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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

EXTRACTO DA SESSÃO DE 9 DE JUNHO.

Presidencia do Em.mo Sr. Cardeal Patriarcha.

Secretarios – os Srs.

Conde de Mello.

Conde da Louza (D. João).

(Assistia o Sr. Ministro do Reino; e entraram depois os Srs. Ministros, da Fazenda, e da Marinha.)

Depois das duas horas e meia da tarde, tendo-se verificado a presença de 44 dignos Pares, declarou o Em.mo Sr. Presidente aberta a sessão. Leu-se a acta da antecedente contra a qual não houve reclamação.

O Sr. Presidente participou, que a Deputação encarregada de apresentar á Real Sancção os Decretos de Côrtes Geraes (n.ºs 165, 166 e 167) fóra por El-Rei Regente recebida com a sua costumada benevolencia.

À Camara ficou inteirada.

O Sr. Secretario Conde de Mello deu conta da seguinte correspondencia:

Um Officio do Ministerio do Reino enviando o Decreto Real, que proroga as sessões das Côrtes até 30 do corrente mez.

Para o archivo.

Em continuação leu o seguinte Decreto:

«Usando da faculdade que Me confere a Carta Constitucional da Monarchia no artigo 74.° §4.°, depois de Ter ouvido o Conselho de Estado nos termos do artigo 110. da mesma Carta: Hei por bem, em Nome de El-Rei, prorogar as Côrtes Geraes da Nação Portugueza até ao dia 30 do corrente mez.

O Presidente da Camara dos dignos Pares do Reino, assim o tenha intendido para os effeitos convenientes.

Paço das Necessidades, em oito de Junho de mil oitocentos cincoenta e cinco. = REI Regente. = Rodrigo da Fonseca Magalhães.»

Um officio da Camara dos Srs. Deputados, acompanhando uma proposição de lei sobre a abolição de morgados e capellas.

Ás commissões de legislação e administração publica.

ORDEM DO DIA.

Continúa a discussão pendente do parecer n.° 229.

O Sr. Presidente — Tem a palavra para uma explicação, o Sr. Visconde de Sá, que a pediu quando estava faltando o Sr. Ministro do Reino.

O Sr. Visconde Sá da Bandeira não tencionava fallar nesta questão; mas como, por duas vezes, o Sr. Conde de Thomar se referiu a elle, orador, e depois o Sr. Ministro do Reino, pareceu lhe necessario dizer alguma cousa, e é o que vai fazer.

Começou por dizer, ainda que incidentalmente, que approva o projecto que está em discussão: e passando restrictamente ao objecto da sua explicação, disse que n'outra occasião expressou a opinião de que era conveniente que, quando o Senhor D. Pedro V tomasse as redeas do Governo, houvesse pelo mesmo tempo uma nova Camara de Deputados, para que Sua Magestade, por intervenção dos eleitos do povo, podesse melhor conhecer quaes eram os desejos, e opinião do paiz. Por essa mesma occasião, observou o orador, que tambem tinha dito que convinha, para esse fim, melhorar a Lei eleitoral; attendendo, porém, a que a sessão actual está muito adiantada, e que portanto não é possivel discutir-se uma Lei eleitoral, que lhe parecia conveniente que no intervallo da sessão, o Sr. Ministro do Reino nomeasse uma commissão expressamente para preparar o projecto de lei, mas uma commissão que offerecesse todas as garantias de que havia de attender a que a eleição fosse perfeitamente livre, e frita com toda a legalidade; podendo a mesma commissão ser tirada dos membros de ambas as Camaras, tanto dos que votam a favor do Governo, como daquelles que lhe fazem opposiçao, pois está persuadido que, para um caso de tanta importancia, os cavalheiros que fazem opposiçao ao Governo, sendo por elle escolhidos, se haviam prestar ao serviço do paiz. Que sendo -principalmente isto o que tinha a dizer, limitava a estas poucas palavras a explicação que linha a dar, a qual esperava que os Srs. Ministros tomariam na consideração que merecesse. (O Sr. Conde de Thomar — Muito bem, muito bem.)

O Sr. Ferrão - Sr. Presidente, é restrictamente como membro da commissão especial, que tomo a palavra nesta questão. Não divagarei portanto pelos variados objectos que teem entrado na mesma questão, porque intendo que elles não vêem -a proposito.

«O tempo Sr. Presidente, disse o digno Par que se senta daquelle lado (o esquerdo), e que defendeu o projecto, o tempo é um elemento indispensável para toda a actividade humana; para todo o melhoramento social» — é uma verdade que todos conhecemos, que todos sentimos; o tempo é, portanto, a cousa mais preciosa de que o homem póde usar, e o seu desperdicio a maior das prodigalidades que se podem praticar.

Nesta discussão, Sr. Presidente, tem-se desperdiçado muito tempo. Discursos prodigiosos teem occupado esta Camara, ha tres cessões; e a origem do desvairado caminho que tem tomado a questão, que tem levado a discussão até esta altura foi o digno Par o Sr. Conde de Thomar, que teve a habilidade parlamentar de arrastar os Ministros da Corôa a este terreno.

Não faço, Sr. Presidente, uma censura ao digno Par, porque, segundo as suas intenções na posição em que se acha, usou dos seus recursos, dos seus talentos, para preencher o fim que tinha em vista; mas não posso deixar de a fazer aos dignos Pares, e aos Srs. Ministros da Corôa, porque vieram combater ás trincheiras do Sr. Conde de Thomar, e o não esperaram nas suas, que eram restrictamente as do projecto de lei que se discute. Não os releva o dizerem que fora o Sr. Conde de Thomar que os provocou. À provocação póde attenuar a falta, mas não a justifica. Sendo esta a minha convicção, Sr. Presidente, não entrarei, como disse, nos variados pontos, que se tocaram. Muito teria a dizer; muito teria a reflexionar, já para apoiar o Sr. Conde de Thomar em algumas das1 suas verdades irrespondiveis, já para o combater em muitos de seus argumentos, por menos conformes á verdade e á razão. Teria mesmo a combater os Srs. Ministros da Corôa a respeito de muitas proposições menos exactas, que apresentaram; mas não é este o meu proposito.

Um grande sophisma foi a base de toda a opposiçao levantada pelo Sr. Conde de Thomar. Um grande sophisma!... Penso, Sr. Presidente, que o digno Par se não offende do emprego desta expressão. (O Sr. Conde de Thomar — Não), porque na verdade, para haver de tudo, até um dos muitos objectos, que mereceram as honras da discussão, foi a significação de sophisma!... Foi a rehabilitação ou regeneração dessa palavra! Todavia, desde o nosso Philologo Bluteau até ao diccionario universal francez, restava essa palavra na posse pacifica de ter uma significação innocente. A má, ou offensiva, significação só podia estar na intenção de quem com mau proposito a empregasse. Esse grande sophisma, Sr. Presidente, produzido pela habilidade parlamentar do Sr. Conde de Thomar, foi uma base falsa de argumentação, com que o digno Par deslocou a questão do seu restricto objecto.

Foi-lhe necessario para a collocar nó terreno em que a pertendia abstrair das partes geraes, e preceptivas do projecto, para uma parte facultativa, que se encontra na segunda parte do artigo 3. do mesmo projecto; foi-lhe necessario pôr em relevo a excepção, e fazer desapparecer as regras que aqui se encontram; foi-lhe necessario, finalmente, converter o projecto, de permanente que é, nas suas determinações obvias, naturaes, simples, em transitorio, tomando, para esse fim, sómente uma disposição meramente eventual.

Mas não bastava este sophisma ao digno Par; era necessario ainda mais alguma cousa; e por outro sophisma, descarnado o projecto de todas as suas determinações preceptiveis, para unicamente ficar a parte facultativa do artigo 3.°, era-lhe necessario personalisar o mesmo artigo nesse ponto, e então personalisou — viu nelle escripto o Sr. Duque de Saldanha, actual Presidente do Ministerio.

O sophisma, porém, era muito grande, para poder convencer um só instante.

O Sr. Conde de Thomar, com a mesma habilidade que o caracterisa, passou a destruir a objecção, que naturalmente lhe offerecia a letra clara, expressa, do artigo 1.º, 2.º e mesmo 3.º, e como?... Confessando a verdade que lá estavam essas disposições, esses preceitos; mas dizendo ao mesmo tempo, que não eram mais que um disfarce, para occultar o pensamento dominante da proposta do Governo. Eis-aqui o ponto a que vou trazer a questão, e donde vem a necessidade que me «briga a tomar a palavra.

Se é um «disfarce, como o digno Par por mais de uma vez repeliu, disfarce é um engano, uma burla, uma falsidade, uma mentira, uma impostura, tem, em fim, todos os synonymos que se lhe podem apropriar; e então, de duas uma; ou a commissão especial se deixou burlar pela proposta do Governo, ou a commissão é cumplice nessa burla: se é cumplice nessa burla, a imputação é muito grave; se se deixou burlar, ainda o seu procedimento é digno de censura, porque uma commissão especial nomeada por esta Camara, devia neste objecto corresponder á confiança, que a mesma Camara lhe deu, e esta, vá por isso constituida na precisa obrigação de ver tanto e tão claro como vio o Sr. Conde de Thomar.

Mas não é só isto. Podia esse pensamento, essa burla, estar na cabeça dos Srs. Ministros, na sua intenção original; mas desde que a proposta foi apresentada na Camara dos Srs. Deputados, e por ella convertida era projecto de lei, se ha burla, já não está na proposta do Governo, está no projecto de lei que se discute; e então, ou a Camara dos Srs. Deputados quer burlar esta Camara, ou se deixou burlar pelo Governo.

Pois, Sr. Presidente, a commissão especial examinou muito reflectidamente este objecto; considerou-o para todos os lados porque o podia considerar; viu todo o merecimento das regras, que o projecto contém; viu todo o alcance que podia ter a excepção que no mesmo projecto se encontra; mas a commissão, admittindo a possibilidade, a realidade mesmo, da intenção dos Srs. Ministros da Corôa na proposta que fizeram á Camara dos Srs. Deputados, não confundiu o motivo occasional da mesma proposta com os motivos que poderiam ter os Srs. Deputados, adoptando essa proposta, e com os que esta Camara póde, ter approvando o projecto de lei, em que a mesma proposta foi convertida.

Podem os Sr. Ministros estar convencidos de que é altamente politica e necessaria a conservação do Sr. Duque de Saldanha, como Presidente do Ministerio, mesmo sem pasta; mas podem os dignos Pares mesmo approvando este projecto, não verem esta personagem na sua intenção, e terem outra muito diversa.

E porque não, Sr. Presidente? Porque ha-de ser o Sr. Duque de Saldanha a personagem que hão-de ter as Camaras legislativas na sua intenção?... Na possibilidade do alcance da medida facultativa, que se impugna, e nos calculos de cada um de meras probabilidades, porque não ha-de ser o Sr. Duque da Terceira?... Porque não ha-de ser V. Em.ª (riso), ou outro cavalheiro distincto que aqui se encontre?... Pois não é possivel que V. Em.ª seja Presidente do Conselho, sem pasta?... (Apoiados). Não tem V. Em.ª virtudes, e probidade para o ser?... (Muitos apoiados). Pois os negocios do Patriarchado poderiam deixar-lhe tempo, para a gerencia de uma pasta?... Se a modestia de V. Em.ª o não consente, não o julgo eu assim (muitos apoiados).

