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SESSÃO DE 29 DE MAIO DE 1848.
Presidiu — O Em.mo e Rev.mo Sr. Cardeal Patriarcha.
Secretarios, os Sr.s V. de Gouvêa.
Margiochi.
ABERTA a Sessão, sendo mais de hora e meia da tarde, estando presentes 31 D. Pares, leu-se a Acta da ultima Sessão, que depois de uma leve duvida, de prompto desvanecida, foi approvada na fórma, que se continha. — Concorreu o Sr. Ministro da Fazenda.
O Sr. V. DE SÁ DA BANDEIRA — Como está presente o Sr. Ministro da Fazenda, rogo a V. Em.ª, que me permitta fazer-lhe uma interpellação, que já ha muitos dias annunciei. (O Sr. Presidente — Tem a palavra o D. Par.) Constou-me ha tempo, que o Governo tinha demittido do logar de Director da Alfandega de Bragança o Sr. Visconde de Ervedoza, o qual exercia aquelle emprego ha muitos annos, emprego que lhe tinha sido dado pelo Senhor D. João VI, em recompensa de serviços de seu pai o General Sepulveda, feitos anteriormente á guerra contra os francezes, na qual teve parte gloriosa, porque elle foi o primeiro General, que levantou o estandarte contra o dominio estrangeiro. O Sr. Visconde, que é um Cavalheiro muito respeitavel, havia sido conservado naquelle emprego, pois tem merecido a contemplação de todos os partidos pela sua probidade, e bom serviço: agora porém foi demittido, não sei se por S. Ex.ª, ou se por algum dos seus antecessores. Não quero dizer, que o Governo não tivesse direito de lhe dar a demissão, porque reconheço, que a sua authoridade, relativamente a empregados de fazenda, é extensa, como se vê bem no Decreto de Maio de 1832, que organisou este serviço publico: tenho porém em vista chamar a attenção de S. Ex.ª sobre as circumstancias daquelle empregado, e mesmo recommendar-lhe, que tome em particular attenção todas estas circumstancias, não só pelo que diz respeito á probidade, e capacidade do Sr. Visconde de Ervedoza, aos seus soffrimentos pela causa liberal, á perda de dous filhos assassinados atrozmente por servirem a mesma causa, á circumstancia deter-lhe sido conferido aquelle emprego ha 48 annos, por serviços de seu pai, a haver este posteriormente prestado outros muito relevantes em favor da independencia nacional, para que se lhe faça a reparação devida ao seu credito.
O Sr. MINISTRO DA FAZENDA — Sr. Presidente, eu respeito muito as qualidades do Sr. Visconde de Ervedoza, e estimo que os serviços de seu pai fosse, o que o tivesse collocado naquelle logar; mas a sua demissão está no caso de qualquer outra demissão de empregados de fazenda. Devo porém dizer, que não foi algum dos meus antecessores quem o demittiu, mas sim eu proprio, sem que todavia deixasse deter em attenção essas circumstancias; porque eu declaro á Camara, que nada tenho que dizer contra a probidade, ou contra o caracter, e boa reputação do Sr. Visconde de Ervedoza: no entretanto cumpre-me notar, que o Sr. Visconde de Ervedoza estava já demittido anteriormente á revolução de Maio de 46, e que entrou depois por uma força na Alfandega, estando até ao momento, em que foi demittido, desempenhando alli as suas funcções; mas o Governo, usando da faculdade que lhe pertence, tem pelo Ministerio da Fazenda, não só demittido este, mas muitos outros empregados de fazenda. Não ha porém motivo, nem eu devia, ou podia traze-lo aqui, para duvidar do caracter do Sr. Visconde de Ervedoza, o qual já me escreveu, e então lhe respondi o mesmo, que digo agora aqui, isto é — que se se reputar necessario para a boa reputação do seu caracter qualquer reparação, estou prompto a faze-la, entretanto que fui eu quem o demittiu.
O Sr. PEREIRA DE MAGALHÃES — Sr. Presidente, eu sou natural de Trás-os-Montes, conheci o general Sepulveda, fui testimunha dos seus serviços naquella provincia, assim como tambem conheço seu filho o Sr. Visconde de Ervedoza (O Sr. C. de Lavradio — Peço a palavra); e sendo interpellado o Sr. Ministro da Fazenda sobre as causas da demissão deste dignissimo empregado, eu não posso deixar de dar o meu testimunho áquelle illustre cidadão, illustre por si, e pelos serviços de seu pai; e não posso deixar de lamentar, que fosse demittido um cidadão tão probo, e tão estimado por todos os que o conhecem naquella provincia. Reconheço o direito, que o Governo tem de demittir os empregados, e não entro nas causas, nem quero fazer uma arguição ao Governo por ter usado daquelle direito: quero sómente, como disse, dar o meu testimunho de reconhecimento da capacidade daquelle cidadão, e dizer; que estimaria que o Governo, achando que elle é merecedor de occupar aquelle logar, o tornasse a readmittir, por isso mesmo que é um homem muito estimado, e respeitado naquella terra; e eu desejo que quando o empregado publico tem a estima geral, seja aproveitado, pois que com isso mesmo ganha o Governo.
O Sr. C. DE LAVRADIO — Sr. Presidente, folguei de ouvir a declaração, que o Sr. Ministro da Fazenda fez, de que na dimissão dada ao Sr. V. de Ervedosa não havia motivo algum, que offendesse a sua honra. Eu não conheço pessoalmente o Sr. Visconde; mas sei que o emprego, que lhe foi tirado, lhe havia sido dado pelos grandissimos serviços de seu benemerito Pai, (O Sr. C de Thomar — Sobre a ordem), serviços de que eu posso dar testimunho, porque tenho em meu poder documentos originaes, que os provam: entre outros Cartas Regias do Sr. Rei D. José, e Despachos do M. de Pombal. Póde dizer-se, que foi o General Sepulveda quem creou a Capitania do Rio Grande do Sul, que depois deffendeu dos ataques das poderosas forças hespanholas, essa grande gloria para as Armas Portuguezas. Os serviços deste General, na insurreição nacional contra os francezes, são bem conhecidos. Sem pois ousar dizer, que o Sr. Ministro infringiu a Lei dimittindo o Sr. V. de Ervedosa, não posso deixar de observar, que as dimissões arbitrarias são contrarias á justiça, e esta pela propria declaração do Sr. Ministro parece que o foi.
O Sr. C. DE THOMAR — (Sobre a ordem.) Pedi a palavra para observar, que tendo tido logar a interpellação, e a resposta do Sr. Ministro, não me parecia conveniente continuarmos a gastar tempo em objectos desta naturesa (Apoiados).
Parece-me, que a Camara se dá por satisfeita, e que conhece que não é objecto da ordem do dia a narração dos serviços daquelle distincto General, de que se tem fallado: eu entendo mesmo, que o D. Par o Sr. V. de Sá se deve dar por satisfeito, e portanto pedia a V. Em.ª, que désse por acabado este incidente, para continuarmos com outros objectos, de que nos devemos occupar.
O Sr. PRESIDENTE — O incidente não póde continuar, senão por quatro minutos, e eu, na fórma da resolução da Camara, logo que deem as duas horas, annuncio a entrada na ordem do dia.
O Sr. FONSECA MAGALHÃES — Eu não usarei da palavra por mais de mui poucos minutos porque quasi nada tenho a dizer. Não considero este pequeno debate como formal interpellação; nem o Sr. V. de Sá me parece ter annunciado interpellação alguma. O que S. Ex.ª declarou foi que desejava perguntar ao Governo se os motivos porque havia demittido o funccionario de que se tracta eram de natureza que deslustrassem o seu caracter ou não? Isto não póde chamar-se interpellação, segundo hoje se entende geralmente: é um simples esclarecimento que se pede. O Sr. Visconde de Ervedosa tambem me escreveu sobre a sua dimissão, mostrando-me unicamente o desejo que tinha de que essa sua demissão o não malquistasse na opinião dos homens bons do Paiz. eis aqui o que elle pretendia, e o que já conseguiu pela resposta do Sr. Ministro. Nós não podemos dizer ao Ministro que não dimitta; porque em certas circumstancias está authorisado para isso; e os motivos são muitas vezes os da propria conveniencia do serviço. Não ha duvida que quando o Sr. Ministro diz que estará prompto a fazer todas as reparações que se julguem, necessarias para que este cidadão fique livre de qualquer suspeita, que possa haver do seu comportamento, falla por parte do Governo, e tem nisso dito tudo. Agora sensurar que se louvem os antepassados d'um homem!.... Eu não tenho gloriosos antepassados; e sinto muito não os ter, porque se dependesse de mim eu teria nascido Principe (Riso); comtudo os actos illustres dos antepassados de quem quer que os tenha são muito para louvar, e para se ter em contemplação, não para ostentação vaidosa, mas para serem imitados, e servirem de lição e exemplo.
O Sr. V. DE SÁ DA BANDEIRA — Sobre o objecto da interpellação, é sufficiente a discussão por ficar desaggravado o credito do Sr. Visconde de Ervedosa. Agora passarei a outro objecto.
Acabo de receber pelo correio uma communicação, na qual se allude a uma proposta feita, para que fossem mudadas as Religiosas do convento de Pereira, para o convento de Santa Anna em Coimbra, em consequencia de grassar naquella Villa uma certa molestia: nesta communicação diz-se, que este negocio não tem tido andamento (Vozes — Tem. Tem.) Entrego o papel ao Sr. Ministro da Fazenda, para que o Governo haja de o tomar na consideração, que merecer.
O Sr. PRESIDENTE — Já lá estão.
O Sr. B. DA VARGEM — Pedi a palavra para apresentar o seguinte
REQUERIMENTO.
Requeiro que se peça com urgencia pelo Ministerio dos Negocios da Fazenda uma conta que mostre:
1.° A importancia das quantias entregues pelos Caixas Geraes do Contracto do Tabaco, Sabão e Polvora em cada um dos mezes do actual anno economico, até ao dia 30 de Abril ultimo; com designação das quantias entregues tanto á Junta do Credito Publico, como ao Governo, por conta das mezadas relativas aos ditos mezes, e das especies de moeda em que foram satisfeitas.
2.º A importancia que em cada um dos respectivos mezes entregaram os mesmos Caixas Geraes, tanto ao Governo, como á Junta do Credito Publico, para agio das Notas do Banco de Lisboa.
3.º A importancia que em cada um destes mezes deixaram de satisfazer os mesmos Caixas Geraes, em relação á importancia das suas mezadas, agio de Notas do Banco de Lisboa, ou differença de moeda com que pagassem; e existindo algum, ou alguns destas factos, quaes tem sido as providencias tomadas pelo Governo ou pela Junta do Credito Publico para pôr a Fazenda a salvo de qualquer distracção illegal destes rendimentos publicos, visto estarem os exclusivos do Tabaco, Sabão e Polvora arrematados por uma Companhia. Sala da Camara dos Pares, em 29 de Maio de 1848. = B. da Vargem da Ordem.
O Sr. C. DE THOMAR — Proponho que se dispense na Mesa a 2.ª leitura destes requerimentos.
Approvada a urgencia, e a materia do requerimento.
