O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

790

CAMARA DOS DIGNOS PARES.

EXTRACTO DA SESSÃO DE 9 DE JUNHO.

Presidencia do Em.mo Sr. Cardeal Patriarcha.

Secretarios – os Srs.

Conde de Mello.

Conde da Louza (D. João).

(Assistia o Sr. Ministro do Reino; e entraram depois os Srs. Ministros, da Fazenda, e da Marinha.)

Depois das duas horas e meia da tarde, tendo-se verificado a presença de 44 dignos Pares, declarou o Em.mo Sr. Presidente aberta a sessão. Leu-se a acta da antecedente contra a qual não houve reclamação.

O Sr. Presidente participou, que a Deputação encarregada de apresentar á Real Sancção os Decretos de Côrtes Geraes (n.ºs 165, 166 e 167) fóra por El-Rei Regente recebida com a sua costumada benevolencia.

À Camara ficou inteirada.

O Sr. Secretario Conde de Mello deu conta da seguinte correspondencia:

Um Officio do Ministerio do Reino enviando o Decreto Real, que proroga as sessões das Côrtes até 30 do corrente mez.

Para o archivo.

Em continuação leu o seguinte Decreto:

«Usando da faculdade que Me confere a Carta Constitucional da Monarchia no artigo 74.° §4.°, depois de Ter ouvido o Conselho de Estado nos termos do artigo 110. da mesma Carta: Hei por bem, em Nome de El-Rei, prorogar as Côrtes Geraes da Nação Portugueza até ao dia 30 do corrente mez.

O Presidente da Camara dos dignos Pares do Reino, assim o tenha intendido para os effeitos convenientes.

Paço das Necessidades, em oito de Junho de mil oitocentos cincoenta e cinco. = REI Regente. = Rodrigo da Fonseca Magalhães.»

Um officio da Camara dos Srs. Deputados, acompanhando uma proposição de lei sobre a abolição de morgados e capellas.

Ás commissões de legislação e administração publica.

ORDEM DO DIA.

Continúa a discussão pendente do parecer n.° 229.

O Sr. Presidente — Tem a palavra para uma explicação, o Sr. Visconde de Sá, que a pediu quando estava faltando o Sr. Ministro do Reino.

O Sr. Visconde Sá da Bandeira não tencionava fallar nesta questão; mas como, por duas vezes, o Sr. Conde de Thomar se referiu a elle, orador, e depois o Sr. Ministro do Reino, pareceu lhe necessario dizer alguma cousa, e é o que vai fazer.

Começou por dizer, ainda que incidentalmente, que approva o projecto que está em discussão: e passando restrictamente ao objecto da sua explicação, disse que n'outra occasião expressou a opinião de que era conveniente que, quando o Senhor D. Pedro V tomasse as redeas do Governo, houvesse pelo mesmo tempo uma nova Camara de Deputados, para que Sua Magestade, por intervenção dos eleitos do povo, podesse melhor conhecer quaes eram os desejos, e opinião do paiz. Por essa mesma occasião, observou o orador, que tambem tinha dito que convinha, para esse fim, melhorar a Lei eleitoral; attendendo, porém, a que a sessão actual está muito adiantada, e que portanto não é possivel discutir-se uma Lei eleitoral, que lhe parecia conveniente que no intervallo da sessão, o Sr. Ministro do Reino nomeasse uma commissão expressamente para preparar o projecto de lei, mas uma commissão que offerecesse todas as garantias de que havia de attender a que a eleição fosse perfeitamente livre, e frita com toda a legalidade; podendo a mesma commissão ser tirada dos membros de ambas as Camaras, tanto dos que votam a favor do Governo, como daquelles que lhe fazem opposiçao, pois está persuadido que, para um caso de tanta importancia, os cavalheiros que fazem opposiçao ao Governo, sendo por elle escolhidos, se haviam prestar ao serviço do paiz. Que sendo -principalmente isto o que tinha a dizer, limitava a estas poucas palavras a explicação que linha a dar, a qual esperava que os Srs. Ministros tomariam na consideração que merecesse. (O Sr. Conde de Thomar — Muito bem, muito bem.)

O Sr. Ferrão - Sr. Presidente, é restrictamente como membro da commissão especial, que tomo a palavra nesta questão. Não divagarei portanto pelos variados objectos que teem entrado na mesma questão, porque intendo que elles não vêem -a proposito.

«O tempo Sr. Presidente, disse o digno Par que se senta daquelle lado (o esquerdo), e que defendeu o projecto, o tempo é um elemento indispensável para toda a actividade humana; para todo o melhoramento social» — é uma verdade que todos conhecemos, que todos sentimos; o tempo é, portanto, a cousa mais preciosa de que o homem póde usar, e o seu desperdicio a maior das prodigalidades que se podem praticar.

Nesta discussão, Sr. Presidente, tem-se desperdiçado muito tempo. Discursos prodigiosos teem occupado esta Camara, ha tres cessões; e a origem do desvairado caminho que tem tomado a questão, que tem levado a discussão até esta altura foi o digno Par o Sr. Conde de Thomar, que teve a habilidade parlamentar de arrastar os Ministros da Corôa a este terreno.

Não faço, Sr. Presidente, uma censura ao digno Par, porque, segundo as suas intenções na posição em que se acha, usou dos seus recursos, dos seus talentos, para preencher o fim que tinha em vista; mas não posso deixar de a fazer aos dignos Pares, e aos Srs. Ministros da Corôa, porque vieram combater ás trincheiras do Sr. Conde de Thomar, e o não esperaram nas suas, que eram restrictamente as do projecto de lei que se discute. Não os releva o dizerem que fora o Sr. Conde de Thomar que os provocou. À provocação póde attenuar a falta, mas não a justifica. Sendo esta a minha convicção, Sr. Presidente, não entrarei, como disse, nos variados pontos, que se tocaram. Muito teria a dizer; muito teria a reflexionar, já para apoiar o Sr. Conde de Thomar em algumas das1 suas verdades irrespondiveis, já para o combater em muitos de seus argumentos, por menos conformes á verdade e á razão. Teria mesmo a combater os Srs. Ministros da Corôa a respeito de muitas proposições menos exactas, que apresentaram; mas não é este o meu proposito.

Um grande sophisma foi a base de toda a opposiçao levantada pelo Sr. Conde de Thomar. Um grande sophisma!... Penso, Sr. Presidente, que o digno Par se não offende do emprego desta expressão. (O Sr. Conde de Thomar — Não), porque na verdade, para haver de tudo, até um dos muitos objectos, que mereceram as honras da discussão, foi a significação de sophisma!... Foi a rehabilitação ou regeneração dessa palavra! Todavia, desde o nosso Philologo Bluteau até ao diccionario universal francez, restava essa palavra na posse pacifica de ter uma significação innocente. A má, ou offensiva, significação só podia estar na intenção de quem com mau proposito a empregasse. Esse grande sophisma, Sr. Presidente, produzido pela habilidade parlamentar do Sr. Conde de Thomar, foi uma base falsa de argumentação, com que o digno Par deslocou a questão do seu restricto objecto.

Foi-lhe necessario para a collocar nó terreno em que a pertendia abstrair das partes geraes, e preceptivas do projecto, para uma parte facultativa, que se encontra na segunda parte do artigo 3. do mesmo projecto; foi-lhe necessario pôr em relevo a excepção, e fazer desapparecer as regras que aqui se encontram; foi-lhe necessario, finalmente, converter o projecto, de permanente que é, nas suas determinações obvias, naturaes, simples, em transitorio, tomando, para esse fim, sómente uma disposição meramente eventual.

Mas não bastava este sophisma ao digno Par; era necessario ainda mais alguma cousa; e por outro sophisma, descarnado o projecto de todas as suas determinações preceptiveis, para unicamente ficar a parte facultativa do artigo 3.°, era-lhe necessario personalisar o mesmo artigo nesse ponto, e então personalisou — viu nelle escripto o Sr. Duque de Saldanha, actual Presidente do Ministerio.

O sophisma, porém, era muito grande, para poder convencer um só instante.

O Sr. Conde de Thomar, com a mesma habilidade que o caracterisa, passou a destruir a objecção, que naturalmente lhe offerecia a letra clara, expressa, do artigo 1.º, 2.º e mesmo 3.º, e como?... Confessando a verdade que lá estavam essas disposições, esses preceitos; mas dizendo ao mesmo tempo, que não eram mais que um disfarce, para occultar o pensamento dominante da proposta do Governo. Eis-aqui o ponto a que vou trazer a questão, e donde vem a necessidade que me «briga a tomar a palavra.

Se é um «disfarce, como o digno Par por mais de uma vez repeliu, disfarce é um engano, uma burla, uma falsidade, uma mentira, uma impostura, tem, em fim, todos os synonymos que se lhe podem apropriar; e então, de duas uma; ou a commissão especial se deixou burlar pela proposta do Governo, ou a commissão é cumplice nessa burla: se é cumplice nessa burla, a imputação é muito grave; se se deixou burlar, ainda o seu procedimento é digno de censura, porque uma commissão especial nomeada por esta Camara, devia neste objecto corresponder á confiança, que a mesma Camara lhe deu, e esta, vá por isso constituida na precisa obrigação de ver tanto e tão claro como vio o Sr. Conde de Thomar.

Mas não é só isto. Podia esse pensamento, essa burla, estar na cabeça dos Srs. Ministros, na sua intenção original; mas desde que a proposta foi apresentada na Camara dos Srs. Deputados, e por ella convertida era projecto de lei, se ha burla, já não está na proposta do Governo, está no projecto de lei que se discute; e então, ou a Camara dos Srs. Deputados quer burlar esta Camara, ou se deixou burlar pelo Governo.

Pois, Sr. Presidente, a commissão especial examinou muito reflectidamente este objecto; considerou-o para todos os lados porque o podia considerar; viu todo o merecimento das regras, que o projecto contém; viu todo o alcance que podia ter a excepção que no mesmo projecto se encontra; mas a commissão, admittindo a possibilidade, a realidade mesmo, da intenção dos Srs. Ministros da Corôa na proposta que fizeram á Camara dos Srs. Deputados, não confundiu o motivo occasional da mesma proposta com os motivos que poderiam ter os Srs. Deputados, adoptando essa proposta, e com os que esta Camara póde, ter approvando o projecto de lei, em que a mesma proposta foi convertida.

Podem os Sr. Ministros estar convencidos de que é altamente politica e necessaria a conservação do Sr. Duque de Saldanha, como Presidente do Ministerio, mesmo sem pasta; mas podem os dignos Pares mesmo approvando este projecto, não verem esta personagem na sua intenção, e terem outra muito diversa.

E porque não, Sr. Presidente? Porque ha-de ser o Sr. Duque de Saldanha a personagem que hão-de ter as Camaras legislativas na sua intenção?... Na possibilidade do alcance da medida facultativa, que se impugna, e nos calculos de cada um de meras probabilidades, porque não ha-de ser o Sr. Duque da Terceira?... Porque não ha-de ser V. Em.ª (riso), ou outro cavalheiro distincto que aqui se encontre?... Pois não é possivel que V. Em.ª seja Presidente do Conselho, sem pasta?... (Apoiados). Não tem V. Em.ª virtudes, e probidade para o ser?... (Muitos apoiados). Pois os negocios do Patriarchado poderiam deixar-lhe tempo, para a gerencia de uma pasta?... Se a modestia de V. Em.ª o não consente, não o julgo eu assim (muitos apoiados).

Mas este objecto não competia aprecia-lo a commissão; livre o Poder moderador na sua escolha, a commissão devia abster-se de fazer supposição alguma. Nem uma palavra se disse a este respeito ha commissão (apoiados), com quanto nos tivessemos na nossa intelligencia todas as probabilidades; porque este não era o nosso fim. Nós, Sr. Presidente, considerámos a respeito desta lei, aquillo, que intendo, que deve considerar toda e qualquer commissão, que examina um projecto de lei vindo da outra Camara, ou uma proposta de lei que tenha iniciativa originaria nesta Casa; digo, satisfizemos áquella obrigação que devemos sempre satisfazer, em igualdade de circumstancias, examinando como preliminar, se o projecto repugnava aos principios constitucionaes consignados na Carta. Por este lado ninguem impugnou o projecto; nem eu me cançarei em o justificar. — Felizmente não ataca, nem a independencia ou divisão dos poderes politicos, nem as garantias individuaes do cidadão.

Outra questão prévia a examinar, com relação a todo e qualquer projecto, mas que muitas vezes se desconhece, Sr. Presidente, no exame das propostas e projectos do lei, é se o seu objecto e justo; nem tudo que é justo se legisla; porque não se deve legislar do que é justo senão aquillo que é necessario á sociedade, mas tudo o que se legisla, ha-de ser essencialmente fundado na justiça (apoiados): logo a segunda questão prévia a examinar era se o projecto offendia os principios da justiça.

Em que são elles ofendidos? A commissão não vi o em que: e tambem por este lado ninguem o impugnou. Pelo contrario nelle se consigna virtualmente uma distincção, em relação aos negocios, que pertencem á Presidencia do Conselho de Ministros, que é um progresso, para destruir conforme á justiça, um grande erro, ou banalidade, que se repete muitas vozes, tanto dos bancos do Ministerio, como das cadeiras dos dignos Pares, e é a responsabilidade ministerial; solidaria; porque ella não existe, nem póde existir, em termos absolutos, como repugnante aos principios de justiça proclamados na mesma Carla.

Sr. Presidente, se as penas não podem passar da pessoa do delinquente, nenhum Ministro póde responder pelos actos de traição ou abusos do poder, commettidos pelos seus collegas, o só podem ser responsaveis, ou pelos diplomas que referendarem, ou pelos actos que praticarem nas respectivas repartições a seu cargo, ou pelos negocios resolvidos, que são das attribuições do Conselho dè Ministros.

Estes principios estão consignados em todas as constituições, que tenho podido percorrer; o ena nenhuma encontro a tão apregoada responsabilidade solidaria: entretanto, ouvi-a repetir nas sessões passadas pelo Sr. Ministro da Fazenda, e o Sr. José Maria Grande.

Não é possivel, Sr. Presidente, não ha Juiz que vendo accusado um Ministro por um acto criminoso, podesse condemnar algum dos collegas do mesmo Ministro; e portanto a responsabilidade solidaria em termos absolutos, como--disse, é insustentavel, é um absurdo.

O Sr. José Maria Grande — Tracta-se da responsabilidade politica.

O orador — O digno Par não restringiu a expressão com o caracteristico de politica; e politico é tudo o que respeita á Administração publica.

A pratica do Parlamento vai perfeitamente de accôrdo a respeito do que digo sobre a responsabilidade solidaria dos Ministros da Corôa,

Quando algum digno Par pertende interpellar, ou chamar a attenção dos Ministros sobre determinado objecto, espera-se que esteja presente o da repartição competente.

Discute-se um objecto sobre Marinha, ou sobre Fazenda, espera-se que esteja presente o Sr. Ministro da Marinha ou da Fazenda, e a Camara consente, resolve mesmo, que se sobresteja na discussão até que elle compareça, se algum outro não declara que assume a responsabilidade do negocio, e se presta a responder. É isto o que estamos presenceando todos os dias, nem é natural, nem é moralmente possivel outra cousa.

Agora nos objectos de Conselho de Ministros, ou de politica, onde Administração geral, em que tem sido, ou em que deve ser, ouvido o Conselho de Estado, nos termos da Carla, deve haver responsabilidade solidaria dos Ministros, porque todos, se co-réos, são culpados do mesmo crime, se ha abuso.

E digo mais; vou mais longe; porque na mesma responsabilidade solidaria dos negocios politicos, na accepção rectificada pelo. Sr. José Maria Grande, ou em que se não tracta de materia respectiva em particular a alguma das Secretarias de Estado, mas sim dos negocios geraes, em que se manifesta, e em que domina o pensamento politico do Governo, tomado geral e collectivamente, o Presidente do Conselho, como chefe desta corporação moral, póde ter um grão de imputação maior do que os seus collegas; e eu apresento um exemplo.

Quando os ministros de Carlos 10.º foram accusados de traição pelas celebres ordenanças de Julho, que todos elles referendaram, foram todos condemnados pela Camara dos Pares a prisão perpetua, mas distingue-se a condemnação a respeito do Principe de Polignac, Presidente do Conselho; sendo para este declarados os effeitos da morte civil, e para os outros sómente os effeitos da interdicção legal.

Escuso de explicar á Camara a differença que vai da primeira á segunda aggravação. Basta dizer que o Presidente do Conselho foi punido mais severamente que os seus companheiros.

Portanto, póde haver responsabilidade ministerial solidaria, mas em geral, a responsabilidade ministerial não é solidaria, mas sempre individual. O contrario seria uma grande injustiça, e uma inconstitucionalidade.

Fique-se, pois, bem intendendo, de uma vez para sempre, em vista da justissima distincção, que se estabelece virtualmente no projecto de lei, que os Ministros de Estado, são todos par um, e dm por todos responsaveis nos negocios geraes e communs, mas que em todos os mais, outra cousa não ha, nem póde haver mais, que a responsabilidade de cada um dos Ministros individualmente, para que asfsim a censura ou accusação vá a quem tocar (apoiados).

Mas vós não vistes, disse-se (por estas palavras», ou outras, que exprimem a mesma idéa), qf$, neste projecto vai uma insinuação ao Poder mP derador, para que, no novo reinado, recaia a applicação da excepção no Sr. Duque de Saldanha?