Mas este objecto não competia aprecia-lo a commissão; livre o Poder moderador na sua escolha, a commissão devia abster-se de fazer supposição alguma. Nem uma palavra se disse a este respeito ha commissão (apoiados), com quanto nos tivessemos na nossa intelligencia todas as probabilidades; porque este não era o nosso fim. Nós, Sr. Presidente, considerámos a respeito desta lei, aquillo, que intendo, que deve considerar toda e qualquer commissão, que examina um projecto de lei vindo da outra Camara, ou uma proposta de lei que tenha iniciativa originaria nesta Casa; digo, satisfizemos áquella obrigação que devemos sempre satisfazer, em igualdade de circumstancias, examinando como preliminar, se o projecto repugnava aos principios constitucionaes consignados na Carta. Por este lado ninguem impugnou o projecto; nem eu me cançarei em o justificar. — Felizmente não ataca, nem a independencia ou divisão dos poderes politicos, nem as garantias individuaes do cidadão.

Outra questão prévia a examinar, com relação a todo e qualquer projecto, mas que muitas vezes se desconhece, Sr. Presidente, no exame das propostas e projectos do lei, é se o seu objecto e justo; nem tudo que é justo se legisla; porque não se deve legislar do que é justo senão aquillo que é necessario á sociedade, mas tudo o que se legisla, ha-de ser essencialmente fundado na justiça (apoiados): logo a segunda questão prévia a examinar era se o projecto offendia os principios da justiça.

Em que são elles ofendidos? A commissão não vi o em que: e tambem por este lado ninguem o impugnou. Pelo contrario nelle se consigna virtualmente uma distincção, em relação aos negocios, que pertencem á Presidencia do Conselho de Ministros, que é um progresso, para destruir conforme á justiça, um grande erro, ou banalidade, que se repete muitas vozes, tanto dos bancos do Ministerio, como das cadeiras dos dignos Pares, e é a responsabilidade ministerial; solidaria; porque ella não existe, nem póde existir, em termos absolutos, como repugnante aos principios de justiça proclamados na mesma Carla.

Sr. Presidente, se as penas não podem passar da pessoa do delinquente, nenhum Ministro póde responder pelos actos de traição ou abusos do poder, commettidos pelos seus collegas, o só podem ser responsaveis, ou pelos diplomas que referendarem, ou pelos actos que praticarem nas respectivas repartições a seu cargo, ou pelos negocios resolvidos, que são das attribuições do Conselho dè Ministros.

Estes principios estão consignados em todas as constituições, que tenho podido percorrer; o ena nenhuma encontro a tão apregoada responsabilidade solidaria: entretanto, ouvi-a repetir nas sessões passadas pelo Sr. Ministro da Fazenda, e o Sr. José Maria Grande.

Não é possivel, Sr. Presidente, não ha Juiz que vendo accusado um Ministro por um acto criminoso, podesse condemnar algum dos collegas do mesmo Ministro; e portanto a responsabilidade solidaria em termos absolutos, como--disse, é insustentavel, é um absurdo.

O Sr. José Maria Grande — Tracta-se da responsabilidade politica.

O orador — O digno Par não restringiu a expressão com o caracteristico de politica; e politico é tudo o que respeita á Administração publica.

A pratica do Parlamento vai perfeitamente de accôrdo a respeito do que digo sobre a responsabilidade solidaria dos Ministros da Corôa,

Quando algum digno Par pertende interpellar, ou chamar a attenção dos Ministros sobre determinado objecto, espera-se que esteja presente o da repartição competente.

Discute-se um objecto sobre Marinha, ou sobre Fazenda, espera-se que esteja presente o Sr. Ministro da Marinha ou da Fazenda, e a Camara consente, resolve mesmo, que se sobresteja na discussão até que elle compareça, se algum outro não declara que assume a responsabilidade do negocio, e se presta a responder. É isto o que estamos presenceando todos os dias, nem é natural, nem é moralmente possivel outra cousa.

Agora nos objectos de Conselho de Ministros, ou de politica, onde Administração geral, em que tem sido, ou em que deve ser, ouvido o Conselho de Estado, nos termos da Carla, deve haver responsabilidade solidaria dos Ministros, porque todos, se co-réos, são culpados do mesmo crime, se ha abuso.

E digo mais; vou mais longe; porque na mesma responsabilidade solidaria dos negocios politicos, na accepção rectificada pelo. Sr. José Maria Grande, ou em que se não tracta de materia respectiva em particular a alguma das Secretarias de Estado, mas sim dos negocios geraes, em que se manifesta, e em que domina o pensamento politico do Governo, tomado geral e collectivamente, o Presidente do Conselho, como chefe desta corporação moral, póde ter um grão de imputação maior do que os seus collegas; e eu apresento um exemplo.

Quando os ministros de Carlos 10.º foram accusados de traição pelas celebres ordenanças de Julho, que todos elles referendaram, foram todos condemnados pela Camara dos Pares a prisão perpetua, mas distingue-se a condemnação a respeito do Principe de Polignac, Presidente do Conselho; sendo para este declarados os effeitos da morte civil, e para os outros sómente os effeitos da interdicção legal.

Escuso de explicar á Camara a differença que vai da primeira á segunda aggravação. Basta dizer que o Presidente do Conselho foi punido mais severamente que os seus companheiros.

Portanto, póde haver responsabilidade ministerial solidaria, mas em geral, a responsabilidade ministerial não é solidaria, mas sempre individual. O contrario seria uma grande injustiça, e uma inconstitucionalidade.

Fique-se, pois, bem intendendo, de uma vez para sempre, em vista da justissima distincção, que se estabelece virtualmente no projecto de lei, que os Ministros de Estado, são todos par um, e dm por todos responsaveis nos negocios geraes e communs, mas que em todos os mais, outra cousa não ha, nem póde haver mais, que a responsabilidade de cada um dos Ministros individualmente, para que asfsim a censura ou accusação vá a quem tocar (apoiados).

Mas vós não vistes, disse-se (por estas palavras», ou outras, que exprimem a mesma idéa), qf$, neste projecto vai uma insinuação ao Poder mP derador, para que, no novo reinado, recaia a applicação da excepção no Sr. Duque de Saldanha?

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Eu, Sr. Presidente, já disse que a commissão especial abstraiu-se desta consideração, sem com tudo deixar de ser prevista e meditada por cada um de seus membros, Se o projecto envolve uma significação politica, com applicação a determinada pessoa, não sei, como tambem já disse, qual é a personagem que cada um dos membros da outra Camara, ou dos dignos Pares, attribue a este projecto.

Mas suppondo mesmo que a applicação intencional seja essa, a que o digno Par se refere, não vejo motivo para que pugnemos contra a offensa que se faz ao Poder moderador, nem para que o projecto se qualifique de attentado ao mesmo Poder.

Sr. Presidente, o Rei nomeia e dimitte livremente os seus Ministros, mas o Rei é o primeiro representante da nação, e, nesta qualidade, governa com o seu povo, e para o seu povo, e tanto o Rei, como as Camaras sabem, que esta liberdade não é um capricho; determina-se por motivos, e estes derivam-se da vontade nacional, manifestada pelas suas maiorias nas casas do Parlamento. Se houvesse alguma cousa offensiva da dignidade do Poder moderador numa manifestação indirecta de similhante natureza, então quando lia em uma das Camaras alguma votação, que faz dimittir uni Ministerio, e lhe faz succeder um chefe da opposição, cujas idéas triumpham, e passam a ser as da maioria, se devia dizer, que se ataca o Poder moderador, porque se lhe tira um, e se lhe impõe outro Ministerio.

No Governo representativo tudo 6 assim, é a opinião publica, a vontade nacional, expressa ou presumida, quem guia os actos dos Poderes politicos do Estado; e é nas Camaras legislativas, que essa vontade se manifesta. As attribuições do Poder moderador não ficam sendo menos livres, para acceder ou não á vontade manifestada nas casas do Parlamento, se o Rei se convence de que esta é a expressão geral e verdadeira da nação. Se o Rei pensa que esta expressão, em vez de ser verdadeira, é facciosa, então aqui está a Carta, Sr. Presidente, dando-lhe o remedio necessario. O Rei póde appellar para a nação, fazendo dissolver a outra Camara, e tem outros meios para augmentar nesta a maioria propicia aos Ministros, que lhe merecem confiança; e, portanto, não digam que com o projecto se offende o Poder moderador (apoiados).

Se este projecto, pois, involvesse alguma insinuação, o que não concedemos naquelle sentido, não era este um motivo, para que a commissão especial o rejeitasse, quando, abstraindo do motivo occasional, nenhuma razão tinha para combater o seu merito intrinseco, nem a utilidade ou conveniencia das suas disposições permanentes e preceptivas.

Mas, Sr. Presidente, accrescentou-se ainda — o fim principal da proposta, não é tanto a conservação do Sr. Duque de Saldanha na presidencia do Conselho, como fim, mas como meio; é porque se precisa do prestigio dá espada do Marechal, para os seus collegas poderem continuar na administração do paiz.

Ora, Sr. Presidente, a este respeito tenho uma opinião fixa, e é de que se deve desejar, e sinceramente desejo a conservação dos Srs. Ministros, actuaes collegas do Sr. Duque de Saldanha, exceptuando o Sr. Ministro da Justiça, ao qual consagro muito respeito e consideração, em razão do seu amor da justiça, e a melhor intenção de acertar. (O Sr. Marquez de Vallada— Apoiado.) Com isto não pretendo dizer, que não desejo tambem a sua existencia no Ministerio, nem que os seus collegas não merecem os meus respeitos e consideração. Exprimo positivamente o meu desejo com relação aos seus collegas, que tomaram parte nos actos que eu capitulei aqui de violentos e de expoliação. Levem ao cabo as emprezas que encetaram; dotem a nação com muitos caminhos de ferro, e para isso é preciso que se aguentem, permitta-me a Camara esta expressão, com os encargos e difficuldades que crearam.

Tempo virá, se os Srs. Ministros nos não derem o que nos prometteram, em que devemos tomar-lhes contas da injustiça dessas medidas, que nunca passam em julgado.

Injustiça, digo, porque sempre que se dá o alheio de uma parte, e a violencia da outra, apparecem os elementos essenciaes do crime moral, que tem uma certa qualificação, que se encontra no Codigo Penal.

Pretenderam justificar essas medidas, já com a necessidade de crear meios e recursos para gerir os negocios publicos, já com as conveniencias dos melhoramentos materiaes, com que haviam exuberantemente indemnisar dos prejuizos que causaram: pois bem se todos esses meios e recursos, foram licitos para o seu fim; se tiveram assim em vista o principio utilitario, como o intenderam; agora queremos, precisamos, ver o seu resultado (apoiados). Desejarei pois muito que S. Ex.ªs se conservem no Ministerio, para que nos realisem os caminhos de ferro de Leste e do Norte, e muitos outros melhoramentos materiaes de que esta nação urgentemente carece.

Ainda uma palavra a respeito do Sr. Duque de Saldanha. O Governo, disse o Sr. Conde de Thomar, precisa para se sustentar do prestigio da espada do nobre Duque. Mas, concedendo que essa seja a necessidade e o pensamento da proposta do Governo, é o mesmo digno Par, quem se encarrega de a justificar, porque assim nos apresenta o prestigio dessa espada, como um elemento de ordem e de segurança publica. Assim mos apresenta o mesmo Exercito, symbolisado na espada do Marechal, como manutenedor da mesma ordem e segurança publica, pois que a espada, sem Exercito, á frente do qual se empunhe, nada significaria, de nada valeria. Exercito e espada, não significam o mesmo que dominação, mas protecção e defeza dos cidadãos.