O Sr. V. DA GRANJA — Como Relator da Commissão de Guerra passo a lêr o Parecer, que ella offerece, sobre o Requerimento do M. de Sub-Serra. (1)
O Sr. SOUSA AZEVEDO — Sr. Presidente, a Commissão de Fazenda cuida incessantemente de dous objectos, que alli se acham, para sobre elles interpôr o seu parecer, ambos de grande importancia e gravidade: fallo dos dous Projectos apresentados pelo Sr. Margiochi, ácerca de regular o valor do marco de ouro, e de prata, e o que diz respeito ás differentes moedas, tanto nacionaes como estrangeiras.
Escusado é discorrer sobre a importancia deste objecto, que por si só se recommenda; e por isso mesmo, que a Commissão deseja ácerca deste negocio fazer o seu trabalho com toda a circumspecção, e vêr se nesta Sessão póde ainda passar uma medida a similhante respeito, como muito reclamam os interesses publicos; e constando-lhe que na Secretaria da Fazenda estão colligidas muitas informações, e esclarecimentos sobre este importantissimo objecto; mando para a Mesa, por parte da mesma Commissão, um requerimento, pedindo a remessa desses documentos, pois que apesar de haver já na Commissão alguns, muito importantes, com tudo não ha lá tantos, quantos são os que hontem me constou haver na Secretaria da Fazenda.
REQUERIMENTO.
Requeiro, que se peça ao Governo, pelo Ministerio dos Negocios da Fazenda, que remetta a esta Camara os esclarecimentos, projectos, informações, ou consultas, que existirem naquella Repartição sobre o importante objecto dos valores do marco de ouro, e de prata, e de regular as differentes moedas desses metaes preciosos, tanto nacionaes como estrangeiras. Sala da Camara dos D. Pares, em 29 de Maio de 1848.
E proseguiu — Eu pediria, que fossem mesmo remettidos em direcção á Commissão de Fazenda; e como o Sr. Ministro está presente, pesso-lhe a brevidade da satisfação ao requerimento.
Approvada a urgencia, e a materia do requerimento.
O Sr. MINISTRO DA FAZENDA — Hão de ser remettidos immediatamente.
O Sr. DUARTE LEITÃO — Tenho a honra de apresentar o Parecer da Commissão Especial, eleita para o dar, sobre a pretenção do Sr. João Carlos de Amaral Ozorio, a succeder no Pariato de seu fallecido pai, o D. Par nomeado B. de Almeidinha.
Mandou-se imprimir o Parecer. (2)
O Sr. PRESIDENTE — Manda-se imprimir para entrar em discussão convenientemente.
O Sr. C. DE THOMAR — Sr. Presidente, este é um daquelles objectos, que apenas impresso, deve entrar logo em discussão, porque não é justo que a decisão sobre uma pertenção destas fique espaçada.
O Sr. PRESIDENTE — Pois logo que esteja impresso entra em discussão.
O Sr. C. DE LAVRADIO — Eu aproveito a presença do Sr. Ministro da Fazenda nesta Camara, para o prevenir, de que desejo chamar a attenção de S. Ex.ª, e dos seus collegas, sobre o estado desgraçado, a que está reduzido o principal producto da agricultura da Provincia da Estremadura, e o principal ramo do seu commercio, que são os vinhos. Peço pois a Suas Ex.ªs, sobre tudo aos Sr.s Ministros da Fazenda, dos Negocios Estrangeiros, e dos Negocios do Reino, Cujas presenças são essenciaes para se poderem tomar em consideração as minhas lembranças, logo que possam, venham a esta Camara. Eu não pertendo fazer, nem proposta, nem interpellação; mas só desejo chamar a attenção de Suas Ex.ªs sobre o estado desgraçado, a que se acha reduzido este producto, e lembrar-lhes algumas providencias. Direi mais: se senão der algum prompto remedio para melhorar esta situação, eu não sei como, no
(1) Será mencionada a sua integra, quando se discutir.
(2) Vid. a nota (1).
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fim das proximas vindimas, os proprietarios das vinhas poderão continuar os seus trabalhos.
O Sr. Ministro da Fazenda — Eu prevenirei os meus collegas, como o D. Par pertende, para em tempo opportuno concorrerem comigo a esta Camara.
ORDEM DO DIA.
PARECER N.° 29 sobre a proposição de lei n.º 15, augmentando os subsidios, já anteriormente concedidos á Associação Commercial do Porto, para estabelecer a Praça, e o Tribunal de Commercio de Primeira Instancia, na mesma Cidade.
PARECER N.° 29.
A Commissão de Fazenda examinou com a maior attenção a Proposição n.° 15, que veio da Camara dos Sr.s Deputados, concedendo á Associação Commercial do Porto o augmento dos subsidios que lhe foram votados pela Lei de 19 de Junho de 1841, para estabelecer no Convento queimado de S. Francisco na Cidade do Porto, a Praça, ou Bolsa, e o Tribunal de Commercio de primeira Instancia, offerecendo uma nova Tabella aonde esse imposto é distribuido com mais igualdade, e augmentado de modo, que será sufficiente para o complemento da obra dentro do tempo em que lhe foi concedido. Tendo a predita Associação satisfeito com esclarecimentos pedidos por esta Camara, apresentando não só a conta de receita e despeza, mas o orçamento da quantia que falta para o complemento de obra de tanta vantagem para o Commercio, que voluntariamente se sujeita ao pagamento dos direitos estabelecidos em a nova Tabella, a Commissão entende que a Proposição se póde converter em Lei, para ser apresentada á Real Sancção. Sala da Commissão, em 25 de Maio de 1848. = C. de Porto Covo = Felix Pereira de Magalhães — C. do Tojal = B. de Chancelleiros = José da Silva Carvalho.
PROPOSIÇÃO DE LEI N.° 15.
Artigo 1.º Fica substituida pela Tabella junta a esta Lei, a Tabella de quotisação ou imposto, que foi authorisada pelo artigo 2.° da Carta de Lei de 19 de Junho de 1841, com o fim de ser reedificado o edificio queimado do extincto Convento de S. Francisco da Cidade do Porto, e de estabelecer nelle uma Praça ou Bolsa, e o Tribunal de Commercio de primeira Instancia.
Art. 2.º Esta nova Tabella subsistirá, até que finde o prazo de dez annos marcado no mencionado artigo 2.ª da mesma Lei, a qual em tudo o mais fica em pleno vigor, e revogada toda a Legislação em contrario.
Palacio das Cortes, em 24 de Abril de 1848. (Com a assignatura da Presidencia da Camara).
Tabella da quotisação pagável na Alfandega do Porto para as obras do edificio da Praça Commercial da mesma Cidade, sobre todos os generos nacionaes, ou estrangeiros, despachados para importação, consumo, ou exportação.
[Ver Diario original]
Esta quotisação só é devida uma vez no mesmo genero.
Palacio das Cortes, em 24 de Abril de 1848. (Com a assignatura da Presidencia da Camara).
O Sr. Presidente — Está em discussão na generalidade.
O Sr. C. de Lavradio — Eu não pedi a palavra para combater este projecto, porque estou inclinado a approva-lo na sua generalidade; mas devo observar, que este projecto veio aqui como teem vindo todos os outros, que se teem apresentado— isto é, destituido de todos os documentos necessarios, e que convinha acompanhassem sempre os projectos, para a Camara poder julgar da sua conveniencia. Na falta pois desses
esclarecimentos, eu pedia aos D. Pares, membros da Commissão de Fazenda, me respondam aos dois quesitos seguintes: o primeiro, é o quanto importam estas obras que faltam a fazer; e o segundo, qual é o rendimento provavel deste imposto. Creio que SS. Ex.ªs estarão habilitados para me darem estes esclarecimentos.
O Sr. Silva Carvalho — Á Commissão de Fazenda foram presentes todos os esclarecimentos, e informações, que ella julgou necessarios para dar o seu parecer, e por elles viu, que o orçamento do resto da obra, que falta fazer, andará por 40:000$000 de réis, e dizem os peritos, que dada esta quantia, poder-se-ha concluir a obra no espaço de dez annos.
Por esta occasião apresentou-se tambem a conta da despeza feita com a parte da obra, que já está edificada, e della se vê, que foram recebidos 32:000$000 de réis, no espaço de sete annos, e que essa quantia se gastou, sobejando uns 500$ réis,.que são precisos para ir tenteando a obra. e não parar. O imposto, como disse, deu 32:000$ de réis em sete annos; mas deve-se ter attenção, a que as circumstancias politicas, porque ultimamente passou o Paiz, concorreram para que o imposto nestes ultimos dois annos não produzisse o que se esperava. Elles porém julgam, que o imposto renderá uns 60.000$000 de réis annuaes. A Commissão, pois, na presença destas razões, e tendo attenção a que a obra está muito adiantada, julgou que o projecto devia approvar-se.
O Sr. Fonseca Magalhães — Eu desejo tambem esclarecer-me sobre esta materia, que é muito importante, attentos os objectos sobre que esse imposto se vai lançar, e que são referidos na tabella junta ao Projecto. Confesso, Sr. Presidente, que tambem acho mal esclarecido neste ponto. A Associação Commercial do Porto pediu o augmento da tabella dos impostos, que já pagavam alguns generos: o producto destes impostos foi, e está applicado para as obras da praça commercial daquella Cidade, feitas em um edificio que o Governo lhe deu, e a que era preciso mudar a fisionomia de convento, transformando-o em praça de commercio. O Governo fez este dom ao respeitavel Corpo do Commercio portuense; porque o edificio fóra encorporado nos Bens Nacionaes; muito bem. A Cidade do Porto carecia de uma praça de commercio, que não tinha, e as transacções faziam-se no meio da rua, o que não era proprio do importante commercio daquella Cidade. É preciso em tudo guardar as apparencias de certa respeitabilidade; e neste caso tambem devia attender-se ao commodo das pessoas interessadas. Concedido o edificio, pediu o Commercio um auxilio para fazer a obra que nelle se carecia; e o Governo, intervindo o Corpo Legislativo, deu o auxilio na importancia do producto dos direito impostos sobre os que pagavam certos generos designados em uma tabella, offerecida pelo Corpo Commercial. Era pequeno o accrescimo, eu convenho: não teem havido queixas contra a exorbitancia de direito, assim é; mas considero que elle é pago pelos consumidores dos generos tributados: eles são tanto nacionaes como estrangeiros; e eu temo muito convir em novos augmentos, ainda que pareçam insignificantes; porque não é preciso mais do que passar do justo para fazer grande mal ao commercio. Que estes direitos os pagam os consumidores é claro pelos principios, e pelo exame que se póde fazer sobre quaes generos esses são: isto para mim não admitte duvida; é por isso temo que o o sobre-excedente do imposto que hoje se propõe vá tornar-se oppressivo.
