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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

EXTRACTO DA SESSÃO DE 5 DE JUNHO DE 1856.

Presidencia do Em.mo Sr. Cardeal Patriarcha.

Secretarios – os Srs.

Conde da Louzã (D. João).

Brito do Rio.

Depois das duas horas da tarde, tendo-se verificado a presença de 46 Dignos Pares, declarou o Em.mo Sr. Presidente aberta a sessão. Leu-se a da antecedente, que não leve objecção. Não houve correspondencia.

O Sr. Conde de Thomar — Bem sabe que clamou no deserto, entretanto não póde deixar perder esta occasião sem novamente fazer chegar ao conhecimento do Sr. Presidente do Conselho, que todas as conveniencias reclamam que S. Ex.ª se apresente nesta Camara para a informar dos motivos que deram logar á demissão do Ministerio, e de qual é o estado do paiz, e do em que se acham os negocios quanto á formação do novo Ministerio.

São estas as praticas seguidas em todos os paizes constitucionaes (apoiados); são attenções que todos os Ministerios cahidos tem para com os Paramentos; e não lhe parece que na situação em que Portugal se acha devam estas praticas deixar de ser seguidas. Se porém outro precedente se quer estabelecer; estabeleça-se muito embora, mas saiba-se quem é que o estabelece; fique isso consignado, e saiba-se que elle orador desde já condemna, e com todas as suas forças, um similhante procedimento.

O Sr. Presidente — Se o Digno Par quer fazer alguma proposta pelos termos regulares queira manda-la por escripto para a Mesa.

O Sr. Conde de Thomar — A proposta é de convite ao Sr. Presidente do Conselho na fórma que já disse, mas eu vou escreve-la. (Pausa.)

O Sr. Conde de Thomar leu a sua proposta, e pediu a urgencia.

e Requeiro que seja convidado o Sr. Presidente do Conselho, Duque de Saldanha, a vir com urgencia informar a Camara dos motivos que deram logar á demissão do Ministerio, e qual foi a resolução da Corôa, depois daquelle acto. Camara dos Pares, 5 de Junho de 1856. = Conde de Thomar.»

Leu-se na Mesa, e foi a urgencia approvada: pelo que logo entrou em discussão.

O Sr. Visconde de Fonte de Arcada — intende que não se póde deixar de approvar este requerimento, porque as circumstancias urgem, e o paiz não póde permanecer neste estado — sem se saber quem são os novos Ministros, qual é a sua politica e o que della se póde esperar. Foi para assim fundamentar o seu voto que o orador pediu a palavra, fazendo estas breves reflexões sobre o requerimento, que approvava por intender que não póde deixar de approvar-se.

O Sr. Visconde de Balsemão — Parece-lhe que na mesa existe um officio do Sr. Presidente do Conselho de Ministros, declarando que o Ministerio pedíra a sua demissão, e que Sua Magestade a havia acceitado; e por isso não sabe o que esta Camara possa exigir mais. A declaração do Sr. Presidente do Conselho, feita por escripto, importa o mesmo que se o fosse verbalmente. S. Ex.ª já declarou que o Ministerio havia pedido a sua demissão, e que Sua Magestade a acceitára; tudo o mais pertence ao Poder moderador.

O Sr. Conde de Thomar — fez este requerimento com o mesmo espirito com que já fallou na penultima sessão. Torna a repetir, que não se tracta de fazer agora opposição ao Sr. Presidente do Conselho de Ministros, ou aos seus collegas; nem é esta a occasião de a fazer: tracta-se unicamente de fazer subsistentes as praticas que regem em toda a parte onde ha Governo representativo.

