara sobre este meu requerimento.
O sr. Presidente: - O que o digno par acaba de pedir tinha eu tenção de propor á camara.
O sr. Vaz Preto quer que dos projectos que estão dados para ordem do dia, entrem em discussão, com preferencia, os da iniciativa do governo.
Eu já tinha resolvido seguir esse methodo, esperançado em que a camara havia do concordar com elle.
Os dignos pares que approvam que se prefira para a discussão os projectos da iniciativa do governo, discutindo-se depois consecutivamente os outros projectos que tambem foram dados para ordem do dia, tenham a bondade de se levantar.
Foi approvado.
O sr. Marquez de Sabugosa: - Eu pedia para quer projecto que auctorisa a dar um cavallo para a escola do exercito só entre em discussão depois do outro que trata da escola de cavallaria, porque me parece que aquelle projecto ficará prejudicado se se votar este ultimo.
O sr. Presidente: - Eu procurarei satisfazer aos desejos do digno par.
O sr. Marquez de Sabugosa: - Em todo o caso o projectos que dizem respeito ao ministerio da guerra parece-me que não se podem discutir sem estar presente o respectivo sr. ministro.
O sr. Presidente: - Começâmos pela discussão do parecer n.° 300 sobre o projecto de lei n.° 297, que é da inciativa do sr. ministro da marinha.
O sr. Secretario: - Leu.
É do teor seguinte:
Parecer n.° 300
Senhores. - As vossas commissões de fazenda e de marinha, reunidas, examinaram o projecto de lei n.° 297, vindo da camara dos senhores deputados, pelo qual é o governo auctorisado a melhorar a reforma do antigo secretario
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do governo geral da India, Joaquim Heliodoro da Cunha Rivara, com o ordenado de 1:000$000 réis. E, considerando que o mencionado secretario reformado, alem do seu merecimento distincto, revelado no exercicio de differentes cargos do estado, já tinha adquirido direito á reforma, quando foi publicado o decreto de 26 de maio de 1865, que diminuiu o ordenado ao logar de secretario do governo geral da India; não sendo justo que este decreto importe offensa dos direitos já adquiridos: são as vossas commissões de parecer que o indicado projecto merece a vossa approvação.
Sala das commissões, em 4 de abril de 1878. = Visconde da Praia Grande = Conde do Casal Ribeiro = Barros e Sá = Marino João Franzini = Carlos Bento da Silva.
Projecto de lei n.° 297
Artigo 1.° É o governo auctorisado a melhorar a aposentação do antigo secretario geral do governo geral do estado da India, Joaquim Heliodoro da Cunha Rivara, concedendo-lhe o vencimento de 1:000$000 réis, a que já tinha adquirido direito quando foram publicadas as tabellas de receita e despeza para as provincias ultramarinas, com data de 26 de maio de 1870.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 29 de marco de 1878. = Joaquim Gonçalves Mamede, presidente = Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos, deputado secretario = Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto, deputado secretario.
O sr. Presidente: - Está em discussão na sua generalidade.
Posto á votação foi approvado sem discussão na generalidade e especialidade.
O sr. Presidente: - Agora seguia-se o parecer n.° 331, que se refere a um projecto da iniciativa do governo, que trata da organisação da escola de cavallaria; mas o sr. marquez. de Sabugosa pediu para que não se discutissem, na ausencia do sr. ministro da guerra, os projectos que dizem respeito ao seu ministerio.
O sr. Marquez de Sabugosa: - V. exa. vae pôr em discussão o projecto que diz respeito á escola de cavallaria? Parece-me que esse projecto não se deve discutir sem estar presente o sr. ministro da guerra.
O sr. Presidente: - Vão-se discutir os projectos da iniciativa dos srs. ministros que estão presentes. Temos aqui o parecer n.° 338 sobre o projecto de lei n.° 310, que é da iniciativa do sr. ministro da fazenda. Vae ler-se.
O sr. Secretario: - Leu.
É do teor seguinte:
Parecer n.° 338
Senhores. - A vossa commissão de fazenda examinou a proposta de lei, vinda da camara dos senhores deputados, que tem por fim abolir o imposto especial de 60 réis em decalitro de vinho, geropiga, aguardente e vinagre que entrarem na cidade do Porto e em Villa Nova de Gaia, estabelecido pelo decreto de 30 de junho de 1870, imposto que recáe sobre os generos destinados a exportação; e substituir o mesmo imposto pelo de 2 por cento ad valorem sobre o vinho que se exportar para o estrangeiro, pelos portos seccos e molhados do continente do reino.
As circumstancias especiaes em que está a barra do Porto reclamam a abolição do mencionado imposto, e aquelle que o substitue, ao passo que compensa o thesouro do desfalque que soffre, vem despido do odioso da excepção, e pela sua modicidade e proporcionalidade, attenua o inconveniente de, a respeito d'elle, se não guardar o rigor dos principios que, em materia tributaria, nem sempre se póde attender.
N'estes termos é a mesma commissão de parecer, de accordo com o governo, que approveis, para depois subir á sancção real, o seguinte
PROJECTO DE LEI
Artigo 1.° É abolido o imposto especial de 60 réis em decalitro de vinho, geropiga, aguardente e vinagre que entrarem na cidade do Porto e em Villa Nova de Gaia, estabelecido pelo decreto de 30 de junho de 1870, na parte em que recáe sobre os genero destinados á exportação.
Art. 2.° É creado um imposto especial de 2 por cento ad valorem sobre o vinho que se exportar pelos portos seccos e molhados do continente do reino.
Art. 3.° Fica isento do pagamento do imposto, creado pelo artigo antecedente, o vinho que já tiver pago o imposto que é abolido pelo artigo 1.°
Art. 4.° O governo fará os regulamentos necessarios para a execução da presente lei.
Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala da commissão, 13 de abril de 1878. = Augusto Xavier Palmeirim = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens = Barros e Sá = Antonio de Paiva Pereira da Silva = Visconde da Praia Grande = Visconde de Bivar.
Projecto de lei n.º 310
Artigo 1.° É abolido o imposto especial de 60 réis em decalitro de vinho, geropiga, aguardente e vinagre que entrarem na cidade do Porto e em Villa Nova de Gaia, estabelecido pelo decreto de 30 de junho de 1870, na parte em que recáe sobre os generos destinados á exportação.
Art. 2.° É creado um imposto especial de 2 por cento ad valorem sobre o vinho que se exportar pelos portos seccos e molhados do continente do reino.
Art. 3.° Fica isento do pagamento do imposto creado pelo artigo antecedente o vinho que já tiver pago o imposto que é abolido pelo artigo 1.°
Art. 4.° O governo fará os regulamentos necessarios para a execução da presente lei.
Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 5 de abril de 1878. = Joaquim Gonçalves Mamede, presidente = Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos, deputado secretario = Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto, deputado secretario.
O sr. Presidente: - Está em discussão na sua generalidade.
O sr. Vaz Preto: - Peço a palavra.
O sr. Presidente: - Tem v. exa. a palavra.
O sr. Vaz Preto: - Este projecto pretende abolir um imposto e substituil-o por outro. Eu desejava que o sr. ministro da fazenda nos dissesse as rasões por que entendeu dever abolir, um imposto já creado, e ir estabelecer, para o substituir, um imposto que se pretende abolir, e quanto calcula o sr. ministro que renderá o imposto novo.
Desejava tambem saber quanto rende o imposto que se pretende abolir.
O sr. Ministro da Fazenda: - O imposto que vae ser abolido, segundo os termos d'este projecto, é só aquelle que recáe sobre os vinhos destinados á exportação.
O rendimento d'este imposto anda por 170:000$000 a 180:000$000 réis, e o imposto que se vae crear é de 2 por cento ad valorem sobre os vinhos que se exportarem pelos portos do reino, que calculo que renderá uns 180:000$000 réis, pouco mais ou menos, porque pela estatistica a exportação dos nossos vinhos anda por 9.000:000$000 réis, que, a 2 por cento, são exactamente 180:000$000 réis, por consequencia o imposto que se vae crear ha de render a mesma somma, pouco mais ou menos.
O sr. Vaz Preto: - Parece-me que esta substituição de imposto não é vantajosa para o paiz, porque a maior parte dos nossos vinhos não são conhecidos lá fóra, e a primeira cousa que o governo tinha a tratar era fazer conhecidos no estrangeiro os nossos vinhos, mas d'esta fórma lançando um imposto sobre todos os vinhos, que se exportam em todo o reino, o resultado não será outro senão difficultar a exportação dos nossos vinhos, que ainda não são conhecidos, e por consequencia se até aqui poucos vinhos se exportaram pela maior parte dos portos do reino, para o futuro ainda menos se exportarão.
Assim, o governo, para favorecer uma parte do paiz, que
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já paga esse imposto devidamente, porque exporta, vae causar um grande prejuizo ao resto do paiz, sem necessidade nem utilidade, porque quem pagava esse imposto já estava costumado a isso, e o thesouro vae talvez privar-se do rendimento que não será compensado pelo rendimento do novo imposto.
Não me parece isto rasoavel, e entendo que se deve conservar o imposto que existe, embora se creasse o outro, visto as despezas publicas excederem muito as receitas.
Parece-me que o sr. ministro procederia mais financeiramente se creasse este imposto, sem abolir o outro, que era uma fonte de receita, e ao qual o povo já estava habituado, e se attendesse, que sendo esta substituição uma diminuição de receita, não era conveniente nas actuaes circumstancias.
Sr. presidente, os nossos vinhos, que lá fóra são pouco conhecidos, ainda menos o serão em virtude d'esta disposição, e a sua exportação diminuirá em vez de se desenvolver.
Isto no meu entender é um mal para a fazenda e para o commercio.
O sr. Ministro da Fazenda: - Sr. presidente, eu creio que este projecto é util.
É verdade que no Porto já estavam acostumados a este imposto que se substitue, comtudo agora chegou a occasião mais adequada para a sua substituição, visto a abertura do caminho de ferro do Douro, que ligando-se com o do Minho, fará com que o vinho que só se exportava até agora pela barra do Porto continue a saír por outros dos nossos portos com prejuizo dos interesses do thesouro, porque, se continuasse a pagar-se sómente pela barra do Porto, o custo do transporte em levar o vinho a outros portos seria inferior áquelle mesmo imposto, o que animaria o commercio a procurar esses mesmos portos.
Portanto, já vê o digno par que o seu receio de diminuir a receita não é justificado. Alem d'isso, se s. exa. examinar os registos do movimento commercial do anno passado, verá que já então uma parte dos vinhos do Douro foi exportada pela barra de Lisboa e não pela do Porto, e isto para fugir ao imposto que se pretende extinguir.
Era effectivamente melhor que os nossos vinhos fossem mais conhecidos no estrangeiro do que o são, e Deus queira que o sejam, mas não me parece que sejam tão pouco conhecidos como o digno par pretende, nem que este projecto concorra para os tornar ainda menos conhecidos.
O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, eu ouvi o que disse o sr. ministro da fazenda, e até certo ponto acho muito sensatas as rasões que s. exa. apresentou. Comtudo, o que não me parece conveniente é a substituição de um imposto por outro, que rende menos.
Parecia muito mais acertado, nas circumstancias do thesouro, crear um e não abolir o outro, pois a abolição d'este imposto annullará uma fonte de receita, contra a qual ninguem protestava.
Eis-aqui as rasões por que não approvo o projecto.
O sr. Presidente: - Não ha mais ninguem inscripto, vae votar-se o projecto na generalidade.
Foi approvado.