Quando se fez a primeira concessão entendeu o Corpo Legislativo, e entendeu o Governo, assim como o Corpo Commercial interessado, que não deviam onerar-se mais os generos sugeitos ao imposto addicional: attendeu se de certo a que esses productos ficavam sugeitos a algum desfavor, comparados os direitos que pagariam no Porto com os que a pauta determinava para o resto dos portos do Reino. É verdade que a applicação é util, é summamente interessante; porém eu não sei se pôde contestar-se, até certo ponto, que ella se faz contribuindo mais quem mais proveito tira do sacrificio. Com tudo, não havendo outros meios de prover a estas despezas, toleravel é este que, não obstante, considero de algum modo injusto, desde que certos generos pagam na Alfandega da Cidade do Porto mais (ainda que pouco seja) o que nas demais Alfandegas do Reino. E sendo os consumidores, não excluindo tambem os productores. os que pagam esta differença, já se vê, que o effeito delle aproveita mais directamente a outras classes. É por isso que eu digo, que ha injustiça. Passou pois aquella Lei, e decretou-se a tabella: agora representa o Corpo do Commercio, que o producto da primeira não é sufficiente. Mas será sufficiente o producto desta nova? Com o producto daquella podia acabar-se o edificio em um certo numero de annos; e com o da que se nos apresenta acabar-se-ha immediatamente? Não por certo. A somma resultante da primeira andava por quatro contos de réis annuaes: quanto será o augmento para o futuro? Crê-se que não dobrará — que poderá subir a seis ou sete contos na totalidade. Ora com este quasi dobro pôde adiantar-se muito na obra que ainda falta? Não poderia dar-se um grande impulso á mesma obra sem augmentar o sacrificio da contribuição, e de tal contribuição? Não poderia continuar a vigorar a primeira tabella, servindo o seu producto para se fazer um emprestimo, a pagamento de cujos interesses, e á amortisação elle servisse de garantia? Eu, Sr. Presidente, fio muito, e confio muito na probidade e honradez de todo o Corpo do Commercio do Porto; ninguem lhe faz mais justiça do que eu; mas não precisamos de informações para conhecer se este sobre-excedente de direitos pesa, ou não, no consumidor: e se, em virtude deste peso desigual, se torna, ou não, injustiça. Pois bem, se este excesso de imposto não prejudicar absolutamente nada, nem ao consumo, nem á producção; se nenhum inconveniente produz, então augmente-se o direito em todos os portos, a ponto de o igualar com o que se propõe na tabella: e ganharemos em momentos de tamanha angustia um accrescimo de receita sem nenhum vexame, nem prejuizo. É um excellente meio de que muito sinto que se não tenha lançado mão. Está dentro dos limites determinados pela sciencia: deve não esquecer, contemplando-se, que não opprima de modo algum as faculdades contribuintes. Se isto succede na Praça do Porto, succede do mesmo modo em todos os outros do Reino. Mas eu declaro, que estou convencido de que estes generos estão onerados; e onera-los mais seria prejudicar ao Paiz (Apoiados). Sabemos que as pautas foram feitas por homens muito entendidos, e todos zelosos pelo augmento da renda do Estado. Os generos commerciaes, geralmente fallando, não podem soffrer augmento: muitos exigirão allivio. Isto é verdade, que todos conhecem: eu temo, em boa fé o digo, que não obtenhamos o augmento que se espera, e gravemos de mais os generos. Neste caso melhor seria continuar a primeira imposição, ainda que a obra durasse mais, uma vez que se não adopte o meio da uma empreza. Isto é o que geralmente se pretendia, porque esperar o tempo necessario para a cobrança dos quarenta contos, que se diz tem de despender-se, é não vêr fim a tal obra. Esta é francamente a minha opinião sobre o Projecto; mas se for esclarecido pela illustre Commissão, mudarei. O meu desejo é que sigamos, e adoptemos o melhor.
O Sr. Silva Carvalho — Os principios são, que pague os tributos o consumidor; mas elle quando paga tambem tem nisto utilidade, assim como o Corpo do Commercio, que muito bem fez em procurar lêr uma Praça, aonde fica as suas transacções, e um Tribunal aonde se fossem julgar as suas questões: esta Praça está meia feita. O Governo deu aquelle edificio para se fazer alli a Bolsa, e o Tribuna! de Commercio; e o Governo lucrava tambem, porque devia pagar o aluguei da casa aonde estivesse o Tribunal de Primeira Instancia. Ora agora deixa-la assim, ou demorar a obra por muitos annos, de modo que quando se acabar não possa tirar-se della utilidade, não me parece muito conveniente. Ha opiniões de que uma parte do edificio. que está feita, Dão convém á Associação do Corpo do Commercio; mas ella assim o acceitou, e com este imposto, que não é tão prejudicial como diz o D. Par: a primeira tabella era muito pequena, e eu vou dar leitura della á Camara, eu leio... (O Sr. Fonseca Magalhães — A differença entre uma e outra não está...) Está, eu notei... Se os D. Pares querem notar a differença, eu a apresento; por exemplo (Leu a tabella) (O Sr. Fonseca Magalhães — Vamos a vêr o augmento) Neste projecto vera a ser (Leu a tabella). Ha generos de novo, que não estavam na tabella, mas são generos onerados em pequenas quantias, que não são prejudiciaes ao commercio (O Sr. Fonseca Magalhães — Peço a palavra), e quem quizer lançar os olhos sobre ella, verá que são pequenos os direitos, e creio mesmo que não serão sufficientes para acabar a obra, e que virão pedir nova auctorisação á Camara para a concluir. Eis aqui o que ha, de maneira que existe muito pouca differença nos generos, que foram cotisados, e em alguns que o não estavam, são os direitos quasi insignificantes; o Corpo do commercio sujeita-se a isto pela utilidade, que d'ahi lhe hade resultar; e para que havemos de nega-los, sem haver razão para isso?
O Sr. B. de Chancelleiros — Sr. Presidente, pedi a palavra a V. Em.ª para observar que, se a Camara deseja ser esclarecida sobre os augmentos da nova tabella, é necessario confronta-la com a precedente, pois que só assim poderá conhecer as differenças existentes entre uma e outra. (O Sr. C. de Porto Covo — Peço a palavra sobre a ordem). Eu tenho na mão o resultado da confrontação, a que a Commissão procedeu, como era natural; e peço licença para dar delle conhecimento á Camara, lendo-lhe os augmentos em réis da presente tabella nos objectivos já quotisados na precedente, bem como aquelles que de novo o são.
Aduella de pipa, mais 100; dita, de menos 100; aguardente entrada pela Barra, mais 150: alcatrão, breu, e resina, mais 10; azeite, e oleos, mais 50; canella, 1; carvão, mais 35; cereaes, 30; chá, 5; figo, 2; fructa verde, 3; lã em bruto, 1; seda de toda a qualidade, 3; vinhos, e bebidas espirituosas, mais 50; ditas entradas pela barra em garrafas ou botijas, 10; todos os generos não especificados 1 por cento dos direitos; os generos, ou fazendas, por cabotagem, não especificados, estrangeiros. 100 por volume; nacionaes (excepto bagagens) 10; as embarcações de longo curso, 5 por tonellada; ditas costeiras, 1 per dita.
Eis aqui, Sr. Presidente, as mais notaveis differenças, que a Commissão achou, confrontando uma com outra tabella; e a Camara as avaliará em sua alta sabedoria, como entender. (O Sr. Presidente — Tem a palavra sobre a ordem o Sr. C. de Porto Covo de Bandeira). Mas eu peço ainda licença para dizer duas palavras sobre este objecto, e vem a ser, que a Associação Commercial não fez as alterações notadas, simplesmente com o fim de augmentar o rendimento, e de facilitar a mais prompta conclusão da obra, mas tambem porque entendeu, que era necessario simplificar e harmonisar a tabella com os interesses do commercio, sujeitando e excluindo da quotisação alguns dos objectos commerciaes, segundo a sua propria experiencia lhe aconselhava.
Em quanto ao projecto, eu julgava que até não soffreria discussão, porque entendia que, tendo-se approvado a primeira tabella no intuito de que ella produziria o equivalente ao custo da obra, e tendo mostrado a experiencia que apenas tem produzido de 3 a 4:000$000 de réis por anno, com cujo producto a obra se acha em menos de meio, parecia-me fora de duvida a necessidade da approvação da nova tabella, cujo rendimento a Associação orça em 7 para 8:000,-000 réis, a fim de poder concluir se quanto antes, o que de outra sorte não é factivel, tendo-se já despendido cousa de 32:000$000 de réis, e sendo o resto orçado ainda em perto de 40:000$000 de réis, salvo adoptando-se o arbitrio do D. Par o Sr. Fonseca Magalhães, que indica a conclusão por meio de emprestimo, o qual me parece ter contra si a necessidade de subsistir a primeira tabella por muitos annos, além de outros inconvenientes observados pela Associação.
Concluo fazendo votos pela approvação da nova tabella, a fim de que não haja de prolongar-se por muitos annos, o remate de uma obra de tanta utilidade para a Cidade do Porto (Apoiados).
O Sr. C. de Porto Covo de Bandeira — Sr. Presidente, eu pedi a palavra sobre a ordem, porque a discussão vzi tomando um destino diverso daquelle que devia lêr, que era discutir o projecto na sua generalidade. Na discussão da generalidade do projecto não se pôde discutir a tabella, e só devemos tractar se deve ou não conceder-se o que pede a Associação Commercial do Porto, para continuar a obra da edificação da Praça, e do Tribunal de Commercio; e quando descermos á discussão especial do projecto e da tabella, então alguns D. Pares poderão propor a eliminação das verbas, com que não concordarem; mas agora discute-se sómente o principio geral, isto é — se deve approvar-se o que pede a Associação. Eis aqui o pensamento do projecto, mas se fallar-mos desde já sobre a tabella, estamos então discutindo na especialidade.
O Sr. Fonseca Magalhães — Sr. Presidente, eu sinto muito deferir da opinião do D. Par o nobre C. de Porto Covo. Não estou a examinar a tabella, mas ella é tudo (O Sr. V. de Fonseca Arcada — É verdade), e se o não é, de que serve dizer que ella indica o augmento de impostos, e o sobre-excedente daquelles, que foram determinados pela anterior? Essa differença entre uma e outra foi o que eu julguei util observar-se. Não examinei esta verba em separado; mas pois que o D. Par locou esse ponto, eu notarei algumas differenças e desigualdades, que me parecem onerosas. E sem hesitar ditei desde já, que as agoas-ardentes que entram pela barra do Porto são oneradas com um direito que, segundo as nossas circumstancias, considero quasi excessivo; e não vejo nem s quer mencionadas as agoas-ardentes que forem ao mercado do Porto por vias de terra. Ora entendamos que a obra, se salguem que não seja o corpo do commercio pôde aproveitar, é aos habitantes do Porto e das Provincias do norte. Parece-me pois que ha aqui estrema desigualdade. Talvez que ainda venha a fallar nisto.
Agora pelo que respeita ao augmento desta, comparada com a tabella antecedente, segundo as observações dos D. Pares, que me antecederam, e em especial o Sr. B. de Chancelleiros, esse augmento é insignificante. Rendia 4:000$ de réis annuaes o imposto da primeira tabella: dará esta mais dous ou tres. — Não o duvido: o producto será insignificante, mas não meçamos por elle o onus. Uma tenue quantia além do justo faz muito mal, é até capaz de acabar com o commercio do genero assim tributado.
O que eu digo é susceptivel de demonstração segundo os principios; mas sem recorrer a elles, ahi estão os factos, que todos conhecemos, e que já hoje, por sabidos, ninguem se occupa em os citar. O que acontece quando se passa a medida das forças do genero é fugir elle do caminho legal para seguir os atalhos do contrabando.