Entre as mais cousas, que se arguiram contra este projecto, foram, com relação á segunda parte do artigo 3.°, os termos vagos em que se acha concebida a disposição facultativa, que ahi se encontra, nas palavras «quando o bem do Estado assim o exigir.» Eu direi ao digno Par, que a expressão não póde, nem deve, ser definida; porque 6 indefinida, por sua mesma natureza, e todos nós sabemos o que ella significa (apoiados). O bem do Estado é tudo quanto fôr necessario para a sua conservação e aperfeiçoamento, e se isso não podia ser explicito na Lei, porque os casos, que podem occorrer, se não podem prever, não merece a expressão ser censurada de vaga; e accrescentarei, que, se o é, o mesmo defeito se encontra, precisamente, no artigo 33.° da Carta, e outros, em que se tracta, já do juramento que prestamos, já da obrigação que temos de promover o bem geral da nação.

Disse-se tambem, Sr. Presidente, que este projecto, considerado sempre no mesmo sentido de restricção á segunda parte do artigo 3.°, não era conveniente, porque se ia crear por elle uma nova despeza. Ora, Sr. Presidente, como a commissão viu, que o projecto era util e justo, não lhe podia fazer peso essa nova despeza, e principalmente quando ella não existe pelo preceito da Lei, senão verificada a sua excepção, se o bem do Estado exigir a nomeação de um Presidente do Conselho sem pasta, mas então justificada a excepção, com a mesma razão se justifica a despeza; porque se o fim não é illicito, e os meios tambem o não são em si mesmos, estes justificam-se por aquelle. Mas não é só, accrescentou-se, a despeza do, ordenado de um Presidente Ministro sem pasta, a de que se tracta, mas a de uma Secretaria da presidencia do Conselho, que é uma consequencia necessaria de similhante nomeação. Ora, eu peço licença para dizer ao digno Par, como a nomeação de um Presidente sem pasta, não póde ter logar, senão por excepção, uma Secretaria, como corpo permanente, e com os empregados que forem necessarios, como nas outras Secretarias de Estado, e incompativel.

O Conselho de Ministros não carece de secretario especial, porque é da natureza dos negocios que ahi se tractam, não ter secretario, que não seja um. dos mesmos Ministros, e só podem ser necessarios, alguns empregados, para algumas cousas preparatorias ou de expediente; mas como este expediente ou serviço tem logar, quando sómente o Presidente não tem a sua secretaria, é claro que ha de ser feito o mesmo serviço, ou em alguma das secretarias, que os Ministros acordarem, ou por empregados dellas, chamados por commissão temporaria. Portanto, Sr. Presidente, não se póde concluir da possibilidade da nomeação de um Presidente sem pasta, a necessidade de uma secretaria distincta, nem della tracta o projecto em discussão; e quando vier a esta Camara ma proposta para a creação de similhante secretaria, conte o digno Par comigo, porque é mais um voto que tem contra esse objecto (apoiados).

Creio ter succintamente, ao menos como pude, explicado qual foi o pensamento da commissão, e quaes os seus motivos, quando emittiu o seu voto de approvação sobre este Projecto de lei; e sem me involver, como prometti, senão mui levemente, a respeito de alguma das differentes questões que aqui se trouxeram deslocadamente á discussão.

E em conclusão pedirei a V. Em.ª que faça com que a discussão entre na ordem da qual tem sahido, perdendo-se assim um tempo precioso. Alguns dignos Pares com muita difficuldade podem aqui comparecer, e, se deste modo continuamos a perder o tempo, com mais difficuldade poderão concorrer esses dignos Pares, vendo os ataques pessoaes que se dirigem; e as recriminações de um e de outro lado; alludindo-se a factos presentes e passados, e atacando-se vivos e mortos, o que tudo nenhuma relação tem com o presente Projecto de lei que se discute.

O Sr. Presidente - Está inscripto o Sr. Conde de Thomar, mas, em vista do nosso Regimento, para que se dê a palavra ao digno Par, é preciso que a Camara resolva se dá licença que S. Ex.ª falle ainda outra vez.

Assim se decidiu.

O Sr. Conde de Thomar — Muito louvavel é o digno Par pelo conselho, que deu na conclusão do seu discurso, parece-me no entanto que S. Ex.ª ha de ser o primeiro a reconhecer, que no estado em que se acha a discussão, é absolutamente impossivel, que os oradores da opposição se limitem ao objecto especial do projecto: o digno Par reconhecendo que a discussão tem degenerado, e tem sido levada a objectos que lhe são estranhos, reconheceu tambem que os Srs. Ministros são os principaes culpados, porque vindo quebrar lanças nas trincheiras da opposição, foram além disto percorrer a vida passada delle orador, dando assim motivo a que reagisse contra similhantes provocações. O digno Par tem razão na censura que dirigiu aos Srs. Ministros pela sua maneira de responder á opposição, esta póde muitas vezes querer, ou pertender fazer divergir a questão para um lado differente daquelle em que deve ser tractada, mas os Srs. Ministros não teem direito para responder á opposição com o exame do seu passado, ou seja na vida publica, ou particular. É da natureza dos debates parlamentares entre a opposição e o Governo serem as propostas deste, e os seus actos objecto das mesmas discussões; é certo porém que na presente discussão tudo se tem invertido. Os actos dos Srs. Ministros, ainda que mais remotos, podem ser discutidos, porque podem elles tender a avaliar-se melhor a medida, que se discute, podem mesmo servir para conhecer as tendencias das medidas do Governo, e da sua politica; mas o passado da opposição não póde servir para justificar as medidas, e os actos do Governo; trazer portanto para a discussão os actos da opposição praticados á quinze annos, foi praticar uma inconveniencia, injustificável — uma tal inconveniencia authorisa a opposição a fazer pagar caro aos Srs. Ministros as provocações que lhe dirigiu.

O procedimento dos Srs. Ministros pode ser muito commodo para SS. Ex.ª, mas é preciso convir, que nem é conforme aos principios, nem ás conveniencias parlamentares. Discutir os actos, e os precedentes da opposição para justificar o presente, é condemnarem-se os Srs. Ministros a si proprios! Não se lembram SS. Ex.ªs de que condemnaram, e votaram contra todos esses actos e precedentes, com que agora se querem authorisar, e com que agora pertendem justificar-se? Não vêem SS. Ex.ªs que, procedendo por esta fórma, são dobradamente criminosos?

A tactica dos Srs. Ministros é bem conhecida, não podendo sustentar-se no campo da discussão dos seus actos, que pela maior parte não teem defeza, levaram a discussão a outros pontos; discutiram os actos e precedentes antigos da opposição, para que está obrigada á defeza, não podesse continuar o ataque! Isto, repito, é muito commodo para os Srs. Ministros; saibam, porém, que a opposição, a par da defeza. e da explicação dos seus actos, se sente com coragem bastante para continuar no ataque.

Na sessão de 6 do corrente coube ao Sr. Ministro do Reino desempenhar cabalmente a tarefa das provocações, dos insultos, e do exame dos meus actos desde 1836! Coube a este coração de pomba, que se proclama o inimigo das provocações, e das accusações, a este coração de pomba, que nunca revolve o passado, nem levanta campas; coube ao Sr. Ministro do Reino, repito, desempenhar uma tal commissão, não obstante reconhecer S. Ex.ª que eu nem sequer tinha proferido uma palavra que pessoalmente o offendesse! O nobre Ministro do Reino revolveu cousas dos mortos, e levantou campas, e contra o seu costume occupou-se principalmente do exame de todo o meu passado, que expôz a seu modo com animo deliberado de offender-me, e insultar-me!

O Sr. Ministro do Reino sem critica alguma (perdõe-me S. Ex.ª a phrase) aproveitou todas as notas, que lhe foram fornecidas por alguns dos seus amigos, na occasião em que eu fallava, coordenou-as no seu gabinete sem criterio algum, e veio graciosamente offender quem o não tinha offendido! O nobre Ministro pertendeu expôr-me ao ridiculo, e julgou que me havia sepultado nas profundidades da terra — e foi nas profundidades da terra que S. Ex.ª me descobriu!... Fique S. Ex.ª certo de que ainda aqui estou para rebater injurias, e para devolver com mais fundamento o ridiculo, que S. Ex.ª me quiz lançar. É triste seguir um tal meio de discussão, quando se tem uma posição, que fornece aos adversarios as armas com que nos podem ferir. O Sr. Ministro andou muito inconvenientemente.

O nobre Ministro apresentou-se, como perfeito conhecedor da historia contemporanea, mas eu hei de preencher algumas lacunas, que S. Ex.ª mostrou ignorar.

Sr. Presidente, terei de repetir, porque fui com, batido com repetições. Discutindo-se uma medida do Governo, que, pelas declarações dos Srs. Ministros, não póde deixar de se considerar pessoal e politica, intendi que podia discuti-la, recordando factos, que teem com ella intima ligação; sem proferir uma unica injuria, uma unica frase, que atacasse as pessoas, a honra e probidade dos Srs. Ministros, referi factos publicos, que constam dos actos officiaes, assignados pelos Srs. Ministros; e apresentei, além disto, considerações de duvidas do estado da fazenda publica, para atacar o projecto pelo lado da despeza: este meu procedimento carecia de resposta differente daquella, que me deram os Srs. Ministros. Perguntarei a SS. Ex.ªs que ligação tem com estas observações, e com este modo de combater, os Camillos, ou Camellos (como disse o Sr. Ministro, com a graça que o distingue); Aljubarrota, etc, etc? Espero que o Sr. Ministro do Reino, para mostrar que o actual Presidente do Conselho não é o primeiro revolucionario, e que o projecto não é indispensavel, e é dispendioso, prove que era necessario ir (como disse) descobrir nas profundidades da terra os Camillos, e Aljubarrota? S. Ex.ª não podia contrariar a minha argumentação, era-lhe necessario atacar-me com o passado (apoiados).

A par das accusações, aliás fortes, que o Sr. Ministro do Reino me dirigiu (e de que hei de occupar-me), estão certas asserções de S. Ex.ª, que demandam a devida correcção, e peço licença ao Sr. Ministro para começar por uma, que, por mais importante, S. Ex.ª escolheu para chave do seu discurso.

O Sr. Ministro do Reino, depois de caracterisar de violenta a minha opposição, e depois de a censurar com as mais asperas expressões, disse — «Se o digno Par continuar, hei de persegui-lo.» Palavras do nobre Ministro do Reino, o Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, proferidas na ultima sessão, contra o seu adversario politico, que tem a honra de fallar neste momento, as quaes reproduzo, para ficarem registadas na historia parlamentar — ad perpetuam rei memoriam.

Antes de tudo quero saber, se foi o Ministro, se foi o individuo, que me dirigiu esta ameaça. Se foi o Ministro, entrego-a á Camara: ella decidirá, se um Ministro da Corôa póde ameaçar por tal fórma um membro desta casa, no exercicio dos seus direitos, daquelles direitos que lhe dá a Constituição do Estado (apoiados).

O Sr. Ministro do Reino — Não me lembra de ter dito tal cousa…

O orador — Não disse tal cousa?! Pois V. Ex.ª não disse, que se eu continuasse, que me havia de perseguir?…

O Sr. Ministro do Reino — Não me lembro; mas se o disse ha de estar isso nas notas que vou ter, por Isso que agora as recebi

O orador — Antes de tractar deste negocio, tractei eu de saber se os meus ouvidos se tinham enganado, e a minha asserção foi confirmada por mais alguem.

O Sr. Ministro do Reino — Via as notas?

O orador — Não vi as notas, nem preciso disso.