Observa o orador que existia um Ministerio que tinha maioria nas duas casas do Parlamento; discutiam-se propostas da maior importancia, a que o Ministerio ligava a futura prosperidade do paiz, e nestas circumstancias, sem que ninguem o esperasse; apparece nesta Camara um officio assignado pelo Sr. Duque de Saldanha, declarando que o Ministerio pedíra a sua demissão, e que o Chefe do Estado a acceitára I Não se póde, pois, negar ao Parlamento o direito de saber quaes foram as causas que produziram tão extraordinario acontecimento, nem o Parlamento deixar de ser informado destas causas, para saber a posição que lhe cumpre tomar. Se o Ministerio se retira violentamente, e por um modo que não seja constitucional, está persuadido o orador que ambas as casas do Parlamento, opposição e maioria, hão de tomar uma attitude verdadeiramente constitucional, para que se não pretiram as formulas constitucionaes; e elle que tem sido dos mais fortes oppositores do Governo, ha de collocar-se a seu lado; mas para saber o que lhe cumpre fazer, assim como todos os membros desta Camara, é necessario que sejam informados das causas que deram logar e esta demissão, e qual é o andamento dos negocios; até mesmo porque todos tem obrigação de velar pela guarda da Constituição, e estas crises podem trazer consequencias funestas para ella. É necessario, pois, que a Camara se habilite a conhecer a verdadeira situação em que estamos; é este o objecto da sua proposta, e ainda o repete, não é o espirito de opposição quem o leva a fallar nesta occasião.

O Sr. Aguiar — Peço ao Sr. Presidente me faça o obsequio de mandar lêr o requerimento.

Satisfeito, proseguiu

Se este convite significa que o Governo, ou o Sr. Presidente do Conselho de Ministros, que foi, e hoje só é para o expediente ordinario dos negocios, póde vir ou deixar de vir, segundo achar conveniente, tambem elle orador approva o requerimento; se, porém, quer significar uma obrigação, ou um dever que o Presidente do Conselho tem de vir aqui expor os motivos, em virtude dos quaes Sua Magestade houve por bem acceitar a demissão do Ministerio, então rejeita-o, porque intende que com esta exigencia transcende a Camara os seus direitos

O Presidente do Conselho de Ministros, e o Ministerio, podia mesmo sem nenhum motivo, ou por motivos que não possa referir aqui, pedir a Sua Magestade a sua demissão, porque não é possivel que um Ministerio seja obrigado a continuar na gerencia dos negocios publicos, nem a pesar sobre elle a responsabilidade ministerial, desde o momento em que, intendendo que o deve fazer, sem explicar mesmo os motivos, pede e dá a sua demissão: assim o intendeu sempre, nem póde deixar de ser assim, porque se o não fosse seguir-se-ia um grandissimo absurdo.

Pôde haver muitos motivos pelos quaes um Ministro, individualmente fallando — e o mesmo póde acontecer a respeito do Ministerio — dê a sua demissão: serão do dominio da Camara, ou do Corpo legislativo, os motivos que um Governo possa ter para pedir a sua demissão, além daquelles que podem ser publicos e patentes? Serão do dominio da Camara os motivos particulares que um Ministro possa ter para pedir a sua demissão? O orador acha louvavel, e muito louvavel, o zêlo do Digno Par, mas parece-lhe que para isso não é necessario dirigir este convite; pois por sua parte, achando-se nas circumstancias do actual Sr. Presidente do Conselho, se intendesse que não convinha dar explicações, não viria aqui apesar do convite.

O Sr. Barão de Porto de Moz mostra-se inclinado a fazer uma modificação á proposta do Digno Par, porque não deixa de concordar, em parte, com as razões que o Digno Par o Sr. Aguiar acaba de apresentar.

O Ministerio póde dizer-se que não existe, e não existindo não sabe o orador como é que tenha obrigação de vir a esta Camara, em consequencia de um convite que algum dos seus membros lhe faça; porque, com quanto se achem os Srs. Ministros encarregados do expediente, como é pratica em quanto se não organisa o Ministerio que hade succeder ao decaído, para que o paiz não fique sem Governo; é certo que as obrigações que os Ministros tinham antes de darem a sua demissão, estão muito diminuídas, ou talvez mesmo extinctas, e por conseguinte duvida muito se qualquer Ministro, depois de pedir e de lhe ser acceita pelo Poder moderador a sua demissão, tem uma rigorosa obrigação de comparecer nesta Camara ao chamamento de qualquer de seus membros para dar explicações. É certo que as formulas parlamentares assim o exigem, mas os Ministros podem esquivar-se, visto não haver lei escripta que a isso os obrigue.