Olhando para a hypothese presente: se o producto do augmento vem a ser insignificante, como se diz, não vale a pena do que custa. Quando se decretou a primeira tabella, entendeu-se que seria perigoso impor nos generos tributados mais do que aquella moderado accrescimo de direitos, porque mais não poderia ser sem inconveniente. Que mudança favoravel foi esta de circumstancias, que hoje dá esses generos com forças dobradas? O que me parece é que se teve attenção ao producto annual, e mais nada: julgou-se que devia duplicar-se esse producto para o mais prompto acabamento da obra. — Quiz-se haver a somma de 8:000$000, e pede-se o que falta para a completar. É o de que estou persuadido; e se eu tivesse a honra de pertencer á corporação dos signatarios faria o mesmo. Porém nós temos outros objectos a que prestar attenção, o primeiro dos quaes é considerar a justiça do acto era si, e a possibilidade de o praticar sem graves inconvenientes. Se, porque falta certa somma de dinheiro para acabar um edificio se deve essa somma levantar, sem examinar-se mais nada, tributando os generos de consumo do paiz, e os de exportação excepcionalmente, muitas injustiças se commetterão; ainda mais, muitos inconvenientes, e até inconvenientes sociaes resultarão. Os tributos publicos são conferidos por uma medida geral, que é a lei, e esta deve abranger a todos: uma dar, condições da sua igualdade. Sr. Presidente, sem a minima intenção de offensa, eu pondero que o Governo deu ao commercio do Porto o bello edificio em que se trabalha para toma-lo praça de commercio; deu-lhe o producto da primeira tabella; agora propõe-se outra mais gravosa. Então, a não querer-se dar um impulso á obra, não seria melhor seguir a primeira prorogando se o prazo da sua duração? Creio que tanto o calculo da despeza como o do rendimento foram menos bem feitos: e quem sabe como o serão agora?
O impulso de que fallo já se sabe qual é: uma empreza, um emprestimo contrahido, contemplando o producto, que já se sabe anda por 4:000$ de réis, e já deu mais, e o pôde dar. A somma quem a poderia levantar melhor do que o generoso corpo do commercio do Porto? 30, ou 40 contos de réis, diz se, será a somma precisa; mas espere-se a de 6:000$000 de réis cada anno que prefaça a totalidade dos 40, e veja-se no fim do tempo, digo, de sete annos, se o começo da obra
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não necessita de reparos? Depois, para esses reparos sempre será bom continuar o tal tributo insignificante; e com elle, por largos annos pedido e concedido, conto eu. Tenho grande medo destes tributos temporarios. — Pegam cruelmente; e não só isso succedia no tempo passado, sob outro regimen; succede tambem no actual. Ha defeitos que nos vem por herança de longa serie de avós. Tributos locaes para uma ponte, para uma fonte, etc, etc, ainda que morra o objecto primordial, deixa parentes, e não ha remedio senão satisfaze-los. (Apoiados.) Esta é a pura verdade; e tenho medo della.
O Sr. Ministro da Fazenda — Eu devo confessar á Camara, que tendo recebido estes projectos dados para ordem do dia de hoje, vi o parecer n.º 30 do projecto n.° 24, sobre o modo de pagamento das dividas do Estado, sem reparar neste outro que vinha dentro daquelle, e por isso pensava que era delle, que se tractava (Vozes — É o n.° 29); mas achando agora em discussão um negocio, em que parece, que o Governo devia intervir, devo declarar a esta Camara, que A dos Sr.s Deputados, por uma promessa da Associação Commercial do Porto, vieram os documentos, que devem existir na Commissão competente, por onde se prova, que este augmento da tabella para occorrer ás despezas da praça, e Tribunal de Commercio, que se quer levar a effeito na Cidade do Porto, foi calculado devidamente com as estatisticas proprias a evitar, que se fizesse o mal, que o D. Par acaba de apontar. É verdade, que um, ou outro artigo poderá estar sobrecarregado; mas S. Ex.ª diz, que a tabella é duplicada, e isso é que não é exacto, porque alguns artigos tem um augmento quasi insensivel. Eu confesso a verdade, que tambem reputo um mal, que se impõe ao Commercio; mas este não pôde ser senão muito limitado, e os interessados verão até onde elle vai, para se não gravar extraordinariamente, sem todavia prescindir deste sacrificio pelo tempo preciso para se conseguir o fim; mas uma vez, que de principio se não imaginou outro methodo, tal como o de deixar o onus a uma Companhia para edificar esta obra, e satisfazê-la em 60 annos, por exemplo, e se impoz logo uma tabella para se emprehenderem, com o seu producto, estes trabalhos; e tendo até hoje caminhado o negocio desta maneira, seria agora um mal sobre outro, tolher o seu progresso, e andamento regular.
Eu não contesto a preferencia do methodo, que seria melhor; mas estando já a obra em metade, e tendo ella começado pela imposição da primeira tabella, necessariamente se deve adoptar esta disposição, pois que de mais a mais o tempo, que tem decorrido desde que a obra se começou, deve ter dado, pela experiencia, o conhecimento ás pessoas que a comprehenderam, de que assim se ha de melhor, e mais promptamente satisfazer á sua conclusão: por consequencia, eu não partilho dos receios do D. Par, porque tenho a consciencia, de que este negocio antes de vir aqui, foi já muito bem meditado, e parece-me, que se pede o sufficiente para acabar o edificio; além de que vejo que ha aqui algumas alterações, que não são nada para assustar, e no estado em que já está a obra é preciso, que não obstemos á sua conclusão, porque ella é eminentemente necessaria para aquella Cidade.
O Sr. C. de Porto Covo — Tendo ouvido fallar contra o projecto, ao D. Par o Sr. Fonseca Magalhães, pareceu-me que S. Ex.ª tinha fundamentado os seus argumentos, dizendo: primo, que a Associação Commercial do Porto devia ter proposto logo, desde principio, uma tabella mais conveniente para o fim de acabar a obra; e secundo, que essa mesma tabella podia vigorar, ou ser permanente portanto tempo, quanto fosse necessario para se concluir a mesma obra; e que mesmo á custa do producto imposto por essa tabella, a Associação poderia levantar um emprestimo para o referido fim, o qual fosse depois pagando modicamente. Ao primeiro ponto responderei— que a Associação Commercial do Porto, quando emprehendeu esta obra, não podia saber o que haviam de produzir os pequenos impostos lançados pela tabella, que propunha, porque a sua realisação só podia provir do futuro, e porque o D. Par sabe, que estes generos não tem entrada certa, nem épocas determinadas, e por isso umas vezes ha maior importação, outras menor; e que ás vezes até falham no mercado, falhando por consequencia o tributo tambem: por tanto, a Associação não podia calcular logo desde principio toda a quantia, que seria necessaria para effectuar a obra; e tendo-lhe o tempo mostrado a inexactidão dos seus calculos, porque a tabella produziu muito menos, vem de novo pedir um pequeno augmento, cotisando com um modico imposto, alguns generos que não estavam cotisados, e augmentando o imposto sobre outros que já o estavam; mas a Associação não propoz um tributo permanente, como parece inculcar o D. Par; porque, ella marca neste Projecto o tempo, pelo qual esse tributo ha de existir; e deve notar-se, que esse prazo de tempo é o mesmo, que estava marcado pela anterior Lei: por consequencia, estes impostos não ficam permanentes. Se porém a obra, no fim desse tempo, ainda não estiver concluida, está claro que se ha de pedir ao Parlamento nova Lei, e novos meios (O Sr. C. de Linhares — Peço a palavra), porque a Associação não pôde ainda prever por esta Lei, os resultados que ha de obter, sendo certo, que esta tabella pôde produzir muito se fôr grande a importação, e pouco, ou nada, quando ella fôr pequena, ou nenhuma.
Sr. Presidente, disse-se, que qualquer pequeno imposto afugenta os generos do mercado; mas estes são tão pequenos, e diminutos, que por elles não se afugenta do commercio genero algum, não se prejudica o commerciante, nem tão pouco se prejudica o consumidor. Os 300 réis por milheiro de aduella, que é o maior imposto desta tabella, decerto não afugenta a sua entrada e concorrencia, e os mais impostos aqui mencionados são tão pequenos, que é quasi impossivel provar-se, que delles se ha de resentir o commercio, ou o consumidor: poderá dizer alguem, que o imposto de 200 réis em cada pipa de agoa-ardente, que entrar pela barra do Porto, cujo valor é pouco mais ou menos, de 40000 réis, ha de afugenta-la do mercado: não é possivel. Estou pois persuadido, de que o tributo é modico, que o seu producto é incerto, e que certamente não chegará para se concluir a obra no prazo, que se lhe marca, e por isso nenhuma duvida tive, como membro da Commissão de Fazenda, em approvar o Projecto. Tive em consideração as razões, e principios do D. Par; e reflectindo nos impostos em relação aos generos, sobre que elles recahem, convenci-me de que em nada difficultavam a sua venda, nem sobrecarregavam os interesses do consumidor.
Tambem me parece, que o D. Par disse — que todos os tributos, que se lançavam em Portugal, ficavam por costume permanentes, por isso que a causa cessava, e o tributo permanecia; mas nós não estamos nesse caso, e o argumento não colhe; por quanto, temos neste Projecto marcado o prazo de tempo, pelo qual este tributo ha' de ser lançado; e sem nova Lei é claro, que o tributo não pôde permanecer; ao menos no nosso Paiz, e perante um Governo representativo, não pôde continuar a pagar-se tributo algum, tendo Analisado a Lei em virtude da qual elle foi lançado: por isso tambem nenhuma duvida tenho em approvar a tabella junta a este Projecto, quanto mais que ella foi ampliada, e augmentada, sómente para abbreviar a conclusão da obra, e porque estou persuadido, de que difficilmente se poderá provar, que impostos desta natureza hão de afugentar do mercado os generos, ou fazer que dos mesmos impostos se resintam os seus consumidores.
O Sr. C. de Linhares — Parece-me, Sr. Presidente, que quando se empreendeu esta obra, devia ter-se approvado o plano della, assim como o orçamento em que elle foi calculado. Ora esta obra, creio que ha sete annos teve o seu principio (Vozes — Menos); tem-se recebido pouco mais ou menos, segundo aqui ouvi, 32:000$000 réis (O Sr. Silva Carvalho — Peço a palavra); e a obra está em meio, apesar do rendimento annual ter sido de 4:500$000, pouco mais ou menos, o que não é inferior ao rendimento, que se tinha calculado, pois era em dez annos 40:000$000 réis. E agora declara-se esta quantia insufficiente, e inferior á despeza necessaria, visto que apenas se acha feita metade da obra projectada. Então seria natural especificar os motivos, por que o primeiro orçamento falhou, e declarar, se o projecto se augmentou relativamente á despeza, ou se a receita foi menor, do que se calculara, o que não creio, pois em dez annos deveria ao menos ser de 45:000$000 de réis, em logar dos 40:000$000, que se disse aqui, segundo penso ter ouvido, ser a somma que se presumiu renderia este imposto. Então convinha explicar de donde provinha o erro, e dar alguma certeza, que sobre os dados já obtidos, desta vez o orçamento satisfaria o fim para que era destinado (O Sr. Fonseca Magalhães—Para uma explicação — O Sr. Presidente — No fim — O Sr. Fonseca Magalhães — Pois no fim).
Pede-se agora uma nova tabella, e com ella uma maioria de imposto, que desta vez se calcula em 6:000$000 réis annuaes, mas só para tres annos: ora estes 18:000$000 não podem fazer face á metade da obra, que falta, e de que a primeira metade já despendeu 32:000$000, segundo aqui ouvi, pois não se communicaram os dados necessarios para esclarecer esta questão no parecer da Commissão, e ao que se responde, que naturalmente ainda se ha de recorrer a uma nova medida para o futuro. É evidente, que este methodo de proceder em Administração Publica é pelo menos irregular (O Sr. Fonseca Magalhães — Apoiado), pois além de se não provar a sufficiencia da medida, que agora se pede, á vista de um orçamento regular, tambem não se prova a necessidade do augmento do imposto, pois talvez fosse possivel, com o mesmo, levantar um emprestimo, que facilitasse a prompta conclusão da obra, mediante um pequeno juro, que talvez se compensasse pela economia da promptidão, com que de uma vez se concluisse o edificio, e que não necessitasse grande augmento na percepção dos impostos já votados anteriormente, sem haver agora a necessidade de os augmentar, prorogando só por mais alguns annos a sua cobrança, mas determinando desde já o prazo necessario, á vista de dados exactos, e sufficientes para o fazer.
O Sr. Silva Carvalho — A Commissão examinou muito miudamente este negocio, e procurou primeiro saber, quanto tinha rendido o producto do imposto, e então achou, que no anno de 1841 rendeu 3:000$000 (tomo numeros redondos); no anno de 42, 4:000$000; no de 43, 5:000$; no de 44, 8:000$000; no de 45, 4:000$000; e no de 46, 4:000$000; mas é preciso notar, que nos dous annos de guerra civil foi menor o consumo, e menor o rendimento tributado; porém o que se pôde tomar como rendimento provavel até agora, são 4 a 5:000$000 de réis por anno.
É verdade, Sr. Presidente, que o consumidor é que paga o tributo, mas o commerciante tambem tem interesse, em que o tributo seja o menor possivel, por que o consumo do seu genero será então maior, e assim convem-lhe, que os generos em que commerceie sejam o menos sobcarregados, que fôr possivel, por que tambem é principio, que quanto mais barato fôr um genero, maior consumo tem: por tanto, não é só o consumidor que interessa, em que seja pequeno o tributo, é tambem o commerciante, pois que elle não especularia, senão soubesse, que o seu genero tinha um consumo prompto. Ora, quem pede este augmento, é o corpo do Commercio de Porto, declarando que voluntariamente se sujeita a isto. Demais: a imposição não é tamanha, que seja para assustar, por que a maior, que é de 300 réis por cada milheiro de aduella, não chega a 4 réis cada duzia; o mesmo digo da agoa-ardente — 200 réis em pipa, são 8 réis em almude: n'uma palavra, quem quizer ter o incommodo de comparar a tabella antiga, com a que se propõe, verá, que o tributo é muito menos pesado, do que se está suppondo. Dez annos é o tempo concedido para a duração deste imposto: entretanto, a utilidade está em acabar a obra o mais depressa possivel, e se para esse tempo ainda faltar alguma cousa, o Corpo do Commercio virá ao Parlamento pedir nova authorisação, para impor o novo imposto, A segunda Cidade do Reino deve lêr uma praça, e um Tribunal de Commercio, e estando já metade da obra feita, não convém que se demore a sua conclusão, quando a troco de, pequeno sacrificio se pôde acabar em tres annos: entretanto deixo isto ao juizo dos D. Pares.
O Sr. C. de Semodães — (Para um requerimento). É para que V. Em.ª proponha se está discutida a materia.
O Sr. Presidente — Ninguem mais está inscripto.
Approvada a Proposição na generalidade — Passando-se ao artigo disse
O Sr. Fonseca Magalhães — Sr. Presidente, eu tenho minhas apprehensões de que seja nullo este resultado do sacrificio, que eu talvez tenha encarecido. A Lei estendeu a dez annos a duração do imposto: faltam ainda tres para se completar esse prazo. Um D. Par, membro da Commissão de Fazenda, declarou, que o mais que podia resultar desse beneficio eram 6 contos por anno, em totalidade da nova tabella. Supponhamos que renderá 8:000$000 de réis: — 8 vezes 3 24:000$000 de réis: eis o que provirá dos tres annos que faltam.
E não se diga, que no fim delles cessará o imposto: não, porque depois disto ha de prorogar-se o prazo, e applicar-se o imposto primo para acabar a obra com mais o producto de tres annos, talvez melhorado: depois sempre ha de apparecer um objecto, um telhado de uma Igreja — quem sabe? a que será força acudir: e já se entende que não ha de haver meios. O que se vi é que nos tres annos seguintes, segundo o calculo dos D. Pares, renderá o imposto 18 ou 20:000$000 de réis. Affirma-se que faltam réis 40:000$000; e conclue-se que no fim dos tres annos cessará o tributo!! Mas isto é admiravel. Pois duvida alguem da repetição do pedido? Não pôde duvidar; e eu, longe de nutrir a menor incerteza, digo, e direi mil vezes, pedir-se-ha em quanto houver quem conceda.
Vejo na tabella nova mencionado para o favor do augmento o genero aduela. Diz o D. Par membro da Commissão, diz o meu nobre amigo o Sr. Silva Carvalho, que de certo me não leva a mal differir da sua opinião, (O Sr. Silva Carvalho — Não de certo) que estes augmentos feitos na nova tabella, são insignificantes: — permitta S. Ex.ª, que eu lhe diga que a sua importancia não se mede pelo accrescimo, mas pelo valor do genero tributado: — não é o real que se impõe de novo, é sim o valor do objecto sobre que elle recáe (Apoiados).
Em cada pipa de agoa-ardente se impoz, segundo a tabella velha, 200 réis. Julgou-se então que não podia com maior onus: agora lança-se-lhes mais 50 por cento. Aqui parece-me que houve demasia, ao menos não se dirá que o augmento é' insignificante. Não tracto de vêr a differença do pagamento antigo ao proposto; sei que é um tostão em pipa, que um tostão não é muito dinheiro; que dividido por canadas e quartilhos desapparece; mas quem dirá que o comprador não deixa muitas vezes de comprar pela differença de tres tostões, de dous, e até de um em pipa? E eu repito: vós julgastes que dous tostões eram o maximo que podia lançar-se, que então novas circumstancias occorreram para o genero poder, sem inconveniente, com mais 150 réis?
E continua-se a dizer: isto é insignificante,— Insignificante? Se o é, porque não estendeis a medida á agoa-ardente que entra tambem pelo rio da banda de terra, e pelos portos seccos? Não é um mal? ninguem padecerá — É um bem? toque a todos. É indifferente? ninguem se queixará; e o producto será muito maior: triplicará talvez. Se vinga a tabella, então é impossivel que esta Camara não admitta que paguem todas as agoas-ardentes que entram no Porto provenientes de toda a parte; e que se elimine a clausula = pela barra. = Toda essa agoa-ardente é de Portugal. Ainda ha pouco, (hoje mesmo) um D. Par disse, que desejava interpellar o Governo sobre o desgraçado estado em que se acha o principal ramo da nossa industria, — a agricultura dos vinhos, — com o fim de vêr se era possivel propor alguma medida que tendesse a acudir ao grande mal que essa agricultura está experimentando: e então pergunto eu, dever-se-ha começar o beneficio indo aggravar mais esse estado com a imposição de um onus á agoa-ardente das provincias do sul, em quanto as do norte ficam delle isentas. Entendo que isso não pôde ser. Esta questão de Provincia é immensamente desagradavel em todos os paizes. O certo é que os povos são mais ciosos, não tanto dos seus direitos como das preferencias; e o melhor systema é não permitti-las. Impor-se exclusivamente o genero de que se tracta, que entre pela barra, corresponde a uma preferencia de favor concedida a toda a outra proveniencia com menoscabo das Provincias que o fabricam, e só o podem levar ao mercado do Porto pela barra. Isto reputuo-o eu injustíssimo (Apoiados). Já em uma época passada, sendo eu membro da outra Casa do Parlamento, combati certas pertenções de preferencias, que então para este mesmo producto se solicitavam a favor das Provincias do sul. — Houve negociações e conferencias, nas quaes o meu objecto foi estabelecer a mais perfeita igualdade para evitar
queixumes, e peior que tudo — queixumes bem fundados. Este mesmo espirito me anima hoje, quando se tracta de favorecer uns, sejam quaes forem, em detrimento dos outros.
Repito ainda: é insignificante o imposto, a ninguem faz mal: é onoroso, carregue sobre todos: é vantajoso gosem todos.
Finalmente, pague quem entrar pela barra, e quem descer pelo Douro, e quem viajar por terra. Deste modo tirara-se duas grandes vantagens
— a primeira é render mais o imposto, e a segunda é, ninguem se queixar de que é mais mal tractado do que outrem. Mandarei para a Mesa uma proposta neste sentido.
Emenda á verba 3.º da Tabella.
Proponho, que a 3.ª verba seja assim escripta
— Agoa-ardente entrada na Cidade do Porto. Admittida.
O Sr. C. de Porto Covo — O D. Par julga, que o grande imposto de 200 réis em cada pipa de agoa-ardente que entrar pela barra do Porto, fará afugentar este genero do mercado, e exclusivamente por este motivo, e não pelas outras despesas, que carregam este genero, como são seguro, embarque, fretes, e outras: quer que a imposição seja geral e extensiva a toda a agoa-ardente, que alli te consummir, de sorte que, não querendo fazer sobrecarregar o imposto na pequena porção de pipas de agoa ardente, que entrarem pela barra, quer impor o mesmo tributo a 3 ou 4:000 pipas de agoa-ardente, que por terra podem entrar no Porto.
Sr. Presidente, se eu estivesse aqui defendendo o interesse que a Associação Commercial do Porto tem, em concluir a obra quanto antes, acceitava já a emenda proposta pelo D. Par, porque em logar do imposto produzir 4:000$000 de réis annualmente, produziria então 10, ou 12; mas, Sr. Presidente, eu não estou aqui advogando os desejos da Associação, neste ponto, estou sim comparando o sacrificio, que farão aquelles que mandam agoa ardente para o Porto pela barra, com o sacrificio que farão aquelles, que conduzirem alli a agoa-ardente trazida do interior do Paiz, a qual tem muito maior valor não só pela difficuldade da condução, mas porque são extrahidas de vinhos mais caros, e mesmo por outras razões, que sabem os D. Pares. São estes os motivos porque eu entendo, que se não pôde approvar a proposta do D. Par, e tambem porque se deve ter em consideração a differença do valor dos generos, a que se lança o imposto, tendo em vista a exacta justiça, que deve prestar-se a todos.