O Sr. Ministro do Reino — Não tenho a menor

Idéa de ter usado dessa expressão; e se a proferi declaro que a retiro desde já, porque fiz mal em a proferir; e se a proferi, repito, não tenho a consciencia de lhe ter dado a intelligencia, que lhe dá o digno Par; mas não deixo de conhecer que teria sido uma grande inconveniencia da minha parte: no entretanto, ainda não sei se a empreguei, porque isso de perseguição é uma cousa contraria ao meu caracter.

O orador — Sérias, e muito serias considerações poderia eu fazer, sobre essas expressões do Sr. Ministro; mas como S. Ex.ª declara que se não lembra de as ter proferido, e que, quando as tivesse proferido, as retirava, eu nada mais direi a este respeito, e dar-me-hei por satisfeito.

(Pausa.)

(O Sr. Ministro do Reino, trazendo o seu discurso escripto (da sessão do dia G), vem á mesa dos tachygraphos, e pede se lhe diga onde vem as palavras a que se refere o digno Par; e, depois de satisfeito, retira-se para o seu logar).

O Sr. Visconde de Laborim — Esta scena é nova! Peço a V. Em.ª que faça manter a boa ordem que deve haver nesta Camara!...

O Sr. Ministro do Reino — Eu ainda que não tenha a memoria de reminiscencia, tenho a memoria do coração, e no meu coração não me cabe o desejo de perseguição. Eis aqui o que eu disse, e que vem escripto nas notas que neste momento recebo dos tachygraphos (leu). Se o digno Par continuar (isto é, na discussão), hei de persegui-lo, hei de segui-lo; tudo, já se vê, em relação á discussão (apoiados), nem outra podia ser a minha intenção, e nem isso era possivel; no entanto, se, o digno Par julga essas expressões affrontosas para S. Ex.ª, eu retiro-as; mas intendo que ellas, no sentido em que fallei, nada têem de affrontoso, nem de culpável.

O orador — Eu já disse que, como o Sr. Ministro explicara o sentido em que S. Ex.ª proferira aquellas expressões, e que nenhuma duvida tinha em as retirar, que eu, a este respeito, nada mais diria, prescindindo de fazer mais considerações.

Ora, eu vou referindo os factos taes quaes se deram, porque ha de ser delles que hão de partir muitas das considerações que tenho a fazer.

O Sr. Ministro tambem disse (e parece-me que isto não negára), que eu, na minha argumentação, mostrava falta de sinceridade, falta de tacto, ou um tacto supino, inappreciavel! Conheço a ironia! Tambem não disse?

O Sr. Ministro do Reino — Eu não podia dizer tal, e se o dissesse, tinha dito um absurdo, porque dizendo que o digno Par tinha mostrado falta de tacto, como podia depois dizer que tinha um tacto supino? Supino quer dizer — elevado, grande, etc.; já se vê, portanto, que não disse isso.

O orador - Sr. Presidente, o nobre Ministro disse, que eu tinha mostrado falla de tacto, ou alias um tacto supino, mas inappreciavel: tomei isto como uma ironia; fosse como fosse, vejo que S. Ex.ª se dispõe a negar muitas das cousas que effectivamente disse. S. Ex.ª reflectiu sem duvida que se excedera, e que tinha empregado uma argumentação inconveniente. Passemos adiante.

Não teve razão o Sr. Ministro em queixar-se, de que eu lhe havia chamado grande homem por ironia! Nem S. Ex.ª foi exacto na referencia ás minhas palavras! O que eu disse foi, que S. Ex.ª era o maior homem deste paiz, porque havia tido o talento de fazer acabar, durante o periodo de quatro annos, as revoluções. É certo que eu não empregaria os meios, que S. Ex.ª empregou, isto é, sacrificar as suas antigas convicções e principios aos homens que combatera, e que o combateram, dando-lhe parte da influencia governativa, e collocando-se, para assim dizer, debaixo das suas ordens: eu devo francamente declarar, que taes meios não empregaria eu, mas não posso deixar de reconhecer, que S. Ex.ª conseguiu por ellas a tranquillidade e a paz durante quatro annos 1 Avaliei o nobre Ministro pelos resultados, e não sei a razão, porque havia tomar por ironia o que era sinceridade. Como S. Ex.ª disse, conseguiu tornar os seus novos amigos melhores do que eram: fez mais, fez delles espiritos sublimes e elevados!... Quem poderá dizer, que não emprehendeu, e conseguiu uma grande obra? Fez o que nenhum outro fazia (elle o reconheceu), por que se queixa da minha frase, e porque a qualifica de ironia?

O nobre Ministro prometteu responder a todos os argumentos e perguntas, que eu havia feito, mas é certo que, desejoso de chegar aos Camillos e Aljubarrota, esqueceu-se do cumprimento da promessa. Vejamos.

Collocando-se no centro dos sofismas escolásticos e parlamentares, e addicionando-lhes as definições dos silogismos e paralogismos, disse, que quem fallára em sofismas, nada mais fizera do que empregar sofismas, e que, sem a menor razão, accusára o emprego dos sofismas, porque a tal respeito nada provára. Parecia-me que tendo, eu mostrado que um digno Par, classificando a minha argumentação de simples declamação, sem que o demonstrasse, e attribuindo-me um mão pensamento na opposição ao projecto, pensamento que não existe, me achava com direito de classificar de sofisma esta argumentação! S. Ex.ª não quiz tomar em consideração estas minhas razões, mas foi com o maior desembaraço dizer, que eu só empreguei sofismas, porque, combatendo o projecto por ser pessoal, não provei que em algum dos seus artigos, se especificasse o nome de algum individuo, e que em tudo confundira, porque tomára a regra por excepção, e esta por aquella!

O Sr. Ministro não quiz intender-me. Eu separei do relatorio do Governo, no projecto apresentado na outra casa, do parecer da commissão da mesma casa, e do parecer da nossa commissão as proposições que nelle se contém, para justificar principalmente a creação do cargo de Presidente do Conselho sem pasta.

De todas essas proposições conclui eu (combinando-as com as declarações feitas pelos Srs. Ministros na discussão), que o pensamento do projecto, e dos differentes pareceres, era que se devia crear um Presidente sem pasta:

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1.° Porque, representando o Presidente do Conselho o pensamento administrativo e politico, e bastando os cuidados, as diligencias, e os Conselhos, para absorver toda a attenção de um homem, não podia por isso accumular-se aquelle cargo com a gerencia obrigada, e constante de quaesquer negocios especiaes da publica administração;

2.º Porque a falta de tal cargo, entre nós, já tinha causado embaraços administração publica.

Intendia eu que, sendo assim devia estabelecer-se, como regra, o que era excepção no projecto, e vice-versa. Accrescentei que os homens abalisados, os que podem dignamente representar, e desenvolver o pensamento administrativo, e politico, e ao mesmo tempo gerir uma parte, são poucos, mas haverá mais quem possa dignamente servir, separada a presidencia do Conselho, do expediente e trabalho de uma pasta!

Isto não é um sofisma, é uma opinião formada em vista dos principios adoptados nos differentes documentos parlamentares, e principalmente da argumentação dos Srs. Ministros.

Se o logar de Presidente do Conselho é tão importante, como dizeis; se ha de representar o pensamento administrativo e politico; se ha de desenvolve-lo a sustenta-lo no Gabinete, e nas Camaras; se tão grandes cuidados e funcções se não podem accumular com a gerencia obrigada de uma pasta; e porque só por si absorvem a attenção de um homem se tudo isto é verdadeiro (disse eu), estabelecei como regra que haverá um Presidente do Conselho sem pasta, e que se eventualmente apparecer, quem, pelo seu talento e outras qualidades, puder desempenhar as funcções de Presidente do Conselho, e accumular a gerencia de uma pasta, se possa então reunir. Esta opinião poderá, repito, ser errada; esta opinião poderá ser inadmissivel, mas é, como disse, deduzida dos motivos expostos na discussão pelos Srs. Ministros, para sustentar o seu projecto.

O Sr. Ministro, em logar de a capitular como Sofisma, devia; mostrar, que é mais facil achar quem possa bem ser Presidente do Conselho com pasta, do que Presidente do Conselho sem pasta; que se póde em regra desenvolver melhor o pensamento administrativo e governativo, sendo Presidente, e gerindo uma pasta, do que estando desembaraçado do enfadonho trabalho do expediente, e mais negocios, que absorvem as attenções de quaesquer homens. Não fallo dos actuaes, que podem servir todos ao mesmo tempo, e para tudo? chegam! A experiencia o mostra: ser homens não só para uma, mas para duas, e mais pastas! O Sr. Ministro do Reino, que prometteu responder a todas as perguntas, começou neste ponto a faltar. Vou demonstra-lo.

Dizendo o Governo que a necessidade da creação deste cargo já. se tinha feito Sentir, e que ainda podia pelos mesmos, e outros motivos tornar-se necessaria — perguntei quaes foram os motivos, que a fizeram sentir? — quaes são esses outros, que ainda a podem tornar necessaria?

Eu tinha tanto maior razão para fazer esta pergunta, quanto n'um dos pareceres se diz, que já entre nós uma similhante falta embaraçou a Administração publica! Como a embaraçou, quando e porque modo? outra pergunta que fiz ao Sr. Ministro.

A Camara, viu como S. Ex.ª me respondeu. Disse que era melhor regular por Lei, o que em outra época se havia feito por Decreto!

S. Ex.ª não me intendeu ou não quiz intender, Quando se invocam motivos passados para, se justificar uma innovação, é necessario dizer quaes foram esses motivos. Quando se diz que ainda existem outros motivos, que a podem tornar necessaria, ha obrigação de os especificar. Quando se faz referencia a embaraços, que sobrevieram por similhante falta, é preciso referir esses embaraços. Só por esta fórma se justifica a medida, é se responde á pergunta feita, e não respondendo ao que se não pergunta.

Ninguem poz em duvida, que seja melhor, indispensavel mesmo crear por uma Lei o cargo de Presidente do Conselho sem pasta. Se é a creação de um novo logar, e de um novo ordenado, a Carta, exige, que se faça por Lei, nem pensem os Srs. Ministros, que tomamos por favor a apresentação do projecto para tal fim; se creassem um tal cargo, e o ordenado respectivo por um Decreto, violariam a Carta, e praticariam uma usurpação de attribuições.

Não me parece que, para se dizer que o projecto é na actualidade um projecto pessoal, seja necessario, que naquelle appareça o nome do Presidente do Conselho. Não foram os Srs. Ministros os que primeiro sustentaram que o projecto é pessoal? Não começaram S. Ex.ª por; declarar, que foi apresentado pelas circumstancias, em que se acha d Sr. Duque de Saldanha, e na occasião em que S. Ex.ª por mais doente não podia continuar a ser Presidente, e ao mesmo tempo continuar a gerir uma pasta? Não disseram já que apresentaram o projecto, porque é indispensável que o Sr. Duque de Saldanha continue a estar á frente da situação? Para que negar agora que o projecto não é pessoal, e que não teve por fim collocar, ou continuar a terá frente do Ministerio o Sr. Duque, mas livre dos trabalhos de uma pasta, porque para isso não tem saude?

Mas, dizem, lá está no projecto a regra geral, que fica para todos os Ministerios! Podéra ser. Seria cousa muito curiosa ver apresentar um projecto, em que se dissesse, que só poderia ser Presidente sem pasta o nobre Duque de Saldanha! Ainda não chegamos a tanto!,. (apoiados.)

Das razões produzidas pelo Sr. Ministro para mostrar que existe um homem indispensavel á situação, á conservação da paz, á tolerancia, á liberdade, aos caminhos de ferro, ás estradas, etc. etc, é que eu deduzi, «parece-me, com razão, que Os Srs. Ministros com a apresentação deste projecto, pertendem impôr no novo reinado, como Presidente, o Duque de Saldanha. Olhai bem, que não tem sido poucas vezes, que tendes sustentado que para se conseguirem, todos os bens que enumerei, é indispensavel a presença do Duque de Saldanha na presidencia do Conselho; attendei a que é com taes argumentos, que vós sustentaes o vosso projecto (apoiados). -

Quando tivéreis obtido o voto das Côrtes com taes razões e por taes fundamentos, ahi estaes habilitados a sustentar em toda a parte que sem a sua execução —a paz — tolerância — estradas — caminhos de ferro, tudo, tudo desapparecerá. — E em vosso reforço vem as ameaças dos vossos alliados! Não dictam elles já a lei, que deve seguir-se no novo reinado? Não declararam elles, que offerecem ao novo reinado rima ordem politica e moral (obra sua dizem elles) em que a machina do Estada joga com desusada perfeição, e taxando de imprudente qualquer commettimento para a aperfeiçoar? — Não declaram que qualquer mudança será praguejada? Não dizem com uma franqueza admiravel, que os que tem apoiado o Ministerio, sabem ser opposição, e variar as suas hostilidades! Não tornam já responsaveis pela sua audacia os que aconselharem qualquer mudança?...

Juntai estas ameaças, que não são hypotheticas, como disse o Sr. Duarte Leitão, e, que são uma realidade, ás vossas declarações, aos vossos argumentos da indispensabilidade do Duque, para sustentar a paz, que será perturbada, quando se variarem os modos de opposição; para os pagamentos, estradas, tolerancia, e, que desapparecera com a retirada do Duque do Governo, e dizei-me, tive, eu razão, quando suppuz, como mais alguem, que p vosso fim é impôr no novo reinado o Duque, como Presidente do Conselho?

E ainda nesta parte o Sr. Ministro deixou de satisfazer ás minhas perguntas. A Camara estará lembrada de que eu pedi ao Governo, que declarasse se estava de accôrdo com as ameaças assim feitas em um jornal, que é, sem dúvida, o mais forte sustentaculo do Governo, não só pelo apoio, que resulta das apuradas pennas que o redigem, mas do apoio, que lhe dão os seus quatro redactores, todos homens importantes na outra Casa. Quando taes ameaças apparecem n'um jornal da situação; que manda, e não pede, já para mim seria bastante esta circumstancia para não considerar os Srs. Ministros extranhos a ellas! Mas se, como eu disse, nenhum dos jornaes convencionados, tiver combatido aquellas, ameaças, reforça-se a mesma supposição! E Se por fim instado o Governo a responder sobre esta importante questão guardar completo silencio! então apparece quasi a certeza da connivencia!...

Podeis dizer que, quem produz estas razões, ataca O projecto por paixão, mas ficai certos de que as convicções do publico estão formadas a tal respeito, que não ha-de ser com a renovação das calumnias, com os Camillos, e com a Aljubarrota, que os haveis de destruir! E logo me occuparei dos Camillos, e Aljubarrota! Vem a proposito notar antes de tudo, que tambem intendo que não é prohibido fallar no novo reinado, mas é prohibido depois de especificar as outras virtudes do novo Rei, capitular de injuria ao novo Rei, o que se diz para combater o projecto, e isto com o fim de influir na discussão, e na votação (apoiados), isto é claro.

O Sr. Ministro do Reino, conhecedor das situações, e dos homens admitte as defezas no caso de attaque mas não pode conformar-se com o afan, com que eu vou procurar o Presidente do Conselho nos theatros, nos passeios, nos jardins, em casa, etc, etc.!

Antes de tudo direi que o Sr. Ministro julga que está já esquecida a historia de 1851, esta historia não a conhece?! S. Ex.ª já esqueceu aquella sessão, em que o Presidente do Conselho, depois de ter desenvolvido um immenso cathalogo de accusações. e de crimes, quando eu me levantei, e perguntei se nas suas accusações havia alguma referencia minha pessoa, S. Ex.ª, com a franqueza que lhe é propria, declarou muito positivamente que não?! O Sr. Ministro pareceu ignorar que, passados alguns dias, o actual Presidente do Conselho foi no campo da revolta, e na presença das bayonetas, repetir o que aqui não se attreveu a sustentar, o fez mais, do alto do seu Throno na Casa-pia proclamou corrupto o Ministerio de 18 de Junho, e as maiorias, promettendo substituir á corrupção a moralidade! etc, etc.

O Sr. Ministro que se apresentou, como perfeito conhecedor das posições de cada um, ignorou de certo, que eu e os meus amigos, derribados do Poder pelas bayonetas em nome da moralidade, temos um direito indisputavel a pedir. estreitas contas pelo cumprimento das promessas feitas. Pelos vossos orgãos já ameaçais que haveis de pedir a responsabilidade de qualquer mudança que appareça no novo reinado, ainda para aperfeiçoar a machina do Estado, e quereis negar-nos o direito de vos pedir a vossa responsabilidade por ter destruido uma situação legal, em que os Poderes do Estado funccionavam com proveito publico? Vós já sustentaes esse direito ante factum e negaes-nos esse mesmo direito post factum? É quê o direito exclusivo, que o Sr. Ministro disse, eu reclamava para mim, queria S. Ex.ª para si e para os seus! Eu accuso, porque sendo opposição, -tenho direito para accusar. Eu accuso, porque expulso em nome da moralidade, quero saber como esta substituto a corrupção, (apoiados).

O Sr. Ministro intende que as minhas accusações pela marcha do Governo, pelos seus actos, e pelas suas tendencias póde responder como os Camillos e Aljubarrotas!... Que bella resposta! Notei que nas eleições ultimas se commetteram grandes abusos, attentados atroses — respondeu-se a não tendes direito a fallar em eleições, porque no vosso tempo houve maiores excessos!»

Antes de entrar nesta materia cumpre que eu faça uma declaração, tendente a destruir o arteiro systema do Sr. Ministro do Reino, de fazer sempre ligar á sua causa, a causa dos outros! É commodo! quando S. Ex.ª se não pode defender, chama as boas qualidades dos outros em sua defeza....

Declaro muito formalmente, que tudo quanto eu possa dizer contra as eleições ultimas, em nada offendo as excellentes qualidades pessoaes dos membros da outra Casa — fallo sem excepção— a todos respeito — e tenho a satisfação de dizer que entre aquelles mesmos que eu não conhecia senão de nome, e entre os que me combateram e combatem, tenho encontrado as maiores provas de deferencia. Mas as pessoas e as suas qualidades ficam á parte —aqui tracta-se sómente do acto eleitoral — este póde ter sido viciado, podem ter-se commettido as maiores irregularidades, e comtudo podem apparecer votados homens, decentíssimos, como disse o Sr. Ministro do Reino. - A Camara ha-de lembrar-se do que se disse nesta casa a respeito das eleições em outra épocha, e a respeito mesmo dos individuos, que formavam as maiorias — ahi estão os discursos do proprio Sr. Ministro do Reino, que me não deixarão ficar mal. S. Ex.ª há-de lembrar-se, de que em certa occasião foi tão forte contra a outra Casa e contra os individuos, que um grande numero de Deputados, julgando-se offendidos com as expressões de S. Ex.ª, se retiraram em corpo desta Casa.

Mas voltemos á questão: o Sr. Ministro intendeu que devia especificar todos os factos, que ha dias vinham em um artigo do jornal o Arauto. Mortes, ferimentos, emprego de força, ambulancias, listas de cores — e não sei que mais! Não serei eu que venha sustentar que nos tempos passados não houve algumas irregularidades — com ellas argumentou fortemente a opposição— foram dadas as explicações. E quando deixou de as haver?... Seria ocioso entrar agora nesse debate, e como para o proposito do Sr. Ministro basta que confesse que houve em uma ou outra parte alguma irregularidade; confesso. Não sei se S. Ex.ª se refere tambem aquellas eleições a que se procedeu em os annos anteriores, creio que não —essas eleições foram todas puras, e a prova está nos factos que se apresentaram por occasião da discussão da legalidade dessas eleições! Coma S. Ex.ª tem parte na responsabilidade de algumas daquelles eleições, presumo que se não refere a ellas. S. Ex.ª nesta, como em todas as questões, encara o passado só pela minha pessoa, este insignificante, a quem S. Ex.ª e os seus amigos se dignam responder por compaixão, e só porque a isso os obriga a posição do seu cargo. S. Ex.ª refere-se sómente ás eleições posteriores áquella época, falla sómente de 1845.

Admittido, mas não concedido — que fosse verdade tudo o que S. Ex.ª referiu — e que o que eu digo não é mais que o despeito do vencido contra o vencedor (naquella época), acaso as accusações feitas por esses factos contra uma Administração, que desappareceu em 1846, prova que não houve abusos e attentados nas ultimas eleições? Justifica porventura o Governo desses abusos, que agora commetteu? Eu não suppunha que este modo de argumentar partisse de um homem, que se levanta muito senhor de si, para ensinar os outros!

E note a Camara que este negocio de eleições foi trazido á discussão pelo Sr. Ministro da Fazenda, o qual para mostrar os titulos que tinha, e tem o actual Governo á consideração publica, apresentou as eleições livres! Já se vê que eu não podia deixar passar uma tal asserção sem correctivo, porque se tinha em vista lançar o odioso sobre a situação transacta.

E foram as ultimas eleições livres? Bastaria attender as que têm sido proclamadas por todos os jornaes, menos os estipendiados pelo Governo, como as mais escandalosas! Não foram ellas, Como é voz geral, saídas do chapéo do Sr. Ministro do Reino, impondo para Deputados os seus escolhidos? Não foram ellas o resultado das partes telegraphicas, que mandavam escolher N. e N. e os que approvassem o que estava feito, e o que tivesse de fazer-se? Esta asserção ainda não foi negada (apoiados). E não pense o Sr. Ministro do Reino que referindo eu estas circumstancias tenho medo do seu chapéo, se nem tenho medo do que está dentro (riso)! E admira-se S. Ex.ª de que eu mostre medo da espada do Duque de Saldanha! Sim, tenho medo, porque ella costuma revolucionar-se contra a lei, e porque esta desapparece na presença daquella!

Foram livres as ultimas eleições? Não houve abusos? Pois não seria abuso mandar destacamentos de tropas ás ordens de quem ainda no dia seguinte havia ser nomeado presidente de uma assembléa? Pois não seria abuso chamar um Governador civil a Lisboa, para se riscar da lista dos candidatos uma personagem, só porque declarou, que sendo eleito se julgava com a liberdade de votar conforme a sua consciencia? Pois não seria abuso entrar um Administrador do concelho em uma igreja á frente de seis soldados de bayoneta calada, e o proprio Administrador com um punhal na mão, e arrancar pela força da mesa da assembléa, o presidente, e um escrutinador, e mandal-os presos para a cadêa de Lamego, a fim de que nem a sua presença podesse pôr em duvida a victoria eleitoral, conseguida por taes meios? Querem mais factos? poderia apresentar centos (apoiados).

O Sr. Visconde de Algés — Sr. Presidente, o digno Par está alguma cousa cançado (Toses — É verdade), e eu pedia a palavra sobre a ordem, se V. Em.ª me dá licença para lêr um parecer da commissão de legislação, sobre um objecto importante (apoiados).

O Sr. Presidente — Tem o digno Par a palavra,

O orador léu e mandou para a Mesa o parecer n.° 231, sobre o projecto n.° 219: e depois accrescentou:..

Este parecer está assignado por todos os membros da commissão, e como não está presente o Sr. José da Silva Carvalho peço que se declare que tem voto de S. Ex.ª

O Sr. Presidente — Manda-se imprimir, para ser distribuido, e entrar em ordem do dia (apoiados).

O Sr. Conde de Thomar continuando— Mas accusa-me o Sr. Ministro do Reino de que eu vou seguir o illustre Duque de Saldanha no theatro! jardins! passeios! casa! e etc. A razão é muito clara — eu membro da opposição, accusado pelo Presidente do Conselho em documentos officiaes, e em circulares ao Corpo diplomatico, olho todos os dias para a cadeira do Presidente do Conselho, e sempre a encontro vazia — saio da Camara, vou ao theatro — ahi encontro 6 Presidente do Conselho — vou aos jardins, ou aos passeios, não o encontro; mas diz S. Ex.ª que ahi o posso encontrar. Não o encontro em sua casa, porque pela minha posição politica não posso ter a honra de o encontrar ahi; mas não o encontro na Camara, aonde pela sua posição e visto que anda por todos os legares, que citára o Sr. Ministro, tinha obrigação de se mostrar (apoiados). Estas defezas do Sr. Ministro do Reino compromettem a causa do Sr. Presidente do Conselho! Para ter o prazer de fallar do meu ódio, e do meu rancor contra elle, apresenta estes factos que são outras tantas censuras contra o seu collega. E ainda mais: accusando-me de fallar contra um ausente, não quer attender ás circumstancias e posição desse ausente com relação a mim, nem se lembra de que cáe na mais forte contradicção! Quando eu exigi a presença do Sr. Duque de Saldanha sustentou o Sr. Ministro do Reino que ella não era necessaria, porque o Ministerio, sendo solidario, respondiam um por todos, e todos por um! Agora accusa-me porque fallo contra um ausente, nestas contradicções, tão palpaveis, cáe S. Ex.ª muitas vezes. Mas é forçoso confessar que tudo isto é atros. Accusam, e fingem de accusados!...

«E ainda veio examinar o livro das despezas do Duque de Saldanha, faltando dos seus ordenados, e não admira, porque já em uma sessão disse que tinha deixado seis mil cruzados de soldo ao nobre Duque, o que capitulou de bom ordenado!»

Que injuria que fiz a S. Ex.ª! Que atros injuria! Pois seis mil cruzados póde ser bom ordenado! Assim fallou o Sr. Ministro para despertar o sentimentalismo a favor do Presidente do Conselho, e para desenvolver o ódio contra mim! Baldado esforço, quando se combate contra á verdade! Importam-me pouco as despezas do Sr. Duque, e o livro dellas, mas importam-me os dinheiros publicos! Vinde apresentar uma nova lei para se votar uma nova dotação nacional ao Presidente do Conselho, se intendeis que, nem a primeira votada, nem os grandes ordenados, que mesmo tem recebido, e está recebendo, chegam para as suas despezas, e para pagar os seus serviços; mas não queiram que o Duque de Saldanha, na presença da lei, tenha maiores e melhores direitos que outro qualquer cidadão. O Sr. Ministro, fazendo referencia a ordenados, porque optei em outra época (sempre na conformidade da lei e das resoluções das Camaras) ainda me dirigiu uma insinuação (que boa vontade»!), a qual toda se volta contra o Presidente do Conselho! É a sina destes Srs. Ministros, quando me querem atacar, atacam sempre algum dos seus collegas, ou dos seus primeiros amigos, como ainda hoje hei-de ter occasião de provar em outros pontos. Como militaram por muito tempo debaixo das mesmas bandeiras são réos comigo nos factos por que agora me accusam! Se eu recebi suffisticamente os ordenados de Encarregado extraordinario de Madrid, porque optei, sendo Presidente do Conselho, então sophisticamente recebeu antes o Duque o ordenado de Encarregado extraordinario de Paris! Se a setta me póde ferir a mim, deve ferir primeiro o Presidente do Conselho! Porque não ha-de o Sr. Ministro do Reino explicar a sua grande critica ao exame dos factos, que lhe ministram para accusar-me? Veja S. Ex.ª como accusando-me, accusa o seu collega, com a differença de que eu para fazer calar os gritos da opposição, e para mostrar a minha avareza, cedi desse ordenado (a que tinha aliás direito em vista da resolução das Camaras e em vista das precedentes), e o Sr. Duque de Saldanha dispresou esses gritos da opposição, e para mostrar a sua abnegação recebeu até que foi exonerado. Tende cautela nas accusações que me dirigis, porque farei sempre resvalar as vossas settas contra o vosso peito, ou contra o peito dos vossos amigos.

É imminentemente imprudente trazer para a discussão os moveis do Duque de Saldanha, a parcimonia e modestia com que vive, o seu Par nobre, e muito critico (não digo soberano, porque essa fraze foi retirada), e sobre tudo a historia dos casamentos desprezados! Ha nestes defensores uma falta de tacto incomprehensivel! Eu serei mais prudente, muito embora me julgasse authorisado a entrar nesta discussão pela insinuação dos castellos e jardins feitos pelo Sr. José Maria Grande: sobejas explicações tenho já dado por taes motivos aos meus detractores, Parece-me comtudo que o digno par era a pessoa menos authorisada para poder lançar insinuações desta ordem aos seus adversarios. E por está occasião direi ao digno Par que póde estar certo e descançado de que eu não pertendo succeder aos Srs. Ministros que se acham naquellas cadeiras; esta declaração que já se havia feito, e que S. Ex.ª tomou ironicamente como uma ameaça, satisfez extraordinariamente ao digno Par, a quem asseguro novamente que póde estar descançado de que por mim não ha-de ser privado dos beneficios de que goza; o tambem lhe declaro que para ser, ou deixar de ser Ministro, nunca hei-de proclamar a necessidade de abdicação do Chefe do Estado, mas se uma vez a proclamasse não havia queimar incensos só porque me dessem o que antes não gosava (mui toa apoiados do lado direito).

O Sr. J. M. Grande — Eu peço a V. Em.ª,

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que convide o digno Par a declarar se se allude a mim nas expressões que acaba de proferir.

O orador — Eu vou dizer qual é o meu pensamento.

Corre entre muitas pessoas, que reputo bem informadas sobre os acontecimentos publicos de certa época, que o digno Par sustentára a necessidade da abdicação de Sua Magestade.

O Sr. J. M. Grande — É uma calumnia que se me lança do lado do Sr. Conde de Thomar.

O orador — Oh! Sr. Presidente, pois esta mesma allusão não foi já aqui apresentada pelo digno Par o Sr. Marquez de Vallada?... Foi de certo, e com tudo o digno Par ficou callado.

O Sr. J. M. Grande — Fiquei callado porque não fiz caso.

O orador — Não fez caso?...

O Sr. Marquez de Vallada — Peço a palavra.

O orador — Pois devia fazer caso, o negocio é demasiado serio para delle se não fazer caso.

(Susurro.)

O Sr. Presidente — Eu peço ordem.

O orador — Eu sei que V. Em.ª tem razão, mas ha de considerar que um homem atacado como eu tenho sido, tem todo o direito a defender-se e a redarguir.

(Muitos apoiados do lado direito).

Eu refiro factos, e digo o que por ahi muita gente diz e assevera.

O Sr. J. M. Grande — E eu digo que diz, pelo que me respeita, uma calumnia.

O orador — Pois ha quem diga que o nobre Presidente do Conselho, o Sr. Duque de Saldanha, tinha tido o pensamento de propôr o digno Par para Ministro do Reino, e não levara avante o seu pensamento, por isso que S. Ex.ª insistia no seu projecto da abdicação do Chefe do Estado.

O Sr. J M. Grande — Repito que é uma calumnia.

O orador — Não sei se é, porque eu aqui sou historiador e nada mais.

(Sussurro).

Sr. Presidente, eu fallei no Commando em Chefe do Exercito, porque intendi (e com isto respondo tambem ao digno Par o Sr. Ferrão), que se o Duque de Saldanha não devia continuar no Ministerio da Guerra, pelos mesmos motivos não devia continuar no Commando em Chefe do Exercito, que era uma commissão muito activa, e que demandava muito trabalho e incommodo, e porque considerando-a pelo lado da despeza, não sendo esse cargo uma cousa indispensavel em tempo de paz, intendia que o mais conveniente seria supprimir essa verba que tanto pesava sobre o nosso Thesouro; e tanto mais me parecia conveniente esta suppressão, quando eu estava convencido, que era muito prejudicial ao paiz achar-se á frente do Governo um homem, que por meio de uma revolução havia creado esta situação.

Mas, Sr. Presidente, eu não tinha outro meio de poder fallar no Duque de Saldanha a este respeito, se não chamando-lhe revolucionario, e a fallar a verdade, não sabia que isso fossei um titulo deshonroso e affrontoso para S. -Ex.ª, que em actos officiaes se dá esse titulo! Ahi estão as Notas diplomaticas, e as Ordens do Dia, em que o Duque de Saldanha diz, que para conservar o equilibrio dos poderes politicos appellou para o coração do soldado! É estes documentos, em que o Duque de Saldanha se declara revolucionario, estão assignados por S. Ex.ª mesmo! Pois envergonham-se de que eu refira um facto, que o Sr. Duque de Saldanha considera como o acto mais honroso da sua carreira militar, e como o maior serviço que tem feito á sua patria? Escandalisam-se de que eu leia a primeira pagina da historia da regeneração? Quereis que aquillo que foi deixe de ser, quero dizer, que não tenha existido, o que effectivamente existiu? Provai que o Duque de Saldanha, não se atrevendo a sustentar nesta Camara uma opposição legal, e constitucional, não abandonou a sua cadeira de Par, e não foi proclamar e promover uma revolução militar? Provai que percorrendo toda, ou uma boa parte do paiz, sómente conseguiu revoltar, e com promessas de promoções, dous batalhões! Provai que abandonando do resto do Exercito, e de toda a população, se vio na necessidade de ir estabelecer (fugitivo) o seu quartel-general em Lobios! Provai que não foi por um golpe de fortuna admiravel, não devido a elle, mas á traição daquelles em quem confiava a Administração transacta, que voltou triumphante do estrangeiro! Provai que engolphado nas glorias desse triumpho, não intimou ao Chefe do Estado o circulo dentro do qual havia de escolher os seus Ministros! Provai que não foi por este motivo, que o Duque da Terceira deixou de ser Ministro sem pasta! Provai que não foi então que o mesmo Duque da Terceira, e outras muitas pessoas, aliás respeitaveis, foram rejeitadas, porque tinham pertencido ás maiorias declaradas corrupio pelo Duque de Saldanha! Provai que não houve quem em Portarias vergonhosas considerou o Duque de Saldanha superior á Rainha, porque nellas se ordenava aos Governadores civis, que cumprissem as ordena de Sua Magestade, se o Duque de Saldanha não tivesse mandado o contrario! (Apoiados), Provai tudo isto, e outras muitas cousas, que poderia apontar, e vinde depois dizer que o Duque de Saldanha não é revolucionario, porque o Sr. Ministro do Reino, subindo ao pinaculo da montanha, descobriu nas profundidades da terra Camillos! Aljubarrota! (Riso.)

Foi na descri peão destes horrendos bichos, que o Sr. Ministro do Reino mereceu o riso dos ouvintes! S. Ex.ª intendeu que me havia sepultado nas profundidades da terra! Vamos com toda a singeleza á discripção do horribile monstrum.

Camillos = foi uma associação patriotica e politica, organisada em 1835 em opposição ao systema de administração, e de politica dos Ministerios da direita — os seus adversarios deram-lhe o nome dos = Camillos = porque celebrava as suas sessões no convento da extincta ordem dos Camillos, outros por irrisão chamavam-lhe = Camellos = mudando o em e, e assim o fez tambem com a sua costumada graça o Sr. Ministro do Reino E não ha duvida que S. Ex.ª conseguiu promover a hilaridade! Eu tambem me ri, e tudo isto prova que os homens muitas vezes se riem de frioleiras!... Aquelle epitheto era, como outros muitos da moda naquelle tempo! O partido politico, que era combatido por aquella associação denominava-se = Chamorro, ou devorista! Não creio que o titulo de Camillos, ou Camellos, chamorro ou devorista podessem servir para desconsiderar um, ou outro partido.

Mas quem eram esses Camillos, ou Camellos que mereceram ser objecto dos sarcasmos, e do rediculo do Sr. Ministro do Reino? Eram alguns homens despresiveis, e insignificantes? Peço licença á Camara para lêr alguns nomes desses insignificantes! Eu quero que o Sr. Ministro do Reino, depois desta leitura, venha ainda fallar em Camillos; e isto para provar que o Duque de Saldanha não é revolucionario! (Riso). Veremos com que razão o Sr. Ministro do Reino pertendeu lançar o ridiculo sobre pessoas respeitaveis, e até sobre alguns dos seus Íntimos amigos! (Apoiados). E veremos se depois de eu mostrar, que hoje se acham muitos desses caracteres respeitaveis apoiando o nobre Ministro, não tem S. Ex.ª direito, e não tenho eu razão, para o considerar o Chefe dos Camellos, ou Camello-mór (Riso prolongado).

Eis-aqui os nomes de alguns Camellos que pertenceram a essa sociedade politica: Abel Maria Jordão, Advogado.

Agostinho Albano da Silveira Pinto, Conselheiro.

Antonio César de Vasconcellos Corrêa, Brigadeiro.

Antonio Pereira dos Reis, Official da Secretaria da Justiça.

Antonio José de Lima Leitão, Medico e Lente.

Antonio do Nascimento Rosendo, Official-maior Contadoria de Marinha.

Antonio Ferreira Borralho, Deputado.

Anselmo José Braamcamp, proprietario e Senador.

Basilio Cabral Teixeira de Queiroz, membro do Supremo Conselho de Justiça.

Barão de Villa Nova de Foscôa, Ministro de Estado honorario.

Barão da Ribeira de Saborosa, Presidente do Conselho, e Deputado.

Conde do Tojal, Ministro de Estado. Barão de Noronha, Deputado.

Caetano Xavier Pereira Brandão, Desembargador, e Deputado.

Custodio José Teixeira Braga, negociante.

Conde das Antas, General, e Par do Reino.

Conde de Lumiares, idem.

David Cordeiro de Araujo Feyo, negociante.

Duarte Ferreira Pinto Basto, contractador do tabaco.

Francisco Antonio Gonçalves Cardozo, Official de Marinha.

Francisco de Borja Carvalho e Mello, Deputado.

Francisco Pedro Limpo, Official de Marinha.

Francisco Soares Caldeira, Governador civil, e Deputado.

Francisco de Assis de Carvalho, Medico.

Gualter Mendes Ribeiro, Coronel, e Deputado.

Guilherme Quintino de Avellar.

Ignacio Pisarro de Moraes Sarmento, Deputado.

João Pedro Soares Luna, Coronel.

João Gualberto de Pina Cabral, Desembargador, e Deputado.

J. B. de Almeida Garrett, Desembargador, e Par do Reino.

Joaquim Pedro Celestino Soares, Official de Marinha, e Deputado.

N. B. A este espero eu que o Sr. Ministro não continuará a chamar Camello (Riso).

Joaquim Dias Torres, Contador de Marinha.

José Liberato Freire de Carvalho, Deputado.

José Osorio de C. Cabral e Albuquerque, Tenente-general.

José Fortunato Ferreira de Castro, Deputado.

José Antonio Carlos Torres, Contador de fazenda.

José Pereira Pessoa, membro da Junta do credito publico.

José Alexandre de Campos, Lente e Deputado.

José Henrique Ferreira, Deputado.

José Maria Rojão, Deputado.

José Ferreira Pinto Basto Junior, negociante.

José Maria Esteves de Carvalho Ferreira, Deputado.

José da Costa Pinto Bastos, Deputado. José Caetano de Campos, Desembargador, e Deputado.

José Tavares da Macedo, Deputado.

Julio Gomes da Silva Sanches, Presidente do Conselho, e Deputado.

Lconel Tavares Cabral, Deputado.

Luiz Ribeiro de Sousa Saraiva, membro do Supremo Conselho de Justiça.

Manoel de Sousa Raivozo, General.

Manoel de Vasconcellos Pereira de Mello, Major-general.

Macario de Castro, Deputado.

Vicente Gonçalves Rio Tinto, capitalista, (Barão).

Visconde de Bruges.

Conde de Thomar.

Não quero deixar de mencionar o meu nome, porque me não envergonho de estar ao lado de caracteres tão distinctos. A Camara acaba de ouvir a leitura de parte dos nomes dos individuos que pertenceram aquella sociedade - entre elles se contam Titulares, Pares, Senadores, Deputados, Magistrados, Negociantes e Proprietarios de primeira ordem; pergunto se havia motivo para o Sr. Ministro do Reino se esforçar em ridicularisar aquella associação, e se havia motivo para ir ás profundidades da terra procurar os Camillos? Não viu S. Ex.ª que estava mettendo a ridiculo muitas personagens, que hoje estão ao lado de S. Ex.ª, e que são seguramente das mais distinctas, que apoiam a S. Ex.ª? Um Ministro da Corôa deve ter mais cautela, quando falla nestes assumptos; é sempre fora de proposito que um Ministro da Corôa empregue taes meios, porque perde o direito á consideração, que é mister ter com elle, ao menos pelo logar que occupa (apoiados).

O Sr. Ministro do Reino disse que eu havia entrado novamente pela porta dos Camillos, pela qual antes tinha saído. Fique S. Ex.ª na certeza de que me não envergonho desse passo, porque essa porta dos Camillos se não é formosa, não é deshonrosa, é uma porta por onde sempre entrou e saiu a honra e a lealdade, e nunca saiu nem entrou a traição e a aleivosia!... (Sensação.)

Repito: tenho muita honra de ter pertencido a uma sociedade, a que pertenceu tanta gente notavel; mas como intendeu S. Ex.ª que para provar que o Duque de Saldanha não era revolucionario, era necessario ir desenterrar ás profundidades da terra os Camillos? (Apoiados.)

Reduzidos os Camillos á sua verdadeira significação, descarnado este argumento do Sr. Ministro do Reino, passamos a Aljubarrota, que não só foi um dos favoritos argumentos de S. Ex.ª, mas que já o havia sido de um digno Par o Sr. J. M. Grande.

Vamos a Aljubarrota: esse logar notavel por dois? factos, um grandioso, porque nos traz á lembrança uma pagina brilhante da nossa historia, e dos nossos heroicos feitos, e valor: outro mesquinho, porque é esconderijo de affectos e sentimentos acanhados. Assim o disseram SS. Ex.ªs Sabeis como este facto prova que eu não tinha direito para chamar revolucionario ao Duque de Saldanha? Sabe-o o Sr. Ministro do Reino, mas guardou o segredo!...

No Chão da Feira encontraram-se desgraçadamente de um lado as forças que sustentavam a ordem de cousas proclamada em Setembro de 1836 (o Governo e o Congresso constituinte). Com as forças que se revoltaram para destruir a situação, restabelecendo a Carta, do outro lado.

De um lado commandavam os Marechaes Duque de Saldanha e Duque da Terceira: do outro lado commadava o Conde do Bomfim e Visconde de Sá da Bandeira. Eu exercia uma commissão politica e civil junto do nobre Conde do Bomfim. Houve combate, e sem que a victoria se decidisse clara por nenhum dos lados julgaram os respectivos Generaes, que devia haver um armisticio para vêr se podia combinar-se um accôrdo para evitar a effusão de sangue, e a continuação da guerra, e das despezas publicas.

Foram s nomeados os commissionados: sendo por parte das forças revoltadas os Srs. Viscondes d'Athoguia e Monto Pedral, e por parte das forças do Governo o Sr. Engenheiro Guerra, e o que tem a honra de fallar: os primeiros apresentando-se com poderes assignados pelo Sr. Duque de Saldanha — nós com poderes assignados pelo Sr. Conde do Bomfim.

Na melhor harmonia os commissionados conferiram, e reconheceram que os seus poderes impunham aos primeiros a obrigação de exigir o restabelecimento da Carta pura; aos segundos a obrigação de sustentar a situação, até que as Cartes resolvessem. Nada se accordou por este motivo, que encontrou o Sr. Ministro do Reino de deshonroso para mim neste negocio? (Apoiados.)

Cada um dos Generaes julgou que devia ser fiel á missão de que estava encarregado: os commissarios não podiam ultrapassar os seus poderes. Pergunto novamente o que ha aqui de deshonroso para mim, que de mais a mais tinha instrucções, a que necessariamente me havia de ligar? Como é que S. Ex.ª viu nas profundidades da terra Aljubarrota para me offender? Pergunto aos Srs. Conde do Bomfim e Visconde de Athoguia, será isto verdade? (Signaes afirmativos.) Mas os commissionados do Duque propunham o restabelecimento da Carta, ficando os seus contrarios com os empregos e com o poder, e até se compromettiam a sair do reino, e vós não acceitastes! Não! porque não podia acceitar em vista de minhas instrucções, nem devia acceitar, porque basta ouvir a proposta para que um Juiz, ainda não muito atilado, lhe conheça o alcance!...

Eis-aqui o que significa essa Aljubarrota historica que S. Ex.ª proferiu com signaes de profunda admiração! E agora pergunto, como prova tudo isto que o Duque de Saldanha não foi revolucionario, e que eu devo antes merecer esse titulo? Em Aljubarrota eu sustentava a situação apoiada não ha duvida então pelo Governo, Côrtes e nação, o Duque de Saldanha era revolucionario! É necessario convir que defensores desta ordem se não tem o fim de comprometter o seu cliente, mostram grande falta de tacto! Escolha o Sr. Ministro do Reino. Deixo a escolha a S. Ex.ª…

Quanto á restauração da Carta, não ha duvida que eu dirigi a revolução de 1842, tenho explicado este facto muitas vezes, e não devo cançar a Camara com repetição do que já disse. Admiro comtudo, que o Sr. José Maria Grande que defendeu alguns annos aquella restauração, e os seus homens, e por uma fórma que pode ser attestada por um seu visinho; que sustentou que ella se achava feita no coração de todos os portuguezes; viesse agora censurar essa mesma, e tirar dahi argumento para dizer que o Duque de Saldanha não foi revolucionario! E que este titulo me pertence de preferencia!

Quanto ao Sr. Ministro do Reino, direi sómente que inimigo, na vespera, da restauração da Carta, no dia seguinte era o primeiro a colher os fructos dessa restauração, obtendo o alto encargo de Conselheiro de Estado!

Percebo perfeitamente que o Sr. Ministro do Reino, trazendo para a discussão estes actos passados, teve em vista mostrar que eu modifiquei em parte as minhas opiniões politicas. Não comprehende o nobre Ministro, que não póde isso ser deshonroso? E se o fora, não vemos nós por ahi um grande numero de camalliões politicos, que mudam inteiramente de opiniões politicas todos os oito dias, todos os mezes, todos os annos, e sempre em proveito proprio? Quer S. Ex.ª que eu entre nesse campo? Se pertendeis dizer que no Chão da Feira eu estava no campo contrario á restauração da Carta, e que depois a restaurei, não vedes que vos accusais a vós mesmos, porque tendo estado no Chão da Feira, do lado da restauração da Carta, depois vos tendes revolucionado contra esta por mais de uma vez? Deixai essas miserias, que nos compromettem, e que em todo o caso não provam, que o Duque de Saldanha não é revolucionario (apoiados).

Não vedes hoje reunidos os homens da antiga direita, com os da antiga esquerda? Não vedes os de Campo de Ourique com os de Belem? Não vedes os. do Chão da Feira de braço dado? Não vedes os de 6 de Outubro com os da Junta do Porto? Para que vindes então lançar em rosto uma modificação feita uma vez, quando vós tendes mudado completamente muitas vezes? (Apoiados.) Tudo julgais ser-vos permittido, e nada quereis conceder aos outros! Julgais que os mesmos factos são virtudes em vós, e crimes nos outros (repetidos apoiados). Acabai com esta maneira de responder á opposição, e vede que tudo quanto tendes dito para me desconsiderar não prova que o Duque de Saldanha não é revolucionario (riso).

Devo francamente confessar que me admirei de que o Sr. Ministro do Reino, contra o seu costume, descesse a este campo, tanto mais que eu lhe não havia dado o menor pretexto para tal procedimento, a Camara se lembrará de que o Sr. Ministro reconheceu que nenhum aggravo pessoal tinha a reivindicar, porque eu pessoalmente o não havia offendido! É realmente para estranhar que o nobre Ministro com o unico fim de satisfazer aos que lhe passaram as notas das lembranças, com que me atacou, viesse trazer discussão factos de tão antiga data, respondidos tantas vezes, e que por certo não provam que o Duque de Saldanha não é revolucionario.

Continuarei dizendo ao Sr. Ministro do Reino, que tendo S. Ex.ª declarado que nunca tinha visto a Ordem do dia, reconhecida pelo titulo = do restabelecimento dos poderes politicos pelas bayonetas =

(O Sr. Ministro do Reino — Perdoe-me o digno Par, eu creio que disse que a vi uma vez, não disse que nunca a tinha visto, aqui ha de estar no meu discurso, que ainda não foi por mim corrigido.)

O Orador — Seja o que S. Ex.ª quizer, não é essa a questão principal. Parece-me que S. Ex.ª não tem rasão em a classificar como um daquelles boletins de Napoleão, em que este grande homem appellava para o coração dos seus soldados, a fim de obter os grandes triumphos, com que fez a admiração do mundo: S. Ex.ª quer que a ordem do dia seja muito louvavel, porque ninguem póde sustentar que se não deva appellar para o coração do soldado, quando é necessario combater os inimigos externos, defender a independencia nacional, e o decoro da patria. Eu passo a ler a S. Ex.ª a mesma ordem do dia (leu). Já S. Ex.ª vê que em quanto no primeiro periodo se sustentão os bons principios e as suas doutrinas, no segundo periodo se sustenta uma doutrina inteiramente revolucionaria, porque ahi se diz que logo que o Duque de Saldanha, ou outro qualquer General, um Sargento mesmo intender que tem desapparecido o equilibrio dos poderes politicos, se póde appellar para o coração do soldado, a fim de conseguir o restabelecimento desses mesmos poderes politicos (apoiados). É esta sem duvida a consequencia que se tira da excepção que se contém no segundo periodo. Quem ha de ser o juiz competente para julgar, e decidir que não existe o equilibrio dos poderes politicos? Applique S. Ex.ª a doutrina á revolução feita pelo Sr. Duque de Saldanha, e é para a justificar que vem tal doutrina na ordem do dia. Os poderes do Estado funccionavam com a maior regularidade. Existia um Governo que merecia a confiança do Chefe do Estado, que era apoiado por duas fortes maiorias, mas não mereceu depois de certa época a confiança do nobre Duque de Saldanha, ficaram por isso desequilibrados os poderes politicos? Podia o Duque de Saldanha julgar-se com direito a appellar para o coração dos soldados, a fim de destruir a situação constitucional que existia? Vede bem o que respondeis, porque se respondeis affirmativamente, daes direito a proceder pela mesma fórma. Não confessastes já que o Duque, reduzido por mim á miseria, se viu obrigado, para conquistar os cargos de que foi dimittido, a lançar mão da revolução? Approvaes tambem esta doutrina? Vede bem, ámanhã qualquer individuo, que por vós seja dimittido, terá o mesmo direito, e até para classificar de corrupto o Duque de Saldanha, como elle classificou o Ministerio de 18 de Junho (apoiados), Sr. Presidente, a historia contemporanea vai-se esclarecendo; foi para interesses particulares do Duque de Saldanha que elle fez promessas aos officiaes do exercito, que faltaram aos seus deveres. Eu tenho no meu poder um documenta assignado pelo Duque de Saldanha, no qual confessa que a primeira promoção feita no Porto se effeituou, porque foi necessario satisfazer promessas, e que a promoção monstro foi indispensavel para adoçar os officiaes que pelas intrigas dos Cabraes, e por que se achavam preteridos, se haviam tornado inimigos da regeneração. Não venham ainda alardear com as sympathias do exercito Documentos destes devem envergonhar a quem largou os debates legaes, para seduzir com promessas o exercito (apoiados).

É realmente espantoso observar como o nobre Ministro do Reino navegou desassombrado em apreciação da situação financeira durante a Administração de 18 de Junho! Eu sinto profundamente que o meu antigo collega da Fazenda, o Sr. Ávila, não esteja hoje occupando a sua cadeira de Deputado. Elle reconheceria como os

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mesmos homens, que a ella recorreram por necessidade, e porque não acharam, pessoa tão habilitada para desempenhar uma alta commissão, aproveitam a occasião da sua ausencia para alcunhar de miseravel a sua gerencia financeira! Elle reconheceria que os mesmos que se calaram na sua presença, aproveitam agora a sua ausencia para fazer accusações immerecidas, e inteiramente falsas. Não tenho forcas bastantes para entrar neste importante debate. Formais de uma vez tenho declarado no Parlamento que me não tenho dado ao estudo dos detalhes da nossa fazenda as minhas applicações tem-se virado para outros objectos: demais, eu tenho sempre tido por collegas naquella pasta homens de inteira confiança: a Camara ha-de lembrar-se de que o Sr. Ávila por mais de uma vez tem declarado que o Presidente do Conselho do Ministerio de 18 de Junho o deixára em a mais plena liberdade sobre negocios de fazenda, chegando até a dizer que por taes negocios a responsabilidade era toda sua, o que eu não poderia nunca admittir, muito embora convenha em que a gloria das boas medidas lhe pertença exclusivamente, porque foram pensamento seu, (Vozes — Muito bem.)

Eu não esperava realmente, que tendo-se os Srs. Ministros callado na presença do Sr. Ávila aproveitassem a sua ausencia para o combater (apoiados).

Se não tenho, como já disse, conhecimento de todos os detalhes precisos para responderás accusações do Sr. Ministro do Reino, irei procura-los nos discursos do meu nobre collega, será elle nesta discussão o meu mestre, e o meu guia, e espero, com tão poderoso auxilio, mostrar a pouca exactidão, e improcedencia de taes accusações. Eu passo portanto a entrar nesta questão...

Sr. Presidente ouço dizer a alguns dos dignos Pares, que se sentam proximos a mim, que já deu a hora; neste caso eu não quero cançar a Camara por mais tempo, mas tenho a ponderar que o objecto a tractar é importante, e que ainda me occupar o bastante tempo; por este motivo, e até porque tambem estou muito cançado, não terei duvida em guardar a palavra para a sessão seguinte se V. Em.ª e a Camara convierem, alias continuarei hoje mesmo (Vozes — Não, não)

Bem continuarei na sessão seguinte.

O Sr. Ministro do Reino — Desde que o digno Par affirma que está fatigado, seria uma violencia não se annuir a que S. Ex.ª fique com a palavra reservada; além de que a hora está muito adiantada, como reconhecem todos os dignos Pares (apoiados).

O Sr. Marquez de Vallada — Eu é que pedi a palavra para fazer ainda hoje uma breve pergunta ao Sr. José Maria Grande.

O Sr. Presidente — Se é muito breve, e a Camara consente... (Vozes — Falle, falle). Tem a palavra.

O Sr. Marquez de Vallada — Eu não tinha tenção de fallar sobre o objecto que se discute, por intender que podia guardar silencio, e prestar o meu voto a favor do projecto; por isso que o reputo simplicissimo, lamentando entretanto que o meu illustre amigo, Presidente do Conselho, tenha sido trazido para a discussão, em que me não -parece que podesse entrar a sua pessoa, como não desejava que entrasse nunca.

Pedi pois a palavra por isso que quando fallava o Sr. Conde de Thomar, dirigindo-se ao Sr. José Maria Grande, e fazendo referencia a um dito meu, alguem que estava ao meu lado me disse, que S. Ex.ª tinha usado de uma expressão, que eu vejo que me obriga a pedir a devida explicação a S. Ex.ª com aquella cortezia que compete a um Par do Reino.

Eu não tinha provocado o digno Par, desejo que S. Ex.ª agora declare se a expressão offensiva que alguem lhe attribue se referia a mim, pois nesse caso eu terei de fazer considerações serias e graves, e conforme a resposta de S. Ex.ª será o procedimento que intenda dever adoptar. Aguardo a explicação de S. Ex.ª

O Sr. José Maria Grande — Devo dizer ao digno Par, que realmente proferi aquella expressão, isto é, eu disse que então não tinha feito caso. Foi a expressão que soltei, e por consequencia não a nego, nem a retiro, mas a explicação que dou ao digno Par muito leal e cavalheiramente, é que com aquella phrase eu não tive em vista desconsiderar o digno Par que não se referiu a mim directamente, nem empregou no que então disse o tom aggressivo que foi empregado pelo Sr. Conde de Thomar. É esta a explicação que tenho a dar.

O Sr. Marquez de Vallada — Estou completamente satisfeito com a explicação cavalheirosa que o digno Par acaba de me dar.

O Sr. Presidente — Continua a mesma ordem do dia na segunda-feira. — Está levantada a sessão.

Eram quasi seis horas.

Relação dos dignos Pares presentes na sessão de 9 do corrente.

Os Srs. Cardeal Patriarcha; Silva Carvalho; Marquezes de Fronteira, das Minas, e de Vallada; Arcebispo Bispo Conde; Condes da Arrochella, do Bomfim, do Farrobo, de Fonte Nova, da Louzã (D. João), de Mello, de Peniche, da Ponte, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, de Thomar, e de Vimioso; Bispos de Bragança, e de Vizeu; Viscondes de Algés, de Athoguia, de Balsemão, de Benagazil, de Castro, de Fonte Arcada, de Fornos de Algodres, dó Francos, de Laborim, de Nossa Senhora da Luz, de Monforte, de Ovar, e de Sá da Bandeira; Barões de Chancelleiros, de Pernes, de Porto de Moz, e da Vargem da Ordem; Mello e Saldanha, Pereira Coutinho, D. Carlos Mascarenhas, Sequeira Pinto, Ferrão, Aguiar Larcher, Guedes, Eugenio de Almeida, José Maria Grande, Duarte Leitão, Brito do Rio, Fonseca Magalhães, e Aquino de Carvalho.

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