Passando-se á especialidade, foi approvado sem discussão.
O sr. Presidente: - Vae entrar em discussão o parecer n.° 359 sobre o projecto n.° 348, que tambem é da iniciativa do governo.
Leu-se, e é do teor seguinte:
Parecer n.° 359
Senhores. - A vossa commissão de fazenda examinou a proposta n.° 348, vinda da camara dos senhores deputados, que tem por fim auctorisar o governo a mandar emittir, a favor do banco Lusitano, inscripções de assentamento para substituirem £ 2:000 de bonds de divida externa com os coupons do 1.° julho de 1873, que, segundo os documentos apresentados ao mesmo governo pelo referido banco, com justa causa se reputa que foram destruidos pela facção em lucta nas provincias do norte de Hespanha, conjunctamente com a mala do correio onde os mencionados eram conduzidos; e considerando que nas diversas disposições da proposta se acham salvaguardados os interesses do thesouro, prescrevendo-se a intransmissibilidade das inscripções por trinta annos, que o pagamento dos juros só possa ser feito depois de decorrido o praso de cinco annos, tendo-se em vista a doutrina do artigo 47.° do regulamento geral de contabilidade, com relação aos coupons vencidos, e finalmente outras cautelas necessarias para o caso dos sobreditos coupons se apresentarem a pagamento, sendo uma d'ellas a obrigação do banco restituir ao governo os juros que haja recebido:
Portanto é a vossa commissão de parecer que a mencionada proposta deve ser approvada para depois subir á sancção real.
PROJECTO DE LEI
Artigo 1.° É o governo auctorisado a mandar emittir pela junta do credito publico inscripções de assentamento a favor do banco Lusitano, com vencimento de juros do 1.° semestre de 1873 inclusive em diante, e com a clausula de intransmissiveis durante trinta annos contados do dia 1.° de janeiro de 1873, pela importancia correspondente ao cambio de 54, a vinte bonds extraviados de £ 100 cada um, n.ºs 256:322 a 256:341, do fundo de 1869, serie A.
Art. 2.° Os juros das ditas inscripções só poderão ser pagos cinco annos depois de findo o semestre a que respeitarem, isto é, depois de prescriptos os juros dos titulos que se reputam destruidos, porque findo este praso está prescripto o direito aos juros.
Art. 3.° Se durante o praso indicado no artigo 1.° forem apresentados a pagamento os coupons dos bonds que desappareceram, proceder-se-ha á amortisação das inscripções creadas por esta lei, sem que o banco Lusitano tenha direito a indemnisação alguma da parte do estado.
§ unico. O banco, no caso d'este artigo, será obrigado a restituir ao estado todos os juros que houver recebido.
Art. 4.° Decorrido o praso marcado para a prescripção dos creditos representados nos bonds, será annullada a clausula de intransmissibilidade exarada nos novos titulos, e estes ficarão livres para todos os effeitos.
Art. 5.° Reciprocamente, se depois do praso da prescripção reapparecerem os bonds, serão estes considerados de nenhum valor e fóra das garantias que as leis da respectiva creação lhes conferiram.
Art. 6.° Annullada a clausula de intransmissibilidade a que se referem os artigos 1.° e 4.°, poderão ser pagos os juros vencidos e não satisfeitos em virtude do disposto no artigo 2.°
Art. 7.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala da commissão, 23 de abril de 1878. = Augusto Xavier Palmeirim = Barros e Sá = Visconde da Praia Grande = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens = Visconde de Bivar.
Projecto de lei n.° 348
Artigo 1.° É o governo auctorisado a mandar emittir pela junta do credito publico inscripções de assentamento a favor do banco Lusitano, com vencimento de juros do 1.° semestre de 1873 inclusive em diante, e com a clausula de intransmissiveis durante trinta annos contados do dia 1.° de janeiro de 1873, pela importancia correspondente ao cambio de 54, a vinte bonds extraviados de £ 100 cada um, n.ºs 256:322 a 256:341, do fundo de 1869, serie A.
Art. 2.° Os juros das ditas inscripções só poderão ser pagos cinco annos depois de findo o semestre a que respeitarem, isto é, depois de prescriptos os juros dos titulos que se reputam destruidos, porque findo este praso está prescripto o direito aos juros.
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Art. 3.° Se durante o praso indicado no artigo 1.° forem apresentados a pagamento os coupons dos bonds que desappareceram, proceder-se-ha á amortisação das inscripções creadas por esta lei, sem que o banco Lusitano tenha direito a indemnisação alguma da parte do estado.
§ unico. O banco, no caso d'este artigo, será obrigado a restituir ao estado todos os juros que houver recebido.
Art. 4.° Decorrido o praso marcado para a prescripção dos creditos representados nos bonds, será annullada a clausula da intransmissibilidade exarada nos novos titulos, e estes ficarão livres para todos os effeitos.
Art. 5.° Reciprocamente, se depois do praso da prescripção reapparecerem os bonds, serão estes considerados de nenhum valor e fóra das garantias que as leis da respectiva creação lhes conferiram.
Art. 6.° Annullada a clausula de intransmissibilidade a que se referem os artigos 1.° e 4.°, poderão ser pagos os juros vencidos e não satisfeitos em virtude do disposto no artigo 2.°
Art. 7.° Fica revogada a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 22 de abril de l878. = Francisco Joaquim da Costa e Silva, vice-presidente = Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos, deputado secretario = Barão de Ferreira dos Santos, deputado secretario.
O sr. Presidente: - Em discussão na generalidade.
Foi approvado.
O sr. Presidente: - Passa-se á especialidade.
Artigo 1.°
O sr. Conde de Cavalleiros: - Eu desejava que o sr. ministro da fazenda tivesse a bondade de me explicar se isto passa em julgado; isto é, se o estado ha de indemnisar quem tiver a desgraça de perder fundos, quer seja por extravio, ou por qualquer roubo. Se assim é, quem tiver inscripções ou coupons escusa de os guardar em parte segura, porque se se perderem ou extraviarem, o governo depois lh'os satisfará.
Eu entendo que para as inscripções de assentamento ha lei; mas para estas de que se trata, não. Segundo se affirma foram os carlistas que roubaram estes titulos, se é que roubaram; e quem sabe se mais tarde elles se apresentarão, e o governo tem de os pagar? Isto póde dar logar a questões judiciaes, que hão de ser julgadas, Deus sabe como.
Voto, pois, contra o projecto. Quem perdeu, perdesse. O estado não póde estar a satisfazer a todas as especulações que se façam no meio de uma guerra. Isto faz-me lembrar um roubo de coupons feito ha muitos annos, por um celebre empregado chamado Mesquita, e que depois foi o dono d'esses titulos indemnisado; não fallando já em outros alcances, de que têem resultado indemnisações.
Se isto assim continua, havemos de chegar a um ponto, que de certo serão poucos os rendimentos do estado para satisfazer o resultado d'esses alcances.
É n'isto e em cousas identicas que se gastam os dinheiros publicos! E não vejo futuro que nos de esperança dê melhoras.
O sr. Ministro da Fazenda: - Não passa em julgado, tanto que se faz esta lei especial para o caso sujeito. Embora não haja lei que de aos titulos ao portador a mesma garantia que têem os de assentamento, em todos os paizes se está provendo de remedio aos inconvenientes que resultam de se extraviarem os titulos, ao portador, para manter o credito d'estes mesmos titulos.
Está este principio estabelecido não só pelos governos, mas pelas proprias companhias, a fim de poder haver confiança nos titulos.
E com esta lei, e com as disposições que têem tomado as diversas companhias, tem-se ao menos a probabilidade de se não perderem os titulos, uma vez que se possa provar que foram destruidos.
Portanto, parece-me que a medida é importante, e que a troco d'esta pequena quantia que já se pagava, prestâmos um bom serviço ao credito.
O sr. Conde de Cavalleiros: - Sr. presidente, o que podemos concluir é que não ha lei, mas que póde haver favor. Não digo que o haja, mas póde havel-o. Sempre que uma pessoa influente perder os seus titulos, dirige-se ao governo, e este faz uma lei especial para salvaguardar aos amigos ou influentes o prejuizo que tiveram.
Sr. presidente, estas questões não se devem tratar por esta fórma; os titulos de que se trata tinham coupons, esses coupons podem ter sido cortados, e serem apresentados. Isto não é indifferente, e devemos ser tanto mais cautelosos quando se zelam os dinheiros publicos.
Ainda ha pouco foi approvado por esta camara um projecto para a restituição de uns dinheiros que haviam sido levantados indevidamente do deposito publico.
Se foram levantados indevidamente onde estão os criminosos?
Pois rouba-se e não se encontram os ladrões?
Onde estará o processo?
Entendo que se paguem os prejuizos, mas quando o estado perseguir aquelles que os causaram.
Nada mais direi, sr. presidente.
O sr. Presidente: - Acabou a inscripção; vae votar-se o artigo 1.°
Foi approvado, e subsequentemente approvados sem discussão os artigos 2.°, 3.°, 4.°, 5.°, 6.° e 7.°
O sr. Presidente: - Vae ler-se o parecer n.° 358.
Lido na mesa entrou em discussão.
É do teor seguinte:
Parecer n.° 358
Senhores. - Em reunião das vossas commissões de marinha, guerra elegislação penal, foi examinada a proposição de lei n.° 347, provinda da camara dos senhores deputados, approvando, acrescentado de um artigo transitorio, o projecto de lei apresentado pelo governo em 27 de março ultimo, que tem por objecto fixar a legislação penal conveniente ao regimento de infanteria do ultramar, bem como a competencia dos tribunaes que têem de fazer a sua applicação.
Estas disposições eram indispensaveis. A lei de 3 de fevereiro de 1866, creando aquelle corpo, tratou principalmente do modo da sua composição, das obrigações que lhe impendiam, e das remunerações proporcionadas aos individuos das suas differentes classes; mas guardou silencio a respeito das correcções penaes ou disciplinares, em que elles podiam incorrer, e sobre o modo da sua applicação, sem lhe occorrer de prompto que, sendo muito differentes as situações dos delinquentes, assim na metropole, como nas viagens ou nas colonias, diversa a legislação vigente n'estas, praticaveis ou não, os mesmos juizos, e rasoavelmente distinctos os logares e a maneira de realisar as punições; se tornava indispensavel introduzir na legislação penal militar do exercito, e no seu processo, modificações que excluissem, quaesquer duvidas ou embaraços, adaptando-a ás hypotheses, ou possiveis ou já apresentadas pela natureza especial do regimento do ultramar.
A proposição de que se trata corrige aquella lacuna por maneira acertada e previdente, e por isso entenderam as referidas commissões que, depois de approvado, merece subir á sancção real o seguinte
PROJECTO DE LEI
Artigo 1.° O codigo de justiça militar de 9 de abril de 1875, com as modificações apontadas nos artigos seguintes, é applicavel a todos os, individuos do regimento de infanteria do ultramar, que se acharem no continente do reino, nas ilhas adjacentes e no archipelago de Cabo Verde.
Art. 2.° Quando as praças a que se refere o artigo antecedente forem condemnadas-a deportação militar, cumprirão a pena nas possessões de Africa, e quando forem condemnadas a presidio de guerra ou prisão militar, terão
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passagem ao exercito do reino, onde, depois de cumprida a penalidade imposta, completarão, se forem praças de pret, o tempo legal de serviço que ainda lhes faltar, segundo o seu primeiro alistamento.