O Sr. B. de Porto de Moz — Sr. Presidente, confesso que se eu não estivesse de boa fé a respeito de todos os D. Pares Membros da Commissão, eu diria, que se tinha querido fazer um ensaio com esta tabella, ou antes uma tentativa sobre a possibilidade de instaurar, novamente, a questão do exclusivo. Sr. Presidente, estabelecer 200 réis de direito sobre as agoas-ardentes, que entrarem pela barra, e não os pagarem aquella, que não entrarem pela barra, não é outra cousa mais, do que estabelecer uma excepção. O D. Par o Sr. C. de Porto Covo excitou-me a pedir a palavra, porque no que S. Ex.ª disse era sustentação da tabella, deu-me novas idéas para a combater, e apoiar a proposta offerecida pelo D. Par o Sr. Fonseca Magalhães. Todas as razões de S. Ex.ª sustentam o additamento. Disse S. Ex.ª, que o D. Par o Sr. Fonseca Magalhães, com quanto reprovasse o augmento do tributo, queria com tudo faze-lo extensivo a todas as agoas-ardentes, e não só ás que entrassem pela barra, mas ás que entrassem no Porto; e então, accrescentou S. Ex.ª maior ha de ser o inconveniente. Sr. Presidente, eu direi que, se de pesar este imposto sobre as agoas-ardentes em geral ha inconveniente, é forçoso que o haja maior, se elle pesar especialmente sobre alguma excepcionalmente. Responde-se a isto dizendo, que a agoa-ardente que entra pela barra tem menor valor, e aquella que entra por terra o tem maior; mas, Sr. Presidente, o que eu quero é, que se mostre, que o genero que tem um valor menor, pôde com o tributo melhor, do que o que tem maior valor, o que importaria, que o genero que vale menos valesse mais, e vice versa, e seria um pasmoso esforço de razão a demonstração. A agoa-ardente de uma mesma graduação, é de igual qualidade; mas não são diversas as quantidades de vinho para a elevar á mesma graduação, segundo a sua qualidade. A agoa-ardente da Estremadura pôde ser equiparada á agoa-ardente do Douro; mas para isso hão de concorrer quantidades de vinho muito diversas: o do Douro dará maior quantidade de agoa-ardente de uma graduação dada, que o vinho da E. treinadora; de maneira, que para, equiparar um valor, é necessario quantidades muito diversas. Se considerarmos a despeza de producção, acharemos sem duvida a differença a favor do da Estremadura, duvido que na maior parte equivalente á differença da quantidade, e em relação á despeza de transporte: creio que a differença será contra a da Estremadura; mas note-se, que fallo em geral. Apesar de tudo, carrega-se com um tributo a agoa-ardente da Estremadura, e parte da Beira, que esta no mesmo caso!! Aonde está aqui a justiça? 200 réis não é nada (diz-se), e nós muitas vezes especulamos em 200 réis para mandar um genero para esta, ou outra parte; e ainda que 200 réis não fosse nada, a injustiça, e a parcialidade eram muitas. (Apoiados.) Eu não me levanto tanto contra os 200 réis, do que contra uma tendencia (que eu peço licença á Camara para chamar infernal) para proteger contra os interesses de tudo, e da todos, a agricultura vinhateira do Porto. (Apoiados.) As cercanias, e arredores de Lisboa, abundam em vinho; Alemquer, Torres, Mercianna, e muitos outros Logares produzem vinhos de embarque, e não tem outros meios de subsistencia; e dá-se o escandalo de valer o vinho nas adegas 300 por cento menos, do que elles pagam na Alfandega das Sete Casas: diz-se que o Douro não vive de outra cousa, senão do seu vinho: é
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a razão que se dá sempre, para uma protecção sem limite. Aquelles Logares, immensos outros, não vivem, nem podem viver de outra cousa, e comtudo, lá vai sob-carregada a sua producção excepcionalmente 1 E comtudo, elles já definham, a ninguem chega o producto para o costeamento! E por isso, que voto pelo additamento, porque não quero excepções odiosas. (Apoiados.) Sofframos todos se a despeza é necessaria, e não nos lembremos mesmo, que a sua utilidade ha de reverter mais em favor de uma localidade; sofframos todos; mas comtudo não votemos com injustiça, que os que mais utilisam não contribuam igualmente. O Sr. C. de Porto Covo achou máo, que o tributo, assim votado, desse um resultado muito grande, e eu acho nisso uma muito grande vantagem: a obra que se reputa necessaria será feita com mais pressa, e os meios para ella, serão votados com justiça.
O Sr. Silva Carvalho — Sr. Presidente, o D. Par fez justiça á Commissão, quando entendeu, e disse — que ella não teria em vista proteger o exclusivo da agoa-ardente do Porto, e certamente é assim. Eu voto contra esse exclusivismo, e contra todos, e sempre hei de votar contra qualquer exclusivo, seja de que natureza se apresente. (Apoiados.) Quando aqui se tractou da questão da Companhia, o D. Par, o Sr. B. de Porto de Moz estará lembrado do calor, com que eu entrei nessa discussão; mas tambem entendo, que conceder essa contribuição agora de 7, réis e meio em almude, pouco mais ou menos, ninguem me julgará contradictorio em votar por ella, nem assento tambem, que por uma imposição tão pequena deixasse de ter consumo a agoa-ardente, que entrasse na barra do Porto. É verdade que nós estamos afogados em vinho, e a verdade é, que elle não sahe; mas a cultura, tanto na Beira como em Tras-os-Montes, é a do vinho; e estará a Nação toda fazendo uma cultura, que lhe traga prejuizos? Parece-me que não: portanto, a Commissão não tracta do exclusivismo da Companhia, nem tambem prende o seu voto para votar como entender, quando esse objecto vier á Camara; e entendeu que por um imposto tão pequeno, como são 200 íeis em pipa, não deixaria de ter consumo, nem para o futuro serviria de regra para votar pelo desejado exclusivo.
O Sr. Pereira de Magalhães — Sr. Presidente, eu não quero agora entrar na grande questão do exclusivo das agoas-ardentes, nem na questão dos vinhos, que é uma questão muito grande, e que eu desejo vêr tractada, como se espera em breve nesta Camara, e eu tambem darei a minha fraca opinião sobre este importante assumpto, porque tenho tido varias occasiões de o examinar: limitar-me-hei agora unicamente ao artigo do projecto.
Eu não sei a razão, que teve a Associação Commercial do Porto, para pedir este tributo sobre a agoa-ardente, que entrar pela barra; mas o que digo em geral a respeito desta tabella é — que se o Governo quizesse propor á Camara uma Lei sobre direitos das Alfandegas, e se as Camaras mesmo quizessem fazer uma Lei sobre este assumpto, haviam de consultar peritos. Eu estou certo, de que nem o Governo, nem as Camaras o fariam, sem consultarem primeiro os homens intelligentes. Ora supponhamos, que esta Lei era relativa a objectos, que entravam na Alfandega do Porto: a quem consultava a Camara, ou o Governo? Aos negociantes do Porto; e elles que fizeram esta tabella serão incompetentes para saber se este imposto é prejudicial ao commercio? Nós devemos presumir que elles conheçam, que não sejam prejudiciaes, porque são os homens competentes para o julgar. Mas diz-se — porque é que elles taxaram os direitas na primeira tabella, e vem agora aggrava-la? Eu entendo que a primeira tabella foi de ensaio, e esta é a da pratica. Este ensaio aproveitou; conheceram que haviam generos, que podiam com maiores direitos; outros que deviam, continuar com os mesmos direitos; e outros que não podiam com os direitos da primeira tabella; e por consequencia aproveitaram estas observações praticas para fazerem a tabella em discussão. Eu votei por ella na Commissão sem hesitação, e talvez votasse pela Lei de 1841: pôde ser que sim; mas segundo os meus principios de hoje não votaria por ella, porque me opporia, a que obras publicas sejam feitas por particulares. (O Sr. Fonseca Magalhães — Apoiado.)
Quer-se uma praça de commercio, quer-se uma casa para o tribunal: seja feita pelas obras publicas, e o Governo que proponha os meios para as despezas necessarias. (O Sr. Fonseca Magalhães — Apoiado: isso é que é administração) Entretanto nós não estamos agora neste caso, porque já votámos a primeira Lei, a obra está começada, é necessario concluir-se, e como se começou. (Apoiados.)
Disse um D. Par — dêem-se mais annos, e o mesmo tributo, e levante-se sobre elle um capital para fazer a obra. Hoje, fallar em contrair um emprestimo, é o mesmo que chover no molhado, como se costuma dizer; e eu entendo, que este 1.º artigo traz o maior elogio, que se pôde fazer á modestia da Associação Commercial do Porto, porque ella podia pedir o tributo que pede, por cinco annos ao menos, porque lendo um tributo de 8:000$000 réis não tem recebi lo senão 3 a 4:000$000 réis, e fallando-lhe 40:000$ réis para concluir a obra eram precisos cinco annos, porque 8 vezes 5 são 40; e póde estar quasi na certeza de que não poderá acabar a obra, e ha de vir neste espaço de tempo pedir novos meios (Apoiados); mas não pede os cinco annos, pede dois. Se a tabella será boa, não sei; mas disse o D. Par — dê-se um grande numero de annos, e o resultado seria que quando a obra se concluisse o que estava fedo estaria arruinado, e então não se faria.
Concluirei, repetindo, o que já disse a respeito do direito sobre a agoa-ardente, visto que se insiste neste ponto; e repetirei, que não sei a razão da tabella marcar este imposto, só para a que entra pela barra; mas o que sei é, que em quanto á agoa-ardente do Douro, uma pipa fica por 70 e tantos mil réis, e já a Camara reconheceu a sua caristia, quando deu um subsidio de 150:000$000 réis á Companhia, com obrigação de comprar vinho ao preço de 12$000 réis, do qual, sendo necessarias 6 pipas para fazer uma de agoa-ardente, imporia em 72$000 réis na mão do productor, e a Companhia comprando o vinho, e fazendo a agoa-ardente, ha de concorrer com ella no mercado com a da Estremadura, e da Beira, que é feita com vinho comprado a 3$600 e 4$000 réis cada pipa. Eis aqui a razão, por que me parece, que não vem aqui taxada a agoa-ardente do Douro: não ha idéa de exclusivismo, em 200 réis pôde fazer tal exclusivo, e senão repartam esta quantia por 25 almudes, e verão quanto imporia este imposto. A razão é esta — porque a agoa-ardente do Douro, em razão do preço artificial dada pela Lei ao vinho, que a Companhia é obrigada a comprar, fica muito mais cara, que a da Estremadura, e muito mais ficaria com o tributo, posto que modico. Entendo pois, que a Associação fez muito bem em exclui-la.
O Sr. Fonseca Magalhães — Eu obtive muita instrucção das demonstrações dos D. Pares, principalmente... de todos. (O Sr. Duarte Leitão — Apoiado.) Mas é preciso que cada um de nós diga aquillo de que está persuadido, e o diga com franqueza, embora o accusem de enganar-se, ou errar. Eu não quero dar as minhas razões como verdades evangelicas, ou demonstrações mathematicas: exponho-as sempre a medo, porque mui pouco em mim confio. O D. Par que acabou de fallar fundou de certo muito bem o seu argumento, fundou-o nos conhecimentos praticos que teem os Membros da Associação Commercial do Porto, conhecimentos praticos que adquiriram depois do primeiro ensaio que fizeram, e de cujo resultado viram que se tinham enganado nas contas. Julgaram que receberiam mais do que obtiveram. Mas o calculo tinha por objecto só a estimativa da somma necessaria para a obra, e nenhum outro. Viram dos resultados do ensaio que o producto foi menor; e propõem outra tentativa para quê? Para obterem maior somma — aquella que pertendem tirar para levar a obra ao cabo. O D. Par pensa nisto do mesmo modo que eu; e diz ha outro ensaio; elles esperam que esse dê mais alguma cousa, e para o futuro virão pedir mais providencias para acabar a obra, se estas não forem bastantes. Aqui está o que é claro e evidente; é tudo quanto se propõe. Não ha quem não saiba que a obra se não acabará em tres annos, seguindo-se o que se segue; e eu ouso dizer que nem em seis.
Mas, no momento em que eu fallo não é essa a questão, a questão é a da tabella. (O Sr. V. de F. Arcada — Apoiado.) Diz o D. Par, que o meio que eu propuz de continuar a imposição que existia só porque já existia, que o adoptava elle; e só pelo motivo de já existir o imposto o concedia elle, porque, segundo os seus principios de hoje, votaria contra. É isto exactamente o que me move a consentir no mal antigo, porque já não causa estranheza; mas nunca em augmenta-lo porque já existia algum: era mal sendo pouco o onus; e deixará d» o ser crescendo? Não vejo as cousas por este lado. Eu declaro que se existe um mal que não podemos remover, ao menos devemos guardar-nos de augmenta-lo. Creio que taes são tambem os principios do D. Par.
Diz elle: em que circumstancias veiu o orador fallar no emprestimo? Tem razão; confesso que' são desfavoraveis para emprestimos; mas são ellas mais prosperas para imposição de tributos novos? Se a occasião é má para fazer contractos por falta de meios, a occasião é má e pessima para augmentar impostos, que devem ser pagos por quem menos pôde; mas aqui ha uma circumstancia excepcional; quem pede o subsidio é o Corpo commercial do Porto, o qual comparativamente com os demais do Reino, é poderoso. (Apoiados.) Ora este corpo tão illustrado, e de certo tão patriotico, conhece que não precisa, para obter a somma que se requer, de ir mendigar fóra de si um emprestimo, cujo pagamento, de interesse modico e lenta amortisação, poderia obter-se sem o novo sacrificio. É isto o que eu penso, e o que exponho francamente. Em qualquer outra circumstancia, e para um emprestimo grande, concordo que lhe fosse necessario ir buscar dinheiro fóra da Cidade, e fóra do Paiz; mas no caso presente, quem dirá que o Corpo do Commercio do Porto não pôde com esta somma que é realmente diminuta? Não duvido que haja algum sacrificio, mas não grande sacrificio. E foi esta a razão porque eu lembrei este arbitrio, que me pareceu o mais suave.
Sr. Presidente, quando se tractou a questão do exclusivo ou não exclusivo das agoas-ardentes que concorriam na praça commercial do Porto, disse-se, e provou-se que a agoa-ardente do Douro podia competir com a agoa-ardente da Estremadura: disse-se, que a agoa-ardente da Estremadura podia ter no Porto o preço de quarenta mil réis, sem excluir a das provincias do norte: era eu então Membro da outra Camara, e aqui estão alguns D. Pares que o eram tambem, que disto se lembrarão. Se pois a agoa-ardente da Estremadura pôde concorrer com a do Douro para a venda, póde concorrer tambem na imposição. Eu bem sei, Sr. Presidente, que aqui não se tracta do exclusivo, nem accusei os Membros da Commissão, nem nenhum outro D. Par, de querer estabelecer o exclusivo, mas o que eu digo é, que mesmo sem SS. Ex.ªs o quererem, estabelecem-no nesta excepção. O D. Par sabe muito bem, que exiguos lucros, se alguns ha, teem os desgraçados productores desse genero: diga-me pois o D. Par senão é certo que, a quem não pôde com mais, um simples arratel de peso faz curvar. Assim é o commercio, Sr. Presidente, o genero que só pôde com 10, não pôde com 10 e mais uma fracção.
O D. Par, e meu amigo, o Sr. José da Silva Carvalho disse uma verdade; mas S. Ex.ª mesmo fez justiça ao nosso atraso: disse elle, ahi está a cultura dos vinhos ruinosa, mas continuada na esperança de futuro melhoramento; isto, Sr. Presidente, confirma-o uma desgraçada experiencia. Os lavradores de anno para anno se vão arruinando a maior. Este genero está actualmente reduzido a um preço vil, a zero mesmo.
Na esperança que temos de que a providencia nos soccorra com uma abundosa colheita, poder-se-ha dizer que não é necessario tractar dos meios de fazer vender este producto? E será o meio o impôr-lhe um novo onus! Não o pôde ser. Sr. Presidente, nestes assumptos sou eu escravo dos principios: mas que escravo? Manietado aos principios; e eu só vejo abusos, sofismas, e crueldades, nestas excepções que se fazem.
Concluo pois dizendo, que o principio, e o facto são verdadeiros: a agoa-ardente do Douro seja qual fôr o seu preço, pôde concorrer com a da Estremadura; logo, quem pôde concorrer na venda, póde concorrer no pagamento de igual imposto.
O Sr. C. de Linhares — Sr. Presidente, não pedi a palavra, por me querer oppôr ao Projecto, mas só sim para notar, que este negocio não é trazido perante a Camara com a regularidade necessaria. Apesar da falta de esclarecimentos, póde-se inferir, que estando metade da obra feita com o dispendio de 32:000$000 réis, ella se não poderá acabar com muito menos de outro tanto. Ora tendo se orçado a despeza primitivamente em 40:000$000 réis, que era o que se presumia rendiam os impostos da tabella, que se votaram, é evidente, que o calculo da obra foi pouco exacto. Agora pede-se ao Parlamento novos recursos, sem os apoiar nos esclarecimentos indispensaveis, quaes os que expliquem a inexactidão do orçamento da obra, ou, se tal é o caso, o menor produto dos impostos, que se teriam calculado em maior rendimento. Aqui está pois demonstrado, que não foi o mais regular, o modo por que este negocio se apresentou a esta Camara, e que se deveria explicar as causas por que o orçamento primitivo não correspondeu, e substitui-lo por outro mais exacto, antes de exigir uma nova tabella, com augmento de impostos, que assim mesmo ainda parecem insufficientes, e que talvez ainda venham a exigir nova medida legislativa. No estado porém, em que esta questão se apresenta hoje, não julgo dever oppôr-me, ainda que a não acho regular. Farei agora algumas observações sobre o que ouvi a um digno Par, relativo ás agoas-ardentes da Estremadura.
Ellas já teem alguma vantagem no mercado do Porto, em razão do menor preço dos vinhos com que são feitas, e por tanto não acho injusto, nem oppressivo o imposto com relação ás do Porto, que se dizem feitas com vinhos mais caros. Quanto porém á vantagem da qualidade, creio que é um prejuizo, pois as agoas-ardentes de 32 gráos, ou sejam feitas com vinhos de Lisboa, ou do Porto, não uma e a mesma cousa, isto é, Alchool com alguma agoa; e a não se provar, que as agoas-ardentes de Lisboa eram feitas com vinhos azedos, e que na destilação tinha passado de mistura algum acido acético, que é volátil, e se achasse já formado no vinho que azedava, não lhe vejo motivo de differença, pois o Alchool já formado no vinho é separado pela destilação de qualquer vinho, que o contenha, sem nenhuma addição, excepto de algum outro principio volátil, o que quasi nunca se dá, sendo o alambique bem construido, e o vinho puro. Por este lado chymicamente se demonstra a igualdade dos vinhos, ou sejam de Lisboa, ou do Porto, para produzirem boa agoa-ardente.
Á vista do que fica dito, não voto pela emenda offerecida á tabella, pois julgo a agoa-ardente, que entra pela Barra do Porto, assas favorecida no mercado do Porto, em relação ás agoas-ardentes do Districto.
O Sr. Pereira de Magalhães — Sr. Presidente, eu pedi a palavra unicamente para fazer uma observação. Disse o D. Par o Sr. Fonseca Magalhães, que assim como a agoa-ardente do Porto concorre no mercado com a da Estremadura, concorra tambem no pagamento do imposto: peço ao D. Par que attenda, que para se produzir uma pipa de vinho rio Douro, é necessario uma grande extensão de terreno difficultissimo de fabricar, e S. Ex.ª sabe muito bem, que até se chega a abrir um boraco em uma pedra com uma broca, para lhe deitar depois terra, a qual vai ás costas de gallegos a fim de plantar as vides, de tudo o que resulta fazerem se despezas avultadas na agricultura das vinhas do Douro, o que faz com que uma pipa de vinho alli saia muito cara, o que não acontece em alguns logares na Estremadura, onde uma videira dá dous ou tres cestos de uva, sem fabrico nenhum. Vê-se pois, que a agoa-ardente que produzir este vinho, ha de sahir muito mais barata do que a do Douro, e comtudo a do Douro concorre no mercado com a da Estremadura; mas a razão é, porque a Companhia tem 150:000$000 de réis para fazer este commercio: com esses 150:000$000 de réis é que equilibra o preço, porque lhe foram dados, obrigando se a comprar o vinho por um preço certo; e reduzindo a agoa-ardente, o que por outro meio não poder consumir, ha de vende-la pelo preço que estiver no mercado; e se a da Estremadura estiver a 40 ha de vender a do Douro por este preço, e eis-aqui porque ella concorre no mercado com a da Estremadura.
Mas diz-se agora — a da Estremadura não tem sahida para o Porto, porque a do Douro obsta ao seu consumo. Não e esta causa, Sr. Presidente, a causa é porque não ha exportação de vinhos do Porto para o Brasil, e para os portos da Europa, tão extensa como houve um outro tempo: a unica exportação importante, que existe, é para Inglaterra, e para o vinho desta exportação é sufficiente a agoa-ardente do Douro, que é sempre preferida posto que mais cara. Augmente-se pois a exportação do vinho do Porto; seja ella como já foi; e então toda a agoa-ardente, tanto do Douro como da Estremadura, terá consumo prompto, e talvez não chegue. Examine-se a causa do mal, e procure-se dar-lhe remedio.
O Sr. V. de Fonte Arcada — O D. Par pertendeu destruir o argumento do Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, fundando-se no preço, porque ficava uma pipa de vinho do Douro; e disse — que era necessario romper as penhas, e acarretar terra ás costas para por entre ellas se plantar as videiras, e por essa razão o vinho era caríssimo; mas note a Camara, que este vinho não é o que se queima, porque é o vinho fino, que sempre se exporta. Os vinhos de que no Minho, e no Porto se faz agoa-ardente são tão baratos como os nossos; e os que tem aquella cultura, são dos que não se queima nem só uma pipa.
Ora agora como se pretende, que assim mesmo aquellas agoas-ardentes são dispendiosas no seu fabrico, tiremos o augmento, que se propõe, e façamos extensivo a todas as agoas-ardentes, que entram no Porto, o direito da antiga tabella.
Estas agoas-ardentes já valem 150$000 réis por pipa: logo ficam muito mais beneficiadas, do que as agoas-ardentes, que entram pela barra, as quaes valendo muito menos, hão de pagar o mesmo imposto.
Eu da minha parte não quizera augmentar os tributos, e o que queria era reduzir este á primeira tabella; mas não mando emenda alguma para a Mesa a este respeito, porque seria inutil. Quizera reduzir o imposto da agoa ardente, que entra no Porto, á primeira tabella; mas não farei disso questão, e uma vez que não ha nada na Mesa sobre este objecto, vejo-me obrigado a votar pelo additamento do Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães.
Á vista do que se tem dito, não é necessario que eu diga mais nada; porém como não se tinha ainda respondido ao novo argumento do D. Par, julguei que devia fazer estas observações.
O Sr. Presidente — A hora já deu. (Vozes — Votos. Votos.) Mas ainda ha a fallar o Sr. B. de Chancelleiros.
O Sr. B. de Chancelleiros — Se a Camara quer que se vote, cederei da palavra; mas eu tinha uma reflexão a fazer (Vozes — Falle. Falle). Sr. Presidente, quem é mais interessado, era que a agoa-ardente da Extremadura seja vendida no Porto, o mais barato possivel, são os commerciantes daquella Praça, porque são elles os maiores, senão os unicos, compradores, e consumidores. Pois, Sr. Presidente, é esse mesmo Corpo de commercio, representado pela Associação, quem propõe, que a agoa-ardente entrada pela Barra, pague mais o imposto de 150 réis por pipa, que elle se offerece a pagar de boa mente. Peço que se attenda a esta reflexão, a qual atenua, se é que não destroe, as aprehensões manifestadas nesta Camara, a respeito de protecção a favor das agoas-ardentes do Douro, a qual, por certo, a Associação não teve em vista, nem poderia obter-se por meio de um tão diminuto imposto.
É sabido (como bem disse o D. Par o Sr. Felix Pereira de Magalhães), que a maior parte da agoa-ardente do Douro é feita de vinho, cujo preço taxado por Lei, são 12$000 réis por pipa, não custando as despezas do fabrico, regularmente, menos de 6 a 7$200 réis Ora, já se vê que, ainda suppondo o fabrico da pipa de vinho da Extremadura de 4 a 5$000 réis, e o seu preço de 5 a 6$000 réis, sendo o rendimento em agoa-ardente quasi o mesmo, pois que não são os vinhos finos, os que mais rendem; manifesto é, que a do Douro ha de ficar mais cara, e que por força ha de ter admissão na Cidade do Porto a da Extremadura, ainda que sujeita fique ao novo imposto.
A vista disto, Sr. Presidente, declaro que, como Lavrador de vinhos na Extremadura, não posso partilhar os receios daquelles Sr.s, que vêem neste imposto uma especie de exclusivo em favor da agoa-ardente do Douro. E não se suspeite, que me influe o ser tambem Lavrador de vinhos no Douro; por quanto, são da primeira ordem dos finos, os que alli lavro, e que por isso nunca se queimam, tendo sahida certa para Inglaterra.
Ora agora, ao que disse o D. Par o Sr. Fonseca Magalhães, que eu não contesto, observarei que, supposto seja sempre mais cara a agoa-ardente do vinho do Douro, nem por isso deixa ella de lêr sahida, e consumo, em concorrencia com a da Extremadura; mas é porque, em geral, o Commercio a prefere, em razão da sua homogeneidade, para adubo das 20 a 24,000 pipas de vinho fino, que annualmente se exportam parai Inglaterra.
O Sr. B. de Porto de Móz — Esta questão é uma daquellas, que não pôde deixar de se discutir, importa muitos interesses, e eu vejo ás vezes levar-se aqui muito tempo com questões, que não importam nada. O Sr. Pereira de Magalhães, e o Sr. B. de Chancelleiros, fallaram sobre o imposto da agua-ardente da Provincia da Extremadura: eu peço em nome dessa Provincia, que me deixem fallar (Vozes — Pois sim. Mas depressa). Eu fallo tão depressa, que ás vezes os Tachigraphos não me apanham: não se assustem com ai demora, mas eu careço de responder, ao que disse o Sr. Felix Pereira de Magalhães.
Este D. Par comparou o custo do vinho mais puro do Douro, com o do mais rediculo da Extremadura. Foi ao campo de Santarem, fallou das cepas, que segundo elle, alli produzem cada uma uma pipa de vinho e segundo elle tambem, sem alguma despeza; comparou depois este vinho comi o vinho mais fino do Porto, que segundo elle, custa o seu fabrico 12$000 réis por pipa; e forte com este admiravel raciocinio, tirou a consequencia, sem réplica, de que a agua-ardente da Extremadura podia com maiores impostos: este argumento, pela singularidade, merece as honras do invento, e o seu auctor deve tirar o privilegio: argumento formidavel!
Mas, direi, que este argumento heide eu converter em favor do additamento: agradeço a S.
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Ex.ª ter me recordado. O vinho fino do Douro, aquelle cujo costeamento custa os 12$000 réis, de que falla o D. Par, não se queima; mas haverá alguma cepa, que produza uma pipa de vinho, quasi sem despeza alguma, e que se reduza agua-ardente para vir por terra ao Porto? Há! sim: este vinho é o do Minho, para o qual o D. Par quer a excepção, ou isempção do imposto! Se isto não é verdade, mostre-se.
A aguardente do Minho, onde o vinho se produz quasi sem algum fabrico, passa a ser isempta, por esta Lei, do imposto que vai pesar sobre a agua-ardente da Extremadura. Mas S. Ex.ª entende, que o vinho que custa pouco, é o que deve ser mais tributado: como combina isto?
Ora, o que é desgraça é, que não se tem em conta nenhuma 150:000$000 de réis, que já se dão a favor desta agricultura do Douro, quando nada se faz a favor da cultura do vinho da Extremadura (Apoiados); e a pesar deste favor, que muita gente poderá chamar odioso, ainda se quer carregar o vinho da Extremadura com um imposto excepcional...
(O Sr. C. de Semodães — Peço só duas palavras).
Ora agora diz-se — que uma pipa de vinho, por muito inferior que seja, custa mais no Douro, do que na Extremadura; o facto não é todo exacto, e aqui está o Sr. B. de Chancelleiros, que é Lavrador na Provincia da Extremadura, e mais no Douro que poderá dizer, se o costeamento é muito inferior em algumas partes da Extremadura, comparado com algumas do Douro: ainda ha pouco S. Ex.ª me disse, e peço licença para o referir — que ha quintas na Estremadura, onde o dono não vende o vinho pelo costeamento delle, e ainda assim, que justiça vai feita no Projecto!....
Mas disse-se — o vinho que custa esse maximo de cultura, esse não se queima; e não se vê, que isto é confessar o que eu pretendo? E accrescenta-se — porque esse tem uma exportação certa, a que nem os proprios inglezes se podem oppôr (eu cuidei que os inglezes eram mais poderosos). Nós, que não temos nenhuma exportação necessaria, havemos carregar com o imposto! Mas ainda ha alguma cousa a considerar. Esse vinho, de que se fallou dos campos de Santarem, e que custa pouco, é em geral a maxima parte dos vinhos, que se queimam na Estremadura. Quanto vinho é necessario para fazer uma pipa de agoa ardente? Quanto do vinho do Douro? Desse vinho forte... (O Sr. B. de Chancelleiros — O vinho que lá se queima não é o que custa caro no seu fabrico.) Eu sei que não é esse; já o eu disse, esse tem mais altos destinos; não é esse vinho de que tractamos; e quantas pipas é preciso do outro, comparado com o da Estremadura, para dar uma pipa de agoa-ardente? Em Leiria, não sendo boa a colheita, quero dizer, não sendo enchuta a vindima, são necessarias doze pipas para fazer uma de agoa-ardente, medida do Porto (O Sr. B. de Chancelleiros — Seis pipas bastam). V. Ex.ª fallou da sua agricultura, eu fallo da minha; eu comprometto-me a mostrar a V. Ex.ª o que asseverei estava persuadido, que na maior parte da Provincia da Estremadura não haviam seis pipas de vinho, que produzissem uma de agoa-ardente de prova. Eu queimo regularmente doze pipas de vinho, e quando a colheita é melhor, nunca abaixo de nove, ou dez: felicito-me por saber, que se queima vinho na Estremadura, do qual seis pipas fazem uma de agoa-ardente de prova. Ora compare V. Ex.ª a quantidade de vinho, que na maxima parte das terras desta Provincia é necessaria para fazer uma pipa de agoa-ardente, e os carretos que temos, e os 150:000$000 de réis, de que já fiz menção; e por outra parte a barateza da agoa-ardente do Minho. A força comparativa do vinho do Douro, que não é barato no seu custo, é a sua producção, quando destilado e digam aonde está aqui a justiça da excepção contra a agoa-ardente, que entra pela Barra do Porto? Eu entendo, que não é possivel, que a tabella passe da maneira que está; mas o que eu ainda não pude comprehender, é como, quando se tracta deste imposto para a agoa-ardente da Estremadura, se diga — não é nada: o que são 200 réis? E quando se quer fazer extensivo o imposto ao Porto, tudo se ergue contra o imposto. Onde está aqui a justiça? Voto por tanto pelo additamento, e contra a tabella.
O Sr. C. DE SEMODÃES — Eu não tenho a dizer senão duas palavras sobre o que disse o D. Par a respeito dos 150:000$000 de réis, que foram concedidos á Companhia do Douro.
É necessario que o D. Par saiba, que estes 150:000$000 de réis sahem da exportação do vinho, porque cada pipa, que pela barra do Porto sahe para os portos da Europa, paga 14$400 réis de direitos; e se vai da Extremadura paga 1 por cento, e isso é que é injustiça. O imposto que paga anda por 14$400 réis, e dahi é que se tiram os 150:000$000 réis para a Companhia do Douro; e desejava que o Governo tirasse o imposto, e não desse os 150:000$000 réis, porque então esses 12$000 réis, ou 14$400 réis, que paga, redundam em utilidade do vendedor, e mesmo do comprador, porque 6$000 réis mais, que o comprador deu ao vendedor em cada pipa de vinho, já é um augmento muito grande, e isto é o que eu queria dizer.
Eu é que disse ao D. Par o Sr. B. de Porto de Moz — que algumas videiras do Minho dão uma pipa de vinho, de que se faz agoardente, e vai para o Porto, e se lhe impõe o imposto; mas é necessario que o D. Par saiba, que a agoardente que vai para o Porto, paga de certo pela conducção 14$400 a 19$200 réis de carretos, porque eu tenho estado na Provincia do Minho, sei do Concelho de Basto, que é donde é a melhor agoardente, que vai para o Porto, e não vão lá por menos de 14$400 réis. Portanto, eu voto pelo projecto, porque não vejo, que se faça injuria nenhuma ás agoardentes da Extremadura, nem de parte nenhuma.
O Sr. PRESIDENTE — Não ha mais ninguem inscripto, e vai pôr-se á votação (Apoiados).
O Sr. FONSECA MAGALHÃES — Eu creio que já não posso fallar sobre a emenda.
O Sr. C. DE THOMAR — Sobre a ordem. Podia votar-se a Tabella, ficando para uma discussão especial a terceira verba.
O Sr. PRESIDENTE — Eu ponho á votação o artigo 1.°, salva a Emenda do D. Par, para depois ser votada.
Approvado o artigo 1.º
O Sr. PRESIDENTE — Está approvado. Agora segue-se a votação sobre a Emenda.
O Sr. FONSECA MAGALHÃES — Eu não posso já fallar sobre a Emenda?
O Sr. PRESIDENTE — O D. Par tinha direito a fallar mais de duas vezes, como auctor da Emenda.
Vozes — Votos. Votos.
Foi approvada o Emenda do Sr. Fonseca Magalhães.
O Sr. PRESIDENTE — Está approvada. O artigo 2.° não póde ser objecto de discussão, e se a Camara consentisse podia votar-se (Apoiados).
Foi tambem approvado o artigo 2.º
O Sr. PRESIDENTE — Amanhã não haverá Sessão, e a primeira será na Quarta feira á hora costumada, e a Ordem do dia é o Parecer N.° 30, sobre a Proposição de Lei N.° 24, prorogando o prazo, por anteriores disposições concedido, para o pagamento de dividas do Estado. Está fechada a Sessão.
Eram quasi quatro horas e meia.