No entanto parece-lhe que os cavalheiros que compozeram a administração, ainda hoje, pelo facto de se acharem encarregados do expediente, teem uma certa responsabilidade, que não podem demittir de si; devendo por conseguinte dar conta ás Camaras, quando estas lho peçam, do estado do paiz.

Ha tres ou quatro dias que nos achamos n'uma crise, a mais grave, crise que não sabemos quando acabará; porque, tendo caído um Ministerio, não nos consta que ainda outro o tenha substituido, e qualquer dos Srs. Ministros não póde portanto ter duvida em vir, por assim dizer, satisfazer a esta anciedade que a Camara mostra. Se, pois, o Digno Par o Sr. Conde de Thomar quizesse condescender alguma cousa, não deixar já de adoptar a doutrina d'uma outra proposta que elle orador apresentaria no sentido em que acaba de fallar.

O Sr. Presidente — Queira o Digno Par mandar para a Mesa a sua modificação, ou alteração á proposta do Digno Par o Sr. Conde de Thomar.

O Sr. Barão de Porto de Moz — Mandarei.

O Sr. Aguiar — Que o Digno Par o Sr. Barão, de Porto de Moz, não deixou de concordar com as idéas que elle orador expoz; mas a final S. Ex.ª quer, que o Ministerio, ou qualquer dos Ministros, venha aqui dar explicação, e a questão é se o Governo póde ser obrigado a vir a esta Camara, em virtude de um convite, que se lhe faça; e se faltará aos deveres constitucionaes, quando por ventura deixe de comparecer.

Observa, que á verdade que o Digno Par propoz, que se dirija um convite ao Ministerio para que venha declarar qual é o estado do paiz, esclarecendo por conseguinte a Camara a este respeito; assim como das diligencias que teem sido feitas para a organisação do novo Ministerio, e das difficuldades que se teem encontrado: e nisto

não póde concordar, porque, desde que o Ministerio acabou, estando apenas encarregado do expediente até que outros Ministros o substituam, nada tem, nem póde ter com as diligencias que se hajam empregado para a organisação do novo Ministerio, porque é isso da exclusiva competencia do Poder moderador. Faz-se hoje um grande reparo porque o Ministerio não veio a esta Camara declarar os motivos pelos quaes pedíra e o Poder moderador lhe dera a sua demissão; e elle orador não só não julgou que nisto tinha havido falta, mas tem até visto que muitos cavalheiros que pediram ou deram a sua demissão, que o Poder moderador acceitou, não teem comparecido no Parlamento a declarar os motivos dessa sua demissão.

O Sr. Barão de Porto de Moz — leu e mandou para a Mesa a sua proposta; e depois accrescentou que lhe parecia, que o Digno Par, o Sr. Aguiar foi menos exacto n'uma imputação que lhe fez, porque elle não disse que os Ministros, conservando ainda hoje as pastas, e fazendo o expediente dos negocios, tinham obrigação de vir aqui declarar os motivos pelos quaes haviam pedido a sua demissão, e qual era o estado da organisação do novo Ministerio. O que disse foi, que qualquer dos Ministros da via vir declarar a esta Camara, satisfazendo assim á sua anciedade, qual era o estado em que se achava o paiz, durante esta crise. Se isto não é constitucional, não sabe então o que seja constitucional! Pois o Ministerio com quanto tenha pedido, e lhe tivesse sido acceita a sua demissão, não póde informar do estado do paiz? Não será elle o mais competente para esclarecer a Camara ácerca do estado de segurança do paiz? E esta Camara terá alguma circumstancia que a dispense de recorrer ao Ministerio cahido, como á unica fonte a que póde recorrer, e que o póde informar? Pois não será isto constitucional? Que razão se dará em contrario? Elle não a vê. Pois o Governo não póde vir aqui declarar qual é o estado do paiz, sem comtudo ir mais adiante? Crê que sim; por conseguinte a sua proposta é constitucional, nem póde deixar de o ser.