Art. 3.° Todas as praças do regimento de infanteria do ultramar, que se acharem em pontos da monarchia onde não esteja em execução o codigo de justiça militar de 9 de abril de 1875, ficam sujeitas ás disposições da lei penal militar e commum que vigorar n'esses pontos.
Art. 4.° Os crimes commettidos em viagem por praças do regimento de infanteria do ultramar, sento punidos segundo a legislação penal militar que estiver em vigor na parte da monarchia para onde essas praças se destinarem.
Art. 5.° Todas as praças em effectividade de serviço, pertencentes aos quadros das provincias ultramarinas, ou n'ellas servindo em commissão, que estiverem addidas ao regimento de infanteria do ultramar, ficam sujeitas ao disposto no artigo 1.°
§ unico. Quando estas praças forem condemnadas a deportação militar, presidio de guerra ou prisão militar, cumprirão essas penas, segundo a sua natureza, nos corpos do exercito de Africa, ou nas praças de guerra d'essas possessões.
Art. 6.° Todas as praças reformadas do ultramar, assim, como as classificadas incapazes do serviço, que, estando addidas ao regimento de infanteria do ultramar, se acharem no continente do reino, nas ilhas adjacentes ou no archipelago de Cabo Verde, ficam sujeitas ás disposições de artigo 1.°, mas unicamente pelo que respeita aos crimes militares, tudo em harmonia com a doutrina do livro 3.° do codigo de justiça militar de 9 de abril de 1870.
§ unico. Se as praças de que trata este artigo forem officiaes, cumprirão a pena de prisão militar em uma praça de guerra designada pelo governo, e se forem praças de pret cumprirão a mesma pena e a de presidio de guerra nas prisões do quartel do regimento.
Art. 7.° As praças reformadas do ultramar não serão accusadas perante os tribunaes pelo crime de deserção, é quando completarem tres mezes de ausencia illegitima serão abatidas ao effectivo da divisão.
Art. 8.° Quando aos crimes commettidos pelas praças a que se refere o artigo antecedente corresponder a pena de deportação militar, serão transferidas na mesma situação para alguma das possessões de Africa.
Art. 9.° Em todos os casos em que para as praças do regimento de infanteria do ultramar, ou a elle addidas, vigorar o codigo de justiça militar de 9 de abril de 1875, serão adoptadas as disposições applicaveis do regulamento para a execução do referido codigo de 21 de julho do mesmo anno.
§ unico. Ao ministro da marinha e ultramar pertence a competencia disciplinar, que, pelo respectivo regulamento, compete aos commandantes das divisões militares e ministro da guerra.
Art. 10.° Os autos de corpo de delicto serão enviados ao ministerio da marinha e ultramar, a fim de, por intermedio do ministerio da guerra, serem remettidos ao commandante da respectiva divisão militar, se não disserem respeito a individuos com graduação superior á de major.
§ 1.° O commandante da divisão militar a quem forem remettidos os referidos autos procederá da fórma expressa no codigo de justiça militar; porém, se antes, ou depois de formado o summario da culpa, não encontrar fundamento para os suppostos criminosos serem julgados em conselho de guerra devolverá esses autos, acompanhados da sua informação e opinião, ao ministerio da guerra, a fim de, sendo depois remettido ao ministerio da marinha e ultramar, ahi se resolver o castigo disciplinar que aos accusados deva ser applicado.
§ 2.° Os autos de corpo de delicto devolvidos ao ministerio da marinha e ultramar para os fins indicados no § antecedente, voltarão pelas mesmas vias ao respectivo commandante da divisão militar para serem archivados em conformidade com o artigo 249.° do codigo de justiça militar.
Art. 11.° Todas as praças pertencentes ao regimento de infanteria do ultramar ou a elle addidas, a que, pelas disposições d'esta lei, é applicavel o codigo de justiça militar de 9 de abril de 1875, ficam sujeitas ao regulamento disciplinar decretado para o exercito em 15 de dezembro de 1875, com as modificações exaradas no regulamento que se publicar para a execução da presente lei.
§ 1.° Quando a pena de inactividade, de que trata o artigo 5.° do citado regulamento, tiver de ser applicada a officiaes pertencentes ao effectivo do regimento de infanteria do ultramar, será substituida pela passagem immediata ao exercito da metropole, annullando-se o decreto, ou parte do decreto, que tenha promovido os officiaes incursos na dita pena.
§ 2.° Os officiaes do regimento de infanteria do ultramar, ou a elle addidos, não ficam sujeitos aos effeitos das penas de reprehensão na ordem regimental, de brigada ou de divisão, e os officiaes inferiores não ficam do mesmo modo sujeitos aos effeitos da primeira das mencionadas penas.
Art. 12.° Os officiaes inferiores do regimento de infanteria do ultramar, a quem for applicada a pena de baixa de posto, terão passagem ao exercito do reino, onde completarão o tempo de serviço que lhes faltar, segundo o seu primeiro alistamento, com excepção dos que estiverem no caso do § 2.° do artigo 66.° do regulamento disciplinar de 15 de dezembro de 1875.
Art. 13.° Os cabos, soldados e corneteiros pertencentes ao effectivo do regimento de infanteria do ultramar, que, pelo conselho disciplinar a que se refere o artigo 53.° do regulamento de 15 de dezembro de 1875, forem apurados para, nos termos do artigo 73.° do mesmo regulamento, serem encorporados nas companhias de correcção, terão passagem definitiva ao exercito, para cumprirem a referida pena.
§ 1.° As relações de que trata o artigo 55.° do regulamento disciplinar serão enviadas ao ministerio da marinta e ultramar, e ahi se resolverá quaes das praças inscriptas nas mesmas relações deverão ser encorporadas nas companhias de correcção.
§ 2.° O commandante do regimento de infanteria do ultramar conferirá guia de marcha ás praças a que se refere o § antecedente, a fim de se apresentarem no quartel general da primeira divisão militar, onde lhes serão destinidas as companhias a que devem ter passagem.
Art. 14.° Os processos militares de praças do regimento do ultramar que na data da presente lei se acharem pendentes, serão julgados pelos tribunaes instituidos pelo codigo de justiça militar, e em harmonia com a legislação penal em vigor para o exercito do reino.
Art. 15.° Fica revogada a legislação em contrario
Sala das commissões, 23 de abril de 1878.= D. Antonio José de Mello e Saldanha = Antonio Florencio de Sousa Pinto = Visconde da Silva Carvalho = Visconde de Soaras Franco = Visconde de Seisal = Conde de Linhares = Visconde de Bivar = Visconde de Alves de Sá = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens = Marin João Franzini = Augusto Xavier Palmeirim.
Projecto de lei n.° 347
Artigo 1.° O codigo de justiça militar de 9 de abril de 1875, com as modificações apontadas nos artigos seguintes, é applicavel a todos os individuos do regimento de infanteria do ultramar, que se acharem no continente ao reino, nas ilhas adjacentes e no archipelago de Cabo Verde.
Art. 2.° Quando as praças a que se refere o artigo antecedente forem condemnadas a deportação militar, cumprirão a pena nas possessões de Africa, e quando forem condem-
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nadas a presidio de guerra ou prisão militar, terão passagem ao exercito do reino, onde, depois de cumprida a penalidade imposta, completarão, se forem praças de pret, o tempo legal de serviço que ainda lhes faltar segundo o seu primeiro alistamento.
Art. 3.° Todas as praças do regimento de infanteria do ultramar, que se acharem em pontos da monarchia onde não esteja em execução o codigo de justiça militar de 9 de abril de 1870, ficam sujeitas ás disposições da lei penal militar e commum que vigorar n'esses pontos.
Art. 4.° Os crimes commettidos em viagem por praças do regimento de infanteria do ultramar serão punidos segundo a legislação penal militar que estiver em vigor na parte da monarchia para onde essas praças se destinarem.
Art. 5.° Todas as praças em effectividade de serviço, pertencentes aos quadros das provincias ultramarinas, ou n'ellas servindo em commissão, que estiverem addidas ao regimento de infanteria do ultramar, ficam sujeitas ao disposto no artigo 1.°
§ unico. Quando estas praças forem condemnadas a deportação militar, presidio de guerra ou prisão militar, cumprirão essas penas, segundo a sua natureza, nos corpos do exercito de Africa, ou nas praças de guerra d'essas possessões.
Art. 6.° Todas as praças reformadas do ultramar, assim como as classificadas incapazes do serviço, que, estando addidas ao regimento de infanteria do ultramar, se acharem no continente do reino, nas iihas adjacentes ou no archipelago de Cabo Verde, ficam sujeitas ás disposições do artigo 1.°, mas unicamente pelo que respeita aos crimes militares, tudo em harmonia com a doutrina do livro 3.° do codigo de justiça militar de 9 de abril de 1875.
§ unico. Se as praças de que trata este artigo forem officiaes, cumprirão a pena de prisão militar em uma praça de guerra designada pelo governo, e se forem praças de pret cumprirão a mesma pena e a de presidio de guerra nas prisões do quartel do regimento.
Art. 7.° As praças reformadas do ultramar não serão accusadas perante os tribunaes pelo crime de deserção, e quando completarem tres mezes de ausencia illegitima serão abatidas ao effectivo da divisão.
Art. 8.° Quando aos crimes commettidos pelas praças a que se refere o artigo antecedente corresponder a pena de deportação militar, serão transferidas na mesma situação para alguma das possessões de Africa.
Art. 9.° Em todos os casos em que para as praças do regimento de infanteria do ultramar, ou a elle addidas, vigorar o codigo de justiça militar de 9 de abril de 1875, serão adoptadas as disposições applicaveis do regulamento para a execução do referido codigo de 21 de julho do mesmo anno.
§ unico. Ao ministro da marinha e ultramar pertence, a competencia disciplinar que, pelo respectivo regulamento, compete aos commandantes das divisões militares e ministro da guerra.
Art. 10.° Os autos de corpo de delicto serão enviados ao ministerio da marinha e ultramar, a fim de, por intermedio do ministerio da guerra, serem remettidos ao commandante da respectiva divisão militar, se não disserem respeito a individuos com graduação superior á de major.
§ 1.° O commandante da divisão militar a quem forem remettidos os referidos autos procederá da fórma expressa no codigo de justiça militar; porém, se antes ou depois de formado o summario da culpa não encontrar fundamento para os suppostos criminosos serem julgados em conselho de guerra, devolverá esses autos, acompanhados da sua informação e opinião, ao ministerio da guerra, a fim de, sendo depois remettidos ao ministerio da marinha e ultramar, ahi se resolver o castigo disciplinar que aos accusados deva ser applicado.
§ 2.° Os autos de corpo de delicto, devolvidos ao ministerio da marinha e ultramar para os fins indicados no § antecedente, voltarão pelas mesmas vias ao respectivo commandante da divisão militar, para serem archivados em conformidade com o artigo 249.° do codigo de justiça militar.
Art. 11.° Todas as praças pertencentes ao regimento de infanteria do ultramar ou a elle addidas, a que, pelas disposições d'esta lei, é applicavel o codigo de justiça militar de 9 de abril de 1875, ficam sujeitas ao regulamento disciplinar decretado para o exercito em 15 de dezembro de 1875, com as modificações exaradas no regulamento que se publicar para a execução da presente lei.
§ 1.° Quando a pena de inactividade, de que trata o artigo 5.° do citado regulamento, tiver de ser applicada a officiaes pertencentes ao effectivo do regimento de infanteria do ultramar, será substituida pela passagem immediata ao exercito da metropole, annullando-se o decreto, ou parte do decreto, que tenha promovido os officiaes incursos na dita pena.
§ 2.° Os officiaes do regimento de infanteria do ultramar, ou a elle addidos, não ficam sujeitos aos effeitos das penas de reprehensão na ordem regimental, de brigada ou de divisão, e os officiaes inferiores não ficam do mesmo modo sujeitos aos effeitos da primeira das mencionadas penas.
Art. 12.° Os officiaes inferiores do regimento de infanteria do ultramar, a quem for applicada a pena de baixa de posto, terão passagem ao exercito do reino, onde completarão o tempo de serviço que lhes faltar, segundo o seu primeiro alistamento, com excepção dos que estiverem no caso do § 2.° do artigo 66.° do regulamento disciplinar de 15 de dezembro de 1875.
Art. 13.° Os cabos, soldados e corneteiros pertencentes ao effectivo do regimento de infanteria do ultramar, que, pelo conselho disciplinar a que se refere o artigo 53.° do regulamento de 15 de dezembro de 1875, forem apurados para, nos termos do artigo 73.° do mesmo regulamento, serem encorporados nas companhias de correcção, terão passagem definitiva ao exercito, para cumprirem a referida pena.
§ 1.° As relações de que trata o artigo 55.° do regulamento disciplinar serão enviadas ao ministerio da marinha e ultramar, e ahi se resolverá quaes das praças inscriptas nas mesmas relações deverão ser encorporadas nas companhias de correcção.
§ 2.° O commandante do regimento de infanteria do ultramar conferirá guia de marcha ás praças a que se refere o § antecedente, a fim de se apresentarem no quartel general da primeira divisão militar, onde lhes serão destinadas as companhias a que deverem ter passagem.
Art. 14.° Os processos militares de praças do regimento do ultramar, que na data da presente lei se acharem pendentes, serão julgados pelos tribunaes instituidos pelo codigo de justiça militar, e em harmonia com a legislação penal em vigor para o exercito do reino.
Art. 15.° Fica revogada a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 22 de abril de 1878. = Francisco Joaquim da Costa e Silva, vice-presidente = Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos, deputado secretario = Barão de Ferreira dos Santos, deputado secretario.
O sr. Marques de Sabugosa: - Sr. presidente, pedi a palavra unicamente para declarar que voto contra a applicação do codigo penal militar ao corpo do ultramar, na parte que estabelece a pena de morte, e voto contra, porque quando se tratou do codigo de justiça militar votei contra similhante pena.
O sr. Marques de Vallada: - Sr. presidente, eu voto do mesmo modo que o meu collega o sr. marquez de Sabugosa. Entendo que é verdadeira e bem verdadeira aquella sentença: Nisi utile est quod facimus, stulta est gloria.
Eu voto em relação aos principios e e em relação aos factos. Esta pena não ha de nunca ser cumprida, e nós não estamos aqui n'esta casa do parlamento para praticar actos phantasmagoricos.
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Esta pena não se executou nem se ha de executar, repito.
Quando se deu um acontecimento que todos deplorámos e lamentámos, refiro-mo ao assassinato de um official de infanteria n.° 2, apesar do governo entender que devia fazer-se representar no saimento d'aquelle infeliz, prestando homenagem á desgraça, acto que não approvei, porque aquelle official não morreu no campo da batalha, mas assassinado; por essa occasião, observo que não se applicou esta pena, e se não se executou, excitados como estavam os animos, nunca se ha de executar, felizmente, e por isso eu votando contra ella, voto não só de accordo com os meus principios, mas tambem porque não desejo approvar phantasmagorias.
Reformem o exercito, moralisem-o, tornem-o uma verdade; seja-o a promessa que aqui fez o sr. Fontes quando entrou no ministerio, e tomou conta do governo do estado. Por essa occasião declarou s. exa. que havia de manter a dignidade do poder e o prestigio da auctoridade. Pois cumpra s. exa. essa promessa, mantenha-a em toda a sua plenitude, não deixe insultar o Rei, e responda ás perguntas que lhe fazem, da ordem d'aquellas que lhe fez o sr. conde de Linhares.
Será manter o prestigio da auctoridade o silencio que s. exa. guardou?
É com estas phantasmagorias e com votar a pena de morte para ella não se executar, é evitando a discussão, não respondendo ás perguntas que se mantem esse prestigio?! Eu voto contra este modo de manter a dignidade do poder.
Não posso acompanhar s. exa. n'este systema de perpetuo silencio.
O sr. conde de Linhares lançou a luva, e ninguem a levantou, e contra isto protesto eu em nome dos principios, do programma do sr. Fontes, e em nome das idéas do partido conservador regenerador.
Responda ao sr. conde de Linhares; se tem força, mostre-a, porque d'este modo não é possivel acompanhar um governo que se diz conservador, e que não conserva nada.
Por consequencia, eu voto contra este projecto, e repito o que já disse; a pena de morte nunca ha de ser applicada.
Eu quero a disciplina militar, quero que as penas estejam em relação com os crimes, mas não posso querer que se insiram n'uma lei disposições que são apenas uma irrisão, que não enganam ninguem, e que não podem ser devidamente applicadas.
Sr. presidente, eu costumo fallar movido pela convicção e não faço allusões a ninguem, nem apresento suspeitas, porque eu fallo só com relação aos factos e não a pessoas; fallo a respeito dos principios, e é justamente em nome dos principios e com relação aos factos, que me determinei a votar no mesmo sentido do meu collega o sr. marquez de Sabugosa.
Nada mais tenho a dizer.
O sr. Presidente: - Não ha mais ninguem inscripto; vae votar-se o projecto na sua generalidade. Os dignos pares que o approvam tenham a bondade de se levantar.
Foi approvado.
Em seguida foram votados todos os artigos sem discussão.
O sr. Presidente: - Como estão presentes os srs. ministro da guerra e da fazenda, vae proceder-se á discussão do parecer n.° 331.
O sr. Secretario: - Leu.
É do teor seguinte:
Parecer n.° 331
Senhores. - Ás vossas commissões reunidas, de guerra e fazenda, foi presente a proposta de lei n.° 329, procedente da camara dos senhores deputados, tendo por fim organisar uma escola de cavallaria.
A importancia d'esta arma, que parecia declinar desde o moderno aperfeiçoamento das armas de fogo, e o novo methodo tactico nos combates, tornou a levantar-se e a merecer toda a attenção dos militares, desde os grandes resultados obtidos pelo seu emprego na vigilancia e segurança dos exercitos, e nas suas excursões energicas contra os adversarios.
Se a intelligencia e a actividade são indispensaveis no individuo pertencente á sobredita arma, não menor cuidado deve merecer a sua proficiencia na esgrima da arma e no manejo do cavallo. Para que os jovens officiaes se desenvolvam n'estes exercicios, e o soldado recruta receba uma instrucção uniforme, é creada a escola central que faz o assumpto d'este projecto.
As commissões, convencidas de que são de utilidade todos os meios que conduzam á educação, á instrucção e á disciplina do exercito, entendem que o projecto de que se trata merece, portanto, a vossa approvação, certas igualmente de que na sua execução será observada toda a prudente economia compativel com o verdadeiro destino da escola.
Sala da commissão, em 12 de abril de 1878. = Marquez de Fronteira = D. Antonio José de Mello e Saldanha = Visconde da Praia Grande = Antonio Florencio de Sousa Pinto (com declaração) = Visconde de Seisal = Morino João Franzini = Barros e Sá = Augusto Xavier Palmeirim.
Projecto de lei n.° 329
Artigo 1.° É o governo auctorisado a organisar uma escola de cavallaria, a qual terá por objecto:
1.° Receber:
Todos os mancebos recrutas destinados á arma de cavallaria, para lhes ministrar uma instrucção completa e uniforme, e serem depois distribuidos pelos regimentos, segundo o estado dos seus effectivos e as conveniencias do serviço;
Os cavallos da remonta, para os ensinar, e, depois de promptos para o serviço, distribuil-os aos corpos e aos officiaes que a elles tiverem direito para suas praças.
2.° Instruir theorica e praticamente:
Todos os alferes graduados nos diversos serviços da arma, a fim de poderem ser promovidos á effectividade do posto;
Os primeiros sargentos mais antigos na escala do accesso, a fim de adquirirem os conhecimentos necessarios para ascenderem ao posto de alferes;
Os candidatos ao logar de picador.
3.° Habilitar para o posto de major, mediante tirocinio e instrucção adequada, os capitães da arma candidatos ao dito posto.
Art. 2.° A escola de cavallaria estará sob as immediatas ordens do ministerio da guerra.
Art. 3.° O effectivo da escola, tanto em homens como em cavallos, dividir-se-ha em duas classes, uma permanente, outra variavel.
§ 1.° A classe permanente terá numero fixo em homens e cavallos, sendo o seu quadro o designado na tabella A, que faz parte d'esta lei.
§ 2.° A classe variavel não terá numero fixo, sendo n'ella considerados:
1.° Os alferes graduados de cavallaria, os quaes serão obrigados a ir adquirir na escola a competente instrucção complementar, como dispõe o n.° 2.° do artigo 1.°;
2.° Os soldados recrutas destinados á arma de cavallaria.
Igualmente serão considerados como fazendo parte da classe variavel:
3.° Os cavallos da remonta;
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4.° Os cavallos que nos corpos tenham sido julgados indomaveis, ou improprios para o serviço militar.
Art. 4.° A escola de cavallaria será dividida em: estado maior, estado menor, tres esquadrões e um deposito de remonta, pela fórma estabelecida na tabella B, que faz parte d'esta lei.
Art. 5.° Os officiaes instructores effectivos da escola serão habilitados com o curso da arma, e, sendo possivel, a mesma habilitação deverão ter os demais officiaes do quadro permanente.
Art. 6.° Todo o pessoal, por qualquer fórma collocado na escola, será obrigado a instruir-se e a ensinar, segundo as suas especialidades, na conformidade das ordens e regulamentos.
Art. 7.° A escola ministrará:
1.° A instrucção primaria;
2.° A instrucção secundaria elementar;
3.° A instrucção militar;
4.° Curso theorico e pratico de siderotechnia, para habilitação dos ferradores militares.
§ unico. A divisão das materias, fórma de instrucção e obrigação de frequencia dos cursos, serão determinadas em regulamento.
Art. 8.° Será obrigatoria a approvação na escola de cavallaria para a admissão na classe de clarim. Os individuos que se alistarem com tal destino, serão encorporados na classe variavel da escola, e nenhuma praça poderá passar a clarim sem ter obtido approvação na mesma escola.
Art. 9.° Na escola haverá uma bibliotheca, um deposito de instrumentos e cartas, um museu de padrões e modelos, salas de armas, gymnasios, picadeiros, hippodromo, carreira de tiro, officinas siderotechnicas e veterinarias, ferragial de estudo, autographia e outros meios de facil reproducção, aulas accommodadas aos diversos ensinos theoricos e praticos, e o material necessario.
Art. 10.° Os vencimentos dos officiaes e mais praças do quadro permanente da escola serão os designados na tabella C, que faz parte d'esta lei.
Art. 11.° Constituirão fundos especiaes da escola as receitas, provenientes das disposições legaes que lhe são applicaveis do mesmo modo que aos corpos de cavallaria; a quantia mensal de 50$000 réis, a titulo de auxilio para a instrucção; as sobras das forragens e o producto da venda dos estrumes.
§ unico. Pelos fundos de que trata este artigo serão satisfeitas as despezas de expediente da escola, bibliotheca, autographia e meios simples de reproducção; as do material e miudas das diversas instrucções; as do ferragial, e as que for necessario fazer com as variantes de alimentação dos cavallos do deposito de remonta.
Art. 12.° Para a installação dos diversos serviços de instrucção e acquisição do material respectivo, é o governo auctorisado a despender até á quantia de 6:000$000 réis.
Art. 13.° Os candidatos ao corpo de estado maior não poderão ser despachados capitães para o mesmo corpo, sem terem satisfeito as prescripções do n.° 2.° do artigo 1.°
§ unico. São dispensados d'esta prova os candidatos do mencionado corpo, que na data d'esta lei estiverem completamente habilitados, em virtude do artigo 45.° do decreto de 24 de dezembro de 1863, e do § 5.° do artigo unico do capitulo 4.° do decreto com força de lei de 20 de dezembro de 1849.
Art. 14.° A força do exercito, em praças de pret, fixada no orçamento e nas leis geraes d'este serviço, não é alterada pelas disposições d'esta lei.
Art. 15.° Fica revogada a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 10 de abril de 1878. = Francisco Joaquim da Costa e Silva, vice-presidente = Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos, deputado secretario = Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto deputado secretario.
Tabella A a que se refere o § 1.° do artigo 3.° da carta de lei d'esta data
[ver valores da tabela na imagem]
(a) Quando se extinga a classe de quarteis mestres, exercerá estas funcções um empregado da administração militar.
Palacio das côrtes, em 10 de abril de 1878. = Francisco Joaquim da Costa e Silva, vice-presidente = Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos deputado secretario = Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto, deputado secretario.
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Tabella B a que se refere o artigo 4.° da carta de lei d'esta data
[ver valores da tabela na imagem]
Palacio das côrtes, em 10 de abril de 1878. = Francisco Joaquim da Costa e Silva, vice-presidente = Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos, deputado secretario = Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto deputado secretario.
Tabella C a que se refere o artigo 10.° da carta de lei d'esta data
[ver valores da tabela na imagem]
N.º B. O mestre de musica terá vencimento igual ao dos mestres de musica dos corpos de infanteria, e as demais praças terão os vencimentos que lhes competirem, segundo as classes e arma, como se fizessem serviço na guarnição de Lisboa.
Palacio das côrtes, em 10 de abril de 1878. = Francisco Joaquim da Costa e Silva, vice-presidente = Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos, deputado secretario = Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto, deputado secretario.
O sr. Marquez de Sabugosa (sobre, a ordem): - De conformidade com o regimento vou mandar para a mesa uma moção de ordem, que, se for admittida á discussão, peço a v. exa. que me queira inscrever para tomar parte na discussão na occasião opportuna. Passo a ler a minha moção.
(Leu.)
«Considerando que, em vista do desequilibrio do orçamento, não póde ser licito votarmos novas despezas, sem que o determine impreterivel necessidade;
«Considerando que o projecto de lei em discussão não é indispensavel para a defeza do paiz:
«Proponho que o projecto seja adiado, para se tomar em consideração quando se discutir a organisação do exercito, que o governo prometteu apresentar em côrtes. = O par do reino, Marques de Sabugosa.»
O sr. Presidente: - É uma proposta de adiamento ao parecer n.° 331. Os dignos pares que admittem á discussão esta proposta, tenham a bondade de se levantar.
Foi admittida e ficou em discussão conjuntamente com a materia principal.
O sr. Vaz Preto: - Eu vou fazer algumas reflexões, posto que eu conheça que são lançadas ao vento, porque o
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governo adoptou o systema de não responder ás cousas mais serias. Ainda ha pouco o sr. marquez de Vallada se referiu a um facto, que era nada mais, nem nada menos do que um camarista de El-Rei accusar o governo de consentir que se aggredisse a pessoa de Sua Magestade, e o ministerio não se defendeu, não se dignou responder, e tem guardado o mais obstinado silencio, ouvindo mudo e quedo as mais acres arguições.
O sr. marquez de Vallada fallou de uma maneira tão forte e tão acre, que o governo tinha obrigação de se levantar immediatamente para repellir com dignidade a censura.
Não o fez, porém; a dignidade do governo não se resentiu, e a unica resposta que obteve o digno par foi o silencio do sr. Fontes!
É verdade que depois vi o digno par n'um colloquio tão amoravel e intimo com o sr. Fontes, que me pareceu que o sr. marquez de Vallada se contentava com as explicações que o governo lhe dava em voz baixa; se s. exa. póde contentar-se com essas explicações em particular, a camara, porém, é que não póde ficar satisfeita quando o governo se recusa a declarar a sua opinião, e como pensa n'uma questão d'esta ordem; tanto mais sréia e grave, quando se refere ao chefe do estado.
Quando se trata de um assumpto tão importante, e os membros do poder executivo não dizem o que tencionam fazer com relação á defeza do chefe do estado, devemos ficar sabendo que as palavras proferidas no parlamento são palavras soltas ao vento, e que o governo tem um profundo desprezo pelo systema parlamentar, o que eu lamento. Feito o meu protesto, tratarei de fazer as reflexões convenientes para tirar de sobre mim a responsabilidade que deve provir da approvação d'este projecto.
Sr. presidente, a organisação de uma escola de cavallaria parece-me inutil, ou pelo menos dispensavel, porque, até hoje, nos corpos d'esta arma têem-se feito a maior parte dos serviços que se destinam á escola que se pretende estabelecer. Os nossos regimentos de cavallaria têem mostrado sempre que são compostos de bons officiaes e soldados, e que podem rivalisar com os das outras nações.
Parece-me, pois, que nas circumstancias difficeis em que se acha o thesouro, e ameaçados, como estamos, de uma nova crise commercial, não devemos votar despezas de que se póde prescindir.
Póde ser que eu esteja enganado, mas este projecto, segundo os meus calculos, não comprehendeiido as despezas da installação da escola, deve trazer uma despeza excedente a 100:000$000 réis. E para que se vae fazer esta despeza tão avultada?
Segundo se diz no mesmo projecto, é para tres cousas: - para ensinar as recrutas, para dar ensino aos cavallos e para habilitar theorica e praticamente os alferes graduados, para depois subirem á effectividade d'este posto.
Emquanto ao ensino das recrutas e cavallos, tem-se feito até hoje nos corpos, e com vantagem, porque os regimentos de cavallaria, quando têem bons officiaes, apresentam-se perfeitamente bem disciplinados.
E é para estranhar, sr. presidente, que o governo, que está acostumado a ir copiar tudo o que se faz no estrangeiro, pozesse de parte, n'este assumpto, o que se segue nos paizes mais adiantados, como por exemplo, na Allemanha, França, Austria e Russia, pois em nenhuma d'essas nações existem escolas de cavallaria com o intuito d'esta que se pretende estabelecer em Portugal.
Em Hespanha é que ha uma escola de cavallaria, em Alcalá de Henares, com uma missão que se approxima á que o sr. presidente do conselho pretende organisar; mas essa escola é muito moderna, e não se sabem ainda os resultados que produzirá.
Portanto, parece-me que o governo teria andado mais avisadamente se deixasse estabelecer esta nova instituição nos paizes mais adiantados e que têem exercitos mais numerosos, e aos quaes procuram dar toda a instrucção e aperfeiçoamento, de fórma que appareçam bem organisados e satisfaçam ao fim da sua instituição, e não a implantasse entre nós sem serem conhecidos os seus resultados.
O governo vae onerar o paiz com uma despeza bastante grande, que á primeira vista se afigura importar apenas na verba designada no projecto, e da que provem da tabella A; mas que ha de duplicar ou triplicar, segundo costuma acontecer e como tem succedido com outras instituições que, depois de creadas, assumem largo desenvolvimento.
Esta escola, sr. presidente, não é só de instrucção pratica, ensina tambem pontos de sciencia, é uma escola theorica.
Se o governo entende que é acertado este systema mixto, parecia-me conveniente que, prescindindo da auctorisação que discutimos, mandasse estabelecer na escola do exercito, onde já existe a gymnastica e a equitação para exercicio dos alumnos, uma escola onde elles se adestrassem a manejar as armas e a andar bem a cavallo.
O governo póde reformar a escola do exercito, estabelecendo ali um curso publico, junto do theorico. Isto comprehende-se e isto daria resultados proficuos.
Outro inconveniente que resulta da creação da escola de cavallaria é a falta que os recrutas fazem nos corpos, pelo serviço que vão logo fazendo, com limpeza de cavallos, etc.
Nos corpos de cavallaria gasta-se muito tempo no ensino de recrutas, mas tudo isto serve e é util, porque os vão aclimatando áquelle modo de vida, e vão-se habituando a viver debaixo de disciplina; ao mesmo tempo os officiaes estão n'uma certa actividade pelo trabalho e serviço que têem.
D'aqui para o futuro não ha de acontecer assim, alem de ser mais difficil para os officiaes conterem na disciplina os soldados que tiverem concluido o ensino pratico fóra do regimento.
Sr. presidente, o movimento e a actividade é indispensavel para o official.
O ensino e o serviço com os recrutas desenvolve uns e aperfeiçoa outros, e os recrutas vão-se habituando ao commando dos seus chefes novos pouco a pouco, e dos superiores ao serviço dos seus soldados, o que traz certa amisade e confiança, o que é muito util no exercito.
Alem d'isso o recruta vae fazendo sempre serviço no corpo, e á proporção que vão adiantando assim o seu serviço se torna mais aproveitavel.
Por consequencia, não me parece que a escola de cavallaria, nas condições que se vae organisar, seja necessaria e de vantagens, muito principalmente porque já tivemos um deposito de recrutas em Torres Novas, e a experiencia demonstrou-nos a sua inutilidade. Pois esse deposito era uma escola como esta, com a differença de custar muito menos.
O sr. Fontes não sabe gastar senão á larga.
Esse deposito de recrutas ficou sem resultado, porque os recrutas íam para os corpos com um ensino defeituoso, de fórma que ali tinham de ser de novo adestrados e ensinados para poderem entrar no serviço.
N'um paiz como o nosso devemos fazer com que os serviços, quer militares, quer civis, se estabeleçam com a maior economia.
Não digo que não empreguemos as diligencias possiveis para acompanhar, guardadas as devidas proporções, as nações mais adiantadas no desenvolvimento da sua administração; mas desejo que ao mesmo tempo procuremos fazer as cousas em harmonia com as posses do nosso thesouro, sem desperdicios, nem exagerações de despezas incompativeis com as nossas forças financeiras.
Como já disse, não me consta que haja nos paizes estrangeiros escolas da natureza d'esta que o governo deseja crear; e, decerto, as haveria se n'elles se entendesse que eram necessarias.
Em França, onde se procura dar toda a instrucção á ca-
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vallaria, e onde se tem todo o cuidado para que os differentes corpos de cavallaria, segundo a sua natureza, satisfaçam ao seu intuito, pois a cavallaria ali devide-se em cavallaria de reserva, de linha e ligeira; ha uma escola que não é exactamente similhante a esta, de que falla o projecto: é a escola de Saumur.
Essa escola tem por fim simplesmente preparar instructores, e apesar de pertencer a um paiz umas poucas de vezes superior ao nosso, o thesouro francez apenas despende com ella annualmente 48:000$000 réis.
Nós, paiz pequenissimo, somos mais perdularios e vamos gastar com a escola de cavallaria uma somma enorme, que, pelos meus calculos, excede a 100:000$000 réis!
Isto prova que nos governâmos bem!
O que é singular é que estejamos sempre a tomar lições do que se faz lá fóra, mas que quando se trata de economias não se queira saber então do que se passa nos paizes que se citam a toda a hora como exemplo.
Sr. presidente, quando se trata de crear nichos e estabelecer sinecuras, o sr. Fontes, que não gasta do que é seu, e não se preoccupa com os gastos, procura logo innovações que satisfaçam, não as necessidades publicas, mas os seus desejos.
Sr. presidente, como a camara sabe, não sou militar, e quando trato das questões relativas ao exercito, procuro sempre fugir da parte technica. Portanto, antecipadamente peço desculpa de qualquer erro de apreciação nas observações que vou apresentar.
Supponho, pelo que tenho lido, que depois das modernas invenções relativas aos meios de ataques o de defeza, a arte de guerra tem soffrido grandes modificações.
Hoje a cavallaria parece-me ter muito menos importancia do que tinha nos exercitos antigos, a sua missão não é já de decidir a victoria carregando quadrados como n'outros tempos, nem obrigar a infanteria a depor as armas.
Se no tempo em que era mais conveniente dar á cavallaria uma organisação mais perfeita, não se julgou necessario estabelecer escolas d'esta natureza, quando era então que deveriam ser mais uteis, ha de fazer-se na actualidade o que não foi indispensavel fazer n'essas epochas em que a cavallaria era considerada como um dos elementos mais valiosos no exercito?
Para que havemos pois ir onerar o thesouro com uma despeza, que é perfeitamente dispensavel, com uma inutilidade, que não póde ter outro nome o que aqui se propõe?
Se isto fosse util, de certo os paizes que têem os seus exercitos melhor organisados, teriam adoptado as escolas de cavallaria.
Sr. presidente, n'estes negocios da repartição da guerra tambem me parece que um meio conveniente de se chegar a um resultado seguro, é nomear commissões e ouvir os homens competentes nos assumptos militares.
Porque não nomeou s. exa. uma commissão que lhe propozesse a reforma de cavallaria, e lhe fizesse as indicações para se aperfeiçoar aquella arma?
Ouvir os homens da especialidade é um acto de juizo e de prudencia. Supponho que ha uma commissão nomeada para dar o seu parecer ácerca da organisação da escola do exercito, e até que essa commissão já deu o seu parecer.
Porque não estuda, pois, o sr. Fontes o assumpto, não conferenceia com essa commissão, e não procura introduzir na organisação da escola do exercito a parte d'este projecto, que se refere á pratica, prescindindo assim fazer esta grande despeza com a escola de cavallaria?
Se se fizesse, da escola do exercito uma escola mixta, parece-me que o governo andaria mais avisadamente, e n'este caso a escola de cavallaria seria completamente inutil, pois o ensino dos recrutas e cavallos entregar-se-ía aos commandos dos corpos de cavallaria.
Sr. presidente, tenho uma duvida que se me offerece ainda ao meu espirito, e que o sr. Fontes esclarecerá! Essa duvida é o que respeita ás remontas.
Eu desejava saber se o governo está resolvido a encarregar a escola de cavallaria de fazer a remonta, pois o projecto é omisso e escuro sobre esse ponto.
Até aqui tem este serviço estado a cargo de commissões nomeadas para esse fim pelo ministerio da guerra.
Limito aqui, por ora, as minhas observações, e depois do sr. ministro da guerra dar algumas informações sobre os pontos a que me referi, se me for preciso farei mais algumas ponderações.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - Por incidente estranho ao assumpto que se discute, os dignos pares os srs. marquez de Vallada e Vaz Preto acabam de referir-se a uma questão que foi aqui suscitada em uma das passadas sessões por um digno par que não vejo presente. E de passagem seja-me permittido dizer que n'esta casa não ha camaristas de El-Rei, mas apenas pares do reino. (Muitos apoiados.)
Um digno par fez n'esta casa algumas observações, segundo me consta, queixando-se de que o governo não tivesse procedido contra alguns jornaes que têem tratado a pessoa do augusto chefe do estado com menos respeito.
Eu não estava presente quando se deu esse facto, porque se estivesse teria pedido a palavra para dizer o mesmo que vou agora expor á camara.
Não respondi logo ao meu amigo o sr. marquez de Vallada, porque s. exa. queixou-se de que eu não tivesse respondido ao digno par que levantou esta questão, e como este não se achava presente, julguei que não era delicado vir dar uma resposta a um cavalheiro ausente.
Mas, visto que se insiste n'este ponto, declaro terminantemente que, sem abdicar do direito que as leis concedem ao governo para proceder, pelos meios legaes, a respeito da imprensa, quando o julgue conveniente, o que não tenho entendido até agora por não me parecer opportuno fazel-o, na questão sujeita estou plenamente convencido que interpreto os sentimentos da camara e de todos os portuguezes, dizendo que o augusto chefe do estado não precisa de quem o defenda, porque tem a sua defeza no coração de todos os seus subditos. (Muitos apoiados.)
Se ha uma aberração qualquer de um espirito enfermo que póde produzir na imprensa observações que devessem ter outro correctivo, creio que vale mais o bom senso publico, (Apoiados.) que todos os outros meios que podessem ser empregados pelo governo para castigal-a. (Apoiados.)
Repito, por assim o entender, que nem por isso abdico do direito que o governo tem para proceder, como e quando o julgar opportuno e conveniente.
Dito isto, e sobre este ponto nada mais tenho a acrescentar, vou occupar-me da escola de cavallaria, que é o que se discute.
Sinto que um projecto, que me parecia tão innocente e tão proprio para excitar a boa vontade da camara e mesmo a dos dignos pares que fazem opposição ao governo, motivasse os reparos de s. exas. e seja assumpto de tanta discussão, não porque, elle não mereça discutir-se, mas porque me parecia que devia ser mais bem tratado.
Não ha duvida nenhuma que o projecto que se debate importa comsigo augmento de despeza. É uma parte em que eu concordo com o sr. marquez de Sabugosa. Mas porque esta medida traz despeza, ha de ou deve ser posta de parte completamente?
Se assim se devesse entender, teriam sido postos de parte, debaixo do ponto de vista restricto da questão de fazenda, todos os projectos que a camara tem votado e que trazem comsigo despeza mais ou menos consideravel para o thesouro publico.
Se essa consideração não actuou no espirito da camara para ella pôr de parte esses projectos, não creiu que possa actuar para que se não approve o projecto de que estamos tratando.
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Desde o momento que a camara acha importante o assumpto do projecto e redijido nos termos convenientes para o bom serviço do exercito, não se póde collocar a questão no terreno da despeza, porque então condemnaremos desde logo todos os actos praticados pela camara approvando todos os projectos que trazem despeza, e sem os quaes não perigava a salvação do estado.
Nós não estamos aqui tratando unicamente de assumptos que são indispensaveis para salvar o paiz de qualquer cataclysmo que, graças a Deus, não vejo imminente.
O que nós estamos fazendo é administração; tratâmos de administrar, de melhorar as condições dos diversos estabelecimentos e de organisar os differentes serviços do estado, em sessão ordinaria das côrtes, como membros da representação nacional, cada um no seu logar e dentro dos limites das suas attribuições.
Se nós podermos provar que o projecto, que se discute, e util porá o exercito, e por consequencia para o paiz, porque vae crear uma instituição, que póde concorrer muito para melhorar as condições da nossa cavallaria, e satisfaz ás exigencias desde longo tempo manifestadas pelos officiaes mais distirictos do nosso exercito, mostraremos que se faz um bom serviço com este projecto, embora resulte despeza. E se não a houvesse, de certo que seria o projecto completamente inutil.
Não acredito em reformas que não tragam encargos para o thesouro; infelizmente todas as reformas uteis trazem despezas mais ou menos consideraveis, e este acha-se n'esse caso, traz tambem encargo, mas não tão exagerado como o apresentou o digno par o sr. Vaz Preto, que, sem intenção de certo, o elevou a 100:000$000 réis.
A despeza que traz este projecto anda por uns 68:000$000 réis approximadamente, como consta dos dois outros mappas que vem annexos ao projecto.
Mas; sr. presidente, eu julguei que quando apresentasse ás côrtes uma proposta para crear uma escola e deposito de cavallaria, encontraria, não direi applausos, mas a indifferença dos meus adversarios. Já me contentava com a indifferença para este projecto, note-se isto. Já se vê que não sou exigente. Porém não aconteceu assim, e vejo que se combate o projecto pelo que elle custa e pelo que vale.
Em relação ao que custa já dei explicações, em relação ao que vale vou dal-as.
Quanto ao digno par que lembrou a conveniencia de reunir commissões para tratar d'este assumpto, e ao que propoz que o deixassemos para quando se tratasse da reorganisação do exercito, devo dizer que foi firmado no que se faz em outros paizes, e nas opiniões das auctoridades mais insuspeitas que procedi assim.
Em 1868 não estava eu no governo, e comtudo eram occupadas estas cadeiras por homens de alta e distincta capacidade. Entre elles estava o nobre marquez de Sá, distincta illustração do nosso exercito, muito conhecedor das cousas militares e da organisação dos nossos estabelecimentos, assim como dos estrangeiros.
S. exa. sabia perfeitamente o que vale a cavallaria, o que póde ser, o que deve ser, e a instrucção que se ministra nas escolas existentes do paiz, e comtudo aqui tenho o decreto de 10 de dezembro de 1868 que diz o seguinte:
(Leu.)
Não quero estar a entreter á camara com a leitura de um decreto que ella toda conhece. E se os dignos pares o conhecem, e sobretudo o que acaba de fallar, deve reconhecer que não preciso nomear commissões, quando tenho auctoridades d'esta natureza sobre o assumpto, porquanto este decreto é assignado pelos srs. marquezes de Sá, Antonio bispo de Vizeu, Carlos Bento, Pequito de Seixas, Latino Coelho e Sebastião Lopes Calheiros de Menezes.
Já vê, portanto, a camara, que á parte os cavalheiros que não são militares, mas muito instruidos, estão aqui assignados os srs. marquez de Sá, Latino Coelho e Sebastião Calheiros, que pertencem ao nosso exercito. Por consequencia, creio bem, que não careço de nomear commissões para estudarem o assumpto.
Este deposito foi creado n'aquella epocha, debaixo do ponto de vista da restricta economia. E foi por isso que naufragou.
O sr. Marquez de Sabugosa: - Apoiado.
O Orador: - E o ministerio, apoiado pelo digno par que agora me apoia, veiu declarar mais tarde que não era por esse motivo que elle tinha naufragado.
Em 1869, sendo presidente do conselho o sr. duque de Loulé, tendo por collegas pessoas muito respeitaveis, que todos conhecemos, propoz o ministro da guerra d'aquella administração a derogação do decreto de 1868, principalmente porque aquella escola, organisada como estava, debaixo da economia restricta, não podia existir; não porque a instituição fosse má, não porque houvesse inconveniente em a estabelecer, mas pelos poucos meios com que tinha sido dotada.
Era esta a opinião do sr. general Maldonado, ministro da guerra, quando revogou, em 4 de outubro de 1869, o decreto que estabelecia o deposito de cavallaria.
Vê-se, portanto, sr. presidente, que este deposito tinha sido julgado necessario pelo nobre marquez de Sá, e por todos os cavalheiros que o acompanhavam no gabinete, e se mais tarde o sr. general Maldonado acabou com o deposito, não foi por o considerar inutil, mas porque, não estando dotado sufficientemente, não podia satisfazer aos fins da sua creação.
Aqui está a rasão por que, reconhecida a utilidade d'esta escola pelo sr. marquez de Sá e pelo sr. general Maldonado, opiniões muito auctorisadas para todos nós, o governo entendeu dever estabelecel-a em condições de poder satisfazer aos fins a que se destina.
Eu tenho sido combatido muitas vezes, porque me occupo, com relação ao exercito, unicamente do armamento, do equipamento, da remonta e de outras cousas similhantes, e que ponho de parte a instrucção militar. Trato da instrucção militar, e aconselham-me logo a que será melhor deixar o assumpto para quando se tratar da organisação do exercito. D'este modo confesso que não sei como hei de ganhar as boas graças dos dignos pares.
Poderá porventura ter alguem a pretensão de que possa haver um exercito regularmente organisado, sem que seja devidamente instruido e convenientemente armado?
De certo que não.
O armamento e a instrucção têem de ser considerados devidamente. Apesar do que se tem dito e escripto com respeito á cavallaria, a sua missão é muito importante, e n'esta parte estão hoje de accordo os militares mais distinctos. E note v. exa., tanto se reconhece isto, que lá fóra todos os paizes cuidam de dar a instrucção necessaria a esta arma.
Ouvi a um digno par, que se traduz sempre o que se faz no estrangeiro, o que já não é pouco, mas que d'esta vez não se tinha traduzido.
Permitta-me s. exa. que lhe observe que eu não inventei, que por toda a parte se encontram escolas d'esta ordem.
Em Hespanha ha uma instituição muito similhante á que se propõe aqui. Em França ha a escola de Saumur, onde se preparam officiaes inferiores, e não ha só esta escola, mas muitos outros estabelecimentos, onde se preparam os officiaes destinados ás differentes armas, como sabem todos aquelles que se occupam das cousas militares. Em Italia ha uma escola muito similhante a esta que proponho. Na Belgica ha uma escola muito similhante tambem a esta, na qual se preparam officiaes inferiores de modo que possam passar ao posto de alferes. Ha d'estas escolas na Russia. Ha-as na Suecia, e particularmente na Allemanha, destinadas a preparar officiaes.
Entre nós o que se pretende? Dar a instrucção necessa-
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ria aos officiaes de cavallaria, aos de estado maior, e aos que devem, subir ao posto de major.
Parece-me que não é um assumpto tão pouco importante, debaixo do ponto de vista militar, que não merecesse uma despeza de alguns contos de réis. Portanto, n'esta o arte, como em todas, quando apresento projectos d'esta ordem, tenho cumprido o meu dever, e entendo que faço um serviço ao exercito e ao paiz, e digo ao paiz porque eu não posso separar o paiz do exercito, propondo o que outros mais illustrados, de certo, do que eu, mas não menos patriotas, já propuzeram para se implantar aqui uma instituição similhante á que existe nos paizes mais adiantados, embora eu trate de concentrar n'um estabelecimento unico e de uma maneira mais economica o que ía fóra se acha disperso. Concordo que se este estabelecimento caír em mãos ineptas póde-se estragar; mas isso acontece a todos os estabelecimentos quando se dá uma tal circumstancia. Não ha estabelecimento algum do mundo, seja qual for a sua constituição, seja qual for o seu fim, por mais santo que elle seja, que, desde o momento em que se entregue a mãos ineptas, não fique estragado; mas se a escola que vamos estabelecer caír em mãos que a saibam dirigir, como eu espero que cáia, ha de dar resultados muito proficuos e uteis.
Eu cumpri o meu dever, a camara votará como entender em sua alta sabedoria.
(O orador não reviu o seu discurso.)
O sr. Marquez de Vallada: - Entendo que devo dar uma explicação ao sr. Vaz Preto.
Eu julgo que pratiquei um acto, não só conforme ás leis de cortezia, mas de conveniencia politica, pedindo ao sr. presidente do conselho que fallasse primeiro do que eu.
O digno par o sr. Vaz Preto pareceu tambem ter estranhado que eu, em seguida a algumas palavras proferidas com enthusiasmo, que denunciavam a minha profunda convicção, dirigidas ao sr. presidente do conselho em uma questão politica, trocasse depois algumas palavras com o sr. Fontes em voz baixa, porque em voz alta não o podia fazer sem perturbar o andamento dos negocios da camara.
Eu não concordo com muitos actos politicos d'este ministerio, mas não tenho rasão nenhuma para cortar as minhas relações particulares com os actuaes srs. ministros.
O que o sr. Fontes me disse em conversação não posso eu dizel-o, porque não costumo referir-me ás conversações particulares, assim como nunca publiquei cartas que tenho recebido, e a proposito direi que se publicou uma carta contra mim, dirigida ao sr. duque d'Avila e de Bolama, pedindo-lhe a minha demissão de governador civil de Braga, e eu fiz tanto caso d'essa carta, como fez v. exa., sr. presidente.
Em conclusão, as palavras que em voz baixa troquei com o sr. presidente do conselho não tinham relação nenhuma com qualquer satisfação que s. exa. me podesse dar, nem eu podia ficar satisfeito, nem deixar de ficar com as palavras que o sr. Fontes proferiu.
Costumo continuar as minhas relações particulares com qualquer cavalheiro, embora não esteja de accordo com as suas idéas politicas.
O sr. Vaz Preto: - Se o digno par me dá licença que eu o interrompa, direi que o que simplesmente estranhei foi que tendo o digno par fallado sobre um projecto, e ao mesmo tempo feito accusações ao sr. Fontes, o sr. presidente do conselho deixasse votar o projecto, e não desse explicações algumas ao digno par, nem á camara, nem sequer sobre o assumpto em discussão.
Foi isto que eu estranhei, e vendo depois o digno par em conversação muito intima com o sr. Fontes, julguei que o sr. presidente do conselho lhe estava dando em particular explicações que não quiz dar á camara.
O sr. Marquez de Vallada: - A conversação particular que eu tive com o sr. Fontes reduziu se a quatro ou cinco palavras que s. exa. me dirigiu com a polidez propria da sua educação e a que respondi com a maior cortezia. Guardarei silencio sobre o que o sr. Fontes me disse, não porque seja segredo, mas porque não costumo referir as conversações particulares.
Deixando este ponto, devo declarar que não me satisfez de modo algum a explicação dada pelo sr. presidente do conselho. S. exa. esqueceu de certo um facto que consta de documentos.
Com relação ao assumpto que se tratou por incidente, disse o sr. Fontes que o governo, sem abdicar dos seus direitos, entendia que por emquanto não lhe era preciso tomar a defeza do chefe do estado, que tem a maior defeza no respeito e consideração dos seus subditos. Creio que foram estas pouco mais ou menos as palavras do sr. ministro.
Devo todavia observar que os governos, segundo me parece, têem obrigação de cumprir as leis, e que, alem d'isso, s. exa. se esqueceu de que, sendo ministro da justiça o sr. Augusto Cesar Barjona de Freitas (já lá vão uns poucos de annos), este illustre estadista deu as ordens necessarias para se abrir querela contra um jornal muito menos importante do que outros que actualmente se publicam, era o Terror das camarilhas.
Começou a proceder-se contra esse periodico, ha de haver quatro annos.
Resultou d'ahi que o redactor d'elle foi recompensado! Insultar os poderes publicos é um excellente caminho para se chegar a altas regiões.
Aquelle individuo não chegou a regiões d'essas, mas chegou á penitenciaria. Entrando eu por acaso, na Boa Hora, vi lá o redactor do Terror das camarilhas e um membro do centro republicano.
Perguntei de que se tratava e depois verifiquei que era de um processo contra aquelle jornal. Por fim, como disse, o tal redactor foi para a penitenciaria, outro refugtum peccatorum, porque muitos peccadores se têem acolhido a ella, que não será talvez mansão de gloria, mas é certamente asylo do beneficencia.
Estes factos deram-se, e eu suppunha que a opinião do governo ir esta parte era a mesma que manifestou o sr. Barjona; mas vejo agora que o governo mudou de pensar e não abdicou; reserva-se o direito de fazer o que julgar mais conveniente, conforme as diversas evoluções da opinião publica.
Ha um codigo que está gravado no coração de todos; ha uma certa ordem de principios que presidiram á constituição das sociedades e ao desenvolvimento das civilisacões. Quero que a imprensa seja livre, como disse ha poucos dias, quando declarei solemnemente que se tinha enganado o correspondente de um jornal do Porto, que telegraphára para aquella cidade, dizendo que eu queria que se estabelecesse a censura. O que eu tinha dito, e que deu causa ao engano d'aquelle correspondente, foi que os srs. ministros deviam seguir o exemplo de muitos homens notaveis e liberaes, estabelecendo a censura para as peças de theatro, debaixo dos pontos de vista politica e litterario, a fim de evitar-se uma propaganda, não digo revolucionaria, porque as revoluções são ás vezes necessarias, mas inconvenientes e offensivas da dignidade e do respeito devido á constituição do estado, e do que ella reconhece como sagrado: assim como á pureza da linguagem.
O que está acontecendo a este respeito será tolerancia ou falta, de força politica? A consciencia publica que o diga, a consciencia de todos nós que responda.
Sr. presidente, aqui não ha empregados de qualquer casa, por mais elevada que seja; aqui ha pares do reino, ha representantes da nação, e em todas as questões de ordem publica, de doutrina e de principios, temos o dever de manifestar a nossa opinião com toda a clareza, força e vigor.
Lembro-me do que aconteceu, quando vivia um homem de quem fui muito amigo, o sr. barão do Zezere, que to-
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dos consideravamos, e que foi sempre um bravo soldado, acostumado aos campos de batalha.
Talvez que este nosso fallecido collega fosse ás vezes mais vivo nas suas apreciações, porque nos seus actos olhava mais para a sua carreira de soldado do que para a sua posição politica, mas em todo o caso era um dedicado servidor da liberdade, da ordem e do throno. Lembro-me, repito, de ouvir apregoar um pamphleto, em que elle era alcunhado barão do chicote, não obstante ser um valente soldado da liberdade, e que ajudára a dal-a ao mesmo que á sombra d'ella o insultava.
Eis-aqui o estado a que se tem deixado chegar a desconsideração por todos os poderes publicos! Ora, se um soldado da guarda municipal encontrasse o homem que apregoava em altas vozes o pamphleto contra o seu chefe, e praticasse um acto menos ajustado com as leis, o soldado havia de ser castigado.
Sr. presidente, não se deve confundir a liberdade com a fraqueza. Eu quero que os governos sejam fortes, que sustentem a dignidade do poder e o prestigio da auctoridade.
O sr. duque d'Avila, que diziam que era presidente de um governo fraco, quando entendeu que devia mandar fechar as conferencias do Casino, mandou-as fechar, e nunca recuou na defeza do principio da auctoridade, porque os ministros têem obrigação de manter as leis, e conservar completamente fóra das discussões, quem, pelas nossas leis, é declarado impeccavel e irresponsavel em politica, porque a responsabilidade moral têem-n'a todos. Mas só Deus e a posteridade lhe podem tomar contas d'essa responsabilidade e impor-lh'a.
Eu estou em completo desaccordo com muitas das doutrinas do sr. presidente do conselho, mas não me parece que seja por isso obrigado a cortar as minhas relações com s. exa., sem haver motivo especial; não ha nenhuma animosidade da minha parte contra s. exa., nem creio que a haja da parte do sr. Fontes contra mim.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Apoiado.
O Orador: - Como homem politico, tenho a minha responsabilidade, tenho o meu passado, e hei de estar de accordo com os principios que tenho defendido, e defendo, com a minha fé politica, que tem por objecto a liberdade, a patria e a ordem publica; mas, como homem particular, creio que me é permittido ter aquellas relações que são proprias de cavalheiros, com os meus adversarios politicos, emquanto não ha motivos para essas relações cessarem.
Dadas estas explicações, nada mais me resta a dizer, porque eu não entrei na discussão do projecto relativo á escola de cavallaria; só fallei quando se tratou do que dizia respeito ao codigo de justiça militar, e referi-me então á pena de morte. N'essa occasião toquei incidentemente no ponto de que ultimamente nos occupámos, e, suscitando isso as palavras do meu amigo, o sr. Vaz Preto, e as considerações do sr. presidente do conselho, era do meu dever replicar a s. exa., explicando o que necessitava de explicação.
(O orador não reviu os seus discursos.)
O sr. Presidente: - Ha uns poucos de decretos das côrtes geraes que têem de ser submettidos á real sancção. Vou, pois, nomear a deputação que ha de ter a honra de apresentar esses decretos a Sua Magestade El-Rei.
A deputação será composta, alem da mesa, dos seguintes dignos pares:
Mártens Ferrão.
Conde do Casal Ribeiro.
Agostinho de Ornellas,
Carlos Bento da Silva.
Marquez de Ficalho.
Sua Magestade El-Rei receberá a deputação ámanhã pela uma hora da tarde, no paço da Ajuda.
O sr. Marquez de Sabugosa: - Aqui não ha camaristas de El-Rei, nem El-Rei se póde discutir; aqui o que ha é um governo que deve ser responsavel e se diz responsavel, e o é de direito, mas não de facto.
Não podemos discutir a pessoa do soberano, nem apreciar os seus actos, porque elle é inviolavel e irresponsavel; podemos, porém, discutir os actos do governo, que pelo seu vicio de origem, por ter acceitado indevidamente o poder, se vê collocado em posição que o inhibe de cumprir as leis a respeito da questão que se ventila agora por incidente. A este respeito não digo mais nada.
O sr. presidente do conselho disse que não estava presente quando fallou o sr. conde de Linhares; os meus olhos tinham-me illudido de maneira que me parecia tel-o visto; agora, porém, vejo que me enganei, e sei de certo que s. exa. não esteve presente, porque s. exa. assim o affirmou.
O que eu lamento é que o sr. presidente do conselho não só se acoberte com as inviolabilidades legaes, mas já com a sua propria, porque quando se lhe mostra que como estadista está em contradicção, tenho ouvido dizer a s. exa. que podem incommodar o seu amor proprio com essa arguição, mas não o incommodam officialmente.
Quem é que quer aqui offender o amor proprio do sr. presidente do conselho? Eu de certo que não, nem me parece que nenhum membro d'esta casa tenha tido tal intenção quando mostrâmos que s. exa. está em contradicção, e nós não queremos que um homem d'estado diga ora uma cousa ora outra, que n'um dia advogue uns principios e no outro os contradiga.
Ora, sr. presidente, a mim parece-me que o maior de todos os inimigos que nós temos é o deficit, que sobe a réis a 5.000:000 000, alem de uma divida fluctuante de réis 9.000:000$000 ou 10.000:000$000, e dos encargos da divida publica, que têem crescido nos ultimos dois annos 2.500:000$000 réis. De tudo isto é que provem a gravidade da nossa situação!
Mas, como se isto ainda não fosse pouco, vem propor-se escolas de instructores para os instructores e de soldados para os soldados.
Sr. presidente, eu não desejo contrariar nunca os projectos que possam ser necessarios para a defeza do meu paiz. E tanto assim é, que já n'esta mesma sessão eu tenho dado o meu voto, approvando alguns projectos d'esta natureza, e ainda hontem approvei o projecto dos torpedos.
Mas eu não tenho confiança no governo nem no sr. presidente do conselho, ao contrario, tenho toda a desconfiança de que s. exa. não administra as cousas publicas com o zêlo com que o devia fazer, pelas rasões que julgo desnecessario agora aqui repetir.
O que eu vejo comtudo é que o meu voto a respeito do chamamento das reservas foi interpretado de uma maneira porque o não devia ser.
Voltando á questão, não vejo que a escola que por este projecto se pretende crear seja de uma necessidade impreterivel. Que o digam os militares que fazem parte d'esta camara.
D'onde vem a utilidade d'esta instituição militar, para a defeza do paiz?
O que vejo é que vae haver com ella mais uma despeza de 86:000$000 réis, confessada pelo sr. ministro da guerra, e 95:000$000 réis segundo os melhores calculos.
Sr. presidente, ás disposições d'este projecto não se póde dar a interpretação que o sr. ministro da guerra lhe quer dar.
S. exa. sustenta que a despeza é de 68:000$000 réis, mas não é tal; é muito mais, como vou demonstrar.
Disse o sr. ministro da guerra que esta escola custa annualmente; afóra os 6:000$000 réis para as despezas de installação, 68:000$000 réis; mas das disposições d'este projecto, o que se deprehende é que a despeza annual será de 95:000$000 a 96:000$000 réis, e isto porque ha uma
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parte do pessoal da escola que é permanente e outra que é variavel.
Ora, o calculo dos 68:000$000 réis, feito pelo sr. ministro da guerra, diz respeito só á parte permanente, mas como ha de haver justamente a outra parte variavel, resulta por consequencia subir a despeza á quantia que já disse, isto é, de 95:000$000 a 96:000$000 réis.
Disse tambem s. exa. que não se ha de por isso augmentar os contingentes, nem alterar as leis do pessoal para o exercito; mas eu julgo que effectivamente essa alteração ha de dar-se.
O numero de homens fixado para a força armada é de 30:000, e como se pedem annualmente 10:000 ou 14:000 homens, quer dizer um terço da força fixada, e sendo 2:000, proximamente, de cavallaria, distribuidos pelos sete corpos, e mais um que agora se cria, pergunto quantas praças pertencem a cada corpo?
E tendo o corpo do pessoal permanente e o dos recrutas que estar no deposito, que são talvez 800 homens, com quantos ficam os corpos? Com noventa ou cento e tantos homens.
Ora, isto praticamente é impossivel, e não me parece ser necessario ter muita sciencia militar para o conhecer.
Se porém estou em erro, peço aos competentes o obsequio de me elucidarem.
O sr. presidente do conselho fallou nas escolas que ha lá fóra, e o sr. Vaz Preto disse que fóra d'aqui não ha nenhumas.
Fóra d'aqui não ha d'essas escolas, nem as póde haver, e apenas em Hespanha existe uma similhante aquella que se pretende crear.
A escola de Saumur, que s. exa. citou, habilita unicamente instructores, que depois são repartidos pelos diversos corpos do exercito, a fim de darem uma instrucção uniforme.
Se se pretende dar instrucção uniforme ao exercito, póde preparar-se um certo numero de instructores, e distribuil-os depois pelos diversos corpos, sem a necessidade da creação de uma escola especial para esse fim.
Se em vez d'isto porém se trata de uma escola de officiaes, organise-se convenientemente a escola do exercito, e habilitem-se ahi com as condições necessarias para poderem desempenhar os diversos serviços especiaes da sua profissão.
Eu pedi ainda ha pouco ao sr. presidente para só ser discutido depois d'este projecto um outro que está sobre a mesa, concedendo um cavallo ao instructor de cavallaria na escola do exercito, e se fiz este pedido é porque entendo que aquella concessão é prejudicada por este projecto, pois não comprehendo que se organise esta escola, e se organise tambem uma escolasinha de cavallaria na escola do exercito.
A passar este projecto, o que eu espero que não succeda, pois creio que o sr. ministro da guerra não fará questão politica da approvação d'elle, querendo-o fazer approvar nas condições em que está, quando talvez modificado possa ser acceitavel; se passar porém, repito, creio que teremos votado uma inutilidade com gravame para a fazenda publica, cujo estado não é compativel com um certo numero de despezas perfeitamente dispensaveis.
Sr. presidente, disse o sr. ministro da guerra que do modo por que são dotados os differentes serviços depende o seu bom andamento; e que se o deposito de Torres Novas acabou, não foi porque não o julgasse conveniente o sr. general Maldonado, que partilhava das idéas do sr. marquez de Sá, mas porque a sua dotação era insufficiente para preencher o fim a que se destinava.
Este argumento não me parece que prove em favor da opinião de s. exa., mas antes pelo contrario.
O sr. marquez de Sá organisou o deposito, mas por fórma a ser o menos dispendioso possivil, pois conhecia bem as circumstancias do thesouro.
O sr. general Maldonado, acabando com esse deposito que não estava sufficientemente dotado, não veiu pedir que se lhe augmentasse o subsidio. Não pediu s. exa. mais dinheiro para essa escola, antes pelo contrario acabou com ella, julgando-a dispensavel.
O argumento não colhe portanto em favor de s. exa., mas contra, pois que se a necessidade da escola fosse reconhecida, e se o não satisfizer aos fins a que se destinava, proviesse da falta de dotação, o ministro em vez de acabar com a escola, teria pedido mais dinheiro para ella.
Sr. presidente, se se tratasse de uma questão de salvação publica, eu votaria de certo este projecto, embora não tenha confiança no ministerio.
O que havia de fazer n'esse caso era empregar todos os esforços para que d'esta medida resultassem os menores encargos possiveis para o thesouro; comtudo, repito, não havia de deixar de votar o principio fundamental do projecto, e procedendo assim, não concorreria para que o meu paiz soffresse, pelo contrario tinha feito toda a diligencia para impedir que o maior dos nossos inimigos, que é o deficit, se adiante e avance para nós cada vez mais.
Parece-me que todos os poderes d'estado devem concorrer para, o prestigio e bom nome das instituições, para que a moralidade seja respeitada, e para que os haveres do estado sejam convenientemente economisados. Entendo tambem que é necessaria a organisação do exercito, mas uma organisação que possa dar resultados proficuos, sem trazer augmento de despeza inutil, e que colloque a força armada nas circumstancias de poder defender o paiz, se acaso um dia for chamada.
Estes são os meus desejos, e é para isso que eu estou prompto a dar o meu voto, e não para projectos d'esta ordem, porque eu quero que, quando chegar a hora triste de deixarmos de ser nação, possamos dizer como Francisco I: Toute est perdu hors l'honneur.
(O orador não reviu o seu discurso.)
O sr. Presidente: - Eu peço aos dignos pares que se reunam aqui na sexta feira á uma hora da tarde, porque ámanhã não póde haver sessão.
A ordem do dia é a continuação da que estava dada para hoje e os pareceres n.ºs 367, 366, 353, 289, 305 e 350.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas da tarde.
Dignos pares presentes na sessão de 1 de maio de 1878 Exmos.
Srs.: Duque d'Avila e de Bolama, duque de Saldanha; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Monfalim, de Sabugosa, de Vallada; Condes, do Bomfim, de Cabral, do Casal Ribeiro, de Cavalleiros, de Mesquitella, da Ribeira Grande, de Rio Maior; Bispo de Bragança; Viscondes, de Alves de Sá, de Bivar, de Chancelleiros, dos Olivaes, de Porto Covo, da Praia, da Praia Grande, do Seisal, da Silva Carvalho, de Soares Franco; D. Affonso de Serpa, Ornellas, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Fontes Pereira de Mello, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Xavier da Silva, Palmeirim, Montufar Barreiros, Larcher, Mártens Ferrão, Mamede, Braamcamp, Pinto Bastos, Vaz Preto, Franzini, Mello e Carvalho.