O Sr. Presidente — O Digno Par pediu, a palavra sobre a ordem; mas como fallou sobre a materia, e sobre a materia tambem já havia pedido a palavra, creio que ficaria satisfeito, e que não quererá usar novamente da palavra para fallar sobre a materia.

O Sr. Barão de Porto de Moz — Estou satisfeito.

O Sr. Conde de Thomar — Tem-se dado á sua proposta uma importancia que ella de certo não tem, porque elle seu auctor nenhuma outra coisa tem em vista senão fazer vingar, nesta Camara, as praticas seguidas nas dos outros paizes onde existe Governo representativo. Alli, sempre que os Ministros dão a sua demissão, vão immediatamente declarar ás Camaras quaes os motivos que isso deram causa.

O Digno Par o Sr. Aguiar persuade-se que o orador pretende que o Sr. Duque de Saldanha seja obrigado a vir aqui dar essas explicações, quando apenas propõe que S. Ex.ª seja a isso convidado, e nada mais; e por conseguinte senão vier não veiu.

O Sr. Aguiar — Crê que não o intenderam bem. Disse que se por esse convite se intende que o Ministerio, se quizer, venha declarar quaes os motivos porque pedíra a sua demissão; nesse sentido approva a proposta; mas se acaso se julga que o Ministerio, por esse convite, tem rigorosa obrigação de vir á Camara declarar os motivos da sua demissão; então que não a approva.

O Sr. Conde de Thomar — Não lhe parece que seja possivel dar á sua proposta uma significação differente daquella que é obvia, anão se attribuir a elle orador alguma reserva mental. Se a sua proposta não tem um fim occulto, como já declarou, o Digno Par não póde deixar de lhe dar a intelligencia que todos lhe devem dar, porque todos intendem que, dizendo-se que o Sr. Duque de Saldanha seja convidado a vir a esta Camara, não se quer dizer que S. Ex.ª é obrigado a aqui vir; mas que se vier, é isso conforme ás doutrinas constitucionaes, por consequencia esse se que o Digno Par exige não póde ser objecto de questão.

O Sr. Aguiar — Tambem sabe que a palavra convite significa parlamentarmente muitas vezes o desempenho de um dever; usando-se comtudo desse termo delicado, o que todos os dias está acontecendo; por conseguinte, sem se admittir um pensamento reservado, nem um motivo occulto, póde ser o emprego dessa palavra convite objecto de questão.

O Sr. Presidente — Tenho tolerado as interrupções dos Dignos Pares, uns aos outros, porque SS. Ex.ªs tem para isso pedido licença, e o interrompido tem-na dado; aliás não as terias permittido, como é de meu dever.

O Sr. Conde de Thomar — Como ia dizendo, era a sua opinião que a Camara devia conformar-se com as regras que se acham adoptadas em paizes mais adiantados, onde se seguem em circumstancias analogas; que não ha aqui de certo nenhuma pessoa que não tenha conhecimento do que se observou em Inglaterra quando lord Palmerston pediu a sua demissão. Sabe-se que foram chamadas diversas pessoas nessa occasião para formarem o ministerio; e todos elles vieram, uns a pós outros, dar ao parlamento os motivos porque não tinham podido formar o ministerio (apoiados). Pará que é pois o estar todos os dias a argumentar com o que se passa nos paizes estrangeiros, se quando se chega á occasião não se seguem essas praticas no que tem de louvaveis?

O Digno Par o Sr. Aguiar disse que não era obrigado qualquer Ministro a vir dizer ao Parlamento porque se demitte, mesmo porque é permittido a qualquer individuo ter motivos particulares e privados que o obriguem a saír do Ministerio; mas a isso observa que se em these póde ser assim, agora não se tracta de estabelecer regras para uma these; o que se tracta é de uma certa hypothese; nenhum Ministerio se retira, como este se retirou, sem que haja motivos muito extraordinarios que o forcem a dar esse passo: